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A
Artigo Original
Lima ACG & Oliveira MC
Avaliação nutricional de pacientes neurológicos
submetidos à terapia nutricional enteral em uma
unidade de terapia intensiva
Nutritional assessment of neurological patients undergoing enteral nutritional therapy in an intensive
care unit
Anne Caroline Gomes de Lima1
Maria Conceição de Oliveira2
Unitermos:
Antropometria. Estado Nutricional. Nutrição Enteral.
Neurologia. Unidade de Terapia Intensiva.
Keywords:
Anthropometry. Nutritional Status. Enteral Nutrition.
Neurology. Intensive Care Units.
Endereço para correspondência:
Anne Caroline Gomes de Lima
Rua 8, no 23, Residencial Villa Real – ­Cidade Nova –
Manaus, AM, Brasil – CEP: 69097-157
E-mail: [email protected]
Submissão:
17 de dezembro de 2015
Aceito para publicação:
4 de fevereiro de 2016
1.
2.
RESUMO
Objetivo: Avaliar o estado nutricional de pacientes neurológicos submetidos à terapia nutricional
enteral em uma unidade de terapia intensiva. Método: Estudo transversal com 35 pacientes
adultos internados em Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Universitário de Manaus com
indicação e uso de nutrição enteral, entre os anos de 2014 a 2015. Foram utilizados indicadores
antropométricos de peso, altura, índice de massa corporal, dobra cutânea tricipital, circunferência
do braço e circunferência muscular do braço. Os parâmetros bioquímicos utilizados foram albumina
e contagem total de linfócitos (CTL). Para análise estatística dos dados foi utilizado o programa Epi
InfoTM 7. Resultados: As afecções neurocirúrgicas foram predominantes no estudo. Na avaliação
antropométrica, eutrofia e desnutrição totalizaram 80% da amostra, enquanto o sobrepeso
representou 20% dos casos. Não houve diferença (p>0,05) entre a maioria das medidas antropométricas e bioquímicas. As diferenças entre médias (p<0,05) foram para estatura (166,86±6,35
cm; 154,5±5,96 cm) e dobras cutâneas do tríceps (14,3±4,87 mm; 21,0±8,14 mm) de homens
e mulheres, respectivamente. A albumina plasmática e CTL classificaram como desnutridos 62%
dos homens e 68% das mulheres. Relevante e desejável percentual dos participantes sobreviveu,
porém 11% foram a óbito, com albumina e CTL inferior ao corte de normalidade. Conclusão: Os
resultados sugerem que o estado nutricional dos pacientes estava comprometido. Tais achados
reforçam a necessidade da utilização da terapia nutricional precoce, a fim de garantir a recuperação
ou manutenção do estado nutricional dos pacientes, e a importância da utilização de métodos
de combinação diagnóstica para a avaliação do estado nutricional de pacientes hospitalizados.
ABSTRACT
Objective: To evaluate the nutritional status of neurological patients undergoing enteral nutritional
therapy in an intensive care unit. Methods: Cross-sectional study of 35 adult patients admitted to
the Intensive Care Unit of Manaus University Hospital with indication and use of Enteral Nutrition,
between the years 2014 to 2015. Anthropometric weight indicators were used: height, body mass
index, triceps skinfold, arm circumference, and arm muscle circumference. Biochemical parameters used were albumin and total lymphocyte count (TLC). For statistical analysis we used the Epi
InfoTM 7 program. Results: Neurosurgical diseases were prevalent in the study. Anthropometric
evaluation, eutrophic and malnutrition totaled 80% of the sample, while overweight accounted
for 20% of cases. There was no difference (p>0.05) among most anthropometric and biochemical
measurements. The differences between means (p<0.05) were for height (166.86±6.35 cm;
154.5±5.96 cm) and skinfold thickness of triceps (14.3±4.87 mm; 21.0±8.14 mm) in men and
women, respectively. The plasma albumin and CTL classified as malnourished 62% of men and
68% of women. Relevant and desirable percentage of the participants survived, but 11% died,
with albumin and CTL below the normal cut. Conclusion: The results suggest that the nutritional
status of patients was compromised. Such findings reinforce the need for the use of early nutritional
support in order to ensure the recovery or maintenance of the nutritional status of patients, and
the importance of using diagnostic combination of methods for assessing the nutritional status
of hospitalized patients.
Nutricionista, Residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, AM,
Brasil.
Nutricionista, Doutora, Professor Associado do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, AM, Brasil.
Rev Bras Nutr Clin 2016; 31 (2): 112-7
112
Avaliação nutricional de pacientes neurológicos em UTI
INTRODUÇÃO
para fins da pesquisa, só foi iniciada depois da assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte do
paciente ou responsável, após submissão e parecer favorável
do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
do Amazonas (processo nº 07253412.0.0000.50), como
parte do projeto “Combinação diagnóstica na avaliação do
estado nutricional de pacientes adultos internados na clínica
neurocirúrgica e Unidade de Terapia Intensiva”.
As afecções neurológicas são doenças que atingem o
sistema nervoso e podem ser de caráter central ou periférico1.
As alterações neurológicas são uma importante causa de
mortalidade e constituem 12% do total de mortes globalmente. Estima-se que, atualmente, afetem até 1 bilhão de
pessoas em todo o mundo, encontrando-se entre todas as
faixas etárias e em todas as regiões geográficas2.
Para a coleta dos dados, foi utilizada uma ficha de
avaliação previamente estabelecida, incluindo dados de identificação pessoal, diagnóstico, indicadores antropométricos,
como estatura estimada, peso estimado, índice de massa
corporal (IMC), circunferência do braço (CB), dobra cutânea
do tríceps (DCT), circunferência muscular do braço (CMB),
altura do joelho (AJ) e indicadores laboratoriais (albumina,
percentual de linfócitos, contagem total de linfócitos e total
de leucócitos).
Na alimentação, muitas funções do sistema nervoso são
exigidas; desta forma, algum transtorno em uma dessas
funções pode afetar a capacidade de um indivíduo manter
a nutrição adequada e, consequentemente, resultar na incapacidade de cumprir as demandas metabólicas. Pacientes
neurológicos internados em Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) ainda contam com o agravante de depleção nutricional
frequente, já que a resposta metabólica ao estresse promove
intenso catabolismo e mobilização de proteínas para reparo
de tecidos lesa­dos e fornecimento de energia3.
Além disso, há fatores inerentes ao tratamento do
paciente crítico, como ventilação mecânica, uso de sedativos
e fármacos vasoativos, que também dificultam o aporte
nutricional4. Sendo assim, ao ser hospitalizado, o paciente
neurológico geralmente apresenta algum grau de desnutrição
proteico-calórica, que normalmente se acentua no decorrer
da internação.
Nesse contexto, a terapia nutricional enteral (TNE)
configura-se como a estratégia mais comumente utilizada
para prevenir ou tratar a desnutrição por ingestão oral insuficiente e/ou aumento das necessidades calórico-proteicas5.
Sua indicação está precedida da definição das necessidades
nutricionais dos pacientes, devendo ser levado em consideração, dentre outros fatores, o seu estado nutricional atual.
A avaliação nutricional é exigida como parte do cuidado
integral do paciente6 e utiliza a interpretação conjunta de
diversos parâmetros, dentre os quais estão a história nutricional, socioeconômica e clínica, exame físico nutricional,
antropometria e dosagem dos parâmetros bioquímicos dos
pacientes7.
Devido ao fato de todos os pacientes avaliados serem
acamados, o que impossibilitou a aferição de peso e altura
utilizando o modo convencional, essas medidas foram
estimadas por meio de fórmulas de predição. A estimativa
de peso foi calculada a partir da CB e AJ, utilizando-se a
fórmula de Chumlea et al8. Para a estimativa da estatura,
foi utilizada a medida da AJ na fórmula de Chumlea et al8.
O IMC foi obtido a partir da relação peso/estatura (kg/m2)
e classificado de acordo com os critérios da Organização
Mundial da Saúde9.
A CB e a AJ foram aferidas com o auxílio de uma fita
métrica plástica graduada em centímetros, com precisão
para milímetros, a DCT foi obtida a partir do adipômetro
da marca Lange Skinfold Caliper® e a CMB foi calculada
utilizando-se a seguinte fórmula: CMB = CB – (PCT x 0,314).
Para os valores de referência de CB, DCT e CBM, foi adotado
o critério estabelecido por Frisancho10.
Os parâmetros bioquímicos foram coletados no prontuário dos pacientes e classificados segundo critérios
estabelecidos. Para percentual de albumina, considerou-se
normal >3,50 g/dL, depleção leve de 3,0 g/dL a 3,50 g/
dL, depleção moderada 2,40 g/dL a 2,90 g/dL e depleção
grave <2,40g/dL11. A contagem total de linfócitos (CTL) foi
definida a partir da fórmula: CTL = % linfócitos X leucócitos
(cels/mm3)/100 e classificados como desnutrição leve o valor
de 1200 a 2000 cels/mm3; desnutrição moderada de 800
a 1199 cels/mm3 e desnutrição grave <800 cels/mm3 12.
Considerando a importância da avaliação nutricional
para a adequação, acompanhamento e monitoramento da
terapêutica nutricional, o presente trabalho teve por objetivo avaliar o estado nutricional de pacientes neurológicos
submetidos à TNE em uma UTI.
Para análise estatística dos dados, foi utilizado o programa
Epi Info 7.0
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal com 35 pacientes
adultos internados em Unidade de Terapia Intensiva de um
Hospital Universitário de Manaus, AM, com indicação e uso
de Nutrição Enteral (NE), entre os meses de março de 2014
a janeiro de 2015. Foram incluídos na pesquisa todos os
pacientes neurológicos e neurocirúrgicos com mais de 18
anos, recebendo TNE exclusiva. A coleta de informações,
RESULTADOS
A Tabela 1 mostra o perfil geral da amostra, dividida
conforme sexo e afecção. O grupo foi composto por 48,5%
(n=17) de homens e 51,5% (n=18) de mulheres. As afecções neurocirúrgicas predominaram, representando 68,5%
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Lima ACG & Oliveira MC
(n=23) dos casos, sendo aneurisma e tumor cerebral os mais
frequentes. O primeiro acometendo principalmente mulheres,
80% (n=8) dos casos, enquanto o tumor cerebral prevaleceu
no gênero masculino, 70% (n=9) dos participantes.
Tabela 1 – Distribuição do diagnóstico clínico conforme o sexo.
Diagnóstico
Aneurisma
Sexo
Sexo
Total
Masculino (n) Feminino (n)
n (%)
2
8
10 (28,5)
Tumor Cerebral
9
4
13 (37,1)
Guillan Barré
-
1
1 (2,80)
Esclerose Lateral Amiotrófica
2
-
2 (5,7)
Esclerose Múltipla
-
1
1 (2,8)
AVC
1
-
1 (2,8
Mieilite Transversa
-
1
1 (2,8)
Miastenia Gravis
-
1
1 (2,8)
Parkison
2
1
3 (8,5)
TRM
1
-
1 (2,8)
-
1
1 (2,8)
17
18
35
Síndrome Neurodegenerativa
Total
A Tabela 2 apresenta os valores de média e desvio padrão
com informações sobre o estado nutricional dos voluntários,
segundo parâmetros antropométricos e bioquímicos. Nota-se
que as mulheres apresentam valores de IMC, CB e DCT
superiores aos valores encontrados nos homens. Ainda em
relação à DCT, houve uma variação muita alta em ambos os
sexos, CV%=33,8; 38,6 para homens e mulheres, respectivamente. Em relação aos parâmetros laboratoriais, todos os
indicadores apresentaram valores médios com percentuais
de variação altos.
Nas Tabelas 3 e 4, observa-se a distribuição do estado
nutricional dos pacientes, segundo diagnóstico clínico. Na
avaliação antropométrica, eutrofia e desnutrição totalizam
AVC=acidente vascular cerebral; TRM=traumatismo raquimedular
Tabela 2 – Indicadores antropométricos e bioquímicos conforme o sexo.
Antropometria
Peso Estimado (kg)
Sexo Masculino (n=17)
X ± DP – CV%
Sexo Feminino (n=18)
X ± DP – CV%
Total (n=35)
X ± DP
p-Valor
62,9±13,6 - 21,7
57,1±14,5 - 25,3
60,0±14,2
0,12
Altura Estimada (cm)
166,8±6,35 - 3,8
154,5±5,96 - 3,8
160,4±8,70
0,00
IMC (m2/kg)
22,5±4,30 - 19,0
23,8±5,66 - 23,7
23,2±5,02
0,96
Circunferência do Braço (cm)
26,0±4,24 - 15,3
27,5±4,49 - 16,3
27,7±4,33
0,59
Prega Cutânea Tricipital (mm)
14,3±4,87 - 33,8
21,0±8,14 - 38,6
17,8±7,47
0,01
Circunferência Muscular do Braço (cm)
22,8±4,97 - 21,7
20,9±2,85 - 13,6
21,8±4,08
0,08
3,0±0,9 - 30,0
2,99±0,94 - 31,7
2,99±0,91
0,86
1451±744 - 51,3
1869±1110 - 59,3
1666±960
0,37
Exames Laboratoriais
Albumina g%
Contagem Total de Linfócitos (cels/mm )
3
IMC=índice de massa corporal
Tabela 3 – Estado nutricional relacionado ao diagnóstico clínico.
Diagnóstico
Diagnóstico
Desnutrição n (%)
4 (28,5)
Eutrofia n (%)
3 (21,4)
Sobrepeso n (%)
3 (42,8)
3 (21,4)
8 (57,1)
2 (28,5)
-
1 (7,1)
-
Esclerose Lateral Amiotrófica
1 (7,1)
1 (7,1)
-
Esclerose Múltipla
1 (7,1)
-
-
AVC
1 (7,1)
-
-
Mieilite Transversa
-
-
1 (14,2)
Miastenia Gravis
-
-
1 (14,2)
3 (21,4)
-
-
-
1 (7,1)
-
Aneurisma
Tumor Cerebral
Guillan Barré
Parkison
TRM
Síndrome Neurodegenerativa
Total
1 (7,1)
-
-
14 (100)
14 (100)
7 (100)
AVC=acidente vascular cerebral; TRM=traumatismo raquimedular
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Avaliação nutricional de pacientes neurológicos em UTI
Tabela 4 – Parâmetros bioquímicos relacionados ao estado nutricional e diagnóstico clínico.
Sexo Masculino
Sexo Feminino
Albumina
CTL
Albumina
CTL
>3,5
<3,5
>2000
<2000
>3,5
<3,5
>2000
<2000
Desnutrição
2
5
2
5
2
5
1
6
Eutrofia
3
5
2
6
3
3
3
3
Estado Nutricional
Sobrepeso
Total
-
2
-
2
3
2
3
2
5
12
4
13
8
10
7
11
Aneurisma
-
2
-
2
1
7
2
6
Tumor Cerebral
3
6
3
6
3
1
3
1
Guillan Barré
-
-
-
-
-
1
-
1
Esclerose Lateral Amiotrófica
1
1
-
2
-
-
-
-
Esclerose Múltipla
-
-
-
-
-
1
-
1
AVC
-
1
-
1
-
-
-
-
Mieilite Transversa
-
-
-
-
1
-
1
-
Miastenia Gravis
-
-
-
-
1
-
1
-
Parkison
-
2
-
2
1
-
-
1
TRM
1
-
1
-
-
-
-
-
Síndrome Neurodegenerativa
-
-
-
-
1
-
-
1
Total
5
12
4
13
8
10
7
11
AVC=acidente vascular cerebral; TRM=traumatismo raquimedular
Tabela 5 – Desfecho clínico relacionado aos parâmetros bioquímicos.
Sexo Masculino
Sexo Feminino
Albumina
>3,5
CTL
<3,5
>2000
Albumina
<2000
>3,5
CTL
<3,5
>2000
<2000
Desfecho Clínico
Permaneceram Internados
1
3
-
4
1
-
-
1
Alta
4
8
4
8
7
7
7
7
Óbito
-
1
-
1
-
3
-
3
5
12
4
13
8
10
7
11
Total
80% (n=28) da amostra, enquanto o sobrepeso representou
um percentual importante de 20% (n=7). Nos pacientes
que apresentaram desnutrição, não houve diferença relacionada a sexo, ambos representaram 50% da amostra,
sendo a maioria composta por paciente em pós-operatório
de aneurisma cerebral.
Entre os pacientes eutróficos, percentual superior a 57%
compunham o grupo de pacientes em pós-operatório com
tumor cerebral. No que diz respeito à concentração de albumina plasmática, 62% (n=22) da amostra apresentaram
valores abaixo de 3,50 g/dL, a maioria representada por
homens (n=12). Os parâmetros para CTL mostraram cerca
de 68% (n=24) dos casos, com valores inferiores a 2000 cels/
mm3, a maioria também representada por homens (n=13).
A Tabela 5 apresenta o desfecho clínico relacionado
aos níveis séricos de albumina e CTL. A grande maioria dos
pacientes recebeu alta hospitalar, cerca de 74% (n=26).
Dos pacientes que foram a óbito, todos apresentaram
valores de albumina e CTL abaixo do recomendado,
assim como a maioria dos pacientes que permaneceram
internados.
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Lima ACG & Oliveira MC
DISCUSSÃO
O suporte nutricional ao paciente grave vem sendo
considerado um dos maiores desafios dentro da UTI13. O
paciente em terapia intensiva, frequentemente, encontra-se
em estado hipermetabólico, decorrente do trauma, sepse
ou de qualquer outro quadro de gravidade14. Devido a esse
quadro de hipermetabolismo, os pacientes frequentemente
evoluem com desnutrição, o que pode resultar em óbito em
grande parte dos casos.
A TNE faz parte da rotina de tratamento intensivo em
pacientes impossibilitados de utilizar a via oral para alimentação que possam utilizar o trato gastrintestinal (TGI)4. Está
indicado nos pacientes graves com risco nutricional identificado, que não conseguem ingerir espontaneamente suas
necessidades nutricionais, calóricas ou específicas13.
Não há diretrizes específicas de suporte nutricional
a pacientes neurocirúrgicos, no entanto, alguns estudos
demonstram que a combinação da nutrição enteral e parenteral, quando administradas em até 48 horas após o procedimento, tem sido associada com efeitos benéficos, como a
atenuação da resposta hipercatabólica, da atrofia intestinal,
da perda muscular e da infecção15. No presente estudo, a
NE foi introduzida em, no máximo, 72 h após a internação
na UTI, e em todos os casos devido à impossibilidade de
utilização da via oral.
A maior parte dos pacientes estudados estava em
pós-cirúrgico de doenças neurológicas, o que pode ser
justificado pelo próprio perfil da unidade hospitalar, que é
referência em neurocirurgia no Estado. De modo similar, em
dois estudos realizados em Unidades de Terapia Intensiva
Neurológica de São Paulo, as doenças mais frequentes
foram tumores do sistema nervoso central, seguidos de
aneurisma16,17.
Muitos estudos têm revelado alta incidência de desnutrição hospitalar, principalmente no paciente crítico, tornando
a recuperação e/ou manutenção do estado nutricional do
paciente as maiores prioridades da terapia nutricional na UTI.
Na amostra estudada, foram encontradas 40% de desnutrição, segundo parâmetros antropométricos (IMC <18,5
kg/m2), e 62% quando classificados pela albumina, o que
corrobora com outros estudos que demonstram que a classificação de desnutrição é menos específica e pouco sensível
quando se utiliza um único parâmetro isoladamente18.
De maneira semelhante, estudo realizado em São Paulo,
em pacientes com indicação de TNE, observou maior incidência (80% dos casos) de desnutrição quando classificada
pelo parâmetro de albumina sérica, comparada aos 29%
encontrados pela classificação do IMC19.
Pacientes submetidos à TNE em unidade de terapia
intensiva de Porto Alegre apresentaram 20% de desnutrição
quando classificados utilizando exclusivamente a antropometria, sem análise de albumina sérica20.
Embora a albumina não seja considerada um marcador
nutricional ideal por alguns autores, devido ao seu longo
tempo de vida útil, às faixas de normalidade estabelecidas
tanto para pessoas saudável quando enfermas, à dificuldade
em separar os efeitos da deficiência de ingestão proteica
dos efeitos mediados por enfermidades, e sua grande massa
corporal como fator de resistência dos seus níveis circulantes
à ingestão alimentar21,22, a combinação albumina e CTL é
uma importante indicação relacionada aos desfechos clínicos
e uma das variáveis mais frequentemente utilizadas como
índice prognóstico, tendo alguns estudos demonstrado associação positiva entre hipoalbuminemia e complicações em
pacientes hospitalizados23. Além disso, a hipoalbuminemia
na admissão hospitalar pode ser utilizada como índice preditivo de mortalidade, principalmente em pacientes idosos24.
Confirmando os achados do presente estudo, em uma
unidade hospitalar de Belo Horizonte, nos pacientes com
menor chance de sobrevida, a albumina estava inferior a
3,5 mg/dL em algum momento do estudo25.
Os linfócitos e leucócitos periféricos, usados para o
cálculo da CTL, são outros marcadores utilizados, os quais
medem as reservas imunológicas momentâneas, indicando as
condições de defesa celular do organismo que sofre interferência direta do estado nutricional26. A CTL se encontra reduzida nos casos de desnutrição e está associada ao aumento
de morbidade e mortalidade em pacientes hospitalizados
que, quando desnutridos, apresentam comprometimento da
produção das células de defesas, o que causa redução na
competência imunológica27.
A pesquisa mostrou maior percentual de desnutrição
que os demais estudos19,20, o que pode ser justificado pelo
tempo maior de internação e pelas próprias intercorrências
características dos pacientes neurológicos. Esses pacientes
possuem exames rotineiros que necessitam de jejum, efeitos
gastrointestinais que levam à pausa da dieta e à dificuldade
de deambulação, que acarreta atrofia dos membros e baixa
reserva muscular.
Favoravelmente, a mortalidade foi observada em pouco
mais de 11% dos pacientes e todos apresentaram valores de
albumina e CTL bem abaixo do recomendado, o que reforça
a necessidade de se utilizar os parâmetros bioquímicos
como rotina da equipe terapia nutricional, a fim de garantir
a identificação precisa dos pacientes em risco nutricional.
CONCLUSÃO
Os resultados sugerem que o estado nutricional dos
pacientes, avaliados por parâmetros antropométricos,
bioquímicos e imunológicos, estava comprometido, com
prevalência de déficit nutricional utilizando parâmetros
combinados, principalmente albumina e CTL, por associar
os pontos de corte de déficit ao mau prognóstico de 11%
dos óbitos entre os avaliados.
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Avaliação nutricional de pacientes neurológicos em UTI
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Os parâmetros antropométricos, em média, estavam
dentro da eutrofia, no entanto, ao utilizar a classificação
do IMC cruzando com valores séricos de albumina e linfócitos, 60% dos pacientes se encontravam em situação de
desnutrição.
Os achados reforçam a necessidade da utilização da
terapia nutricional precoce, a fim de garantir a recuperação
ou manutenção do estado nutricional dos pacientes. Ressaltase, ainda, a importância da utilização de métodos de combinação diagnóstica para a avaliação do estado nutricional
de pacientes hospitalizados, de modo a manter a oferta de
energia e nutrientes compatíveis as suas demandas, além
de contribuir para a evolução clínica do paciente através
da dietoterapia.
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Local de realização do trabalho: Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, AM, Brasil.
Conflito de interesse: Os autoras declaram não haver.
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117
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