Jaraguá - Escola de Costurar

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Jaraguá
1980 Rock 2000
O cenário do rock jaraguaense
entre os anos 1980 e 2000
Paulo de Almeida
[]
Jaraguá
1980 Rock 2000
O cenário do rock jaraguaense
entre os anos 1980 e 2000
Paulo de Almeida
[]
Dedico o resultado deste trabalho a todos que construíram e continuam construindo esta
história e que, independentemente das adversidades e dos percalços, continuam acreditando
que é viável dedicar-se àquilo que mais gostam de fazer, mesmo que haja pouco ou nenhum
retorno nanceiro.
Copyright © 2015 by Roberto Lourenço
Impresso no Brasil
Coordenação Editorial: João Chiodini
Capa: Design Editora
Projeto Gráfico e Editoração: Beatriz Sasse
Revisão: Renato Tapado
CATALOGAÇÃO: Bibliotecária Dirce T. Nunes CRB 14-026
L892m
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Lourenço, Roberto
1516 : 500 anos da chegada dos espanhóis a Santa Catarina : expedições espanholas pelo litoral catarinense entre
1500 e 1600. – Roberto Lourenço.
-- 1. ed. – Jaraguá do Sul : Rastros, 2015.
300 p. : il.
ISBN 978-85-8081-070-7
1.
Espanhóis – Santa Catarina – História. 2. Exploradores – Santa Catarina – História I. Título.
CDD 907.2
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[2015]
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Agradecimento
Todo e qualquer trabalho que me proponho a realizar só alcança resultados positivos
em virtude do apoio, da complacência e de toda a compreensão que recebo da minha
família. Muito obrigado, Diana, Bernardo e Natália. Eu amo muito vocês.
Para início de conversa...
Escrever um livro relatando fatos da história não é uma tarefa fácil, e eu, sinceramente, não
pretendi ser exato em minhas colocações, tentei ser o mais el possível aos acontecimentos e tão
justo quanto pude com todos que zeram parte deste importante recorte no cenário do rock da
nossa cidade, mas não posso ignorar o fato de que este registro se fez sob o meu ponto de vista com
base em pesquisas, entrevistas e constantes buscas em minha própria memória. Declaro que tentei
relatar tudo aqui sem aplicar ltros fantásticos, atendo-me a fatos relevantes e de interesse comum.
Para aqueles que não entenderam, explicarei o parágrafo anterior da seguinte maneira: todas
as pessoas têm duas histórias de vida, aquela que conta para os outros e aquela que realmente viveu.
Penso que, sempre que há o registro histórico de um movimento social, de uma instituição
ou de um fato que envolve mais de uma pessoa e que tem seu contexto geral em uma vivência
coletiva, é comum que boa parte das pessoas se sinta responsável por grandes realizações e clame
para si glórias e louros até então não reconhecidos.
Se você não encontrar seu nome neste projeto, das duas uma: ou você não foi importante o
su ciente no contexto para ser registrado, ou eu apenas me esqueci. Peço desculpas caso se encaixe
na segunda opção, porém, caso se encaixe na primeira, poupe minha paciência e sinta-se à vontade
para revisitar a história e nos presentear com mais uma obra literária sobre o tema. Ficarei muito
feliz em poder ler outro ponto de vista, ainda que divergente do meu.
O Projeto Rock Jaraguá para Ler e Assistir é um recorte da história do rock em Jaraguá do Sul
e explora o cenário no período de 1980 a 1999.
Não se trata da biogra a de nenhuma banda nem de nenhum artista, mas sim de um registro
da história do rock tendo Jaraguá do Sul como cenário. O histórico de cada banda geraria material
su cientemente rico para uma publicação própria, e seria de incalculável valor para a cidade e região
se mais pessoas tomassem a iniciativa de registrar suas diferentes histórias, seus distintos pontos de
vista e, dessa forma, viesse a se formar uma teia de registros históricos que não permitiria que épocas
tão importantes e instigantes fossem deixadas no esquecimento.
Paulo de Almeida
O que eu tenho a ver com esta história?
Este é um projeto que estava guardado há muitos anos e que agora
pôde sair do papel graças à Fundação Cultural de Jaraguá do Sul. Quando o
projeto foi aprovado, eu quei muito feliz, mas ao mesmo tempo com muito
receio, pois, embora já tivesse escrito livros, a experiência com vídeo era
novidade e, além disso, eu iria precisar de muito auxílio para conseguir
chegar a todas as pessoas que estiveram envolvidas de alguma forma. Eu
sabia que seria algo trabalhoso e exaustivo.
No decorrer do trabalho eu não fazia ideia de qual seria o resultado.
Devo confessar que estava mais ansioso e curioso que todo mundo, porém
de uma coisa eu tinha certeza: mesmo que o resultado não atingisse as
expectativas (minhas e das demais pessoas), eu já estava me divertindo
muito, z novas amizades, retomei amizades antigas, ampliei meus contatos
e aprendi muito. Por isso, seja lá qual fosse o resultado, eu já estava no lucro e
este trabalho já tinha valido cada minuto do meu tempo investido.
O lance mais legal deste projeto é que, ao registrar uma história que
envolve a coletividade, você precisa ouvir muitas pessoas e, se você estiver
aberto para absorver conhecimentos, terá a oportunidade de aprender
muito.
E a todos que tem um projeto engavetado eu digo o seguinte: o seu
projeto, por melhor que seja, só cumprirá o objetivo dele depois que sair do
papel. Se você tem vontade de realizar algo, simplesmente FAÇA. Se não
car bom, ou ainda se car horrível e alguém resolver fazer algo melhor do
que você fez, sua contribuição já foi mais que su ciente, pois incitou alguém
a tirar a bunda da cadeira e fazer alguma coisa prática!
Há muito tempo...
...eu frequentava a Escola de Educação Básica Roland Harold Dornbusch e
estudavam ali comigo várias pessoas com as quais eu dividia muitas
experiências no cenário do rock. Entre elas, estavam Roberto Germano
Prussek (Beto) e Aldacir Walter Padilha.
A vivência com Beto trouxe-me uma exibilidade musical muito
grande e ouvíamos Sex Pistols e e Durutti Column com a mesma
empolgação. Eu, dotado de uma preguiça notável, sempre me aproveitei das
pesquisas e garimpadas do meu amigo para conhecer coisas novas e
di cilmente algum gênero era 100% abolido. Jazz, blues, punk, gótico,
industrial, progressivo, clássico, metal, MPB e outras coisas mais
complicadas de rotular. Esse ecletismo me fez pensar que existem apenas
dois tipos de música: audível e inaudível. Se eu gosto, eu ouço e ponto- nal.
Irremediavelmente, todos os meses um grande percentual do nosso
salário sempre cava nas lojas de discos e passávamos longas horas ouvindo
os vários novos LPs adquiridos. Talvez eu não consiga me expressar de
maneira adequada e as novas gerações não serão capazes de compreender o
signi cado disso, mas acredito que aqueles que viveram a época saberão
exatamente do que estou falando quando digo que é indescritível a sensação
de chegar em casa com um disco novo (bolachão) e car horas ouvindo-o,
ouvindo-o de novo e ouvindo-o mais e mais até cansar.
A vontade de fazer música estava latente e parecia ser a única coisa
que de fato valia a pena. Fazíamos letras e mais letras buscando in uências
em bandas como Joy Division, Echo & e Bunnymen, Violeta de Outono,
e Smiths, e Jesus and Mary Chain, entre outras e tínhamos um projeto
(muito mal de nido, por sinal) de banda que chamávamos de Valles
Marineris e se resumia apenas a nós dois.
A tal banda nunca saiu dos limites das nossas fantasias, no entanto
acredito que tenha colaborado para a nossa maturidade musical. Logo em
seguida conhecemos Padilha, e ele estava em meio a uma transformação
pessoal, deixando de ser um bad boy para dedicar-se à música – havia
descoberto o Pink Floyd e se apaixonado pelo conjunto.
A partir desse momento, passamos a ter mais gente que gostava de rock em
nosso convívio e a nos in ltrar mais na cena do rock da cidade. Padilha,
empolgado com a ideia de tocar rock, comprou uma guitarra e passou a
ensaiar com outros amigos no porão da sua casa e logo nos convidou para
participar.
E assim, por incontáveis tardes de sábado do verão de 1989, sob um
sol escaldante e com muita poeira nos olhos, eu subia a estrada do Ribeirão
Molha com um contrabaixo velho nas costas e muitos sonhos na cabeça.
No apogeu da adolescência e com todas as mazelas próprias dessa etapa
única e intensa da vida de qualquer pessoa, eu sonhava em tocar em uma
banda de rock que me permitisse expressar todas as minhas formas de ver a
vida e minha insatisfação com o mundo. Lá no fundo de uma mente ansiosa,
perturbada e confusa, eu acreditava piamente que estava fazendo história.
Contudo ali pelos arredores havia pessoas que, há muito tempo, já estavam
atoladas até o pescoço em um terreno que eu tinha acabado de entrar e mal
sujado os meus pés.
Durante esse tempo tínhamos como maior referência a loja Locomotivos,
local onde comprávamos a maior quantidade de discos, onde conhecíamos
coisas novas e onde podíamos encontrar aqueles títulos independentes que a
gente tanto desejava ouvir e que jamais chegariam aos estabelecimentos
convencionais.
E hoje, depois de tanta pesquisa, conversas e descobertas, eu posso a rmar
sem nenhum tipo de demagogia que, se não fosse eu que estivesse
registrando esta história, possivelmente eu nem mesmo seria citado nela,
talvez dada a pouca importância que eu tive no cenário ou, mais
provavelmente, em função da grande quantidade de pessoas que de fato
zeram e ainda fazem diferença com suas ações e seus engajamentos em prol
da cena.
O cenário do rock jaraguaense entre os anos 1980 e 2000
09
O que será que rolava por aqui antes dos anos 1980?
Nosso recorte na história deveria se ater ao período de 1980 até
1999, mas não há como deixar para trás alguns pontos de muita importância
nesta história e que de certo modo serviram como grande in uência para
que se formasse um cenário forte nas décadas seguintes. Por isso, é necessário
que voltemos um pouco mais atrás no tempo para trazer fatos que julgo
relevantes e quem foram propulsores para muita coisa que viria a acontecer
na cidade.
As datas não são precisas, os registros são escassos e as memórias um
tanto falhas, mas na medida do possível vamos deixar registrados fatos que
caracterizaram a época e que compuseram, mesmo sem pretensão, as
estruturas das gerações seguintes.
Jaraguá do Sul, ao contrário daquilo que é a rmado por algumas
pessoas, pode ser considerada uma cidade marcada pelo rock. Já nos anos
1970 existiam muitos lugares no município que acolhiam apresentações de
bandas de rock, tanto locais quanto outras vindas de fora. Além dos
tradicionais salões jaraguaenses, os quais vez ou outra traziam bandas para
tocar, havia o Salão Cristo Rei, anexo à Igreja Matriz São Sebastião. Ali
aconteciam muitas festas promovidas pelo Grêmio da Juventude e várias
bandas de rock tocaram nesse local, com a ciência, o consentimento e a
presença do Padre Elemar Scheid, que sempre teve preocupação especial
com a juventude.
Segundo lembra Carlos Piske, havia em Jaraguá do Sul a Toca do
Teco. Tratava-se de um bar estabelecido na Rua Marechal Floriano Peixoto,
defronte ao lugar em que funcionou a boate Caesar's Club, mais tarde a
Marrakech e onde atualmente está o Banco do Estado do Rio Grande do Sul
(Banrisul). A Toca do Teco era um local que tinha o rock como trilha sonora e
ainda abria espaço para que as bandas tocassem.
Um fato marcante para a cidade e para a região foi a vinda da banda
brasileira de rock Casa das Máquinas, de grande repercussão e sonoridade
incomparável, que in uenciou e continua in uenciando gerações. O show
foi realizado no Estádio João Marcatto (Juventus), mas a data exata não
pôde ser apurada por conta da falta de registro por parte das pessoas que
estiveram presentes no evento; não havia registro da apresentação nem
mesmo no próprio Juventus. Foi feito contato com o atual produtor da
banda e com o tecladista Mario Testoni Jr., o qual compõe o conjunto desde
1975 e esteve presente nesse show, mas nenhum dos dois tinha registro da
performance. Então, continuamos sem a data precisa.
Um fato relatado por César Chiodini, da loja Locomotivos, traz
uma pista de quando pode ter ocorrido o tal show, pois a banda tocou em
Santa Catarina no Camburock¹, na localidade chamada Mato Camboriú,
nos dias de hoje conhecida como Praia do Pinho. Assim como o Festival de
Águas Claras, que havia acontecido em Iacanga (SP) no ano de 1975, o
Camburock foi concebido para ser uma reprodução do lendário
Woodstock, realizado em agosto de 1969 nos Estados Unidos.
O Woodstock catarinense aconteceu em janeiro de 1977, e César,
depois de assistir à banda Casa das Máquinas em Jaraguá do Sul, pôs o pé na
estrada e foi para o evento, em que, além do referido conjunto, tocaram
outras bandas, como Rita Lee & Tutti Frutti, Made in Brazil, Bixo da Seda,
A Chave, Blindagem e mais.
Outro jaraguaense que presenciou a Casa das Máquinas foi Richard
Hermann. Ele relata com entusiasmo um fato que lhe pareceu singular: “Me
lembro que tinha dois bateristas, e um deles, no solo da bateria, tocou uma
parte na parede com as baquetas. Aquilo me chamou atenção”.
Tarkus, a primeira loja de discos especializada em rock
O acesso a material musical fora das paradas é sempre mais difícil,
pois as lojas convencionais, por motivos óbvios, dão mais espaço para
material com apelo comercial e que tenha aceitação maior do público. Mas
Carlos Piske fugiu do convencional já em meados dos anos 1970 e ousou
abrir uma loja de discos especializada em rock em Jaraguá do Sul.
A loja Tarkus, que carregava o mesmo nome de um álbum da banda
Emerson, Lake & Palmer, esteve na ativa durante cerca de um ano e serviu
como propulsora para fortalecer a cena do rock na cidade. Em um município
conservador como Jaraguá do Sul, especialmente há quase 40 anos, era mais
que esperado que houvesse alguma reação negativa por parte de algumas
personalidades locais, e foi exatamente o que ocorreu.
As atividades da Tarkus foram iniciadas na Avenida Marechal
Deodoro da Fonseca, próximo à Igreja Matriz São Sebastião, e mais tarde o
estabelecimento se mudou para a Avenida Getúlio Vargas. Na Avenida
Marechal Deodoro havia um outdoor posicionado quase defronte à igreja.
Para divulgar a loja e os locais onde fazia discotecagem, Carlos usava esse
outdoor e colocou ali uma imagem extraída do disco do Rainbow em que
uma mão saía do mar e agarrava um arco-íris. O padre local julgou aquela
imagem como satânica e denunciou a divulgação à prefeitura. O outdoor foi
retirado.
O primeiro disco da loja foi vendido para o músico e artista plástico
jaraguaense Paulo David da Silva, o Paulico. Ele recorda que era um disco da
banda húngara de rock progressivo Omega. Ainda, comenta que era muito
novo na época e que quem escolhia os discos para ele era o próprio Carlos.
Fato lembrado por todos que viveram a época é que a informação era
muito mais escassa e não havia tanta facilidade para encontrar coisas novas e
para ter acesso ao que acontecia fora do país. Até mesmo aos grandes centros
era necessário que alguém levasse a informação. Por isso, tudo se dava e se
espalhava de forma muito lenta.
Carlos Piske relata que, para conseguir alguns materiais, era preciso
se dirigir a centros como Curitiba, que na sua época era mais remota que
hoje, pois o acesso era muito mais difícil. Além disso, fazia-se necessário
saber o que procurar e conhecer o que havia de interessante para trazer para a
cidade. Nesse quesito se apoiou em dicas de alguns amigos e também nos
programas do DJ Big Boy, da Rádio Mundial do Rio de Janeiro, radialista
1 - Mais informações em: BETTANIN, Paulo. Camburock 1977 eu fui. Urbanas Variedades.
<http://urbanasvariedades.blogspot.com.br/2011/12/cronica-camburock-1977-eu-fui.html>. Acesso em: 29 dez. 2015.
muito importante na década de 1970, o qual trouxe uma linguagem jovem,
irreverente e descontraída, apresentando coisas novas e diferentes em seus
programas. Sua marca registrada era a saudação: “Hello, crazy people!”.
O envolvimento de Carlos com a música teve bases formadas
também na Rádio Jaraguá, na qual trabalhou como sonoplasta e teve acesso
a materiais que vinham da Alemanha por meio de um convênio que a rádio
tinha com a emissora Deutsche Welle. Lá foi onde ouviu pela primeira vez a
música Whole Lotta Love, do Led Zeppelin. Piske conta ainda que muitas
outras músicas chegavam até ele pela Rádio Jaraguá. Ele então as gravava em
tas e nos domingos à tarde, como não havia locução, colocava as tas com
as músicas compiladas pra rodar por horas e horas.
Sempre buscando aproximação com o universo musical, passou a
ser DJ e embalou muitas festas, apresentando boa música para a juventude
da época. Comumente era convidado a tocar em festas e, em meio às
músicas das paradas, sempre arrumava uma brecha pra tocar rock and roll.
As casas do rock em Jaraguá do Sul
Quem viveu por aqui a partir de meados dos anos 1980 se recorda da
existência de salões como o Doering, mas o que talvez não lhes ocorra é que
tempos antes aquele era um local onde rolava muita banda tocando rock.
Para alguns, como eu, por exemplo, pode parecer até inconcebível uma
informação como essa, pois tais salões eram focados estritamente em som
mecânico e por volta da década de 80 a explosão do europop tornava esses
ambientes opostos extremos do rock, pois o que mais se ouvia eram músicas
como: “Mi sono innamorato di Marina / Una ragazza mora ma carina...”, de
Francesco Napoli, alguém lembra? Ou quem sabe: “Cheri Cheri Lady /
Goin' through emotion / Love is where you nd it / Listen to your heart...”,
da dupla Modern Talking.
Mas o Doering, assim como outros salões da cidade, era um local
frequentado por pessoas que gostavam de rock e ali tocavam muitas bandas.
Em algum momento da noite inundada pela dance music – disso eu me
recordo bem e alguns entrevistados como Gerson de Paula, Topo e Edilson
me ajudaram a refrescar mais a memória –, esses salões tocavam algumas
músicas de rock para satisfazer os roqueiros de plantão que cavam até de
madrugada esperando para ouvir Led Zeppelin, Pink Floyd, Talking Heads,
AC/DC e outras poucas músicas perdidas naquele mar dançante.
De geração em geração, a cena do rock renovava-se em Jaraguá do Sul
A década de 80, ainda que esteja gravada para muitos como o início
desta história, foi a continuação do que começou nos anos 70.
Possivelmente sem muita intenção, os apreciadores do bom e velho rock and
roll deram o pontapé inicial em uma história que comporia uma cena
importante na cidade, que, combinada com muitos acontecimentos de nível
nacional e internacional, viria a intensi car e efervescer o comportamento
dos jovens jaraguaenses.
E aqui estão os anos 1980
Existem épocas que marcam mais que outras, e somos tendenciosos
a acreditar que a época que vivemos de forma mais intensa foi a melhor e não
há nada com o que possa ser comparada. Temos uma forte tendência a viver
de modo nostálgico e muitas vezes deixamos de viver e apreciar muitas coisas
boas da atualidade por crer piamente que não há como repetir algo que
tenha sido tão especial. Mas, como diria Belchior, “é você que ama o passado
e que não vê que o novo sempre vem”.
Estar aberto para absorver informações novas, ltrar e aproveitar o
que é bom é um princípio básico para manter sempre um aspecto jovem em
seu comportamento. Contudo, deixando de lado esse papo, é importante
frisar que os anos 1980 foram muito diferentes por vários motivos, de
maneira especial no Brasil.
A década de 80 foi marcada por acontecimentos globais e, como
ocorre com épocas marcadas por mudanças muito fortes, cou gravada na
memória das pessoas com mais intensidade. Imaginava eu que a intensidade
era unicamente em função das festinhas de garagem, dos seriados
ultrassuperlegais na TV etc., mas há muito mais nisso. Creio que a chamada
transição da era industrial para a era da informação tenha sido o pontochave, pois foi quando surgiu o videogame e se deu o acesso aos primeiros
computadores pessoais. Eu só vim a ter acesso a um computador nos anos
1990, todavia já conhecia de um amigo o CP400 Color, que era ligado na
televisão para jogar e fazer outras coisas um tanto quanto inúteis.
No Brasil a década foi caracterizada pelo m do governo militar, no
ano de 1985. Como Edson Luís de Souza (Abrigo Nuclear) disse em
entrevista, dá a impressão de que o rock nacional se libertou de amarras nos
anos 80 e explodiu em criatividade. Já havia muitas bandas no cenário
nacional, mas localmente as coisas ainda estavam bastante mornas. Ainda
que houvesse um movimento signi cativo nos grandes centros, a
informação trafegava lentamente e cidades do interior, como é o nosso caso,
recebiam as novidades já bem amarrotadas. Aquilo que já tinha deixado de
ser novo em algum lugar passava a ser a coqueluche do momento para nós,
os caipiras.
Muitas bandas apareceram desde o início dos anos 80 e não se
restringiam apenas a São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ); outros estados do
Brasil também foram berço de muitos conjuntos musicais. Brasília trazia
para a cena bandas como Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, entre
outras. No Rio Grande do Sul havia Os Cascavelletes, TNT, Os Replicantes,
Garotos da Rua e muitas outras que despontaram no cenário nacional. Em
Santa Catarina tínhamos a banda Expresso Rural, Tubarão (antigo Ratones)
e por aí vai.
Os gostos dividiam-se em estilos, e o new wave era o que estava mais
presente na vida de todo mundo. Embora fosse um estilo derivado do punk,
tinha uma sonoridade mais pop rock e foi facilmente absorvido pela maioria,
a nal o comportamento que acompanhava o estilo também era, de longe,
muito menos agressivo e muito mais aceitável socialmente que o dos punks e
dos headbangers.
Além de tudo isso, em 1985 ainda ocorreu no Rio de Janeiro um dos
maiores eventos de rock já realizados no Brasil, o primeiro e lendário Rock in
Rio. Muitos jaraguaenses participaram do evento, trazendo na bagagem de
volta muita vontade de fazer o rock acontecer por aqui também.
De acordo com o deus da mitologia grega Hermes, assim como é em
cima é embaixo. Portanto, a situação local não poderia ser diferente. Apesar
de ter acontecido com certo atraso em virtude da precariedade do uxo das
informações, a cena do rock iniciou-se nos mesmos padrões que já se
desenhava em âmbito nacional. Estilos diferentes, mas a mesma vontade e
empolgação para dar o melhor de si e fazer parte da história.
Eu, com meus 13 anos de idade, mal tinha começado minha
inserção em uma vida social que excluía, em partes, os brinquedos e as
brincadeiras da infância e passava a sentir o gostinho de uma vida
adolescente com festas de garagem, bebidas, seriados mais sérios,
comportamento com menos pirralhice (bom, talvez isso não seja bem
verdade). No entanto ali na mesma rua onde eu morava havia um
headbangers, o Beto (baterista do Post Mortem ao lado de Ademir Koch e
Lasier Laube). Eu nem fazia ideia da existência desse termo, e a mim e a meus
colegas da rua só restava admirar o fato de aquele cara tocar bateria em uma
banda de rock e ser muito mais velho que a gente. E isso era o mais próximo
que eu chegava de uma cena de rock na época.
A velha guarda impulsionava o rock local
Em 2 de outubro de 1984 foi fundada em Jaraguá do Sul a loja de
surfe e street wear Locomotivos. Ela carregava esse nome por estar localizada
em uma sala da antiga estação ferroviária do município.
O fundador do estabelecimento, César Chiodini, relata que sua
intenção ao abrir a loja era suprir uma necessidade da cidade, pois ele
próprio não conseguia encontrar nas lojas locais o tipo de roupa que gostava
de usar e viu nisso uma oportunidade de negócio.
Alguns anos depois César, como grande apreciador de rock e
empreendedor que era, vislumbrou a possibilidade de ampliar suas ofertas e
ainda se dedicar a algo com que se identi cava bastante, a música. Sendo a
estação ferroviária uma construção antiga e tendo pé-direito alto, pensou
que seria possível construir um mezanino e fazer ali uma loja de discos, pois
estava acostumado a ir a São Paulo e Curitiba para buscar mercadorias e já
conhecia muito bem todos os lugares que comercializavam discos, como a
Galeria do Rock.
Em Jaraguá do Sul havia lojas de discos, porém nenhuma que fosse
dedicada ao rock e a outros estilos pouco cultuados. Todas normalmente
traziam aquilo que estava nas paradas no momento, o que era mais
convencional e que tinha mais apelo comercial. Por esse motivo, se alguém
quisesse ter acesso a títulos diferentes, selos independentes, discogra a rara
etc., precisava ou sair da cidade ou fazer encomendas para amigos que
viajassem para fora da cidade ou do país.
Inicialmente César Chiodini trazia discos, retinha para si os
melhores e fazia gravação para as pessoas que pediam, mas passou a ter
encomendas. Os apreciadores e colecionadores vinham com listas de discos
que não conseguiam encontrar e pediam ao proprietário da Locomotivos
que os trouxesse, tanto discos de rock progressivo quanto de heavy metal ou
qualquer outro estilo que não fosse fácil de achar, inclusive jazz, blues e
música clássica.
César conta que comprou as madeiras para fazer o mezanino, e todo
o material cou ali em um lugar reservado da loja até que fosse usado. Na
primeira remessa de discos que trouxe de São Paulo reuniu muitas pessoas,
algumas que haviam feito encomendas, e na empolgação zeram uma
grande festa dentro da loja com as portas fechadas, antes mesmo de as
vendas começarem.
Tito Hille comenta que naquele momento já havia pessoas com
gostos muito diferentes e que cada uma queria mostrar os discos que tinha
encomendado. Ali já se mostrava a integração entre os variados estilos.
Com essa movimentação miscigenada de estilos e com novidades
explodindo mensalmente, o cenário do rock intensi cava-se a cada dia,
assim como o envolvimento dos jovens locais. Todos os estilos
compartilhavam o mesmo espaço, as pessoas agrupavam-se por a nidade e
naturalmente se formavam as mais diversas tribos, como os punks e os
headbangers. O gosto pelo rock já existia em muitas pessoas, mas é inegável
que César e a loja Locomotivos tiveram um papel extremamente importante
para o desenvolvimento da cena.
César Chiodini e sua loja, além de trazerem para a cidade muitas
novidades que faziam borbulhar os ânimos e servirem como ponto de
convergência a todos que gostavam de boa música, ainda fomentavam a
ideia de produzir música. Essa veia musical veio da família de César, pois seu
pai gostava muito de música e sempre incentivou os lhos quanto a isso.
E aí surgiram as primeiras bandas e os shows importantes para a cidade
Jaraguá do Sul tem a criatividade pungente em sua população e isso
pode ser visto nas mais variadas áreas artísticas e culturais, não restando
dúvidas de que a capacidade de produção de material artístico é algo
inerente aos seus habitantes.
Com tanta movimentação, incentivo e facilidade de acesso a
novidades do mundo do rock, não surpreende que a cena tenha ganhado
força e que a vontade de fazer música tenha sido despertada em muitas
pessoas.
Diante de toda a motivação com a loja, pelo envolvimento da galera
e por ter acesso a músicos e produtores em São Paulo, César Chiodini
resolveu trazer um show nacional para a cidade. Assim, decidiu pela banda
de trash metal Korzus, que havia iniciado carreira em 1983 e já era muito
conhecida entre os admiradores do gênero.
Figura 1 - Galera de Jaraguá do Sul e Curitiba reunida na frente da loja Locomotivos,
no dia do show da banda Korzus.
Fonte: Acervo de Lasier Laube.
Então a apresentação foi marcada para o dia 2 de maio de 1987 no
Ginásio de Esportes Arthur Müller. Para abrir o show foram colocadas duas
bandas da região, a Má Compania, de Jaraguá do Sul, e a Invasão Básica, de
Joinville. A escolha das bandas para a abertura talvez não tenha sido das
melhores, pois os estilos não se conectavam, e isso veio a se tornar um grande
problema. Algumas pessoas do público fã da Korzus mantinham atitudes
mais radicais e não aceitaram que bandas de pop rock dividissem o mesmo
espaço com uma banda de trash metal. Dessa dissidência resultou muita
confusão.
Paulico, da banda Má Compania, conta que no sábado pela manhã
parou sua moto em frente à Locomotivos para falar com César e alguém veio
até ele perguntando se era ele quem tocaria com a Korzus. Ao dizer que sim,
foi intimidado com algumas ameaças. As bandas abriram o show com
bastante receio, e uma pessoa do público até mesmo cuspiu na cara de um
dos integrantes da Invasão Básica.
Depois de as bandas da região tocarem, o espaço diante do palco foi
tomado por headbangers, e o restante do pessoal retirou-se para as laterais e
passou apenas a assistir à performance de longe, pois naquele momento o
Arthur Müller era território trash metal.
Denis Koch, baixista da banda de black metal Impiedoso, conta que
na data do show pediu ao seu irmão Ademir Koch para ir também, mas a
resposta foi a adequada para um menino que mal tinha entrado na
adolescência. Como moravam relativamente próximo do ginásio, porém, o
garoto cou no portão tentando ouvir alguma coisa da apresentação.
Após sua passagem por Jaraguá do Sul, a Korzus lançou o disco
“Sonho Maníaco”. Na capa do álbum há fotos do show no município
catarinense, onde podemos observar uma propaganda da extinta empresa
Darpe Indústria e Comércio de Malhas, no Ginásio Arthur Müller. O
encarte do disco tem fotogra as dos integrantes da Korzus pelas ruas da
cidade juntamente com a galera do metal. É possível destacar na imagem
Lasier Laube, Ademir Koch e o curitibano Dirceu Hahn, este último
integrante da banda Escárnio, de Curitiba.
Nos agradecimentos do disco, podemos ler: “E principalmente a
moçada do Sul do país (vocês são grandes e sabem por quê!)” – essa parte do
agradecimento foi dirigida à galera do metal, que os recepcionou aqui na
cidade.
Figura 2 - Foto incluída no encarte do disco ‘‘Sonho Maníaco’’, da banda de trash
metal Korzus. Nela estão os integrantes do Post Mortem Lasier Laube e Ademir Koch.
Fonte: Acervo de Lasier Laube.
A conexão Curitiba–Jaraguá do Sul
Até os dias de hoje o underground jaraguaense e da região mantém
forte conexão com a cidade de Curitiba; muitas bandas daqui vão até a
capital paranaense tocar e vice-versa. Para o show da Korzus, muitos
headbangers vieram de Curitiba, pois se tratava de um show nacional, o que
não era algo comum por lá.
Os jaraguaenses conheceram a galera curitibana, os laços foram
estreitados com base em suas a nidades e muitas amizades permanecem
fortes atualmente.
Massacra, Post Mortem e Rottness
Seguindo a in uência do metal, no ano de 1986, começou a
formação de bandas que deixariam sua marca cravada na história do rock
local. Os amigos Ademir Koch, Lasier Laube e Paulo Ronchi resolveram
então montar uma banda. Lasier assumiu a guitarra, Koch o baixo e Paulo
Ronchi a bateria ( gura 3). Assim nasceu a banda Massacra, e a música
autoral Almas Possuídas foi registrada em gravação caseira, perpetuando um
trabalho precursor que dava um pontapé a muitas outras iniciativas.
Figura 3: Banda Massacra.
Fonte: Acervo de Lasier Laube.
Aos ensaios da banda Massacra, Mancha e Leandro Laube (irmão de
Lasier) estavam sempre presentes e sentiram vontade de ter uma banda
também. Então Paulo Ronchi saiu da banda Massacra e se juntou a ambos
para formar a Rottness. Em outubro de 1987 o saldo restante, Koch e Lasier,
chamou José Roberto Ponticelli, o Beto, e montou a Post Mortem. Desse
ponto em diante, Jaraguá do Sul contava com duas bandas de metal.
Figura 4 - Show da banda Rottness,
em Foz do Iguaçu, 1988.
1982, já se desenhava na cidade, e a vinda de Os Replicantes teve forte
in uência para estourar a bolha que ainda prendia os ânimos. A partir desse
momento o comportamento, o visual e o gosto musical passaram por uma
transformação, de nindo a identidade de uma tribo que geraria muita
movimentação e marcaria a história do rock a coturnadas.
O show da banda Os Replicantes foi uma promoção da loja
Locomotivos e também realizado no Arthur Müller. Ficou para o dia 11 de
julho de 1987 e quem abriu o show foi a banda Cicatriz, formada pelos
irmãos Veto e Evandro (também irmãos de César) juntamente com Sandro
Sidnei Siebert.
Figura 5 - Apresentação da Post Mortem no
Festivalle, em Rio do Sul, 1988.
Fonte: Acervo de Lasier Laube.
Em janeiro de 1988 a Post Mortem começou com todo o gás os
ensaios, tocando alguns covers e também criando músicas próprias, sempre
buscando sua própria identidade. Uma das composições da banda é a
música O Álcool Domina sua Mente. Em maio de 1988 a banda fez sua
apresentação de estreia no Festivalle, em Rio do Sul (SC), onde foram muito
bem recebidos.
Ivo Wessner (Ivo Badulaque), na época integrante da banda
Vampiros Hemofílicos, de Rio do Sul, conta que a participação do Post
Mortem no Festivalle trouxe uma in uência diferente para a região.
Segundo Ivo, o pessoal do município estava acostumado a ouvir o rock
tradicional e de repente chegaram uns magrelos cabeludos com um som
totalmente diferente do que se conhecia por ali. A in uência, porém, foi
altamente positiva e quase 30 anos depois as amizades ainda permanecem.
Logo após a apresentação no Festivalle, Beto deixou a banda Post
Mortem. Para que a agenda de shows fosse cumprida, Paulo Ronchi (Rottnes e ex-Massacra) foi chamado para assumir a bateria. Assim o grupo
participou do I Festival de Inverno de Rio do Sul. Depois dessa apresentação
Ronchi deixou a banda, que passou um tempo sem ensaios, até que ocorreu
uma nova alteração: Koch na bateria, Lasier na guitarra e Leandro (Ex-Rottness) no baixo e no vocal.
Figura 6 - Cartazes do show da banda Os Replicantes, em Jaraguá do Sul.
Cartaz impresso em gráfica (esq.) e cartaz feito com colagem (dir.).
Fonte: Acervo de Dietmar Hille.
Sandro, baterista da Cicatriz, relata que tocar ao lado de uma banda
de renome nacional e em pleno momento de ascensão da cena punk
provocou uma sensação única.
Assim como no show da Korzus, alguns desentendimentos
ocorreram e os resultados não agradaram muito os responsáveis pela
segurança pública do município. Mas o pior acontecimento foi o péssimo
resultado da venda de ingressos; inadvertidamente pessoas responsáveis (ou
seriam irresponsáveis?) pelas chaves das portas laterais do Ginásio Arthur
Müller e que cuidavam da área de esportes abriram as portas e deixaram as
pessoas entrarem no lugar sem pagar. Não se sabe se isso se deu de forma
proposital ou por algum deslize, porém é fato que os resultados foram os
piores possíveis para o promotor do evento, César. Prejuízos à parte, a
apresentação foi determinante para fortalecer o movimento local.
A hora e a vez dos punks
A apresentação da Korzus foi animadora, e César Chiodini,
empolgado, resolveu então trazer mais um show nacional. Dessa vez,
contratou a banda de punk rock Os Replicantes, de Porto Alegre (RS).
O movimento punk, que havia nascido fora do país em meados dos
anos 1970, chegado ao Brasil por volta de 1977 e tomado mais força com o
Festival Começo do Fim do Mundo, realizado em São Paulo no ano de
Figura 7 - Show da banda OS Replicantes, no Ginásio de Esportes Arthur Müller.
Fonte: Acervo de Dietmar Hille.
Kontra Ordem: a banda que representava o punk jaraguaense
Como grande motivador das movimentações na cena do rock
naquela época, César Chiodini apresentou Dietmar Hille, o Tito, aos seus
irmãos e a Sandro, que formavam a Cicatriz, sugerindo que montassem uma
banda punk. A receita deu mais que certo. Os amigos começaram a ensaiar
sob o nome de Kontra Ordem e passaram a trabalhar músicas de autoria,
criando uma identidade para a banda.
A aparição da Kontra Ordem foi uma segunda e forte injeção para
que o movimento punk se consolidasse em Jaraguá do Sul. O grupo ensaiava
criando músicas que questionavam o governo e o sistema, trazendo temas
como política, desigualdade social, guerras e outros assuntos que permitiam
o protesto como apelo. Tito fazia as letras das músicas e cantava com uma
performance de palco que envolvia e agitava a galera.
Mais um show nacional em Jaraguá do Sul e o fortalecimento da
cena punk
Na tentativa de recuperar os prejuízos acumulados no show da
banda Os Replicantes, César Chiodini resolveu trazer então a banda paulista
de streetpunk/oi! Vírus 27.
A apresentação foi agendada para o dia 21 de novembro de 1987,
novamente no Ginásio de Esportes Arthur Müller. Mas as coisas não
conspiravam muito a favor de César. Dois dias antes do show, uma viatura da
polícia parou em frente a sua loja. Um policial avisou que o comandante da
Polícia Militar de Jaraguá do Sul queria falar com o proprietário da
Locomotivos. Não sabendo exatamente do que se tratava e com receio de
car preso, César tomou sua lha nos braços e foi ao encontro do
comandante.
Chegando à delegacia, foi encaminhado até o comandante, que
estava com o cartaz do show em sua mesa. Apenas perguntou do que se
tratava aquilo e o que César pretendia fazer, a nal os nomes das bandas eram
Vírus 27, Kontra Ordem e Má Compania. Certamente os nomes das bandas
não remetiam a nada que pudesse ser bené co para a sociedade, e aí morava
a preocupação do comandante.
Nesse show a polícia esteve presente em grande contingente para
evitar tumultos, mas de qualquer forma houve mais uma vez vários desentendimentos e algumas pessoas foram detidas.
Depois desse evento, a Kontra Ordem continuou espalhando muita
ideologia acompanhada de punk rock. No dia 6 de dezembro de 1987
tocaram na boate Baturité, em Joinville.
Figura 8 - Cartaz do show da banda paulista Vírus 27, com as bandas
Má Compania e Kontra Ordem.
Fonte: Acervo de César Chiodini.
As ideologias e o comportamento (quase crítico)
Não há como falar de rock sem abordar comportamentos, pois são
coisas intrinsecamente ligadas. O próprio rock já serve como uma forma de
extravasar descontentamentos com os padrões sociais. O que diremos então
do punk rock?
É notório que os punks de Jaraguá do Sul não se encaixavam muito
bem nos locais que havia na cidade, pois nenhum dos bares ou das casas
noturnas estava disposto a absorver algo que ainda era desconhecido e que
trazia em si nuanças de comportamentos agressivos e muito pouco sociáveis.
Todavia, por trás da imagem rude e do visual nada atraente aos olhos dos
padrões sociais, escondia-se uma ideologia que buscava um mundo mais
livre e mais justo, onde todos teriam direitos iguais e não existiriam
lideranças sobrepondo-se às vontades populares.
Infelizmente a crença em suas ideologias e o desejo de persuadir o
restante das pessoas com suas ideias traziam comportamentos agressivos e
alguns agiam até como vândalos, depredando o patrimônio público e
privado em nome dos seus ideais. Esse tipo de comportamento não era
aceito pela comunidade e afastava qualquer possibilidade de entrosamento
social. Mesmo que esse tipo de comportamento não viesse de todos os
punks, a generalização era inevitável.
Ainda faltava um lugar adequado para a galera
Os punks disseminavam seu descontentamento com o quadro social
e conquistavam vários adeptos, mas havia uma de ciência de local tanto
para as bandas tocarem quanto para a galera frequentar e ouvir o som de que
gostavam. Era comum perambularem pela cidade tendo a Praça Ângelo
Piazera (antiga prefeitura) como ponto de encontro. Alguns pontos da
cidade estavam na preferência dos punks, entre eles a fachada do extinto
Banco do Estado de Santa Catarina (Besc), na Avenida Marechal Deodoro,
no mesmo local onde funcionou o Foto Loss e hoje está a loja Magazine
Luiza, e também um iperama ao lado do prédio da agência bancária, na
Rua Antônio Carlos Ferreira.
Faziam ainda festas punks em alguns lugares, como era o caso do
Acaraí e também o local em que hoje está o campus do Instituto Federal de
Santa Catarina (IFSC) de Jaraguá do Sul. Guedes Zimmermann e Pedro
Jaico Kreis, duas personagens muito presentes na cena punk da cidade,
lembram que era comum que o grupo todo invadisse outras festas levando
suas tas cassete e transformando-as em festas punk.
As confusões e brigas na rua eram comuns, especialmente após o
show do Vírus 27, quando algumas pessoas se distanciaram do movimento
punk e aderiram a uma ideologia mais nacionalista, conhecida como oi! e
skinheads.
Tito conta que em uma dessas voltas que davam pela cidade, com
sete pessoas dentro de um Fusca, encontraram uma boate e resolveram parar
para conhecer o lugar. Tratava-se do Casarão Disc Club, um empre-
endimento idealizado por Nelson Marcos Stinghen que tocava um tipo de
música que não apreciavam – músicas dançantes que seguiam a onda
europop. Entraram ali e encontraram uma decoração muito bem-feita, com
bancos acarpetados, espelhos nas colunas e outros ornamentos próprios de
danceterias. Perceberam ainda algumas poucas pessoas sentadas às mesas.
Como o próprio Nelson veio recebê-los, resolveram perguntar se era
possível trazer uma ta cassete com as músicas de que gostavam. O dono do
local prontamente aceitou a sugestão. Como andavam com uma caixa cheia
de tas cassete no carro, buscaram uma do Ramones de 90 minutos, que
tocou dos dois lados e repetiu. O pessoal gostou tanto que passou a difundir
o local e trazer mais gente. Agora havia um lugar para curtir música punk.
A boate passou a ser frequentada pelos punks, que logo propuseram
a Nelson um show ao vivo com uma banda punk, a Kontra Ordem. No dia 6
de fevereiro de 1988 o grupo jaraguaense fez a estreia no palco do casarão
com casa cheia.
O Casarão não cou aberto por muito tempo, mas o período de
funcionamento foi intenso. Ao fechar as portas, deixou muita saudade. O
grande problema do local era que os frequentadores normalmente não
tinham poder aquisitivo su ciente para consumir e gerar lucros. Além disso,
havia confusão e confronto com outras turmas, especialmente com aqueles
que moravam nas imediações e não gostavam da movimentação. Certas
confusões tiveram resultados muito sérios e gente muito machucada,
inclusive o próprio Nelson.
Após encerrar a boate, Nelson tentou outras atividades até que se
rmou, no ano de 1991, com a venda de móveis. Mesmo após o seu
falecimento, a família deu continuidade ao negócio, que permanece forte
até hoje no mesmo endereço.
Figura 9 - Show da banda Kontra Ordem, no Casarão
Disc Club. Vocal: Tito e baixo: Evandro.
Fonte: Acervo de Dietmar Hille.
A conexão Curitiba - Jaraguá do Sul: parte 2
Duas das características do cenário punk foram a disseminação e a
troca de informações. Na época a uidez da informação era tremendamente
precária, a internet não estava nem nos sonhos ainda e a comunicação era
feita por meio de cartas e dos famosos fanzines. Mesmo com todas as
di culdades e com a demora no trânsito das informações, muitas amizades
foram iniciadas pela comunicação por cartas e fanzines e foi possível muita
troca de material.
O fanzine funcionava como um blog impresso, tinha normalmente
periodicidade mensal e tratava de diversos assuntos, tendo como base
principal a música. O contato com pessoas de outros centros acontecia
mediante os fanzines ou as cartas, e isso foi decisivo para que ocorresse essa
conexão entre as cidades.
Em Jaraguá do Sul houve muitos fanzines, mas o que teve maior
alcance e foi editado por bastante tempo foi o Distorção Alternativa, de Tito.
Com a cena punk, a conexão Curitiba–Jaraguá do Sul repetiu-se. A
Kontra Ordem apresentou-se no dia 19 de março de 1988, no Weekend
Club, em Guaramirim (SC), em um evento que cou conhecido como a
Noite do Protesto. Esse evento reuniu muita gente de Guaramirim, de
Jaraguá do Sul e de outras regiões também, inclusive de Curitiba.
O Weekend Club foi um clube de rock em Guaramirim de Ivair
Nicocelli com seu irmão Donizete e Fernando Vailatti que antecedeu o
Curupira Rock Club, também um empreendimento do trio. A proposta era
um bar que promovesse shows, mas não era o momento certo e o local
acabou desaparecendo da cena em pouco tempo.
Esse evento selou uma aproximação ainda maior entre Curitiba e
Jaraguá do Sul, pois Bia, que havia acabado de ingressar no grupo de punks
jaraguaenses, era de Curitiba. Seu pai a tinha mandado para cá para que
saísse do convívio de certas pessoas, inclusive de seu namorado na época,
que segundo a sua visão eram más in uências. À Noite do Protesto foram os
punks curitibanos, e por coincidência o grupo que apareceu eram
exatamente os seus amigos. Todos puderam reatar a amizade longe dos olhos
do pai da garota, e a partir daí o grupo passou a frequentar e muito a região.
Os punks de Curitiba, que mantinham um comportamento e um
visual bem mais agressivos, causaram alguns choques na população
guaramirense. Tito relata que a banda foi passar o som e um dos punks, com
apelido de Cobaia, havia cortado os braços com lâminas de barbear (estilo
Gillette) e estava de braços abertos e sangrando bem em frente ao local onde
parava ônibus e pessoas saíam para o trabalho. Ele conta que se lembra de
alguém abrindo a janela do ônibus e gritando: “Meu Deus, os góticos!”.
Figura 10 - Kontra Ordem com a galera de Curitiba na
Noite do Protesto, realizada no Weekend Club, em Guaramirim.
Figura 11 - Noite do Protesto. Vocal: Tito e Guitarra: Veto.
Figura 12 - Noite do Protesto. Bateria: Sandro e baixo: Evandro.
Fonte: Acervo de Dietmar Hille.
Jaraguá do Sul tem muito rock correndo nas veias...
Paralelamente ao movimento punk, que efervescia a cidade, havia
outras pessoas com a mesma vontade de fazer música e que seguiam uma
linha mais rock and roll. Muitas tiveram oportunidade de se apresentar
várias vezes, e outras não saíram das garagens, mas todas tiveram sua parcela
de responsabilidade pela formação da cena roqueira do município.
A banda Má Compania, formada por Paulico e Cepa Leoni nas
guitarras, Paulo Andrade e Fernando Bola nos vocais, Nei Leoni no baixo e
Alexandre Neves na bateria, abriu dois importantes shows que foram
trazidos por César Chiodini e a loja Locomotivos, a Vírus 27 e a Korzus.
Fizeram várias apresentações, e Paulico conta que na época tudo era muito
mais complicado que nos dias de hoje, pois com a uidez da informação que
temos atualmente é muito mais fácil ter acesso à informação. Ressalta que a
banda tinha di culdade para tocar covers e acabava compondo, pois o
acesso a cifras era mais duro.
O que pode ser percebido claramente em cada uma das pessoas que
tocava em bandas na época é que a paixão pela música sempre falou mais
alto. Por esse motivo, as adversidades e a falta de perspectiva de atingir o
sucesso sempre foram superadas.
Paulico relata que em uma oportunidade a banda foi contratada
para tocar em Rio Negrinho (SC). Na data do show os músicos foram à
cidade com uma Kombi chamada Naná. Chovia torrencialmente. Quando
chegaram lá, estavam apenas o dono do local e os garçons. Fizeram o show
mesmo para nenhum público e foram pagos com o dinheiro que estava nos
caixas, separado para o troco, e voltaram para casa com um valor nada alto,
mas com grande volume de dinheiro, porque eram só notas de baixo valor.
Seguindo a linha do progressivo e do psicodélico, nascia a banda
Seres Vivos, que mais tarde viria a se tornar e Seres. Tendo como principal
in uência o Pink Floyd, a banda, que já havia passado por algumas
formações desde seu início, rmou-se com Aldacir Padilha no vocal e na
guitarra, Enivaldo Deretti no baixo, Paulo César Seraphim no teclado e
Roberto Germano Prussek na bateria. Essa é uma das bandas da época que
permanece até hoje em plena atividade, produzindo músicas autorais e
lançando material novo com certa constância.
Em 1988 e 1989, houve outras duas bandas que sobressaíram no
cenário do rock e mantinham uma relação bastante estreita, a nal eram
formadas essencialmente por amigos e era normal que tocassem juntos nos
mesmos lugares.
A banda Recurso Imediato e a banda Sobreviventes, com in uências
do rock tradicional e até mesmo de bandas catarinenses como a Expresso e a
Tubarão, tocaram em alguns lugares fora da cidade, como foi o caso de
Águas de Chapecó (SC) e Balneário Camboriú (SC).
A Recurso Imediato era formada por Altamir (Sabonete) no vocal,
Luiz Lanznaster Júnior na guitarra, Paulo Klitzke no baixo e Fabiano
Peixoto na bateria. E a Sobreviventes tinha Denis Hohl no vocal, Pablo
Varella no baixo, Cezar Augusto na guitarra e Alexandre Madrid na bateria.
Além dos shows em vários lugares, a Recurso Imediato teve a
oportunidade de tocar no programa Jornal do Almoço realizado na Praça do
Expedicionário no dia do aniversário de Jaraguá do Sul.
Assim os anos 80 se fecharam, com um cenário modi cado e muito
mais motivado para produzir rock. Os anos que viriam a seguir seriam
muito mais intensos, e a quantidade de bandas e pessoas envolvidas com o
rock da cidade aumentaria substancialmente.
os anos
1990
Uma nova era para o rock jaraguaense
Todas as movimentações realizadas na segunda metade dos anos
1980 serviram para impulsionar o que viria a ocorrer nos anos 90. Além das
pessoas que vivenciaram a cena na cidade, ainda que olhando de fora, como
foi o caso de alguns que ainda eram muito novos para se envolver, havia
ainda uma grande leva de pessoas que migrava de outros lugares e então se
juntaria aos jaraguaenses para continuar a história.
Os acontecimentos dos anos 80 tiveram importância indiscutível e
in uenciaram totalmente o cenário dos anos seguintes até a atualidade, mas
foi a partir dos anos 90 que foram realizadas muitas ações que rea rmariam
a cidade como um relevante agente no desenvolvimento da cena do rock,
tanto o underground quanto o mainstream local.
Muitas bandas que tiveram seu início ainda no m dos anos 80 não
continuaram na década subsequente. Se alguma deu sequência, isso ocorreu
por muito pouco tempo, exceto a banda Seres Vivos, que, apesar de uma
pausa, teve continuidade e se mantém até hoje.
Todos os envolvidos na cena têm sua devida importância e um
inexiste sem o outro: as bandas, o público, os produtores e todos que de
alguma maneira estão nessa cadeia.
Podemos dizer que a partir de 1990 houve uma intensi cação em
outros setores. As bandas continuaram existindo e aparecendo mais e mais
sempre com mais frequência, e a produção e o lançamento de materiais, a
realização de shows e festivais, a comercialização de discos, a confecção de
camisetas e outros tantos fatores que possibilitam que cada vez mais pessoas
se envolvam também estavam cada vez mais presentes no cenário.
Ei, moço! Onde eu posso comprar um disco de rock aqui em Jaraguá do
Sul?
Como já comentado anteriormente, Jaraguá do Sul era privilegiada
por ter uma loja de discos como a Locomotivos. Além de ter à disposição
títulos que não seriam achados em qualquer loja, ainda servia como ponto
de encontro para as diversas tribos. Isso favorecia a integração entre as
pessoas e a troca de experiências.
Fora a Locomotivos, houve outros estabelecimentos mais
convencionais na cidade, como a Zehnder, a Discolândia, a Ed Som Center
e a Center Som, esta última em funcionamento desde 1989 e a única delas
que ainda continua, comercializando CDs, DVDs e agora também
instrumentos musicais. Existia também uma seção de discos dentro da loja
de departamento Hermes Macedo, e muita gente comprava disco lá. No
local só era possível achar títulos lançados por grandes gravadoras, mas
ainda assim se podia adquirir bons álbuns.
A movimentação constante na Locomotivos, que era não apenas
uma loja, mas um ponto importante de convergência entre as tribos, passou
a se tornar um entrave para o crescimento do estabelecimento, pois muitos
iam até lá aos sábados pela manhã apenas para encontrar amigos e conversar,
causando grande aglomero e inibindo outras pessoas que poderiam ter
interesse em entrar para comprar, pois sobretudo a Locomotivos era uma
loja de roupas. Diante dessa realidade e para preservar seus investimentos,
César Chiodini e sua esposa, Marli, decidiram desfazer a seção de discos e
seguir apenas no ramo de vestimentas.
A notícia da interrupção das atividades com discos foi bastante
difícil de engolir, digo isso por mim, mas tenho certeza de que a maioria das
pessoas teve a mesma reação e sentimento. Lembro o dia em que eu, sem
saber do ocorrido, fui até a loja em um sábado, como era costume, e ao
chegar lá soube da novidade.
Mais tarde, houve uma loja na Rua Reinoldo Rau chamada Music
Factory. Seu proprietário trazia muitas coisas diferentes e mesclava o
convencional com o independente. Ali era possível encontrar títulos que
somente se via em Joinville ou Blumenau, porém a loja não teve vida muito
longa, e logo voltamos a car sem um lugar que trouxesse o que queríamos
ouvir e sem as coisas que líamos nas revistas de rock.
Diante dessa lacuna e com uma veia empreendedora, eu, que havia
acabado de completar 18 anos, resolvi então abrir uma loja de discos na
cidade; a ideia era comprar e vender álbuns usados. Com isso, aliaria meu
gosto por música com uma possibilidade de empreendimento. A loja
chamava-se Toada & Rock e estava estabelecida na Rua José Fontana, em
uma sala muito pequena. As prateleiras eram feitas da madeira mais bruta
possível e da forma mais rústica imaginável – não era para ser chique, mas
sim por falta de condições nanceiras e de noções mínimas de decoração.
Como a ideia era manter meu trabalho para poder me sustentar além do
estabelecimento comercial, pedi a Padilha, da banda e Seres, que cuidasse
da loja para mim. Assim foi durante certo tempo, mas não aguentei muito e
deixei meu emprego. Como era de se esperar, as vendas iam de mal a pior,
pois todo empreendimento tem um tempo para retorno e qualquer
empreendedor sabe que é necessário capital para bancar esse período. Bom,
eu descobri que de fato não era empreendedor.
Vendo que sucumbiria, eu resolvi apelar a Beto (baterista da Seres
Vivos e grande amigo). Ele entrou comigo no negócio e colocou todo, ou
quase todo, seu acervo à venda. Logo em seguida, descobrimos que ambos
não éramos empreendedores e afundamos juntos pouquíssimo tempo
depois.
Mas nem tudo foi em vão. Ainda em 9 de maio de 1992, a Toada &
Rock fez uma parceria com Ivair, do Curupira Rock Club, que havia
acabado de construir um salão novinho e que seria destinado inteiramente
ao rock, e então promovemos aquele que foi o primeiro show nesse novo
ambiente.
O evento foi marcante não só por ter sido o primeiro no Curupira
como uma casa de shows, no entanto também foi uma mescla de estilos. Na
mesma noite tocaram desde bandas covers com músicas românticas até o
punk e o metal. As bandas eram Leis e Ordens (Joinville), Camisa de Força
(Joinville), Hephrem (Joinville), Seres Vivos (Jaraguá do Sul), Radical Band
(Jaraguá do Sul) e um retorno momentâneo da Kontra Ordem (Jaraguá do
Sul), apenas com Tito e Evandro da formação original.
Abrigo Nuclear: um marco inigualável na cena do rock jaraguaense
Essa é a loja de maior importância para o desenvolvimento do
cenário do rock na cidade desde o encerramento das atividades de vendas de
discos da Locomotivos.
Edson Luís de Souza, que foi integrante das bandas Camisa de Força
e e Power of the Bira e atualmente faz parte da banda Os Fritz da Puta,
morava em Joinville e travava contato direto com o pessoal aqui de Jaraguá
do Sul. Ele estava constantemente na cidade em virtude das amizades e de
seu namoro com Eliete, que estava inserida na cena do rock e é sua atual
esposa. Com muitas a nidades motivadas pelo gosto musical e pela forma
de pensar, Edson mantinha uma amizade muito próxima com Tito, que na
época namorava a irmã de Eliete, Mari, o que tornava o contato ainda mais
próximo.
Após a inauguração do Curupira Rock Club, em maio de 1992, o
envolvimento de Edson e Tito continuou. Ambos traziam bandas de
diversos lugares e promoviam festivais, como é o caso do Encontro da
Consciência Ecológica (Econcieco), evento que misturava rock e apelos
ambientais e cuja primeira edição ocorreu nos dias 18, 19 e 20 de setembro
daquele ano.
Nos anos seguintes muitos outros shows e festivais foram realizados
em função do envolvimento de Edson e Tito, movimentando imensamente
o cenário, dando oportunidade para bandas de vários lugares e incentivando
de modo grandioso a formação de bandas locais.
Toda essa movimentação faz a história do rock de Jaraguá do Sul se
confundir com a do Curupira e mostra que não há como falar de rock
jaraguaense sem citar e enaltecer essa casa de shows, que é o símbolo do rock
alternativo e do underground catarinense e até mesmo nacional, pois
praticamente todas as bandas oriundas da cidade e iniciadas nos anos 90
puderam apresentar-se ali e tinham o Curupira como o local mais adequado
para a cultura underground.
Em 1996, Tito, Edson (já morando em Jaraguá do Sul), Mari e
Eliete resolveram abrir uma loja de discos e batizaram-na com o mesmo
nome do fanzine mantido por Edson: Abrigo Nuclear. Assim nascia um
estabelecimento que se tornaria uma verdadeira lenda no cenário do rock
alternativo de Jaraguá do Sul.
Estabelecida na Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, na mesma
construção onde funciona hoje a Vidraçaria Walter Hille, a loja Abrigo
Nuclear, além de uma rica fonte para a cultura underground, foi um
importantíssimo ponto de convergência e um forte agregador de ideias.
Promovia a difusão da música trazendo para a cidade títulos raros,
lançamentos de bandas independentes e muito material que jamais chegaria
por aqui por outras vias.
Com a personalidade de seus proprietários devidamente
incorporada, a loja Abrigo Nuclear continuou promovendo shows e
festivais, lotando ônibus para levar a galera e incentivando a molecada mais
nova a formar bandas, criar música e participar ativamente da cena do rock.
Figura 10 - Kontra Ordem com a galera de Curitiba na
Noite do Protesto, realizada no Weekend Club, em Guaramirim.
Desde a inauguração do Curupira, a grande movimentação do
cenário underground incitou o desenvolvimento de bandas locais e deu
início a uma parte importantíssima da história. O surgimento da Abrigo
Nuclear intensi cou muito esse movimento e, juntamente com o Curupira,
fechava um circuito que mantinha a motivação e impulsionava a formação
de mais e mais bandas.
O empreendimento permaneceu ativo até o ano 2000, quando
ocorreu a propagação das músicas em versão digital, o que fez as vendas de
CDs e LPs caírem vertiginosamente, ocasionando a falência da loja.
Hoje em dia quem mantém a posição de loja especializada em rock
na cidade é o estabelecimento de Heriberto Werner (integrante das bandas
Olho de Cabra e Cadaveric Hotel): O Limbo Bazar do Rock.
Impulso para divulgar bandas por meio da gravação de tas demo
Um lugar com público para tocar é tudo de que uma banda precisa,
mas registrar o trabalho e, quem sabe, alçar voos mais altos também está nos
planos de qualquer grupo. Ao contrário de como acontece nos dias atuais,
nos anos 1980 e 90 as gravações não eram tão acessíveis nem havia tantas
facilidades.
Por tal motivo, muitas bandas acabaram cando sem nenhum tipo
de registro, mas, dada a preocupação com o cenário do rock, Edson
dedicava-se a gravar tas demo para as bandas que quisessem. Esse trabalho
era realizado no Curupira Rock Club, com equipamentos bastante
precários, porém com muita força de vontade. Graças ao empenho de
Edson, tem-se o registro do trabalho de uma grande quantidade de bandas
da região.
Edson ainda continua dedicando-se a esse trabalho por intermédio
de seu blog http://demo-tapes-brasil.blogspot.com.br/, no qual publica
versões digitalizadas de tas demo. O seu trabalho na página virtual é
reconhecido nacionalmente, e bandas do Brasil inteiro enviam-lhe tas
cassete para que o som seja digitalizado. Isso coloca mais uma vez Jaraguá do
Sul e região na lista dos locais mais importantes para o cenário do rock
underground.
Um dos exemplos de gravações feitas por Edson é a ta demo da
Bloody Mary, gravada em 12 canais no dia 28 de novembro de 1998. A
banda era a única da região com exclusivamente mulheres em sua primeira
formação. O conjunto teve início em 1998 e encerrou as atividades em
1999. A demo foi gravada com a seguinte formação: Adri (baixo), Audren
(teclado), Cris (vocal), Joyce (guitarra e vocal), Rodrigo (gaita e vocal) e
Sandro (bateria).
Figura – Capa da fita demo da banda Bloody Mary, gravada em 1998, digitalizada e disponibilizada no blog de Edson Luís de Souza
Fonte: Disponível em: <http://demo-tapes-brasil.blogspot.com.br/>. Acesso em: 29 dez. 2015
Locais com liberdade, acolhimento e... alguns limites necessários
Para quem gostava de rock, especialmente aqueles que preferiam a
cena independente e underground, era sempre mais difícil encontrar lugares
apropriados e, sobretudo, que permitiam tocar as músicas que gostavam de
ouvir e aceitavam seus comportamentos. Mas as tribos sempre acharam
pessoas dispostas a abrir portas e promover agrupamentos por a nidade.
Porém uma coisa deve ser registrada aqui. Quase todos os locais que abriram
as portas e acolheram a galera do rock precisaram, em algum momento,
impor limites e de nir algumas regras para que a coexistência pudesse
continuar sem gerar perdas para o estabelecimento.
Isso ocorreu com casas noturnas, lanchonetes, lojas de discos etc.
Desde a loja Tarkus, mantida por Carlos Piske em meados da década de
1970, esse pormenor tem sido um fator relevante. Se isso fosse dito na
época, possivelmente não teria sido aceito, mas o tempo amadurece e faznos pensar melhor sobre algumas coisas, e os que foram podados de alguma
forma naquele momento devem compreender hoje muito claramente as
ações tomadas pelos responsáveis dos empreendimentos.
As lojas de discos sempre foram aglutinadores naturais das pessoas
que curtiam rock e eram o local onde todos se reuniam para conversar acerca
de diversos assuntos, além de ouvir música e de falar de música. Nas
entrevistas, Edson Luís de Souza usou um termo muito interessante para
de nir as lojas de discos. Ele se referia a elas como “redes sociais analógicas”.
Essa aglutinação muitas vezes ofuscava os objetivos comerciais da loja,
afastando possíveis compradores que não faziam parte do mesmo
movimento. Isso aconteceu com a Tarkus, com a Locomotivos, com a Toada
& Rock e com a Abrigo Nuclear.
Também, devo deixar registrado aqui que, enquanto proprietário
da Toada & Rock, certa vez me obriguei a expulsar, literalmente, Heriberto
(integrante da banda dos anos 1990 Die Heissen Kartoffel e das atuais Olho
de Cabra e Cadaveric Hotel) e Dinho (da banda da década de 90 Los Tokas e
das atuais Os Fritz da Puta, James Dinho and Little Bastard e e Outlaw
Singers) de dentro da loja por conta de comportamentos, digamos assim,
inadequados.
As lojas de discos, sobretudo as especializadas em rock, têm essa
magnetização que atrai os apreciadores do estilo. Tal aglutinação, no
entanto, não se restringiu a elas, pois muitos outros lugares foram cativados
pela movimentação causada pela música, abrindo espaço e permitindo que
os fãs do rock tivessem a liberdade de ouvir seus estilos preferidos em suas
dependências. Igualmente, muitos desses estabelecimentos precisaram
impor alguns limites para evitar que os limites fossem extrapolados de
maneira negativa.
A Maloka Lanches foi um desses lugares. A lanchonete surgiu com o
nome Space Green e desde então se tornou um ponto de encontro. Mais
tarde, foi vendida para um simpático casal chamado Heinz e Vinny Püttjer,
os quais rebatizaram o local como Maloka Lanches. Com esse nome, muito
sugestivo, apareceu no cenário como uma simples lanchonete, mas foi
tomada de assalto por uma grande quantidade de jovens que precisava de
um local que representasse bem seu estilo de vida e que permitisse que suas
músicas pudessem ser ouvidas. Foi assim que aconteceu. Frequentado por
pessoas que apreciavam o rock nacional e o rock clássico, como Black
Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd, entre outros, logo teve
seu som ambiente inundado somente por rock e se rmou como o ponto
preferido de quem gostava do estilo.
Dona Vinny recorda que os frequentadores lhe traziam sugestões de
bandas e ela mesma comprava tas e discos, e muitos são mantidos até hoje.
“Compra esse Pink Floyd, compra o Barão Vermelho. Eu comprava e não
sabia por que...”, relata Dona Vinny, relembrando a época.
A liberdade permitida pelos proprietários fez com que a Maloka se
tornasse um ponto de encontro de pessoas que curtiam rock, pois o
repertório era escolhido pelos próprios frequentadores. Nas noites de sexta e
sábado era comum a concentração de pessoas do lado de fora da lanchonete,
embaixo da árvore, ouvindo rock e tomando cerveja. Muitas vezes, antes de
partir para as festas, reunia-se um grupo ali para ouvir o lendário programa
de rock Black Incol, da rádio Floresta Negra, comandado pelo radialista José
Roberto Pereira, o Betão.
Seguindo o mesmo padrão, contudo, também chegou o momento
em que a liberdade em excesso tornou insustentável a convivência. Foram
necessárias mudanças para tornar o local mais familiar, e isso foi feito com
maestria, pois a lanchonete está em pleno funcionamento ainda nos dias de
hoje, muito bem-sucedida, com um ambiente bastante familiar. Os velhos
frequentadores continuam clientes do local, porém agora com lhos e até
netos.
Camisetas e acessórios que ajudam a compor o visual de quem
gosta de rock
Ostentar a preferência musical e o estilo por meio de camisetas e
acessórios é algo que vem de longa data. É normal ver aqueles que gostam de
rock, de maneira especial os mais ligados ao underground, vestindo
camisetas com estampa de suas bandas preferidas. Hoje em dia, encontrar
camisetas com estampa de bandas de rock é algo relativamente fácil, porém
nem sempre foi assim.
Encontrar camisetas de bandas era bastante difícil, ainda mais se
tratando de grupos menos conhecidos, alguns com produções
independentes e que muito pouco investiam em merchandising. Para obter
camisetas de bandas, era necessário trazê-las de outras cidades – viajar para
fora, ou depender de alguém que fosse para outro município –, além ainda
dos valores, que não eram muito acessíveis.
Fora toda a di culdade para ter acesso a camisetas, ainda havia a
precariedade nanceira de muitos que faziam parte da cena. Guedes
Zimmermann e Pedro Jaico Kreis, dois representantes do movimento punk
dos anos 1980, relatam que não tinham dinheiro para comprar camisetas,
então eles mesmo pintavam as suas com o nome das bandas de que
gostavam. A mesma situação foi mencionada pela galera do metal Gerson de
Paula, Topo e Edilson, que precisavam recorrer aos amigos que tinham
habilidade em desenho e pintura para ilustrar camisetas, coletes e jaquetas
com o nome e os desenhos das bandas favoritas.
A loja Locomotivos foi pioneira em mais esse movimento, pois,
além dos discos, César Chiodini trazia de São Paulo camisetas e acessórios
que compunham os mais diferentes estilos. Os punks e a galera do metal
ornavam suas roupas com bótons e patches com nomes de bandas, símbolos
que representavam o movimento etc., bem como usavam braceletes, colares
e outros itens que os identi cavam como parte de uma tribo.
De qualquer forma, as camisetas ainda precisavam ser trazidas de
fora, mas em 1990 essa realidade começava a mudar. Paulo Ronchi, exintegrante das bandas Massacra e Rottness, após ter perdido o emprego e
por conselho de amigos, resolveu iniciar a produção artesanal de camisetas
estampadas com desenhos de bandas, as quais passou a vender na Praça
Ângelo Piazera. Com uma lona estendida no gramado e uma variedade
muito pequena de estampas, nascia uma das mais importantes empresas do
ramo, a Brutal Wear. Jaraguá do Sul é o berço desse empreendimento, que
em 2015 completou 25 anos de existência com enorme sucesso em nível
nacional e que continua produzindo, crescendo e melhorando sua
qualidade dia após dia.
Em Jaraguá do Sul é possível encontrar também a Tem Que Ter
Caveira, que mantém há 13 anos um trabalho artesanal de estamparia.
Embora tenha suas vendas estendidas para outras lojas, a empresa
permanece com a sua barraca em pleno funcionamento na praça da cidade,
e toda sexta-feira e sábado é possível encontrar Dinho (da banda Os Fritz da
Puta) e sua esposa, Tânia, nesse local, que, além de um ponto de vendas de
camisetas e acessórios, é o ponto de encontro da galera nos sábados pela
manhã.
Uma banda precisa apenas de um lugar para tocar
Como já disse anteriormente, desde os anos 1970 Jaraguá do Sul
teve vários lugares que promoviam shows e apresentações de bandas, mas a
partir da década de 90 isso passaria a ser mais intenso. Talvez pelo fato do
aumento do número de bandas no cenário, cresceu também a necessidade
de lugares onde as bandas pudessem mostrar seu trabalho.
Muitos músicos entrevistados lembram que na época era preciso
correr bastante atrás de um local para tocar e alguns falam de shows feitos
sobre a carroçaria de caminhões. Aldacir Padilha, da banda Seres Vivos
(atualmente e Seres) recorda-se de uma lanchonete chamada Shangai,
localizada na esquina da Rua Walter Marquardt com a Rua 25 de Julho,
próximo ao Posto Mime. O proprietário do estabelecimento apoiava as
bandas locais e promovia apresentações ao ar livre nos domingos à tarde, e a
banda Seres Vivos pôde fazer performances ali no início dos anos 90.
Outro local muito comentado e relembrado foi a lanchonete
Dakasa, que mais tarde se tornou a Bar & Cia. Ficava situado na Rua
Reinoldo Rau, onde hoje está a loja Casas da Água. Ali também foram
realizados inúmeros shows com bandas locais e bandas trazidas de outras
cidades; praticamente todas as bandas da cidade na época tocaram no
Dakasa. Tratava-se de uma casa com um grande pátio na frente. O show era
feito na frente da casa, e o pessoal assistia a ele do pátio. Algumas vezes era
montado um palco maior próximo à rua, e a via cava totalmente
interditada, pois o público comparecia em grande número.
Em entrevista em conjunto com Luiz Lanznaster Júnior, Denis
Hohl fala do local e comenta que muitas bandas surgiam. Nas quartas ou
quintas-feiras à noite o pátio do Dakasa cava totalmente lotado e se
estendia até a rua, que cava fechada de tanta gente e permitia a passagem de
um carro apenas, tamanho era o comparecimento do público no local.
Jaraguá do Sul, assim como toda cidade com suas características,
presenciou a ascensão e queda de muitos estabelecimentos, tanto casas
noturnas dedicadas ao chamado som mecânico quanto lugares que
promoviam shows ao vivo com bandas locais e de renome nacional. O
empresário Luiz Cesar da Silva, irmão de Paulico, já nos anos 1980
mantinha em Jaraguá do Sul a boate Caesar's Club, que nunca foi
totalmente voltada ao rock nem a apresentações ao vivo, mas Paulico, como
DJ do local e grande entusiasta do rock, sempre tocava algumas novidades
do rock nacional e internacional no decorrer das noites de embalo.
Depois de encerrar as atividades da Caesar's Club, o empresário
inaugurou um novo empreendimento, chamado Notre Dame. Essa casa
noturna foi marcada por grandes shows com bandas nacionais e em muitas
oportunidades as bandas locais tocavam para abrir os eventos.
Mas indubitavelmente o local que mais agregou e continua
agregando valor à cena do rock de Jaraguá do Sul é o Curupira Rock Club,
de Guaramirim. O espaço está, sim, localizado em Guaramirim, mas não há
banda de Jaraguá do Sul que não tenha tocado lá; se há, são poucas. O local
foi, é e continuará sendo um ponto importante de convergência do rock
local para divulgar e projetar bandas autorais, de modo especial as bandas
associadas ao chamado underground.
Um festival alternativo para o rock
Bruni Hübner Schwartz, da Escola de Música Bicho Grilo, conta
que o envolvimento da escola com o cenário do rock se deu em virtude de
um encerramento de m de ano no qual colocaram uma banda para tocar
com ex-alunos e músicos jaraguaenses. Empolgados com a ideia, resolveram
promover no ano seguinte, em 1998, um evento maior que não se limitasse
apenas à escola. Então solicitaram o espaço da Sorveteria Barão, situada na
Rua Barão do Rio Branco, e convidaram quatro bandas para tocar naquele
que seria o primeiro Encontro de Bandas Bicho Grilo.
Em virtude da movimentação causada e pela procura de outras
bandas por um espaço para tocar, resolveram aumentar ainda mais o evento.
Buscou-se apoio da prefeitura e da Fundação Cultural e foi feito em 1999
um novo encontro, agora com a participação de seis bandas, na Praça
Ângelo Piazera.
O evento seguiu acontecendo por vários anos, porém a praça já não
o comportava mais, por conta do número de bandas e da abrangência de
público. Assim, a ideia foi ampliada e o encontro passou a ser realizado no
Parque Municipal de Eventos com o nome de Festival Alternativo.
Depois de alguns anos sem acontecer, o Festival Alternativo voltou à cena
em maio de 2015 no evento Eco Radical 2015, reunindo 20 bandas.
Figura – Cartaz virtual utilizado para a divulgação da edição de 2015 do evento
Fonte: Disponível em: <http://retratosjoinvillesc.blogspot.com.br/2015/04/festival-alternativo-em-jaragua.html>. Acesso em: 30 dez. 2015
Um selo jaraguaense que projetou muitas bandas
Por meio de um selo independente e com muito trabalho e
dedicação, Charles Klitzke, conhecido como Chachá, levou o nome de
Jaraguá do Sul e de muitas bandas locais para várias partes do Brasil e até
mesmo para o exterior. Uma característica da cena independente do rock é a
troca de material sem interesse predominante no valor nanceiro, tendo
como principal foco a difusão do capital artístico. Com base nessa ideologia,
Chachá produzia material de bandas locais e de outras cidades pelo selo
Grito Records e promovia a difusão do trabalho. O material de muitas
bandas locais, em uma época em que a informação trafegava de forma lenta,
foi enviado para a Europa e até para o Japão.
O selo independente existiu entre meados da década de 1990 até o
início dos anos 2000 e um de seus lançamentos foi a coletânea “Squema”,
com participação das seguintes bandas: Schnaps, Fel e Butt Spencer, de
Joinville; Deltacid, de Jaraguá do Sul; Repulsores, de Schroeder; Enzime, de
Blumenau; Euthanásia, de São José; Acne Rabble, de Florianópolis; MBG,
de Garopaba; e a única não catarinense Magüerbes, de Americana (SP).
Assim como a rma Edson Luís de Souza em seu blog, a coletânea
tornou-se de grande importância para o rock da região norte de Santa
Catarina ao registrar em CD o que estava acontecendo naquela época (por
volta de 1999), e seu lançamento con rmou a Grito Records como um
relevante feito para a cena do rock jaraguaense.
Figura – 17A) Capa da coletânea “Squema”, lançada pelo selo Grito Records, de Charles Klitzke; 17B) Charles Klitzke
Fonte: Disponível em: <http://joinroll.blogspot.com.br/2011/07/squema-coletanea-em-cd.html>. Acesso em: 30 dez. 2015
Integração para o fortalecimento da cena
A união sempre foi sinônimo de força. Quando há a junção de
pessoas ou grupos com objetivos comuns, a possibilidade de alcançar o
sucesso aumenta muito. No cenário do rock, seja em Jaraguá do Sul, seja em
qualquer outro local, essa realidade não é nada diferente.
A integração entre diversos estilos já vinha desde a loja Locomotivos
e sempre foi o caminho mais sensato a ser seguido, pois a segregação di culta
ainda mais a captação de público e anula a chance de conhecer pessoas e
cultivar ótimas amizades.
O Encontro da Cultura Underground foi um grande exemplo dessa
integração. Idealizado e promovido pela loja Abrigo Nuclear e seus
proprietários, Tito e Edson, teve sua primeira edição em 1996 e reunia mais
de 20 bandas de vários locais e de diferentes estilos, todos dividindo o mesmo
espaço e tocando no mesmo palco durante os três dias de um festival em que
rolavam muito rock, acampamento, encontro de fanzineiros e tudo mais que
faz parte da cultura underground.
Outro grande exemplo de integração entre estilos foi o lançamento
do CD “Não Perdi o Trem” (1998), da banda jaraguaense Urublues. Mesmo
com um estilo bastante especí co, o grupo convidou para o evento de
lançamento duas bandas com estilos muito diferentes, a Die Heissen
Kartoffel e a Los Bodegueros.
Na época o jornal A Notícia, mediante entrevista com as bandas
convidadas, exaltou a atitude altruísta dos integrantes da banda. Em relação
à atitude da Urublues, o vocalista da Los Bodegueros declarou ao periódico:
“Foi uma atitude bem generosa a deles”.
O underground, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, é
um grande integrador de estilos e sempre cultuou o respeito às diferenças.
Isso é extremamente necessário para que a cena se mantenha forte. Espera-se
que esse respeito seja sempre absorvido e praticado pelas novas gerações.
Figura – Cartaz do 1.º Encontro da Cultura Underground
Fonte: Acervo de Edson Luís de Souza
Figura – 19A) Capa do disco “Não perdi o trem”, da banda Urublues; 19B) recorte do jornal A Notícia de 11 de julho de 1997
Fonte: Acervo dos integrantes da banda Urublues
Bandas de rock que movimentaram essas duas décadas
Os anos 1980 tiveram suas chacoalhadas para movimentar e
in uenciar o aparecimento de bandas. Seguindo pelo mesmo caminho, a
partir dos anos 90 a movimentação no cenário e o incentivo aconteceram
por meio de várias iniciativas, mas a loja Abrigo Nuclear e o Curupira Rock
Club desempenharam um papel importante que fez com que muitas bandas
surgissem, enriquecendo de forma grandiosa a história. Independentemente se a banda era autoral ou dedicada a covers, se era alternativa ou
mais voltada ao pop rock, se estava ou não ligada ao underground, todas
foram de grande relevância e cumpriram sua função.
Algumas sobressaíram mais, outras tiveram uma trajetória curta e outras
nem mesmo saíram dos projetos, como foi o caso da Valles Marineris,
projeto meu e de Beto, baterista da banda Seres Vivos.
Houve aqui uma tentativa de listar, em ordem alfabética, as bandas que
nasceram nesse período de 1980 a 1999. Para isso, foi necessário contar mais
uma vez com a organização histórica de Edson Luís de Souza, pois ele
mantém alguns blogs em que registra a história do rock desde que residia em
Joinville. Tais registros auxiliaram muito este trabalho. As informações aqui
descritas foram pesquisadas nos blogs http://joinroll.blogspot.com.br e
http://historico-curupira.blogspot.com.br, ambos de Edson Luís de Souza,
e também em memórias organizadas e dispostas a ajudar a resgatar essa
história, como é o caso de Tito (Dietmar Hille), da banda Kontra Ordem e
ex-proprietário da loja Abrigo Nuclear.
A Radical Band
Bloody Mary
Cicatriz
Deltacid
Demo Via
Desacato ao Sistema
Die Heissen Kartoffel
Extremo Ódio
General Custer
Graft (depois Moby Dick, mais tarde Boa Noite Cinderela e atualmente
Os Velhos)
Habeas Corpus
Imperium Tenebrae
Impiedoso (formada após o término da banda Imperium Tenebrae)
Kontra Ordem
Los Bodegueros
Los Tokas
Má Compania
Manual Criminous
Massacra (banda que originou as bandas Post Mortem e Rottness)
Passageiro Clandestino
Post Mortem
Recurso Imediato
Rottness
Seres Vivos (atualmente The Seres)
Sobreviventes
Tripa de Cat
Urublues
Sobre o reencontro histórico
Confesso que até mesmo eu achava impossível, mas não deixei de lançar esta provocação a todos os
integrantes de antigas e extintas bandas dos anos 1980 e 90: voltar a se apresentar por mais uma vez. Grande
foi a surpresa ao ter uma resposta tão positiva e poder ver esses grandes motivadores das gerações atuais
apresentando-se novamente. Muitos estavam há mais de 20 anos sem subir em um palco.
Estando eu em um turbilhão de tarefas relacionadas a este projeto e sem muita experiência na
organização de shows e festivais, pedi auxílio a Edson Luís de Souza, o qual prontamente aceitou o convite e
exerceu papel fundamental para que tudo corresse bem.
Houve bastante empolgação por parte de todos que foram convidados para esse reencontro, e então
foi marcado para o dia 15 de novembro de 2015 um evento que se chamou Reencontro Histórico de Bandas
dos Anos 80 e 90.
Desde que iniciamos a organização, dirigimos o foco para que as bandas se apresentassem tocando
músicas próprias, pois tínhamos a intenção de gravar as performances por canais diretamente na mesa,
possibilitando o lançamento futuro de um material físico em CD ou, quem sabe, em vinil.
Um total de dez bandas pronti cou-se a tocar nesse dia e, por conta da quantidade de bandas,
resolvemos fazer o evento no Curupira Rock Club, primeiramente pelo valor que o local tem para o rock da
cidade e de toda a região. Além disso, consideramos o fato de o local e a aparelhagem para a gravação terem
sido cedidos gratuitamente, bem como a ausência de limite de horário para o término.
Infelizmente, em função de problemas particulares, algumas bandas não puderam participar da
reunião e cancelaram sua apresentação no reencontro, mas ainda assim houve cinco bandas que
representaram muito bem tudo o que aconteceu nos anos 80 e 90: Post Mortem, Kontra Ordem,
Impiedoso (tocando uma música da Imperium Tenebrae), Die Heissen Kartoffel e Seres Vivos.
Figura X - Cartaz do reencontro produzido manualmente seguindo a forma como eram produzidos os cartazes nos anos 1980 e 90.
No verso do cartaz estão as assinaturas de todos os integrantes de bandas que tocaram no dia do evento
Fonte: Acervo do autor.
De geração em geração, a cena do rock renova-se em Jaraguá do Sul: parte 2
Assim, chego ao m deste trabalho evidenciando que, mesmo sem querer, uma geração passa o
bastão para a outra, os comportamentos mudam, os estilos ampliam-se, aumentam as facilidades, repetem-se as di culdades, mas a cada dia que passa germinam novas e motivadas sementes que manterão a cena
viva.
Ao realizar este projeto, tive a oportunidade de reencontrar velhos conhecidos e ouvir bandas
antigas tocando novamente. Também pude ver o novo nascendo e desenvolvendo-se. Algo que pode ser dito
com bastante propriedade é que Jaraguá do Sul é rica em produção artística na área do rock e merece muita
atenção. São muitas bandas locais produzindo suas próprias músicas e criando material que deixa registrada
uma história importante que merece ser revisitada e atualizada diversas vezes para que continue sempre viva
essa motivação.
Entrevistas
Referências
Acácio Valanoro
Ademir Ramiro Koch
Ana Stinghen
Berkley Jennrich
Blênio Pires
Bruni Hübner Schwartz
Carlos Fernando Piske
César Chiodini
Charles Klitzke
Denis Koch
Denis Wander Hohl
Dietmar Hille
Dirceu Hahn
Edilson (Kohlbach)
Edson Luís de Souza
Enivaldo Deretti
Eribert Augusto Neves
Evandro Luís Chiodini Silva
Everton Sales
Fabiana de Oliveira Motta
Gerson de Paula
Guedes Zimmermann
Heriberto Werner
Herivelto José Silva (Veto)
Ismael Niels
Ivo Wessner (Ivo Badulaque)
Jean Andrighi
Jean Sales
José Roberto Ponticelli
Lasier Laube
Leonardo Mór Colucci
Luciano Sales
Luiz Lanznaster Júnior
Marcelo de Melo Silva
Marcio José Coelho
Paulo César Seraphim
Paulo David da Silva
Pedro Jaico Kreis
Ricardo Alexandre Martins
Richard Hermann
Roberto Germano Prussek
Sandro Sidnei Siebert
Alcir Conti (Topo)
Vinny Püttjer
William Fontanelli (James Dinho)
BIG BOY. Wikipédia. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Boy>.
Acesso em: 29 dez. 2015.
CURUPIRA ROCK CLUB. Histórico. Disponível em:
<http://historico-curupira.blogspot.com.br/>.
Acesso em: 29 dez. 2015.
DEMO-tapes Brasil. Disponível em:
<http://demo-tapes-brasil.blogspot.com.br/>.
Acesso em: 29 dez. 2015.
JOINROLL: Memória do rock de Joinville e região. Disponível em:
<http://joinroll.blogspot.com.br/>.
Acesso em: 29 dez. 2015.
NEUMANN, Ricardo. Arquivos pessoais, história oral, blogs e rock
alternativo. Resgate, v. 22, n. 27, p. 71-77, jan./jun. 2014. Disponível em:
<http://www.cmu.unicamp.br/seer/index.php/resgate/article/viewFile/
359/342>.
Acesso em: 10 nov. 2015.
O autor
Paulo de Almeida trabalha como assessor comercial em uma empresa de
sistemas em Jaraguá do Sul, é casado e pai de um menino e de uma menina.
Adora música desde a adolescência e guarda um gosto musical
extremamente eclético. Tocou guitarra nos primórdios da banda e Seres
(Seres Vivos na época) e foi proprietário de uma loja de discos usados (Toada
& Rock) em 1992. É autor dos livros Bombeiros Voluntários de Jaraguá do
Sul: uma história que não deve ser apagada (Design Editora, 2013) e Guia de
autoproteção para desastres e situações de anormalidade (Design, 2015).
Atualmente mantém um canal no Youtube chamado Palco Local, em que
realiza entrevistas e dá recomendações de bandas, servindo como ponto de
apoio para o desenvolvimento da cena.
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