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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: UM
MOMENTO DE DISCUSSÕES, INTERAÇÕES E TROCA
DE IDEIAS
Miriam Ines Marchi1, Vanessa Paula Reginatto2, Eniz Conceição Oliveira3,
Michelle Câmara Pizzato4
Resumo: Este artigo é uma abordagem sobre aspectos que emergiram de uma pesquisa realizada em um
curso de formação continuada de professores envolvendo profissionais do Ensino Básico. A mesma buscou
investigar as possibilidades e dificuldades de reunir um grupo de professores para discutir o planejamento
e repensar suas práticas pedagógicas, produzindo atividades curriculares temáticas (Unidades Didáticas),
socializando suas aulas coletivamente em um processo de formação continuada por meio de momentos
de interações e troca de saberes. Percebe-se que a falta de tempo foi uma das principais dificuldades de
realizar atividades coletivas e como aspectos positivos mereceram destaque a constante atualização, a
busca por novidades, a preocupação com a melhoria da prática pedagógica, a oportunidade de trabalhar
com profissionais das diferentes áreas do conhecimento e as amizades surgidas no grupo. Nos encontros,
ocorreram a interação e a socialização das experiências dos participantes, possibilitando troca de saberes
entre as disciplinas.
Palavras-chave: Interação. Formação continuada de professores. Interdisciplinaridade.
CONTINUING EDUCATION OF TEACHERS: A
MOMENT OF DISCUSSION, INTERACTION AND
EXCHANGE OF IDEAS
Abstract: This article is an approach to aspects that emerged in a survey conducted in a continuing
education course for teachers involving basic education professionals. The research aimed to investigate
the possibilities and difficulties in gathering a group of teachers to discuss the planning and rethink
their teaching practices, producing thematic curricular activities (Teaching), socializing their classes
collectively in a process of continuing education through moments of interaction and knowledge exchange.
It was realized that lack of time was a major difficulty to perform collective activities and stands out as
positive: the constant update, the search for novelty, the concern with improving teaching practice, the
1 Química - Doutora em Química – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Exatas.
Professora Adjunta da Univates. E-mail: [email protected]
2 Licenciada em Ciências Exatas - Mestra em Ensino de Ciências Exatas - Docente da Univates e da
Rede Estadual de Ensino.
3 Química - Doutora em Química – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Exatas e
Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento - Professora Adjunta da Univates.
4 Química - Doutora em Ensino de Ciências - Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul.
Caderno pedagógico, Lajeado, v. 10, n. 1, p. 119-137, 2013. ISSN 1983-0882
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opportunity to work with professionals from different areas of knowledge, and friendships that arise
in this group. During the meetings occurred interaction and socialization of experiences among the
participants, enabling knowledge sharing between disciplines.
Keywords: Interaction. Continuing education of teachers. Interdisciplinarity.
1 INTRODUÇÃO
A docência e a formação continuada de professores ainda é um dos desafios
enfrentados pelos profissionais e pelas instituições de ensino que buscam uma melhoria
no aprendizado dos seus alunos. Diante dessa problemática, o artigo discute uma
experiência de formação continuada com um grupo de docentes que se reuniram
com o propósito de repensar suas práticas pedagógicas, planejar e socializar suas
aulas coletivamente. Além disso, nesses encontros, emergiram questões relativas à
problemática do ser “professor”. Mereceram destaque a desvalorização da categoria no
sentido salarial e social, o excesso de carga horária, a falta de tempo para o preparo
das aulas, a quantidade e a qualidade dos cursos de formação e a gestão escolar das
instituições de ensino dos participantes.
Nesta perspectiva, ressalta-se a importância da formação continuada dar relevância
ao papel do professor, por este ser considerado a peça fundamental no desenvolvimento
das propostas curriculares que envolvem o estudante e toda a comunidade escolar.
Ao falar do papel desse profissional, os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais)
enfatizam que cabe a ele a apresentação dos “conteúdos e atividades de aprendizagem
de forma que os alunos compreendam o porquê e o para que do que aprendem, e assim
desenvolvam expectativas positivas em relação à aprendizagem e sintam-se motivados
para o trabalho escolar” (BRASIL, 1997, p. 48).
Percebe-se também que a interação e a troca de ideias na formação de professores
podem ocorrer no momento em que se busca trabalhar de uma forma interdisciplinar.
Segundo Vygostsky (2004), o ser humano aprende e se forma em contato com a
sociedade. A aprendizagem se dá na interação do sujeito com o meio, desde que
esta resulte numa transformação do ser e do ambiente no qual ele está inserido. A
interdisciplinaridade é conceituada por diversos autores e, num dos olhares de Fazenda
(1999), a interdisciplinaridade visa refletir a prática pedagógica onde o aluno passa a ser
o ponto de partida para toda e qualquer busca de conhecimento. Destacando novamente
a importância do papel do docente, a autora enfatiza que:
O papel do professor é fundamental no avanço construtivo do aluno. É ele, o
professor, quem pode captar as necessidades do aluno e o que a educação lhe
proporcionar. A interdisciplinaridade do professor pode envolver e modificar o
aluno quando ele assim o permitir (FAZENDA, 1999, p. 30).
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A interdisciplinaridade poderia ser uma reorganização no processo ensino
aprendizagem e um trabalho de cooperação dos professores. Dessa forma, a proposta
discutida vem ao encontro do que se acredita a respeito de um estudo não fragmentado e
contextualizado, pois é possível estar associado à realidade dos estudantes. Diante disso,
planejou-se um curso de formação continuada para docentes, visando a desenvolver uma
proposta interdisciplinar, com momentos de interações. Este teve como um dos objetivos
reunir um grupo de educadores buscando superar o distanciamento entre o ensino de
Ciências e a área cientifica tecnológica por meio do desenvolvimento de atividades
curriculares temáticas (Unidades Didáticas) interdisciplinares, de interações e troca de
ideias dentro do contexto das Instituições de Ensino dos participantes envolvidos, seja
ela Universidade ou Escola de Educação Básica. Ainda, com esta pesquisa, procurou-se
criar subsídios para o trabalho docente em sala de aula, resultando assim na produção de
recursos didáticos pedagógicos que pudessem contribuir com a formação do professor e
o processo ensino-aprendizagem do aluno.
Inicialmente, o trabalho apoiou-se na seguinte questão: Quais as possibilidades
e dificuldades em reunir um grupo de professores para discutir o planejamento e
repensar as suas práticas pedagógicas, produzindo atividades curriculares temáticas,
socializando suas aulas coletivamente em um processo de formação continuada por
meio de momentos de interações e troca de saberes?
2 ABORDAGEM TEÓRICA
2.1 Formação Continuada de Professores
A formação continuada de professores vem sendo um tema comumente abordado,
pois, muitas vezes, a inicial não consegue dar conta de preparar e atualizar o acadêmico
para exercer a docência, necessitando, assim, que este profissional busque continuar
seus estudos. Para Dullius (2012, p. 114):
A formação continuada refere-se a todas as ações praticadas pelos docentes em
prol da melhoria de sua prática pedagógica. Ser professor pressupõe estar na
condição de um eterno aprendiz, estar disposto a rever, buscar e fazer autocrítica
comprometendo-se com a superação dos limites encontrados.
Maldaner (2003) também se preocupa com a formação inicial dos professores e
a sua atuação em situações cotidianas que se encontram em uma realidade bastante
complexa quando confrontada com aquela utilizada nos cursos de graduação. Segundo
o autor, esse distanciamento da realidade dificulta o desenvolvimento do trabalho dos
docentes:
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Ao saírem dos cursos de licenciatura, sem terem problematizado o conhecimento
específico em que vão atuar e nem o ensino desse conhecimento na escola,
recorrerem, usualmente, aos programas, apostilas, anotações e livros didáticos que
os seus professores proporcionaram quando cursaram o Ensino Médio. É isto que
mantém o círculo vicioso de um péssimo ensino de Química em nossas escolas
(MALDANER, 2003, p. 74).
Percebe-se que, provavelmente, isso não acontece somente no ensino de Química,
mas também em outras disciplinas em que os professores recorrem, usualmente, aos
programas, apostilas, anotações e livros didáticos, fazendo com que, dificilmente, eles
interajam e troquem ideias com outros colegas. Em relação à formação dos docentes, é
relevante destacar as palavras de Ghedin e colaboradores:
Vários estudos têm mostrado que os profissionais não estão sendo formados e nem
estão recebendo preparo suficiente no processo inicial de sua formação docente
para enfrentar a nova realidade da escola pública e as demandas hoje existentes,
assumindo as novas atribuições que passam a ser cobradas dos professores
(GHEDIN; LEITE; ALMEIDA, 2008, p. 29).
Também Maldaner (2003, p. 110) afirma que a criação de oportunidades para
aperfeiçoamento dos professores é aceitável e que “a formação continuada é uma
necessidade intrínseca à prática pedagógica, sempre mais complexa e de nível crescente
de exigência de conhecimentos da qual a formação inicial não pode dar conta”. Nessa
ótica, o docente necessita estar periodicamente se atualizando.
Dando sequência a esse enfoque, os professores precisam dar conta da cobrança
pedagógica atual, sendo necessária uma atualização constante em busca do
conhecimento, envolvendo estudos teóricos e práticos e momentos de interação e troca
de ideias. Assim, ressalta-se novamente a importância da formação continuada de
docentes, conforme Gabini e Diniz:
Um processo de formação continuada, através do qual o professor possa estar em
contato com as tecnologias e também tenha a possibilidade de refletir, de discutir
com outros docentes, embasado em teorias a respeito da inserção dos recursos em
atividades de sala de aula, pode colaborar para dar-lhe domínio e segurança frente
a essa nova atuação pedagógica (GABINI; DINIZ, 2009, p. 04).
As dificuldades que os professores encontram em atualizar suas práticas em sala de
aula podem estar relacionadas aos excessos de carga horária e às condições de trabalho
a que estão submetidos. Algo que poderia facilitar os momentos de interação e troca
de ideias seria a utilização do tempo de formação para produzirem material de suas
atividades de aula, que, além de auxiliá-los na comunicação, na interação, na troca de
experiências, representa uma alternativa para que tenham a oportunidade de desenvolver
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a sua formação continuada com autonomia, sem que ocorra um comprometimento de
suas atividades pedagógicas.
Nesta perspectiva, a própria escola poderia ser um espaço utilizado à formação
continuada dos professores, onde os coordenadores desenvolveriam atividades e
propostas que contemplassem a interação, a interdisciplinaridade e a contextualização.
Porém, muitas vezes, falta-lhes a prática ou a vivência para tal, possível de ser oferecida
pelo próprio Sistema de Educação ou por Instituições de Ensino Superior próximas.
2.2 Interdisciplinaridade
A formação continuada pode ser uma oportunidade de realizar atividades que
visam à troca de ideias, socializações de suas práticas em sala de aula, com características
contextuais e interdisciplinares, configurando uma aprendizagem constituída por
diferentes saberes. Ainda, vale lembrar que, na maioria dos cursos de graduação das
licenciaturas, normalmente, o trabalho dos formadores não é desenvolvido de forma
interdisciplinar. Assim, quando o professor estiver atuando e houver a necessidade ou
vontade de trabalhar interdisciplinarmente, provavelmente sentirá dificuldades, pois ele
não vivenciou essa realidade.
A interdisciplinaridade surge, conforme Pombo (1993), como uma aspiração
emergente no seio dos próprios professores, pois são eles que vêm realizando
experiências de ensino que visam à integração colaborativa de saberes entre duas ou
mais disciplinas. É notável a grande vontade dos docentes em desenvolver trabalhos
que rompam as grandes barreiras entre as disciplinas. No entanto, muitas vezes, tal
trabalho não passa de um ensaio de interdisciplinaridade, ficando muito aquém do
que poderia ser efetivamente explorado. Quando dela se fala, vários são os conceitos
atribuídos para tentar elucidá-la. Pombo define que:
Interdisciplinaridade deverá então entender-se qualquer forma de combinação
entre duas o mais disciplinas com vista à compreensão de um objeto a partir da
confluência de pontos de vista diferentes e tendo como objetivo final a elaboração
de uma síntese relativamente ao objeto comum. A interdisciplinaridade implica,
portanto, alguma reorganização do processo de ensino/aprendizagem e supõe um
trabalho continuado de cooperação dos professores envolvidos. Conforme os
casos e os níveis de integração pretendidos, ela pode traduzir-se num leque muito
alargado de possibilidades: transposição de conceitos, terminologias, tipos de
discurso e argumentação, cooperação metodológica e instrumental, transferência
de conteúdos, problemas, resultados, exemplos, aplicações etc (POMBO, 1993, p.
13, grifo da autora).
Em outra obra, Pombo (2005) também aborda que as formas de se pensar e agir
interdisciplinarmente estão ligadas a algo que se quer e se tem vontade de fazer. O pensar
e o agir interdisciplinar demandam o conhecimento sobre os conceitos das palavras. Em
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busca de uma conceituação interdisciplinar, podem-se trabalhar as várias disciplinas
com a integração dos saberes de cada professor ou autor de sua própria história. Neste
artigo, defende-se a integração dos saberes, visando uma compreensão do mundo em
que vivemos, superando obstáculos, permitindo analisar e interpretar melhor os fatos,
não apenas decorando, assimilando e reproduzindo de forma fragmentada e isolada o
conhecimento.
A interdisciplinaridade não objetiva abandonar as disciplinas; ela procura ampliar
os conhecimentos de modo que se possa, juntamente com o educando, integrar-se à
sociedade, atuar, interagir e interferir sobre ela, ou seja, repensar os conteúdos escolares
e as práticas docentes (NESSELO, 2010). Acredita-se que, para acontecer esse repensar,
é necessário que o professor se arrisque a novos desafios para que ele possa sair da sua
“zona de conforto”, integrando-se a outras propostas de ensino. Na sequência, Pombo,
ao remeter-se à interdisciplinaridade, enfatiza o pensar, o agir, o ser:
[...] a interdisciplinaridade se deixa pensar, não apenas na sua faceta cognitiva
- sensibilidade à complexidade, capacidade para procurar mecanismos comuns,
atenção a estruturas profundas que possam articular o que aparentemente não é
articulável - mas também em termos de atitude - curiosidade, abertura de espírito,
gosto pela colaboração, pela cooperação, pelo trabalho em comum. Sem interesse
real por aquilo que o outro tem para dizer não se faz interdisciplinaridade. Só
há interdisciplinaridade se somos capazes de partilhar o nosso pequeno domínio
do saber, se temos a coragem necessária para abandonar o conforto da nossa
linguagem técnica e para nos aventurarmos num domínio que é de todos e
de que ninguém é proprietário exclusivo. Não se trata de defender que, com a
interdisciplinaridade, se alcançaria uma forma de anular o poder que todo saber
implica (o que equivaleria a cair na utopia beata do sábio sem poder), mas de
acreditar na possibilidade de partilhar o poder que se tem, ou melhor, de desejar
partilhá-lo. Como? Desocultando o saber que lhe corresponde, explicitando-o,
tornando-o discursivo, discutindo-o. Ao contrário da fórmula repetida segundo a
qual a nossa liberdade começa quando termina a liberdade do outro, para arriscar
fazer interdisciplinaridade é necessário perceber que a nossa liberdade só começa
quando começa a liberdade do outro. Ou seja, temos que dar as mãos e caminhar
juntos (POMBO, 2005, p. 13, grifo da autora).
A autora fala da importância de se partilharem os saberes, bem como interessar-se
e preocupar-se com o que o outro tem a dizer. Nesta proposta, também se desejou que
acontecessem esses momentos de integração entre os professores participantes.
Ainda, Japiassu (1976, p. 32) enfatiza que a característica principal da
interdisciplinaridade “[...] consiste no fato de incorporar os resultados de várias
disciplinas, tomando-lhes de empréstimo esquemas conceituais de análise a fim de
fazê-los integrar, depois de havê-los comparado e julgado”. Nessa perspectiva, o autor
considera que a interdisciplinaridade é elaborada para atender uma série de demandas,
conforme segue:
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a) há uma demanda ligada ao desenvolvimento da ciência: a interdisciplinaridade
vem responder à necessidade de criar um fundamento ao surgimento de novas
disciplinas;
b) há uma demanda ligada ás reivindicações estudantis contra um saber
fragmentado, artificialmente cortado, pois a realidade é necessariamente global e
multidimensional: a interdisciplinaridade aparece como símbolo da “anti-ciência”,
do retorno ao vivido e as dimensões sócio-históricas da ciência;
c) há uma demanda crescente por parte daqueles que sentem mais de perto
a necessidade de uma formação profissional: a interdisciplinaridade responde
à necessidade de formar profissionais que não sejam especialistas de uma só
especialidade;
d) há uma demanda social crescente fazendo com que as universidades proponham
novos temas de estudo que, por definição, não podem ser encerrados nos estreitos
compartimentos das disciplinas existentes (JAPIASSU, 1976, p. 53).
Concordando com o autor, é essencial que a interdisciplinaridade esteja “[...]
fundada sobre a competência de cada especialista” (JAPIASSU, 1976, p. 104). Porém,
cabe ao professor querer trabalhar e perceber as necessidades dos alunos, tendo a
capacidade de romper fronteiras entre as disciplinas e não ser mero especialista de uma
só área.
Abrir caminho entre as disciplinas, construir trabalhos em conjunto, socializar,
discutir, trocar ideias e experiências caracterizam um trabalho interdisciplinar que pode
ser de formas diversas e com diferentes atores, isto é, ser realizado coletivamente entre
professores pesquisadores da escola e os demais pesquisadores. Em relação ao trabalho
interdisciplinar, os autores a seguir defendem que:
Para se trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar, portanto, os saberes já
produzidos – que muitas vezes permanecem separados uns dos outros – devem
integrar-se. Diante disso, o movimento pela interdisciplinaridade pode ser visto
como uma forma de promover o diálogo entre conhecimentos, que não mais
são tomados de maneira fragmentada e passam a colaborar mutuamente para o
enfrentamento dos problemas complexos que nos são colocados pela realidade.
Esse diálogo refere-se não apenas a interação entre duas ou mais disciplinas, mas
pressupõe o trabalho em conjunto, que pode ocorrer tanto entre pesquisadores
quanto entre professores na escola. Esse trabalho coletivo e, ao mesmo tempo,
uma maneira de reconhecer as limitações dos campos disciplinares e uma forma
de buscar um conhecimento que só pode ser produzido a partir da articulação. O
principio que embasa essa concepção de interdisciplinaridade e o de que nenhuma
área do conhecimento pode ser considerada completa por si só (PÁTARO; BOVO,
2012, p. 58-59).
Também a relação interpessoal do docente pode ser considerada uma característica
importante no trabalho. Tardif (2004) comenta que dificilmente o professor atua
sozinho, pois ele geralmente se encontra interagindo com outras pessoas, começando
com os estudantes. Sua atividade não é exercida sobre um objeto, mas sim um fenômeno
a ser descoberto. Ela é desenvolvida concretamente em uma rede de interações com
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outras pessoas, num contexto em que o elemento humano é determinante e dominante,
onde estão presentes símbolos, valores, sentimentos e atitudes que são possíveis de
interpretação e decisão. Essas interações são mediadas por diversos canais: discursos,
comportamentos, maneiras de ser etc.
Portanto, exigem dos educadores a capacidade de serem pessoas em interação com
pessoas, gerando certezas particulares que consistem na confirmação de sua própria
capacidade de ensinar e de atingir um bom desempenho em sua prática docente.
Normalmente, essas interações ocorrem na escola e são constituídas de relações sociais
hierárquicas, ocorrendo, muitas vezes, em meio a situações de normas e obrigações,
prescrições estas que os professores precisam conhecer e respeitar. Os saberes
experienciais possibilitam certezas no contexto do seu trabalho na escola, o que vem
facilitar sua integração. Eles possuem três objetos:
a) as relações e interações que os professores estabelecem e desenvolvem com os
demais atores no campo de sua prática;
b) as diversas obrigações e normas às quais seu trabalho deve submeter-se;
c) a instituição enquanto meio organizado e composto de funções diversificadas
que não são nada mais que as condições da profissão (TARDIF, 2004, p. 50).
Na perspectiva de um trabalho interdisciplinar na formação de professores quando
estes se reúnem para repensar suas práticas pedagógicas, planejar e socializar suas
aulas coletivamente, não se pode deixar de lembrar das interações que ali ocorrem,
mencionadas por Boff e demais colaboradores: “Ao interagir com diferentes sujeitos
vivenciamos experiências reais de trabalho em equipe, num constante exercício de
reflexão sobre possibilidades, problemas e limitações, condição necessária para a
pesquisa” (BOFF, et al, 2008, p. 97).
A interação que acontece nos coletivos escolares é aquela que instiga, revigora e
engrandece o ser humano como pessoa e profissional, pois é nela que o processo ocorre
e “Para isso precisam ser proporcionadas tarefas cuja solução exige interações adequadas
no grupo, bem como a introdução e significação de determinados meios, como são as
teorias, conceitos e atividades coletivas” (ARAÚJO; AUTH; MALDANER, 2007, p.
174).
Assim, propostas pedagógicas podem ser construídas nesse contexto, envolvendo
um repensar das práticas docentes e conteúdos escolares em um coletivo de professores.
E imagina-se a interação como uma espécie de energia que não se perde, nem se cria;
apenas se transforma em outra energia, ou seja, interage de diferentes formas.
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3 METODOLOGIA
A metodologia investigativa adotou a pesquisa qualitativa (MOREIRA;
CALEFFE, 2008; APPOLINÁRIO, 2012) e estudo de caso (YIN, 2010). A
abordagem qualitativa da pesquisa explora as características dos indivíduos e cenários
que não podem ser descritos numericamente com facilidade. O dado coletado é
normalmente verbal por meio da observação, descrição e gravação (MOREIRA;
CALEFFE, 2008). Appolinário (2012) acrescenta que a pesquisa qualitativa não
busca a generalização; assim, quando da análise dos dados coletados, terá por objetivo
simplesmente compreender um fenômeno em seu sentido mais intenso em vez de
produzir inferências que possam levar à constituição de leis gerais ou a extrapolações
que permitam fazer previsões válidas sobre a realidade futura. Considera-se, também,
segundo uma das ideias de Yin (2010), um estudo de caso, pois permite investigar
um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real,
especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente
evidentes.
A presente pesquisa buscou, junto a um grupo de professores de um curso de
formação continuada da Univates, investigar quais as dificuldades e potencialidades
encontradas para elaborar e desenvolver as atividades das unidades didáticas, analisar se
e como ocorreu a interação entre os participantes nos encontros. Ainda, avaliou-se qual
o olhar de alguns desses docentes em relação ao curso.
Tendo em vista o foco do estudo, os sujeitos participantes foram 11 professores
que exerciam a função docente em duas Escolas de Educação Básica do Vale do
Taquari, sendo um do gênero masculino e dez femininos. Inicialmente, eram quatorze
participantes, mas três estiveram presentes apenas no primeiro encontro. Entre eles,
dois eram de História e Geografia, três de Biologia, três de Letras e Inglês, um de
Educação Artística, um de Matemática e um de Química e Física. A maioria trabalhava
em duas escolas, com carga horária aproximada de 40 horas semanais.
O curso de formação continuada foi composto por cinco encontros, ocorridos
aos sábados, no Centro Universitário UNIVATES, nos turnos da manhã e tarde,
completando um total de carga horária de 40 horas. A instituição disponibilizou salas
equipadas com datashow, laboratório de informática, de química, e de física, entre
outros recursos didáticos. O planejamento das atividades e a socialização dos resultados
do grupo, que foi subdividido em dois, deu-se nesse ambiente e o desenvolvimento das
Unidades Didáticas aconteceu nas escolas de cada equipe de trabalho.
Nesses encontros, foram estruturadas e discutidas as propostas curriculares
envolvendo diferentes metodologias de ensino. Para atingir os objetivos deste trabalho
interdisciplinar, foi necessário repensar as práticas pedagógicas docentes, além da
disposição e envolvimento dos participantes da proposta. Eles se organizaram em grupos
por escola, elaborando uma proposta interdisciplinar com os temas: “A rota do DNA,
um olhar sobre a multiculturalidade brasileira” e “Impactos ambientais e preservação dos
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recursos naturais”. Nos momentos de interação e discussão, os professores planejaram
suas aulas para as seguintes áreas do conhecimento: Ciências Humanas e Natureza,
Matemática e suas Tecnologias, em que cada equipe se responsabilizou em desenvolver
as atividades em sua escola.
A coleta de dados deste artigo deu-se por observações, gravações e transcrições
dos encontros e de uma entrevista informal com os professores. Mereceu destaque a
discussão de dados transcritos dos encontros e da entrevista que contemplou questões
que abordavam: os avanços e obstáculos encontrados na elaboração e desenvolvimento
das atividades da Unidade Didática, as interações e discussões ocorridas nos encontros,
o olhar do grupo em relação ao curso e a contribuição desta formação continuada na
prática pedagógica dos participantes.
A análise de dados desta pesquisa baseou-se nos pressupostos teóricos de Moraes
(2003, p. 208), onde enfatiza que “O desafio é tornar compreensível o que antes não
o era, e isso precisa ser feito com um texto de qualidade e sabor”. Nesta perspectiva,
a tarefa seguinte foi tornar os dados coletados em um texto que tivesse uma leitura
agradável e compreensível. Ainda, conforme o autor,
Sempre parte do pressuposto de que toda leitura já é uma interpretação e que
não existe uma leitura única e objetiva. Ainda que, seguidamente, dentro de
determinados grupos, possam ocorrer interpretações semelhantes, um texto
sempre possibilita múltiplas significações. Diferentes sentidos podem ser lidos em
um mesmo texto (MORAES, 2003, p. 192-193).
Seguindo a linha de interpretações de dados, fazer-se entender ou tornar-se claro,
foi algo que permeou as discussões e as atividades desenvolvidas na pesquisa, pois o
duplo sentido e significado são questões que sempre nos acompanham; o importante
é a clareza com que se pretende determinada discussão e/ou atividade. Para melhor
descrever os resultados da discussão, garantindo o anonimato dos participantes, os
mesmos foram denominados “P1; P2; P3...”.
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Pelas discussões geradas entre os professores durante o curso de formação
continuada, percebeu-se que, no início, eles estavam apreensivos, angustiados
e preocupados com a maneira pela qual se dariam os encontros e de que forma
elaborariam o trabalho interdisciplinar. Apresentaram-se o planejamento e os objetivos
dos encontros, salientando que as atividades e a forma como elas seriam conduzidas e/
ou desenvolvidas poderiam ser modificadas conforme a necessidade do grupo.
Com o intuito de facilitar a compreensão da proposta, partiu-se de um experimento
no laboratório de química para exemplificar e discutir com a turma a forma pela qual
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se poderia planejar uma unidade didática com o tema “etanol” com um grupo de
professores das diferentes áreas do conhecimento. Para que fosse possível gerar uma
discussão, questionaram-se quais seriam os conteúdos/assuntos relacionados e como eles
trabalhariam (de forma fictícia) esse tema com seus alunos em sala de aula. A atividade
foi muito interessante porque quase todos participaram com sugestões e ideias, gerando,
assim, as primeiras interações. Além disso, havia professores que não eram da área de
Ciências Exatas e muitos deles nunca tinham entrado em um laboratório, tampouco
realizado uma prática experimental.
Pelos relatos e conversas informais, percebeu-se que os professores haviam
entendido em que consistia a Unidade Didática e que cada um dos grupos deveria
elaborá-la em conjunto para desenvolvê-la em sala de aula com uma turma do Ensino
Básico, além de socializar as experiências com os demais participantes. Posteriormente,
surgiram os questionamentos: Como fazer isso? Como planejar e estruturar esta
proposta? Qual tema trabalhar? Quais conteúdos/assuntos abordar? Com que turma?
Como embasar/fundamentar o trabalho?
Com o propósito de orientá-los a encontrar as respostas a esses questionamentos,
foi- lhes disponibilizado Notebook com acesso à internet para consultarem artigos
científicos, E-book e outros materiais com informações confiáveis. Além disso, houve
o fornecimento de subsídios em forma de artigos e livros para serem utilizados na
elaboração do trabalho e o acompanhamento aos participantes até a Biblioteca para que
pudessem utilizar o acervo de livros e periódicos disponíveis na Universidade. Nesse
primeiro encontro, eles esboçaram a unidade didática, definindo o tema e a turma em
que cada grupo iria trabalhar.
Nos segundo, terceiro e quarto encontros, deu-se continuidade à elaboração,
discussão e socialização das atividades desenvolvidas nas escolas. No quinto, as duas
equipes prepararam a apresentação do seu trabalho e o expuseram ao grande grupo,
detalhando como e quais foram as atividades desenvolvidas com seus alunos. Também
houve a socialização das dificuldades encontradas e das conquistas alcançadas com essa
proposta. Além disso, nesse dia, alguns se dispuseram a participar de uma entrevista
para ajudar a responder a questão e os objetivos desta pesquisa. É interessante destacar
que os professores pesquisadores que organizaram o curso de formação continuada
fizeram parte do planejamento, das discussões e da socialização das unidades didáticas
em todos os encontros.
Cabe lembrar que o objetivo deste trabalho não era analisar as duas Unidades
Didáticas desenvolvidas pelos professores durante o período do curso de formação
continuada e, sim, focar, de forma sucinta, os aspectos que contribuíram ou dificultaram
o desenvolvimento da proposta, os relatos e discussões que emergiram dos encontros e
a percepção dos professores em relação ao curso.
Pela análise dos dados emergentes em relação aos obstáculos encontrados pelos
professores na elaboração e desenvolvimento das atividades interdisciplinares, a maioria
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dos participantes relatou que a principal dificuldade de realizar trabalhos coletivos é
a falta de tempo disponível para essas atividades. Destacaram a importância de haver
um espaço e condições para planejar as unidades didáticas durante os encontros da
formação continuada. Mesmo assim, eles sentiram a necessidade de mais tempo para
essas atividades. Também mencionaram que nas escolas faltam recursos (dinheiro) para
aquisição e utilização de diferentes ferramentas/materiais didáticos. Essas dificuldades
podem ser observadas na fala de diversos professores, traduzidas nas palavras de P1:
“As dificuldades em planejar são principalmente a falta de tempo e os recursos. Também a
aplicação, o calendário escolar e as atividades fora da sala de aula”.
Ainda, dando continuidade aos principais obstáculos encontrados, alguns
professores mencionaram que a sua formação inicial e a forma como as escolas trabalham
também são dificuldades para a realização das atividades das unidades didáticas
com caráter interdisciplinar. A maioria desses docentes teve uma formação inicial e
continuada de forma disciplinar. Muitos não tiveram oportunidade de discutir questões
relacionadas à interdisciplinaridade. Outra dificuldade destacada leva em consideração
o aluno, a maneira como ele aceita e trabalha com as atividades diferenciadas, fugindo
da sequência dos conteúdos do livro adotado: “A maior dificuldade, talvez, seja a falta de
costume dos alunos de fugir dos conteúdos programados (P2).
Hülsendeger (2008) tece algumas considerações de professores e alunos ao
realizarem trabalhos interdisciplinares que vêm ao encontro do que foi percebido pelas
falas e relatos de alguns dos participantes:
A interdisciplinaridade, com o passar do tempo, vem deixando de ser mais um
modismo na educação. Ela começa a ser encarada como uma proposta pedagógica
que pode auxiliar a superar algumas das dificuldades encontradas por professores
e alunos no trabalho desenvolvido na sala de aula.
No entanto, esse conceito ainda é pouco discutido nas escolas, dificultando a
compreensão dos seus reais objetivos. Assim, os professores, muitas vezes, optam
em permanecer isolados em suas salas de aula, evitando compartilhar problemas,
dificuldades, dúvidas e incertezas, pois temem que isso possa ser considerado um
sinal de covardia e/ou incompetência (HÜLSENDEGER, 2008, p. 233).
Os professores relataram suas angústias, seus medos de trabalharem dessa
maneira, mas também destacaram os aspectos positivos das atividades do trabalho e
dos encontros. Os motivos foram principalmente a formação continuada em si, ou seja,
estar em constante atualização, a busca por novidade, a preocupação com a melhoria
da prática pedagógica, o interesse pelo tema interdisciplinaridade, a oportunidade de
trabalhar com profissionais das diferentes áreas e as amizades surgidas no grupo.
Em relação ao que esta formação docente de professores contribuiu com a prática
pedagógica dos participantes, eles citaram a importância de planejar em conjunto,
adquirindo um conhecimento amplo em relação às outras áreas por meio de conversas,
reflexões e discussões de ideias que poderiam facilitar o trabalho interdisciplinar, bem
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como a possibilidade de integrar e formar um grupo para a socialização dos saberes. “Contribui positivamente, porque nos envolvemos nos planejamentos das atividades e vimos
que apesar dos problemas, planejar junto funciona. Trabalhar junto com outras áreas ajuda o
aluno a ver que certos conteúdos estão interligados” (P5).
Percebeu-se que alguns professores entenderam a proposta de trabalho e
consideraram esses momentos como uma oportunidade de aprendizagem e trocas
de experiências. - “Hoje estou mais aberta a integrar novos conteúdos à disciplina, que
trabalho” (P6); - “Observei como outros professores planejam suas aulas e isso enriqueceu meu
entendimento de projetos” (P8). Em sua manifestação, do P3 destacou que os encontros
o levaram a refletir sua prática pedagógica: - “[...] notei diferenças no meu planejamento,
sempre penso se posso relacionar esse conteúdo com outras disciplinas (P3). A superação do
medo em arriscar trabalhar dessa forma, também foi mencionada pelo P7: - “Mais
confiança em desenvolver trabalho interdisciplinar, mais conhecimento nas diferentes áreas”.
Acredita-se que esta proposta de formação continuada, apesar das dificuldades
encontradas para o desenvolvimento dos trabalhos interdisciplinares, contribuiu
positivamente na prática pedagógica dos professores participantes. Para Pátaro e
Bovo (2012), a interdisciplinaridade, muito embora não ofereça as respostas a esse
questionamento, abre caminho para o trabalho coletivo, que fornece as bases para um
trabalho pedagógico cujo objetivo é a aproximação entre as disciplinas escolares e as
questões relacionadas à vida cotidiana dos alunos. É esse trabalho coletivo que pode
ajudar a conectar as disciplinas curriculares com a vida das pessoas, mantendo a escola
aberta à complexidade e disponível às questões transversais presentes na sociedade em
que vivemos.
Ao serem questionados quanto às expectativas em relação ao curso, notou-se,
pelas suas falas, que as mesmas foram positivas, haja vista o engajamento do grupo que
assumiu a responsabilidade de desenvolver a proposta. A afirmação de P6 revela que o
grupo se comprometeu com o curso de formação continuada e destaca o trabalho de
equipe.
Eu acho que foi contemplada no sentido de que nós nos propusemos a trabalhar. Porque
assim se nós tivéssemos ficado em casa. Claro, nós conseguiríamos fazer nosso trabalho, cada
uma iria seguir seu conteúdo normal. Eu não deixaria de trabalhar o naturalismo da Luiz
Azevedo? Mas essa parada do fato de refletir, de analisar, de fazer todas as leituras, isso é
muito importante. De ter tempo, de encontrar o tempo. Porque a gente tem o tempo, só que a
gente se envolve com outras atividades. Eu acho que como nosso colega colocou pegar esse grupo,
tirar lá do espaço dele e colocar num outro espaço, um grupo que queira realmente fazer alguma
coisa. Por que se a gente não quisesse a gente também não teria vindo pra cá, tantos sábados né!
Deixando um monte de atividades que a gente tem em casa. Eu acho que houve mediação sim,
ainda que a gente às vezes tenha assim exagerado, feito comentário mais agressivo. Mas eu
acho que isso é pela vivência. Quando a gente convive muito tempo isso vai acontecendo. Uma
coisa que você não diria pra uma pessoa que você diz pra outra, que você tem uma amizade
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maior. Então houve muita mediação sim. Eu acho assim que eu e a professora P4 trocamos
bastante dentro da nossa área, eu acho assim que foi muito bom isso. Então a professora P7
tá dando a aula dela e eu entro e sei do que ela ta falando. Mesmo que eu não saiba qual é o
conteúdo, mas eu sei do que ela tá falando. Eu consigo fazer um gancho dentro da minha aula
que eu não saberia se a gente não tivesse parado e feito essa aula aqui.
Percebe-se que a interação ocorrida entre professores nos encontros possibilitou a
troca de saberes entre as disciplinas, indicando satisfação quanto às suas expectativas. E
também demonstraram vontade de planejar em conjunto e poder dividir os problemas,
os sucessos e as frustrações ocorridas nas suas realidades.
5 CONSIDERAÇÕES
Nesta pesquisa, buscou-se um amplo olhar da construção, observando-se também
os obstáculos e potencialidades encontradas. Consideramos as dificuldades na aceitação
do trabalho em suas escolas, a falta de um componente do grupo no curso, a distância, os
problemas em relação à interação dos conteúdos para que houvesse de fato um trabalho
interdisciplinar. Também cabe lembrar os vários pontos positivos, como os encontros
extras dos professores em suas casas, a participação dos estudantes, dos colegas que não
realizaram o curso, mas que de uma ou outra forma acabaram por desenvolver alguma
atividade. Uma infinidade de detalhes que merecem ser destacados, pois, afinal, são
muito importantes para a construção de uma unidade de trabalho.
Percebeu-se, por meio dos relatos de alguns professores que trabalhavam
socializando e discutindo seus planejamentos, que essa forma é mais significativa
e pode contribuir com o ensino aprendizagem dos estudantes. No início, surgiram
diversas dúvidas sobre como preparar uma proposta interdisciplinar e elas foram sendo
esclarecidas no decorrer das atividades do curso. As incertezas levaram os professores a
interagir, pois eram gerais e todos participavam da discussão. Nos encontros, ocorreram
a preparação, o desenvolvimento e as discussões dos trabalhos interdisciplinares que
emergiram dos dois grupos de professores, resultando em duas unidades didáticas: “A
rota do DNA, um olhar sobre a multiculturalidade brasileira” e “Impactos ambientais e
preservação dos recursos naturais”.
Pela descrição dos professores em relação à contribuição do curso na sua
prática de sala de aula, pôde-se perceber que algumas ideias simpatizavam com a
interdisciplinaridade, referindo-se a um maior entendimento com as disciplinas dos
outros colegas. Os docentes indicaram a possibilidade de integrar novos conteúdos à
disciplina, trabalhar junto com outras áreas, ajudar o estudante a compreender que
determinados conteúdos estão interligados, facilitar o seu planejamento, relacionando
os conteúdos com outras disciplinas.
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Quanto às características dos grupos, verificou-se que um deles interagia
mais; consequentemente, produzia com maior facilidade, tinha boa concentração,
poucas faltas e melhor engajamento com o trabalho. Já o outro apresentava algumas
dificuldades em relação à elaboração das atividades, à frequência e ao envolvimento nas
discussões. É importante ressaltar que todos os professores participavam das discussões
gerais, contribuindo com suas ideias e experiências.
É relevante citar que a contribuição para a formação docente dos participantes
do curso formação continuada na integração de saberes foi positiva. Os professores
mencionaram a importância do planejamento conjunto, o que leva à aquisição de um
conhecimento amplo sobre as outras áreas, conservando, pensando e discutindo ideias
que possam facilitar o trabalho em grupo.
Com os momentos de interações, notou-se, pelos relatos e pela vivência, que
realmente ocorreu a socialização dos trabalhos, das atividades, das frustrações, dos
pontos positivos e negativos. Acredita-se que isso tenha acontecido pelo fato de envolver
pequenos grupos, do tempo disponível para discutir e planejar, pela possibilidade de
poder expressar suas opiniões, de aceitar e fazer críticas sobre as atividades, ou seja,
foi preciso colocar a “mão na massa”. Por meio dessas trocas, colaboração e apoio dos
demais pesquisadores envolvidos, os trabalhos foram sendo reestruturados com cada
grupo.
Num contexto de formação continuada, é possível perceber que os professores têm
interesse em se aperfeiçoar; porém, às vezes, não encontram o que estão procurando.
Nos grupos em que se desenvolveram as propostas, houve boa participação da maioria
dos professores, pois juntos eles se motivavam e se comprometiam. Em suas falas,
surgiram aspectos que os mesmos não gostariam de vivenciar em cursos de formação
continuada, como por exemplo, palestra corrida, sem interrupções para trocas e
questionamentos, falta de atividades práticas que, posteriormente, seriam desenvolvidas
com os seus estudantes nas Escolas. Esses relatos contribuíram para enriquecer o
trabalho, em que foi proporcionada uma vivência experimental, ambiente para troca de
ideias, questionamentos e interações.
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