Marconato e cols Musicoterapia receptiva na clínica Arq Bras Cardiol Artigo Original 2001; 77: 138-9. Aplicação da Musicoterapia Receptiva na Clínica Médica e Cardiológica Cyntia Marconato, Eva Cantalejo Munhoz, Marcia Maria Menim, Maria Thereza Albach Curitiba, PR Objetivo - Investigar os efeitos da musicoterapia receptiva na prática clínica. Métodos - A musicoterapia receptiva foi aplicada individualmente, através de audições musicais, incluindo 5 etapas: estímulo musical, sensação, situação, reflexão e alteração de comportamento. Iniciado com a anamnese, e obtido o consentimento, os pacientes responderam um primeiro questionário de avaliação de riscos à saúde (Q1), e após freqüentarem 16 sessões de musicoterapia, semanal, responderam o segundo (Q2). Resultados - Entre agosto/98 e dezembro/99, foram estudados 2 homens e 8 mulheres, com idade acima de 18 anos, referidos por sintomas de estresse, sofrimento emocional e necessidade de mudança de hábitos de vida (comportamento de risco à saúde). A análise comparativa entre o Q1 e Q2 demonstrou probabilidades limítrofes (p=0,059) para redução na ingestão de alimentos ricos em colesterol e para aumento nas perspectivas de vida, com tendência à melhora e também um aumento no consumo de alimentos ricos em fibras (55,6%); aumento do nível de satisfação pessoal (44,5%) e diminuição do nível de estresse (66,7%). Conclusão - O estudo demonstrou melhora dos níveis de estresse, satisfação pessoal, consumo de alimentos ricos em fibras e colesterol e perspectivas de vida, sugerindo que a musicoterapia receptiva poderia ser aplicada na prática clínica como uma intervenção terapêutica coadjuvante no tratamento de comportamento de riscos para a saúde. Palavras-chave: musicoterapia receptiva, alteração de comportamento, musicoterapia em cardiologia Faculdade de Artes do Paraná (FAP) - Curitiba Correspondência: Cyntia Marconato - Rua Visconde do Rio Branco, 1335 – S/ 93/94 - 80420-210 - Curitiba, PR - E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 11/5/00 Aceito em 29/11/00 A música como um “instrumento terapêutico” é uma abordagem atual em terapia, que não se baseia numa noção idealista sobre o “poder curativo da música” e sim em técnicas e pesquisas científicas. Assim, a música não é um “curativo” eficaz em si mesmo, seus efeitos terapêuticos resultam de uma aplicação profissional sistemática 1-4. A proposta de musicoterapia receptiva apresentada tem seu embasamento em uma concepção holística 5, considerando o organismo humano como um todo integrado que envolve padrões bio-psicossociais e espirituais. O objetivo da musicoterapia receptiva está em alterar o comportamento do paciente para corrigir hábitos e atitudes que ofereçam riscos à saúde de forma global e, em especial riscos cardiovasculares 6-8. Métodos A musicoterapia receptiva foi aplicada de forma individualizada, através de audições musicais, adotando procedimento específico: 1) estímulo musical - as composições utilizadas pertencem aos períodos: renascentista, barroco, clássico e romântico, destacados os seguintes compositores: Bach, Beethoven, Brahms, Dvórak, Grieg, Haydn, Josquin des Prés, Mozart, Obrecht, Rackmaninoff, Vivaldi e Willaert 9; 2) sensação - etapa em que se tornam conscientes as sensações emocionais e físicas experimentadas durante o estímulo musical; 3) situação - o paciente identifica em que situações de seu cotidiano tais sensações apresentam-se com maior freqüência; 4) reflexão - o paciente reflete sobre as sensações vivenciadas na sessão e como ou porque tais sensações estão relacionadas a determinadas situações cotidianas. Esta divisão em três etapas (sensação, situação e reflexão) é apenas didática, uma vez que as três podem ocorrer simultaneamente, a cada sessão 10; 5) alteração de comportamento - está relacionada com mudanças de hábitos de vida, esperada durante semanas ou meses. O objetivo geral foi avaliar os efeitos desta proposta na prática clínica e os específicos - a) alterar o comportamento do paciente para corrigir hábitos e atitude que oferecem riscos à saúde de forma global e, especialmente, riscos cardiovasculares; b) aumentar a percepção interna e a auto-es- Arq Bras Cardiol, volume 77 (nº 2), 138-9, 2001 138 Arq Bras Cardiol 2001; 77: 138-9. Marconato e cols Musicoterapia receptiva na clínica tima do paciente; c) fortalecer a estrutura geral do paciente visando maior equilíbrio e segurança emocional; d) favorecer a expressão emocional; e) contribuir para a elucidação de conflitos internos; f) proporcionar uma alteração positiva no prognóstico clínico do paciente. De agosto/98 à dezembro/99, foram selecionados 10 pacientes (2 homens e 8 mulheres) com idades superiores a 18 anos, referidos pelo médico assistente, com sintomas de estresse, sofrimento emocional e necessidade de mudança de hábitos de vida (ex: tabagismo, sedentarismo, obesidade e estresse), com o prévio consentimento do paciente. Cada paciente foi convidado a ingressar no projeto de aplicação da proposta de musicoterapia receptiva, recebendo inicialmente esclarecimentos acerca dos objetivos do projeto e do procedimento musicoterapêutico. Após a anamnese musicoterapêutica e da assinatura do termo de consentimento, os pacientes responderam um questionário de avaliação de riscos à saúde (Q1) e, após, permanecerem durante 16 sessões semanais em acompanhamento musicoterapêutico, preencheram um segundo questionário (Q2). Para análise estatística foi empregado o teste “comparação entre duas proporções”. O nível de significância estatística adotada foi 5,0% (p<0,05). Resultados Cinco pacientes mantiveram a prática de exercícios físicos; três não iniciaram nenhuma forma de exercício físico; um iniciou e um desistiu do tratamento. Três pacientes aumentaram o tempo e a qualidade de sono; quatro não alteraram; dois diminuíram suas horas de sono; cinco melhoraram seus índices de saúde global e quatro mantiveram sua descrição. Sete pacientes mantiveram sua freqüência de consumo de alimentos ricos em colesterol, sendo que cinco raramente os ingeriam, dois ingeriam no máximo duas vezes por semana, dois pacientes diminuíram sua ingestão, sendo que um deixou de ingerir diariamente para três a quatro vezes por semana e um que ingeria de cinco a seis dias por semana passou a consumir raramente. Seis pacientes mantiveram seu nível de satisfação profissional; dois o aumentaram e um paciente o diminuiu parcialmente, de satisfeito para insatisfeito. Cinco pacientes aumentaram o consumo de alimentos ricos em fibras e quatro o mantiveram. Quatro pacientes aumentaram seu nível de satisfação pessoal; três o mantiveram e dois pacientes o diminuíram. Seis pacientes diminuíram o nível de estresse, três o mantiveram, sendo que dois avaliaram o nível como médio e um manteve um alto nível de estresse. Seis pacientes melhoraram na avaliação de perspectivas de vida; um a diminuiu e dois mantiveram sua posição acreditando possuírem grandes perspectivas de vida. A análise estatística demonstrou probabilidades limítrofes (p=0,059) para ingestão de alimentos ricos em colesterol e perspectivas de vida, apontando para uma tendência à melhora. Discussão Na avaliação final de riscos à saúde foram consideradas não apenas as respostas do Q2, mas a maneira como o paciente respondeu à segunda avaliação e sua situação ou contexto de vida naquele momento. Durante a musicoterapia receptiva, os pacientes desenvolveram auto-conhecimento e percepção interna, fazendo com que sua análise em relação aos aspectos de riscos à saúde encontrasse mais crítica. No segundo questionário os pacientes passaram a refletir sobre suas reações emocionais, o que, por si só, pode ser considerado como uma alteração de comportamento. A ausência de publicações específicas nesta área, o número de pacientes e o curto período da pesquisa apresentam-se como limitações ao estudo. Concluindo, os dados obtidos sugerem que a musicoterapia receptiva pode ser aplicada aos pacientes na clínica médica e cardiológica, como uma intervenção terapêutica coadjuvante, no manejo de comportamento de riscos para a saúde. Estudos posteriores poderão confirmar estes achados. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. Ruud E. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990. Nisenbaum E. Prática da Musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros; 1990. Jost J. Equilibre et Santé par la Musicotherapie. Paris: Éditions Albin Michel Medicines Actuelles, 1990. Costa CM. O Despertar para o Outro. São Paulo: Summus Editorial, 1989. Capra F - O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1998. Lenfant C. Task Force on Behavioral Research in Cardiovascular, Lung, and Blood Health and Disease. Circulation 1998; 98: 281-6. 7. Marlatt GA, Gordon JR. Prevenção de Recaída: Estratégias de Manutenção no Tratamento de Comportamentos Adictivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 8. Cordioli AV. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 9. Wisnik JM. O Som e o Sentido. Uma Outra História das Músicas. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 10. Miranda CF. Construindo a Relação de Ajuda. Belo Horizonte: Crescer, 1995. 139