1 Música e saúde: o nascimento de uma trajetória Marília Aguilar Lopes A música sempre esteve presente em minha vida. A partir do amor, da natureza e das relações entre as pessoas e o mundo. O eco dos primeiros acordes tocados ao piano, que me despertou o interesse para o estudo da música, ainda ressoa em meu espírito. Esse eco, durante todo o desabrochar de minha caminhada, comunicou significados profundos que tocaram o meu ser. Encontrei, então, aí o cerne de minhas reflexões: música, comunicação e afeto. Quando concluí meu primeiro curso de graduação, em língua e literatura, entreguei minha sensibilidade às diversas formas de linguagem, suas nuances, seus diferentes sons e sentidos. Nessa época, iniciei meu trabalho como tradutora na área de Saúde. Os primeiros materiais que se apresentaram para traduzir, logo no início da carreira, eram da área médica e traziam consigo um enorme peso de responsabilidade e complexidade. O processo de tradução, ao longo dos anos, foi-se comparando a uma dissecação, porque exigia entendimento minucioso e correto de conceitos técnicos. Cada termo, assim como cada significado, requeria investigação e tradução cuidadosa para servirem de fonte confiável de esclarecimento. Com o passar dos anos, a atividade se tornou extremamente fatigante e ausente de afeto. Nas horas vagas, eu buscava alívio na música e percebia nela o retorno de uma comunicação mais plena, equilibrada e vital, o que me devolvia entusiasmo e saúde e renovava as forças para o trabalho. Nos momentos em que eu recorria à audição musical ou à execução do piano, sentia a regeneração me envolver física e emocionalmente de forma transcendente. Eu sentia em meu próprio espírito, mente e corpo os efeitos salutares de sons transformadores. Foi então que iniciei um certo questionamento interno sobre tais efeitos. O que seriam eles? Poderiam ser utilizados como meio terapêutico? Como? Quais seriam os critérios? Afinal, o que é Música? O que ela quer comunicar? Por que ela faz transcender? Dessa inquietação, nasceu o interesse pelo estudo da musicoterapia. A Federação Mundial de Musicoterapia assim define oficialmente a prática musicoterapêutica: Musicoterapia é a utilização da Música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia), por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, em um processo destinado a facilitar e promover Texto elaborado por participante do Curso Antropomúsica. Baixado do site www.ouvirativo.com.br 2 comunicação, relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às necessidades físicas, mentais, sociais e cognitivas. A Musicoterapia busca desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que ele ou ela alcance uma melhor organização intra e/ou interpessoal e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida, através da prevenção, reabilitação ou tratamento. O termo musicoterapia pode ser etimologicamente elucidado de forma bem interessante. Musico é derivado das palavras egípcias Moys, que significa água, e Ikos , arte. Terapia vem do grego therapeia, que significa cuidar, assistir, ajudar, tratar. Portanto, a palavra musicoterapia está inserida no contexto que envolve os princípios da arte, da água, do cuidar, do tratar, do auxiliar e dar assistência a outro ser humano. Já os elementos da música - som, ritmo, melodia e harmonia natureza e no ser humano e, por estarem intrinsecamente tão movimentos do coração, no simples ato de respirar, no caminhar, instrumento musical, na voz, representam um veículo eficaz que busca de um estado sadio. - estão presentes na ligados à vida, nos na execução de um age na ecologia da Mesmo antes do nascimento, temos, ainda no útero materno, o movimento rítmico do movimento circulatório que já ocorre internamente. Mas a chegada, a conexão da parte divina que vem para a terra e vem adentrar a corporalidade física é dada pela respiração. A respiração traz novo ritmo, nova vida terrena e tudo o que tem vida tem ritmo. Rudolf Steiner afirmou que o ritmo é introduzido na matéria através do espírito. Podemos perceber o ritmo cardíaco, mas o ritmo que vem trazer a comunicação entre céu e terra, a comunicação entre externo e interno, é a nossa respiração. Então, a respiração mantém esse ritmo, impondo a manutenção da vida. O ritmo está presente em todo o universo e revela ao ser humano uma relação temporal e uma relação espacial. As percepções do ser humano referentes à fala e à música são tarefas de percepção de padrões. O ouvinte, com sua escuta, precisa extrair significados em seqüências de medidas de elementos rapidamente mutantes distribuídos no tempo. A melodia possui uma estrutura no tempo e um ritmo regular que facilita a percepção de um intervalo musical e sua integração na representação cognitiva da música. É corriqueira a expressão presença de espírito ao definir o indivíduo que diz a coisa certa, na hora certa, do jeito certo, o que o associa naturalmente à percepção da música da vida em nosso meio ambiente, da existência da ecologia musical: quanto mais o sujeito estiver encarnado, mais atento estará à abundância de possibilidades, de perceber realmente a sua missão no mundo. Pelo fazer musical e interação comunicativa salutar, a pessoa percebe-se a si mesma no tempo e no espaço, criando uma ressonância expandida que enseja a respirar melhor e a adquirir coragem para o movimento da vida. Acolhida em espírito, de forma integrada, na ressonância sonora, a pessoa supera a dor mais profunda e adquire forças para enxergar com esperança uma nova realidade transformada. Texto elaborado por participante do Curso Antropomúsica. Baixado do site www.ouvirativo.com.br 3 Há nesse momento espaço ressonante adequado para realizar, executar pela forma, aceitando o inesperado na vida para a transformação do self, da alma, lançando-a de forma transcendente para outro patamar de sua existência. O musicoterapeuta, principalmente na ecologia, é o facilitador desse processo, executando1 ativamente junto com a pessoa os novos sons de sua vida, corporificando o espírito transformado no som, matéria-prima da ponte entre o físico e o espiritual. Dessa maneira, o musicoterapeuta está ao lado, entre, ao redor, abraçando sombras, intercedendo, se necessário, apoiando tanto na desconstrução da realidade presente como na construção de um novo entendimento, dando chão, colo e asas para que a pessoa (persona/per som) seja capaz de executar sua performance (per forma) existencial rumo a um novo patamar de seu desenvolvimento como ser humano integral e transformado. Assim, a estética do restabelecimento da dignidade, do encontro com a valorização de si mesmo e da vida no mundo emite a sua voz, em tempo e espaço, soa, interna e externamente e no silêncio da ação executada. O Ser é o que faz no movimento do Amor. 1 Como executar um instrumento musical Texto elaborado por participante do Curso Antropomúsica. Baixado do site www.ouvirativo.com.br