Jaraguá 1980 Rock 2000 O cenário do rock jaraguaense entre os anos 1980 e 2000 Paulo de Almeida [] Jaraguá 1980 Rock 2000 O cenário do rock jaraguaense entre os anos 1980 e 2000 Paulo de Almeida [] Dedico o resultado deste trabalho a todos que construíram e continuam construindo esta história e que, independentemente das adversidades e dos percalços, continuam acreditando que é viável dedicar-se àquilo que mais gostam de fazer, mesmo que haja pouco ou nenhum retorno nanceiro. Copyright © 2015 by Roberto Lourenço Impresso no Brasil Coordenação Editorial: João Chiodini Capa: Design Editora Projeto Gráfico e Editoração: Beatriz Sasse Revisão: Renato Tapado CATALOGAÇÃO: Bibliotecária Dirce T. Nunes CRB 14-026 L892m ______________________________________________________________________ Lourenço, Roberto 1516 : 500 anos da chegada dos espanhóis a Santa Catarina : expedições espanholas pelo litoral catarinense entre 1500 e 1600. – Roberto Lourenço. -- 1. ed. – Jaraguá do Sul : Rastros, 2015. 300 p. : il. ISBN 978-85-8081-070-7 1. Espanhóis – Santa Catarina – História. 2. Exploradores – Santa Catarina – História I. Título. CDD 907.2 _______________________________________________________________ [2015] Todos os direitos reservados à Design Editora Ltda. RASTROS é um selo da Design Editora Ltda. Caixa Postal 1.310 CEP 89.251-400 Jaraguá do Sul – SC Tel. (47) 3372-3778 [email protected] www.designeditora.com.br Agradecimento Todo e qualquer trabalho que me proponho a realizar só alcança resultados positivos em virtude do apoio, da complacência e de toda a compreensão que recebo da minha família. Muito obrigado, Diana, Bernardo e Natália. Eu amo muito vocês. Para início de conversa... Escrever um livro relatando fatos da história não é uma tarefa fácil, e eu, sinceramente, não pretendi ser exato em minhas colocações, tentei ser o mais el possível aos acontecimentos e tão justo quanto pude com todos que zeram parte deste importante recorte no cenário do rock da nossa cidade, mas não posso ignorar o fato de que este registro se fez sob o meu ponto de vista com base em pesquisas, entrevistas e constantes buscas em minha própria memória. Declaro que tentei relatar tudo aqui sem aplicar ltros fantásticos, atendo-me a fatos relevantes e de interesse comum. Para aqueles que não entenderam, explicarei o parágrafo anterior da seguinte maneira: todas as pessoas têm duas histórias de vida, aquela que conta para os outros e aquela que realmente viveu. Penso que, sempre que há o registro histórico de um movimento social, de uma instituição ou de um fato que envolve mais de uma pessoa e que tem seu contexto geral em uma vivência coletiva, é comum que boa parte das pessoas se sinta responsável por grandes realizações e clame para si glórias e louros até então não reconhecidos. Se você não encontrar seu nome neste projeto, das duas uma: ou você não foi importante o su ciente no contexto para ser registrado, ou eu apenas me esqueci. Peço desculpas caso se encaixe na segunda opção, porém, caso se encaixe na primeira, poupe minha paciência e sinta-se à vontade para revisitar a história e nos presentear com mais uma obra literária sobre o tema. Ficarei muito feliz em poder ler outro ponto de vista, ainda que divergente do meu. O Projeto Rock Jaraguá para Ler e Assistir é um recorte da história do rock em Jaraguá do Sul e explora o cenário no período de 1980 a 1999. Não se trata da biogra a de nenhuma banda nem de nenhum artista, mas sim de um registro da história do rock tendo Jaraguá do Sul como cenário. O histórico de cada banda geraria material su cientemente rico para uma publicação própria, e seria de incalculável valor para a cidade e região se mais pessoas tomassem a iniciativa de registrar suas diferentes histórias, seus distintos pontos de vista e, dessa forma, viesse a se formar uma teia de registros históricos que não permitiria que épocas tão importantes e instigantes fossem deixadas no esquecimento. Paulo de Almeida O que eu tenho a ver com esta história? Este é um projeto que estava guardado há muitos anos e que agora pôde sair do papel graças à Fundação Cultural de Jaraguá do Sul. Quando o projeto foi aprovado, eu quei muito feliz, mas ao mesmo tempo com muito receio, pois, embora já tivesse escrito livros, a experiência com vídeo era novidade e, além disso, eu iria precisar de muito auxílio para conseguir chegar a todas as pessoas que estiveram envolvidas de alguma forma. Eu sabia que seria algo trabalhoso e exaustivo. No decorrer do trabalho eu não fazia ideia de qual seria o resultado. Devo confessar que estava mais ansioso e curioso que todo mundo, porém de uma coisa eu tinha certeza: mesmo que o resultado não atingisse as expectativas (minhas e das demais pessoas), eu já estava me divertindo muito, z novas amizades, retomei amizades antigas, ampliei meus contatos e aprendi muito. Por isso, seja lá qual fosse o resultado, eu já estava no lucro e este trabalho já tinha valido cada minuto do meu tempo investido. O lance mais legal deste projeto é que, ao registrar uma história que envolve a coletividade, você precisa ouvir muitas pessoas e, se você estiver aberto para absorver conhecimentos, terá a oportunidade de aprender muito. E a todos que tem um projeto engavetado eu digo o seguinte: o seu projeto, por melhor que seja, só cumprirá o objetivo dele depois que sair do papel. Se você tem vontade de realizar algo, simplesmente FAÇA. Se não car bom, ou ainda se car horrível e alguém resolver fazer algo melhor do que você fez, sua contribuição já foi mais que su ciente, pois incitou alguém a tirar a bunda da cadeira e fazer alguma coisa prática! Há muito tempo... ...eu frequentava a Escola de Educação Básica Roland Harold Dornbusch e estudavam ali comigo várias pessoas com as quais eu dividia muitas experiências no cenário do rock. Entre elas, estavam Roberto Germano Prussek (Beto) e Aldacir Walter Padilha. A vivência com Beto trouxe-me uma exibilidade musical muito grande e ouvíamos Sex Pistols e e Durutti Column com a mesma empolgação. Eu, dotado de uma preguiça notável, sempre me aproveitei das pesquisas e garimpadas do meu amigo para conhecer coisas novas e di cilmente algum gênero era 100% abolido. Jazz, blues, punk, gótico, industrial, progressivo, clássico, metal, MPB e outras coisas mais complicadas de rotular. Esse ecletismo me fez pensar que existem apenas dois tipos de música: audível e inaudível. Se eu gosto, eu ouço e ponto- nal. Irremediavelmente, todos os meses um grande percentual do nosso salário sempre cava nas lojas de discos e passávamos longas horas ouvindo os vários novos LPs adquiridos. Talvez eu não consiga me expressar de maneira adequada e as novas gerações não serão capazes de compreender o signi cado disso, mas acredito que aqueles que viveram a época saberão exatamente do que estou falando quando digo que é indescritível a sensação de chegar em casa com um disco novo (bolachão) e car horas ouvindo-o, ouvindo-o de novo e ouvindo-o mais e mais até cansar. A vontade de fazer música estava latente e parecia ser a única coisa que de fato valia a pena. Fazíamos letras e mais letras buscando in uências em bandas como Joy Division, Echo & e Bunnymen, Violeta de Outono, e Smiths, e Jesus and Mary Chain, entre outras e tínhamos um projeto (muito mal de nido, por sinal) de banda que chamávamos de Valles Marineris e se resumia apenas a nós dois. A tal banda nunca saiu dos limites das nossas fantasias, no entanto acredito que tenha colaborado para a nossa maturidade musical. Logo em seguida conhecemos Padilha, e ele estava em meio a uma transformação pessoal, deixando de ser um bad boy para dedicar-se à música – havia descoberto o Pink Floyd e se apaixonado pelo conjunto. A partir desse momento, passamos a ter mais gente que gostava de rock em nosso convívio e a nos in ltrar mais na cena do rock da cidade. Padilha, empolgado com a ideia de tocar rock, comprou uma guitarra e passou a ensaiar com outros amigos no porão da sua casa e logo nos convidou para participar. E assim, por incontáveis tardes de sábado do verão de 1989, sob um sol escaldante e com muita poeira nos olhos, eu subia a estrada do Ribeirão Molha com um contrabaixo velho nas costas e muitos sonhos na cabeça. No apogeu da adolescência e com todas as mazelas próprias dessa etapa única e intensa da vida de qualquer pessoa, eu sonhava em tocar em uma banda de rock que me permitisse expressar todas as minhas formas de ver a vida e minha insatisfação com o mundo. Lá no fundo de uma mente ansiosa, perturbada e confusa, eu acreditava piamente que estava fazendo história. Contudo ali pelos arredores havia pessoas que, há muito tempo, já estavam atoladas até o pescoço em um terreno que eu tinha acabado de entrar e mal sujado os meus pés. Durante esse tempo tínhamos como maior referência a loja Locomotivos, local onde comprávamos a maior quantidade de discos, onde conhecíamos coisas novas e onde podíamos encontrar aqueles títulos independentes que a gente tanto desejava ouvir e que jamais chegariam aos estabelecimentos convencionais. E hoje, depois de tanta pesquisa, conversas e descobertas, eu posso a rmar sem nenhum tipo de demagogia que, se não fosse eu que estivesse registrando esta história, possivelmente eu nem mesmo seria citado nela, talvez dada a pouca importância que eu tive no cenário ou, mais provavelmente, em função da grande quantidade de pessoas que de fato zeram e ainda fazem diferença com suas ações e seus engajamentos em prol da cena. O cenário do rock jaraguaense entre os anos 1980 e 2000 09 O que será que rolava por aqui antes dos anos 1980? Nosso recorte na história deveria se ater ao período de 1980 até 1999, mas não há como deixar para trás alguns pontos de muita importância nesta história e que de certo modo serviram como grande in uência para que se formasse um cenário forte nas décadas seguintes. Por isso, é necessário que voltemos um pouco mais atrás no tempo para trazer fatos que julgo relevantes e quem foram propulsores para muita coisa que viria a acontecer na cidade. As datas não são precisas, os registros são escassos e as memórias um tanto falhas, mas na medida do possível vamos deixar registrados fatos que caracterizaram a época e que compuseram, mesmo sem pretensão, as estruturas das gerações seguintes. Jaraguá do Sul, ao contrário daquilo que é a rmado por algumas pessoas, pode ser considerada uma cidade marcada pelo rock. Já nos anos 1970 existiam muitos lugares no município que acolhiam apresentações de bandas de rock, tanto locais quanto outras vindas de fora. Além dos tradicionais salões jaraguaenses, os quais vez ou outra traziam bandas para tocar, havia o Salão Cristo Rei, anexo à Igreja Matriz São Sebastião. Ali aconteciam muitas festas promovidas pelo Grêmio da Juventude e várias bandas de rock tocaram nesse local, com a ciência, o consentimento e a presença do Padre Elemar Scheid, que sempre teve preocupação especial com a juventude. Segundo lembra Carlos Piske, havia em Jaraguá do Sul a Toca do Teco. Tratava-se de um bar estabelecido na Rua Marechal Floriano Peixoto, defronte ao lugar em que funcionou a boate Caesar's Club, mais tarde a Marrakech e onde atualmente está o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul). A Toca do Teco era um local que tinha o rock como trilha sonora e ainda abria espaço para que as bandas tocassem. Um fato marcante para a cidade e para a região foi a vinda da banda brasileira de rock Casa das Máquinas, de grande repercussão e sonoridade incomparável, que in uenciou e continua in uenciando gerações. O show foi realizado no Estádio João Marcatto (Juventus), mas a data exata não pôde ser apurada por conta da falta de registro por parte das pessoas que estiveram presentes no evento; não havia registro da apresentação nem mesmo no próprio Juventus. Foi feito contato com o atual produtor da banda e com o tecladista Mario Testoni Jr., o qual compõe o conjunto desde 1975 e esteve presente nesse show, mas nenhum dos dois tinha registro da performance. Então, continuamos sem a data precisa. Um fato relatado por César Chiodini, da loja Locomotivos, traz uma pista de quando pode ter ocorrido o tal show, pois a banda tocou em Santa Catarina no Camburock¹, na localidade chamada Mato Camboriú, nos dias de hoje conhecida como Praia do Pinho. Assim como o Festival de Águas Claras, que havia acontecido em Iacanga (SP) no ano de 1975, o Camburock foi concebido para ser uma reprodução do lendário Woodstock, realizado em agosto de 1969 nos Estados Unidos. O Woodstock catarinense aconteceu em janeiro de 1977, e César, depois de assistir à banda Casa das Máquinas em Jaraguá do Sul, pôs o pé na estrada e foi para o evento, em que, além do referido conjunto, tocaram outras bandas, como Rita Lee & Tutti Frutti, Made in Brazil, Bixo da Seda, A Chave, Blindagem e mais. Outro jaraguaense que presenciou a Casa das Máquinas foi Richard Hermann. Ele relata com entusiasmo um fato que lhe pareceu singular: “Me lembro que tinha dois bateristas, e um deles, no solo da bateria, tocou uma parte na parede com as baquetas. Aquilo me chamou atenção”. Tarkus, a primeira loja de discos especializada em rock O acesso a material musical fora das paradas é sempre mais difícil, pois as lojas convencionais, por motivos óbvios, dão mais espaço para material com apelo comercial e que tenha aceitação maior do público. Mas Carlos Piske fugiu do convencional já em meados dos anos 1970 e ousou abrir uma loja de discos especializada em rock em Jaraguá do Sul. A loja Tarkus, que carregava o mesmo nome de um álbum da banda Emerson, Lake & Palmer, esteve na ativa durante cerca de um ano e serviu como propulsora para fortalecer a cena do rock na cidade. Em um município conservador como Jaraguá do Sul, especialmente há quase 40 anos, era mais que esperado que houvesse alguma reação negativa por parte de algumas personalidades locais, e foi exatamente o que ocorreu. As atividades da Tarkus foram iniciadas na Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, próximo à Igreja Matriz São Sebastião, e mais tarde o estabelecimento se mudou para a Avenida Getúlio Vargas. Na Avenida Marechal Deodoro havia um outdoor posicionado quase defronte à igreja. Para divulgar a loja e os locais onde fazia discotecagem, Carlos usava esse outdoor e colocou ali uma imagem extraída do disco do Rainbow em que uma mão saía do mar e agarrava um arco-íris. O padre local julgou aquela imagem como satânica e denunciou a divulgação à prefeitura. O outdoor foi retirado. O primeiro disco da loja foi vendido para o músico e artista plástico jaraguaense Paulo David da Silva, o Paulico. Ele recorda que era um disco da banda húngara de rock progressivo Omega. Ainda, comenta que era muito novo na época e que quem escolhia os discos para ele era o próprio Carlos. Fato lembrado por todos que viveram a época é que a informação era muito mais escassa e não havia tanta facilidade para encontrar coisas novas e para ter acesso ao que acontecia fora do país. Até mesmo aos grandes centros era necessário que alguém levasse a informação. Por isso, tudo se dava e se espalhava de forma muito lenta. Carlos Piske relata que, para conseguir alguns materiais, era preciso se dirigir a centros como Curitiba, que na sua época era mais remota que hoje, pois o acesso era muito mais difícil. Além disso, fazia-se necessário saber o que procurar e conhecer o que havia de interessante para trazer para a cidade. Nesse quesito se apoiou em dicas de alguns amigos e também nos programas do DJ Big Boy, da Rádio Mundial do Rio de Janeiro, radialista 1 - Mais informações em: BETTANIN, Paulo. Camburock 1977 eu fui. Urbanas Variedades. <http://urbanasvariedades.blogspot.com.br/2011/12/cronica-camburock-1977-eu-fui.html>. Acesso em: 29 dez. 2015. muito importante na década de 1970, o qual trouxe uma linguagem jovem, irreverente e descontraída, apresentando coisas novas e diferentes em seus programas. Sua marca registrada era a saudação: “Hello, crazy people!”. O envolvimento de Carlos com a música teve bases formadas também na Rádio Jaraguá, na qual trabalhou como sonoplasta e teve acesso a materiais que vinham da Alemanha por meio de um convênio que a rádio tinha com a emissora Deutsche Welle. Lá foi onde ouviu pela primeira vez a música Whole Lotta Love, do Led Zeppelin. Piske conta ainda que muitas outras músicas chegavam até ele pela Rádio Jaraguá. Ele então as gravava em tas e nos domingos à tarde, como não havia locução, colocava as tas com as músicas compiladas pra rodar por horas e horas. Sempre buscando aproximação com o universo musical, passou a ser DJ e embalou muitas festas, apresentando boa música para a juventude da época. Comumente era convidado a tocar em festas e, em meio às músicas das paradas, sempre arrumava uma brecha pra tocar rock and roll. As casas do rock em Jaraguá do Sul Quem viveu por aqui a partir de meados dos anos 1980 se recorda da existência de salões como o Doering, mas o que talvez não lhes ocorra é que tempos antes aquele era um local onde rolava muita banda tocando rock. Para alguns, como eu, por exemplo, pode parecer até inconcebível uma informação como essa, pois tais salões eram focados estritamente em som mecânico e por volta da década de 80 a explosão do europop tornava esses ambientes opostos extremos do rock, pois o que mais se ouvia eram músicas como: “Mi sono innamorato di Marina / Una ragazza mora ma carina...”, de Francesco Napoli, alguém lembra? Ou quem sabe: “Cheri Cheri Lady / Goin' through emotion / Love is where you nd it / Listen to your heart...”, da dupla Modern Talking. Mas o Doering, assim como outros salões da cidade, era um local frequentado por pessoas que gostavam de rock e ali tocavam muitas bandas. Em algum momento da noite inundada pela dance music – disso eu me recordo bem e alguns entrevistados como Gerson de Paula, Topo e Edilson me ajudaram a refrescar mais a memória –, esses salões tocavam algumas músicas de rock para satisfazer os roqueiros de plantão que cavam até de madrugada esperando para ouvir Led Zeppelin, Pink Floyd, Talking Heads, AC/DC e outras poucas músicas perdidas naquele mar dançante. De geração em geração, a cena do rock renovava-se em Jaraguá do Sul A década de 80, ainda que esteja gravada para muitos como o início desta história, foi a continuação do que começou nos anos 70. Possivelmente sem muita intenção, os apreciadores do bom e velho rock and roll deram o pontapé inicial em uma história que comporia uma cena importante na cidade, que, combinada com muitos acontecimentos de nível nacional e internacional, viria a intensi car e efervescer o comportamento dos jovens jaraguaenses. E aqui estão os anos 1980 Existem épocas que marcam mais que outras, e somos tendenciosos a acreditar que a época que vivemos de forma mais intensa foi a melhor e não há nada com o que possa ser comparada. Temos uma forte tendência a viver de modo nostálgico e muitas vezes deixamos de viver e apreciar muitas coisas boas da atualidade por crer piamente que não há como repetir algo que tenha sido tão especial. Mas, como diria Belchior, “é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”. Estar aberto para absorver informações novas, ltrar e aproveitar o que é bom é um princípio básico para manter sempre um aspecto jovem em seu comportamento. Contudo, deixando de lado esse papo, é importante frisar que os anos 1980 foram muito diferentes por vários motivos, de maneira especial no Brasil. A década de 80 foi marcada por acontecimentos globais e, como ocorre com épocas marcadas por mudanças muito fortes, cou gravada na memória das pessoas com mais intensidade. Imaginava eu que a intensidade era unicamente em função das festinhas de garagem, dos seriados ultrassuperlegais na TV etc., mas há muito mais nisso. Creio que a chamada transição da era industrial para a era da informação tenha sido o pontochave, pois foi quando surgiu o videogame e se deu o acesso aos primeiros computadores pessoais. Eu só vim a ter acesso a um computador nos anos 1990, todavia já conhecia de um amigo o CP400 Color, que era ligado na televisão para jogar e fazer outras coisas um tanto quanto inúteis. No Brasil a década foi caracterizada pelo m do governo militar, no ano de 1985. Como Edson Luís de Souza (Abrigo Nuclear) disse em entrevista, dá a impressão de que o rock nacional se libertou de amarras nos anos 80 e explodiu em criatividade. Já havia muitas bandas no cenário nacional, mas localmente as coisas ainda estavam bastante mornas. Ainda que houvesse um movimento signi cativo nos grandes centros, a informação trafegava lentamente e cidades do interior, como é o nosso caso, recebiam as novidades já bem amarrotadas. Aquilo que já tinha deixado de ser novo em algum lugar passava a ser a coqueluche do momento para nós, os caipiras. Muitas bandas apareceram desde o início dos anos 80 e não se restringiam apenas a São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ); outros estados do Brasil também foram berço de muitos conjuntos musicais. Brasília trazia para a cena bandas como Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, entre outras. No Rio Grande do Sul havia Os Cascavelletes, TNT, Os Replicantes, Garotos da Rua e muitas outras que despontaram no cenário nacional. Em Santa Catarina tínhamos a banda Expresso Rural, Tubarão (antigo Ratones) e por aí vai. Os gostos dividiam-se em estilos, e o new wave era o que estava mais presente na vida de todo mundo. Embora fosse um estilo derivado do punk, tinha uma sonoridade mais pop rock e foi facilmente absorvido pela maioria, a nal o comportamento que acompanhava o estilo também era, de longe, muito menos agressivo e muito mais aceitável socialmente que o dos punks e dos headbangers. Além de tudo isso, em 1985 ainda ocorreu no Rio de Janeiro um dos maiores eventos de rock já realizados no Brasil, o primeiro e lendário Rock in Rio. Muitos jaraguaenses participaram do evento, trazendo na bagagem de volta muita vontade de fazer o rock acontecer por aqui também. De acordo com o deus da mitologia grega Hermes, assim como é em cima é embaixo. Portanto, a situação local não poderia ser diferente. Apesar de ter acontecido com certo atraso em virtude da precariedade do uxo das informações, a cena do rock iniciou-se nos mesmos padrões que já se desenhava em âmbito nacional. Estilos diferentes, mas a mesma vontade e empolgação para dar o melhor de si e fazer parte da história. Eu, com meus 13 anos de idade, mal tinha começado minha inserção em uma vida social que excluía, em partes, os brinquedos e as brincadeiras da infância e passava a sentir o gostinho de uma vida adolescente com festas de garagem, bebidas, seriados mais sérios, comportamento com menos pirralhice (bom, talvez isso não seja bem verdade). No entanto ali na mesma rua onde eu morava havia um headbangers, o Beto (baterista do Post Mortem ao lado de Ademir Koch e Lasier Laube). Eu nem fazia ideia da existência desse termo, e a mim e a meus colegas da rua só restava admirar o fato de aquele cara tocar bateria em uma banda de rock e ser muito mais velho que a gente. E isso era o mais próximo que eu chegava de uma cena de rock na época. A velha guarda impulsionava o rock local Em 2 de outubro de 1984 foi fundada em Jaraguá do Sul a loja de surfe e street wear Locomotivos. Ela carregava esse nome por estar localizada em uma sala da antiga estação ferroviária do município. O fundador do estabelecimento, César Chiodini, relata que sua intenção ao abrir a loja era suprir uma necessidade da cidade, pois ele próprio não conseguia encontrar nas lojas locais o tipo de roupa que gostava de usar e viu nisso uma oportunidade de negócio. Alguns anos depois César, como grande apreciador de rock e empreendedor que era, vislumbrou a possibilidade de ampliar suas ofertas e ainda se dedicar a algo com que se identi cava bastante, a música. Sendo a estação ferroviária uma construção antiga e tendo pé-direito alto, pensou que seria possível construir um mezanino e fazer ali uma loja de discos, pois estava acostumado a ir a São Paulo e Curitiba para buscar mercadorias e já conhecia muito bem todos os lugares que comercializavam discos, como a Galeria do Rock. Em Jaraguá do Sul havia lojas de discos, porém nenhuma que fosse dedicada ao rock e a outros estilos pouco cultuados. Todas normalmente traziam aquilo que estava nas paradas no momento, o que era mais convencional e que tinha mais apelo comercial. Por esse motivo, se alguém quisesse ter acesso a títulos diferentes, selos independentes, discogra a rara etc., precisava ou sair da cidade ou fazer encomendas para amigos que viajassem para fora da cidade ou do país. Inicialmente César Chiodini trazia discos, retinha para si os melhores e fazia gravação para as pessoas que pediam, mas passou a ter encomendas. Os apreciadores e colecionadores vinham com listas de discos que não conseguiam encontrar e pediam ao proprietário da Locomotivos que os trouxesse, tanto discos de rock progressivo quanto de heavy metal ou qualquer outro estilo que não fosse fácil de achar, inclusive jazz, blues e música clássica. César conta que comprou as madeiras para fazer o mezanino, e todo o material cou ali em um lugar reservado da loja até que fosse usado. Na primeira remessa de discos que trouxe de São Paulo reuniu muitas pessoas, algumas que haviam feito encomendas, e na empolgação zeram uma grande festa dentro da loja com as portas fechadas, antes mesmo de as vendas começarem. Tito Hille comenta que naquele momento já havia pessoas com gostos muito diferentes e que cada uma queria mostrar os discos que tinha encomendado. Ali já se mostrava a integração entre os variados estilos. Com essa movimentação miscigenada de estilos e com novidades explodindo mensalmente, o cenário do rock intensi cava-se a cada dia, assim como o envolvimento dos jovens locais. Todos os estilos compartilhavam o mesmo espaço, as pessoas agrupavam-se por a nidade e naturalmente se formavam as mais diversas tribos, como os punks e os headbangers. O gosto pelo rock já existia em muitas pessoas, mas é inegável que César e a loja Locomotivos tiveram um papel extremamente importante para o desenvolvimento da cena. César Chiodini e sua loja, além de trazerem para a cidade muitas novidades que faziam borbulhar os ânimos e servirem como ponto de convergência a todos que gostavam de boa música, ainda fomentavam a ideia de produzir música. Essa veia musical veio da família de César, pois seu pai gostava muito de música e sempre incentivou os lhos quanto a isso. E aí surgiram as primeiras bandas e os shows importantes para a cidade Jaraguá do Sul tem a criatividade pungente em sua população e isso pode ser visto nas mais variadas áreas artísticas e culturais, não restando dúvidas de que a capacidade de produção de material artístico é algo inerente aos seus habitantes. Com tanta movimentação, incentivo e facilidade de acesso a novidades do mundo do rock, não surpreende que a cena tenha ganhado força e que a vontade de fazer música tenha sido despertada em muitas pessoas. Diante de toda a motivação com a loja, pelo envolvimento da galera e por ter acesso a músicos e produtores em São Paulo, César Chiodini resolveu trazer um show nacional para a cidade. Assim, decidiu pela banda de trash metal Korzus, que havia iniciado carreira em 1983 e já era muito conhecida entre os admiradores do gênero. Figura 1 - Galera de Jaraguá do Sul e Curitiba reunida na frente da loja Locomotivos, no dia do show da banda Korzus. Fonte: Acervo de Lasier Laube. Então a apresentação foi marcada para o dia 2 de maio de 1987 no Ginásio de Esportes Arthur Müller. Para abrir o show foram colocadas duas bandas da região, a Má Compania, de Jaraguá do Sul, e a Invasão Básica, de Joinville. A escolha das bandas para a abertura talvez não tenha sido das melhores, pois os estilos não se conectavam, e isso veio a se tornar um grande problema. Algumas pessoas do público fã da Korzus mantinham atitudes mais radicais e não aceitaram que bandas de pop rock dividissem o mesmo espaço com uma banda de trash metal. Dessa dissidência resultou muita confusão. Paulico, da banda Má Compania, conta que no sábado pela manhã parou sua moto em frente à Locomotivos para falar com César e alguém veio até ele perguntando se era ele quem tocaria com a Korzus. Ao dizer que sim, foi intimidado com algumas ameaças. As bandas abriram o show com bastante receio, e uma pessoa do público até mesmo cuspiu na cara de um dos integrantes da Invasão Básica. Depois de as bandas da região tocarem, o espaço diante do palco foi tomado por headbangers, e o restante do pessoal retirou-se para as laterais e passou apenas a assistir à performance de longe, pois naquele momento o Arthur Müller era território trash metal. Denis Koch, baixista da banda de black metal Impiedoso, conta que na data do show pediu ao seu irmão Ademir Koch para ir também, mas a resposta foi a adequada para um menino que mal tinha entrado na adolescência. Como moravam relativamente próximo do ginásio, porém, o garoto cou no portão tentando ouvir alguma coisa da apresentação. Após sua passagem por Jaraguá do Sul, a Korzus lançou o disco “Sonho Maníaco”. Na capa do álbum há fotos do show no município catarinense, onde podemos observar uma propaganda da extinta empresa Darpe Indústria e Comércio de Malhas, no Ginásio Arthur Müller. O encarte do disco tem fotogra as dos integrantes da Korzus pelas ruas da cidade juntamente com a galera do metal. É possível destacar na imagem Lasier Laube, Ademir Koch e o curitibano Dirceu Hahn, este último integrante da banda Escárnio, de Curitiba. Nos agradecimentos do disco, podemos ler: “E principalmente a moçada do Sul do país (vocês são grandes e sabem por quê!)” – essa parte do agradecimento foi dirigida à galera do metal, que os recepcionou aqui na cidade. Figura 2 - Foto incluída no encarte do disco ‘‘Sonho Maníaco’’, da banda de trash metal Korzus. Nela estão os integrantes do Post Mortem Lasier Laube e Ademir Koch. Fonte: Acervo de Lasier Laube. A conexão Curitiba–Jaraguá do Sul Até os dias de hoje o underground jaraguaense e da região mantém forte conexão com a cidade de Curitiba; muitas bandas daqui vão até a capital paranaense tocar e vice-versa. Para o show da Korzus, muitos headbangers vieram de Curitiba, pois se tratava de um show nacional, o que não era algo comum por lá. Os jaraguaenses conheceram a galera curitibana, os laços foram estreitados com base em suas a nidades e muitas amizades permanecem fortes atualmente. Massacra, Post Mortem e Rottness Seguindo a in uência do metal, no ano de 1986, começou a formação de bandas que deixariam sua marca cravada na história do rock local. Os amigos Ademir Koch, Lasier Laube e Paulo Ronchi resolveram então montar uma banda. Lasier assumiu a guitarra, Koch o baixo e Paulo Ronchi a bateria ( gura 3). Assim nasceu a banda Massacra, e a música autoral Almas Possuídas foi registrada em gravação caseira, perpetuando um trabalho precursor que dava um pontapé a muitas outras iniciativas. Figura 3: Banda Massacra. Fonte: Acervo de Lasier Laube. Aos ensaios da banda Massacra, Mancha e Leandro Laube (irmão de Lasier) estavam sempre presentes e sentiram vontade de ter uma banda também. Então Paulo Ronchi saiu da banda Massacra e se juntou a ambos para formar a Rottness. Em outubro de 1987 o saldo restante, Koch e Lasier, chamou José Roberto Ponticelli, o Beto, e montou a Post Mortem. Desse ponto em diante, Jaraguá do Sul contava com duas bandas de metal. Figura 4 - Show da banda Rottness, em Foz do Iguaçu, 1988. 1982, já se desenhava na cidade, e a vinda de Os Replicantes teve forte in uência para estourar a bolha que ainda prendia os ânimos. A partir desse momento o comportamento, o visual e o gosto musical passaram por uma transformação, de nindo a identidade de uma tribo que geraria muita movimentação e marcaria a história do rock a coturnadas. O show da banda Os Replicantes foi uma promoção da loja Locomotivos e também realizado no Arthur Müller. Ficou para o dia 11 de julho de 1987 e quem abriu o show foi a banda Cicatriz, formada pelos irmãos Veto e Evandro (também irmãos de César) juntamente com Sandro Sidnei Siebert. Figura 5 - Apresentação da Post Mortem no Festivalle, em Rio do Sul, 1988. Fonte: Acervo de Lasier Laube. Em janeiro de 1988 a Post Mortem começou com todo o gás os ensaios, tocando alguns covers e também criando músicas próprias, sempre buscando sua própria identidade. Uma das composições da banda é a música O Álcool Domina sua Mente. Em maio de 1988 a banda fez sua apresentação de estreia no Festivalle, em Rio do Sul (SC), onde foram muito bem recebidos. Ivo Wessner (Ivo Badulaque), na época integrante da banda Vampiros Hemofílicos, de Rio do Sul, conta que a participação do Post Mortem no Festivalle trouxe uma in uência diferente para a região. Segundo Ivo, o pessoal do município estava acostumado a ouvir o rock tradicional e de repente chegaram uns magrelos cabeludos com um som totalmente diferente do que se conhecia por ali. A in uência, porém, foi altamente positiva e quase 30 anos depois as amizades ainda permanecem. Logo após a apresentação no Festivalle, Beto deixou a banda Post Mortem. Para que a agenda de shows fosse cumprida, Paulo Ronchi (Rottnes e ex-Massacra) foi chamado para assumir a bateria. Assim o grupo participou do I Festival de Inverno de Rio do Sul. Depois dessa apresentação Ronchi deixou a banda, que passou um tempo sem ensaios, até que ocorreu uma nova alteração: Koch na bateria, Lasier na guitarra e Leandro (Ex-Rottness) no baixo e no vocal. Figura 6 - Cartazes do show da banda Os Replicantes, em Jaraguá do Sul. Cartaz impresso em gráfica (esq.) e cartaz feito com colagem (dir.). Fonte: Acervo de Dietmar Hille. Sandro, baterista da Cicatriz, relata que tocar ao lado de uma banda de renome nacional e em pleno momento de ascensão da cena punk provocou uma sensação única. Assim como no show da Korzus, alguns desentendimentos ocorreram e os resultados não agradaram muito os responsáveis pela segurança pública do município. Mas o pior acontecimento foi o péssimo resultado da venda de ingressos; inadvertidamente pessoas responsáveis (ou seriam irresponsáveis?) pelas chaves das portas laterais do Ginásio Arthur Müller e que cuidavam da área de esportes abriram as portas e deixaram as pessoas entrarem no lugar sem pagar. Não se sabe se isso se deu de forma proposital ou por algum deslize, porém é fato que os resultados foram os piores possíveis para o promotor do evento, César. Prejuízos à parte, a apresentação foi determinante para fortalecer o movimento local. A hora e a vez dos punks A apresentação da Korzus foi animadora, e César Chiodini, empolgado, resolveu então trazer mais um show nacional. Dessa vez, contratou a banda de punk rock Os Replicantes, de Porto Alegre (RS). O movimento punk, que havia nascido fora do país em meados dos anos 1970, chegado ao Brasil por volta de 1977 e tomado mais força com o Festival Começo do Fim do Mundo, realizado em São Paulo no ano de Figura 7 - Show da banda OS Replicantes, no Ginásio de Esportes Arthur Müller. Fonte: Acervo de Dietmar Hille. Kontra Ordem: a banda que representava o punk jaraguaense Como grande motivador das movimentações na cena do rock naquela época, César Chiodini apresentou Dietmar Hille, o Tito, aos seus irmãos e a Sandro, que formavam a Cicatriz, sugerindo que montassem uma banda punk. A receita deu mais que certo. Os amigos começaram a ensaiar sob o nome de Kontra Ordem e passaram a trabalhar músicas de autoria, criando uma identidade para a banda. A aparição da Kontra Ordem foi uma segunda e forte injeção para que o movimento punk se consolidasse em Jaraguá do Sul. O grupo ensaiava criando músicas que questionavam o governo e o sistema, trazendo temas como política, desigualdade social, guerras e outros assuntos que permitiam o protesto como apelo. Tito fazia as letras das músicas e cantava com uma performance de palco que envolvia e agitava a galera. Mais um show nacional em Jaraguá do Sul e o fortalecimento da cena punk Na tentativa de recuperar os prejuízos acumulados no show da banda Os Replicantes, César Chiodini resolveu trazer então a banda paulista de streetpunk/oi! Vírus 27. A apresentação foi agendada para o dia 21 de novembro de 1987, novamente no Ginásio de Esportes Arthur Müller. Mas as coisas não conspiravam muito a favor de César. Dois dias antes do show, uma viatura da polícia parou em frente a sua loja. Um policial avisou que o comandante da Polícia Militar de Jaraguá do Sul queria falar com o proprietário da Locomotivos. Não sabendo exatamente do que se tratava e com receio de car preso, César tomou sua lha nos braços e foi ao encontro do comandante. Chegando à delegacia, foi encaminhado até o comandante, que estava com o cartaz do show em sua mesa. Apenas perguntou do que se tratava aquilo e o que César pretendia fazer, a nal os nomes das bandas eram Vírus 27, Kontra Ordem e Má Compania. Certamente os nomes das bandas não remetiam a nada que pudesse ser bené co para a sociedade, e aí morava a preocupação do comandante. Nesse show a polícia esteve presente em grande contingente para evitar tumultos, mas de qualquer forma houve mais uma vez vários desentendimentos e algumas pessoas foram detidas. Depois desse evento, a Kontra Ordem continuou espalhando muita ideologia acompanhada de punk rock. No dia 6 de dezembro de 1987 tocaram na boate Baturité, em Joinville. Figura 8 - Cartaz do show da banda paulista Vírus 27, com as bandas Má Compania e Kontra Ordem. Fonte: Acervo de César Chiodini. As ideologias e o comportamento (quase crítico) Não há como falar de rock sem abordar comportamentos, pois são coisas intrinsecamente ligadas. O próprio rock já serve como uma forma de extravasar descontentamentos com os padrões sociais. O que diremos então do punk rock? É notório que os punks de Jaraguá do Sul não se encaixavam muito bem nos locais que havia na cidade, pois nenhum dos bares ou das casas noturnas estava disposto a absorver algo que ainda era desconhecido e que trazia em si nuanças de comportamentos agressivos e muito pouco sociáveis. Todavia, por trás da imagem rude e do visual nada atraente aos olhos dos padrões sociais, escondia-se uma ideologia que buscava um mundo mais livre e mais justo, onde todos teriam direitos iguais e não existiriam lideranças sobrepondo-se às vontades populares. Infelizmente a crença em suas ideologias e o desejo de persuadir o restante das pessoas com suas ideias traziam comportamentos agressivos e alguns agiam até como vândalos, depredando o patrimônio público e privado em nome dos seus ideais. Esse tipo de comportamento não era aceito pela comunidade e afastava qualquer possibilidade de entrosamento social. Mesmo que esse tipo de comportamento não viesse de todos os punks, a generalização era inevitável. Ainda faltava um lugar adequado para a galera Os punks disseminavam seu descontentamento com o quadro social e conquistavam vários adeptos, mas havia uma de ciência de local tanto para as bandas tocarem quanto para a galera frequentar e ouvir o som de que gostavam. Era comum perambularem pela cidade tendo a Praça Ângelo Piazera (antiga prefeitura) como ponto de encontro. Alguns pontos da cidade estavam na preferência dos punks, entre eles a fachada do extinto Banco do Estado de Santa Catarina (Besc), na Avenida Marechal Deodoro, no mesmo local onde funcionou o Foto Loss e hoje está a loja Magazine Luiza, e também um iperama ao lado do prédio da agência bancária, na Rua Antônio Carlos Ferreira. Faziam ainda festas punks em alguns lugares, como era o caso do Acaraí e também o local em que hoje está o campus do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) de Jaraguá do Sul. Guedes Zimmermann e Pedro Jaico Kreis, duas personagens muito presentes na cena punk da cidade, lembram que era comum que o grupo todo invadisse outras festas levando suas tas cassete e transformando-as em festas punk. As confusões e brigas na rua eram comuns, especialmente após o show do Vírus 27, quando algumas pessoas se distanciaram do movimento punk e aderiram a uma ideologia mais nacionalista, conhecida como oi! e skinheads. Tito conta que em uma dessas voltas que davam pela cidade, com sete pessoas dentro de um Fusca, encontraram uma boate e resolveram parar para conhecer o lugar. Tratava-se do Casarão Disc Club, um empre- endimento idealizado por Nelson Marcos Stinghen que tocava um tipo de música que não apreciavam – músicas dançantes que seguiam a onda europop. Entraram ali e encontraram uma decoração muito bem-feita, com bancos acarpetados, espelhos nas colunas e outros ornamentos próprios de danceterias. Perceberam ainda algumas poucas pessoas sentadas às mesas. Como o próprio Nelson veio recebê-los, resolveram perguntar se era possível trazer uma ta cassete com as músicas de que gostavam. O dono do local prontamente aceitou a sugestão. Como andavam com uma caixa cheia de tas cassete no carro, buscaram uma do Ramones de 90 minutos, que tocou dos dois lados e repetiu. O pessoal gostou tanto que passou a difundir o local e trazer mais gente. Agora havia um lugar para curtir música punk. A boate passou a ser frequentada pelos punks, que logo propuseram a Nelson um show ao vivo com uma banda punk, a Kontra Ordem. No dia 6 de fevereiro de 1988 o grupo jaraguaense fez a estreia no palco do casarão com casa cheia. O Casarão não cou aberto por muito tempo, mas o período de funcionamento foi intenso. Ao fechar as portas, deixou muita saudade. O grande problema do local era que os frequentadores normalmente não tinham poder aquisitivo su ciente para consumir e gerar lucros. Além disso, havia confusão e confronto com outras turmas, especialmente com aqueles que moravam nas imediações e não gostavam da movimentação. Certas confusões tiveram resultados muito sérios e gente muito machucada, inclusive o próprio Nelson. Após encerrar a boate, Nelson tentou outras atividades até que se rmou, no ano de 1991, com a venda de móveis. Mesmo após o seu falecimento, a família deu continuidade ao negócio, que permanece forte até hoje no mesmo endereço. Figura 9 - Show da banda Kontra Ordem, no Casarão Disc Club. Vocal: Tito e baixo: Evandro. Fonte: Acervo de Dietmar Hille. A conexão Curitiba - Jaraguá do Sul: parte 2 Duas das características do cenário punk foram a disseminação e a troca de informações. Na época a uidez da informação era tremendamente precária, a internet não estava nem nos sonhos ainda e a comunicação era feita por meio de cartas e dos famosos fanzines. Mesmo com todas as di culdades e com a demora no trânsito das informações, muitas amizades foram iniciadas pela comunicação por cartas e fanzines e foi possível muita troca de material. O fanzine funcionava como um blog impresso, tinha normalmente periodicidade mensal e tratava de diversos assuntos, tendo como base principal a música. O contato com pessoas de outros centros acontecia mediante os fanzines ou as cartas, e isso foi decisivo para que ocorresse essa conexão entre as cidades. Em Jaraguá do Sul houve muitos fanzines, mas o que teve maior alcance e foi editado por bastante tempo foi o Distorção Alternativa, de Tito. Com a cena punk, a conexão Curitiba–Jaraguá do Sul repetiu-se. A Kontra Ordem apresentou-se no dia 19 de março de 1988, no Weekend Club, em Guaramirim (SC), em um evento que cou conhecido como a Noite do Protesto. Esse evento reuniu muita gente de Guaramirim, de Jaraguá do Sul e de outras regiões também, inclusive de Curitiba. O Weekend Club foi um clube de rock em Guaramirim de Ivair Nicocelli com seu irmão Donizete e Fernando Vailatti que antecedeu o Curupira Rock Club, também um empreendimento do trio. A proposta era um bar que promovesse shows, mas não era o momento certo e o local acabou desaparecendo da cena em pouco tempo. Esse evento selou uma aproximação ainda maior entre Curitiba e Jaraguá do Sul, pois Bia, que havia acabado de ingressar no grupo de punks jaraguaenses, era de Curitiba. Seu pai a tinha mandado para cá para que saísse do convívio de certas pessoas, inclusive de seu namorado na época, que segundo a sua visão eram más in uências. À Noite do Protesto foram os punks curitibanos, e por coincidência o grupo que apareceu eram exatamente os seus amigos. Todos puderam reatar a amizade longe dos olhos do pai da garota, e a partir daí o grupo passou a frequentar e muito a região. Os punks de Curitiba, que mantinham um comportamento e um visual bem mais agressivos, causaram alguns choques na população guaramirense. Tito relata que a banda foi passar o som e um dos punks, com apelido de Cobaia, havia cortado os braços com lâminas de barbear (estilo Gillette) e estava de braços abertos e sangrando bem em frente ao local onde parava ônibus e pessoas saíam para o trabalho. Ele conta que se lembra de alguém abrindo a janela do ônibus e gritando: “Meu Deus, os góticos!”. Figura 10 - Kontra Ordem com a galera de Curitiba na Noite do Protesto, realizada no Weekend Club, em Guaramirim. Figura 11 - Noite do Protesto. Vocal: Tito e Guitarra: Veto. Figura 12 - Noite do Protesto. Bateria: Sandro e baixo: Evandro. Fonte: Acervo de Dietmar Hille. Jaraguá do Sul tem muito rock correndo nas veias... Paralelamente ao movimento punk, que efervescia a cidade, havia outras pessoas com a mesma vontade de fazer música e que seguiam uma linha mais rock and roll. Muitas tiveram oportunidade de se apresentar várias vezes, e outras não saíram das garagens, mas todas tiveram sua parcela de responsabilidade pela formação da cena roqueira do município. A banda Má Compania, formada por Paulico e Cepa Leoni nas guitarras, Paulo Andrade e Fernando Bola nos vocais, Nei Leoni no baixo e Alexandre Neves na bateria, abriu dois importantes shows que foram trazidos por César Chiodini e a loja Locomotivos, a Vírus 27 e a Korzus. Fizeram várias apresentações, e Paulico conta que na época tudo era muito mais complicado que nos dias de hoje, pois com a uidez da informação que temos atualmente é muito mais fácil ter acesso à informação. Ressalta que a banda tinha di culdade para tocar covers e acabava compondo, pois o acesso a cifras era mais duro. O que pode ser percebido claramente em cada uma das pessoas que tocava em bandas na época é que a paixão pela música sempre falou mais alto. Por esse motivo, as adversidades e a falta de perspectiva de atingir o sucesso sempre foram superadas. Paulico relata que em uma oportunidade a banda foi contratada para tocar em Rio Negrinho (SC). Na data do show os músicos foram à cidade com uma Kombi chamada Naná. Chovia torrencialmente. Quando chegaram lá, estavam apenas o dono do local e os garçons. Fizeram o show mesmo para nenhum público e foram pagos com o dinheiro que estava nos caixas, separado para o troco, e voltaram para casa com um valor nada alto, mas com grande volume de dinheiro, porque eram só notas de baixo valor. Seguindo a linha do progressivo e do psicodélico, nascia a banda Seres Vivos, que mais tarde viria a se tornar e Seres. Tendo como principal in uência o Pink Floyd, a banda, que já havia passado por algumas formações desde seu início, rmou-se com Aldacir Padilha no vocal e na guitarra, Enivaldo Deretti no baixo, Paulo César Seraphim no teclado e Roberto Germano Prussek na bateria. Essa é uma das bandas da época que permanece até hoje em plena atividade, produzindo músicas autorais e lançando material novo com certa constância. Em 1988 e 1989, houve outras duas bandas que sobressaíram no cenário do rock e mantinham uma relação bastante estreita, a nal eram formadas essencialmente por amigos e era normal que tocassem juntos nos mesmos lugares. A banda Recurso Imediato e a banda Sobreviventes, com in uências do rock tradicional e até mesmo de bandas catarinenses como a Expresso e a Tubarão, tocaram em alguns lugares fora da cidade, como foi o caso de Águas de Chapecó (SC) e Balneário Camboriú (SC). A Recurso Imediato era formada por Altamir (Sabonete) no vocal, Luiz Lanznaster Júnior na guitarra, Paulo Klitzke no baixo e Fabiano Peixoto na bateria. E a Sobreviventes tinha Denis Hohl no vocal, Pablo Varella no baixo, Cezar Augusto na guitarra e Alexandre Madrid na bateria. Além dos shows em vários lugares, a Recurso Imediato teve a oportunidade de tocar no programa Jornal do Almoço realizado na Praça do Expedicionário no dia do aniversário de Jaraguá do Sul. Assim os anos 80 se fecharam, com um cenário modi cado e muito mais motivado para produzir rock. Os anos que viriam a seguir seriam muito mais intensos, e a quantidade de bandas e pessoas envolvidas com o rock da cidade aumentaria substancialmente. os anos 1990 Uma nova era para o rock jaraguaense Todas as movimentações realizadas na segunda metade dos anos 1980 serviram para impulsionar o que viria a ocorrer nos anos 90. Além das pessoas que vivenciaram a cena na cidade, ainda que olhando de fora, como foi o caso de alguns que ainda eram muito novos para se envolver, havia ainda uma grande leva de pessoas que migrava de outros lugares e então se juntaria aos jaraguaenses para continuar a história. Os acontecimentos dos anos 80 tiveram importância indiscutível e in uenciaram totalmente o cenário dos anos seguintes até a atualidade, mas foi a partir dos anos 90 que foram realizadas muitas ações que rea rmariam a cidade como um relevante agente no desenvolvimento da cena do rock, tanto o underground quanto o mainstream local. Muitas bandas que tiveram seu início ainda no m dos anos 80 não continuaram na década subsequente. Se alguma deu sequência, isso ocorreu por muito pouco tempo, exceto a banda Seres Vivos, que, apesar de uma pausa, teve continuidade e se mantém até hoje. Todos os envolvidos na cena têm sua devida importância e um inexiste sem o outro: as bandas, o público, os produtores e todos que de alguma maneira estão nessa cadeia. Podemos dizer que a partir de 1990 houve uma intensi cação em outros setores. As bandas continuaram existindo e aparecendo mais e mais sempre com mais frequência, e a produção e o lançamento de materiais, a realização de shows e festivais, a comercialização de discos, a confecção de camisetas e outros tantos fatores que possibilitam que cada vez mais pessoas se envolvam também estavam cada vez mais presentes no cenário. Ei, moço! Onde eu posso comprar um disco de rock aqui em Jaraguá do Sul? Como já comentado anteriormente, Jaraguá do Sul era privilegiada por ter uma loja de discos como a Locomotivos. Além de ter à disposição títulos que não seriam achados em qualquer loja, ainda servia como ponto de encontro para as diversas tribos. Isso favorecia a integração entre as pessoas e a troca de experiências. Fora a Locomotivos, houve outros estabelecimentos mais convencionais na cidade, como a Zehnder, a Discolândia, a Ed Som Center e a Center Som, esta última em funcionamento desde 1989 e a única delas que ainda continua, comercializando CDs, DVDs e agora também instrumentos musicais. Existia também uma seção de discos dentro da loja de departamento Hermes Macedo, e muita gente comprava disco lá. No local só era possível achar títulos lançados por grandes gravadoras, mas ainda assim se podia adquirir bons álbuns. A movimentação constante na Locomotivos, que era não apenas uma loja, mas um ponto importante de convergência entre as tribos, passou a se tornar um entrave para o crescimento do estabelecimento, pois muitos iam até lá aos sábados pela manhã apenas para encontrar amigos e conversar, causando grande aglomero e inibindo outras pessoas que poderiam ter interesse em entrar para comprar, pois sobretudo a Locomotivos era uma loja de roupas. Diante dessa realidade e para preservar seus investimentos, César Chiodini e sua esposa, Marli, decidiram desfazer a seção de discos e seguir apenas no ramo de vestimentas. A notícia da interrupção das atividades com discos foi bastante difícil de engolir, digo isso por mim, mas tenho certeza de que a maioria das pessoas teve a mesma reação e sentimento. Lembro o dia em que eu, sem saber do ocorrido, fui até a loja em um sábado, como era costume, e ao chegar lá soube da novidade. Mais tarde, houve uma loja na Rua Reinoldo Rau chamada Music Factory. Seu proprietário trazia muitas coisas diferentes e mesclava o convencional com o independente. Ali era possível encontrar títulos que somente se via em Joinville ou Blumenau, porém a loja não teve vida muito longa, e logo voltamos a car sem um lugar que trouxesse o que queríamos ouvir e sem as coisas que líamos nas revistas de rock. Diante dessa lacuna e com uma veia empreendedora, eu, que havia acabado de completar 18 anos, resolvi então abrir uma loja de discos na cidade; a ideia era comprar e vender álbuns usados. Com isso, aliaria meu gosto por música com uma possibilidade de empreendimento. A loja chamava-se Toada & Rock e estava estabelecida na Rua José Fontana, em uma sala muito pequena. As prateleiras eram feitas da madeira mais bruta possível e da forma mais rústica imaginável – não era para ser chique, mas sim por falta de condições nanceiras e de noções mínimas de decoração. Como a ideia era manter meu trabalho para poder me sustentar além do estabelecimento comercial, pedi a Padilha, da banda e Seres, que cuidasse da loja para mim. Assim foi durante certo tempo, mas não aguentei muito e deixei meu emprego. Como era de se esperar, as vendas iam de mal a pior, pois todo empreendimento tem um tempo para retorno e qualquer empreendedor sabe que é necessário capital para bancar esse período. Bom, eu descobri que de fato não era empreendedor. Vendo que sucumbiria, eu resolvi apelar a Beto (baterista da Seres Vivos e grande amigo). Ele entrou comigo no negócio e colocou todo, ou quase todo, seu acervo à venda. Logo em seguida, descobrimos que ambos não éramos empreendedores e afundamos juntos pouquíssimo tempo depois. Mas nem tudo foi em vão. Ainda em 9 de maio de 1992, a Toada & Rock fez uma parceria com Ivair, do Curupira Rock Club, que havia acabado de construir um salão novinho e que seria destinado inteiramente ao rock, e então promovemos aquele que foi o primeiro show nesse novo ambiente. O evento foi marcante não só por ter sido o primeiro no Curupira como uma casa de shows, no entanto também foi uma mescla de estilos. Na mesma noite tocaram desde bandas covers com músicas românticas até o punk e o metal. As bandas eram Leis e Ordens (Joinville), Camisa de Força (Joinville), Hephrem (Joinville), Seres Vivos (Jaraguá do Sul), Radical Band (Jaraguá do Sul) e um retorno momentâneo da Kontra Ordem (Jaraguá do Sul), apenas com Tito e Evandro da formação original. Abrigo Nuclear: um marco inigualável na cena do rock jaraguaense Essa é a loja de maior importância para o desenvolvimento do cenário do rock na cidade desde o encerramento das atividades de vendas de discos da Locomotivos. Edson Luís de Souza, que foi integrante das bandas Camisa de Força e e Power of the Bira e atualmente faz parte da banda Os Fritz da Puta, morava em Joinville e travava contato direto com o pessoal aqui de Jaraguá do Sul. Ele estava constantemente na cidade em virtude das amizades e de seu namoro com Eliete, que estava inserida na cena do rock e é sua atual esposa. Com muitas a nidades motivadas pelo gosto musical e pela forma de pensar, Edson mantinha uma amizade muito próxima com Tito, que na época namorava a irmã de Eliete, Mari, o que tornava o contato ainda mais próximo. Após a inauguração do Curupira Rock Club, em maio de 1992, o envolvimento de Edson e Tito continuou. Ambos traziam bandas de diversos lugares e promoviam festivais, como é o caso do Encontro da Consciência Ecológica (Econcieco), evento que misturava rock e apelos ambientais e cuja primeira edição ocorreu nos dias 18, 19 e 20 de setembro daquele ano. Nos anos seguintes muitos outros shows e festivais foram realizados em função do envolvimento de Edson e Tito, movimentando imensamente o cenário, dando oportunidade para bandas de vários lugares e incentivando de modo grandioso a formação de bandas locais. Toda essa movimentação faz a história do rock de Jaraguá do Sul se confundir com a do Curupira e mostra que não há como falar de rock jaraguaense sem citar e enaltecer essa casa de shows, que é o símbolo do rock alternativo e do underground catarinense e até mesmo nacional, pois praticamente todas as bandas oriundas da cidade e iniciadas nos anos 90 puderam apresentar-se ali e tinham o Curupira como o local mais adequado para a cultura underground. Em 1996, Tito, Edson (já morando em Jaraguá do Sul), Mari e Eliete resolveram abrir uma loja de discos e batizaram-na com o mesmo nome do fanzine mantido por Edson: Abrigo Nuclear. Assim nascia um estabelecimento que se tornaria uma verdadeira lenda no cenário do rock alternativo de Jaraguá do Sul. Estabelecida na Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, na mesma construção onde funciona hoje a Vidraçaria Walter Hille, a loja Abrigo Nuclear, além de uma rica fonte para a cultura underground, foi um importantíssimo ponto de convergência e um forte agregador de ideias. Promovia a difusão da música trazendo para a cidade títulos raros, lançamentos de bandas independentes e muito material que jamais chegaria por aqui por outras vias. Com a personalidade de seus proprietários devidamente incorporada, a loja Abrigo Nuclear continuou promovendo shows e festivais, lotando ônibus para levar a galera e incentivando a molecada mais nova a formar bandas, criar música e participar ativamente da cena do rock. Figura 10 - Kontra Ordem com a galera de Curitiba na Noite do Protesto, realizada no Weekend Club, em Guaramirim. Desde a inauguração do Curupira, a grande movimentação do cenário underground incitou o desenvolvimento de bandas locais e deu início a uma parte importantíssima da história. O surgimento da Abrigo Nuclear intensi cou muito esse movimento e, juntamente com o Curupira, fechava um circuito que mantinha a motivação e impulsionava a formação de mais e mais bandas. O empreendimento permaneceu ativo até o ano 2000, quando ocorreu a propagação das músicas em versão digital, o que fez as vendas de CDs e LPs caírem vertiginosamente, ocasionando a falência da loja. Hoje em dia quem mantém a posição de loja especializada em rock na cidade é o estabelecimento de Heriberto Werner (integrante das bandas Olho de Cabra e Cadaveric Hotel): O Limbo Bazar do Rock. Impulso para divulgar bandas por meio da gravação de tas demo Um lugar com público para tocar é tudo de que uma banda precisa, mas registrar o trabalho e, quem sabe, alçar voos mais altos também está nos planos de qualquer grupo. Ao contrário de como acontece nos dias atuais, nos anos 1980 e 90 as gravações não eram tão acessíveis nem havia tantas facilidades. Por tal motivo, muitas bandas acabaram cando sem nenhum tipo de registro, mas, dada a preocupação com o cenário do rock, Edson dedicava-se a gravar tas demo para as bandas que quisessem. Esse trabalho era realizado no Curupira Rock Club, com equipamentos bastante precários, porém com muita força de vontade. Graças ao empenho de Edson, tem-se o registro do trabalho de uma grande quantidade de bandas da região. Edson ainda continua dedicando-se a esse trabalho por intermédio de seu blog http://demo-tapes-brasil.blogspot.com.br/, no qual publica versões digitalizadas de tas demo. O seu trabalho na página virtual é reconhecido nacionalmente, e bandas do Brasil inteiro enviam-lhe tas cassete para que o som seja digitalizado. Isso coloca mais uma vez Jaraguá do Sul e região na lista dos locais mais importantes para o cenário do rock underground. Um dos exemplos de gravações feitas por Edson é a ta demo da Bloody Mary, gravada em 12 canais no dia 28 de novembro de 1998. A banda era a única da região com exclusivamente mulheres em sua primeira formação. O conjunto teve início em 1998 e encerrou as atividades em 1999. A demo foi gravada com a seguinte formação: Adri (baixo), Audren (teclado), Cris (vocal), Joyce (guitarra e vocal), Rodrigo (gaita e vocal) e Sandro (bateria). Figura – Capa da fita demo da banda Bloody Mary, gravada em 1998, digitalizada e disponibilizada no blog de Edson Luís de Souza Fonte: Disponível em: <http://demo-tapes-brasil.blogspot.com.br/>. Acesso em: 29 dez. 2015 Locais com liberdade, acolhimento e... alguns limites necessários Para quem gostava de rock, especialmente aqueles que preferiam a cena independente e underground, era sempre mais difícil encontrar lugares apropriados e, sobretudo, que permitiam tocar as músicas que gostavam de ouvir e aceitavam seus comportamentos. Mas as tribos sempre acharam pessoas dispostas a abrir portas e promover agrupamentos por a nidade. Porém uma coisa deve ser registrada aqui. Quase todos os locais que abriram as portas e acolheram a galera do rock precisaram, em algum momento, impor limites e de nir algumas regras para que a coexistência pudesse continuar sem gerar perdas para o estabelecimento. Isso ocorreu com casas noturnas, lanchonetes, lojas de discos etc. Desde a loja Tarkus, mantida por Carlos Piske em meados da década de 1970, esse pormenor tem sido um fator relevante. Se isso fosse dito na época, possivelmente não teria sido aceito, mas o tempo amadurece e faznos pensar melhor sobre algumas coisas, e os que foram podados de alguma forma naquele momento devem compreender hoje muito claramente as ações tomadas pelos responsáveis dos empreendimentos. As lojas de discos sempre foram aglutinadores naturais das pessoas que curtiam rock e eram o local onde todos se reuniam para conversar acerca de diversos assuntos, além de ouvir música e de falar de música. Nas entrevistas, Edson Luís de Souza usou um termo muito interessante para de nir as lojas de discos. Ele se referia a elas como “redes sociais analógicas”. Essa aglutinação muitas vezes ofuscava os objetivos comerciais da loja, afastando possíveis compradores que não faziam parte do mesmo movimento. Isso aconteceu com a Tarkus, com a Locomotivos, com a Toada & Rock e com a Abrigo Nuclear. Também, devo deixar registrado aqui que, enquanto proprietário da Toada & Rock, certa vez me obriguei a expulsar, literalmente, Heriberto (integrante da banda dos anos 1990 Die Heissen Kartoffel e das atuais Olho de Cabra e Cadaveric Hotel) e Dinho (da banda da década de 90 Los Tokas e das atuais Os Fritz da Puta, James Dinho and Little Bastard e e Outlaw Singers) de dentro da loja por conta de comportamentos, digamos assim, inadequados. As lojas de discos, sobretudo as especializadas em rock, têm essa magnetização que atrai os apreciadores do estilo. Tal aglutinação, no entanto, não se restringiu a elas, pois muitos outros lugares foram cativados pela movimentação causada pela música, abrindo espaço e permitindo que os fãs do rock tivessem a liberdade de ouvir seus estilos preferidos em suas dependências. Igualmente, muitos desses estabelecimentos precisaram impor alguns limites para evitar que os limites fossem extrapolados de maneira negativa. A Maloka Lanches foi um desses lugares. A lanchonete surgiu com o nome Space Green e desde então se tornou um ponto de encontro. Mais tarde, foi vendida para um simpático casal chamado Heinz e Vinny Püttjer, os quais rebatizaram o local como Maloka Lanches. Com esse nome, muito sugestivo, apareceu no cenário como uma simples lanchonete, mas foi tomada de assalto por uma grande quantidade de jovens que precisava de um local que representasse bem seu estilo de vida e que permitisse que suas músicas pudessem ser ouvidas. Foi assim que aconteceu. Frequentado por pessoas que apreciavam o rock nacional e o rock clássico, como Black Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd, entre outros, logo teve seu som ambiente inundado somente por rock e se rmou como o ponto preferido de quem gostava do estilo. Dona Vinny recorda que os frequentadores lhe traziam sugestões de bandas e ela mesma comprava tas e discos, e muitos são mantidos até hoje. “Compra esse Pink Floyd, compra o Barão Vermelho. Eu comprava e não sabia por que...”, relata Dona Vinny, relembrando a época. A liberdade permitida pelos proprietários fez com que a Maloka se tornasse um ponto de encontro de pessoas que curtiam rock, pois o repertório era escolhido pelos próprios frequentadores. Nas noites de sexta e sábado era comum a concentração de pessoas do lado de fora da lanchonete, embaixo da árvore, ouvindo rock e tomando cerveja. Muitas vezes, antes de partir para as festas, reunia-se um grupo ali para ouvir o lendário programa de rock Black Incol, da rádio Floresta Negra, comandado pelo radialista José Roberto Pereira, o Betão. Seguindo o mesmo padrão, contudo, também chegou o momento em que a liberdade em excesso tornou insustentável a convivência. Foram necessárias mudanças para tornar o local mais familiar, e isso foi feito com maestria, pois a lanchonete está em pleno funcionamento ainda nos dias de hoje, muito bem-sucedida, com um ambiente bastante familiar. Os velhos frequentadores continuam clientes do local, porém agora com lhos e até netos. Camisetas e acessórios que ajudam a compor o visual de quem gosta de rock Ostentar a preferência musical e o estilo por meio de camisetas e acessórios é algo que vem de longa data. É normal ver aqueles que gostam de rock, de maneira especial os mais ligados ao underground, vestindo camisetas com estampa de suas bandas preferidas. Hoje em dia, encontrar camisetas com estampa de bandas de rock é algo relativamente fácil, porém nem sempre foi assim. Encontrar camisetas de bandas era bastante difícil, ainda mais se tratando de grupos menos conhecidos, alguns com produções independentes e que muito pouco investiam em merchandising. Para obter camisetas de bandas, era necessário trazê-las de outras cidades – viajar para fora, ou depender de alguém que fosse para outro município –, além ainda dos valores, que não eram muito acessíveis. Fora toda a di culdade para ter acesso a camisetas, ainda havia a precariedade nanceira de muitos que faziam parte da cena. Guedes Zimmermann e Pedro Jaico Kreis, dois representantes do movimento punk dos anos 1980, relatam que não tinham dinheiro para comprar camisetas, então eles mesmo pintavam as suas com o nome das bandas de que gostavam. A mesma situação foi mencionada pela galera do metal Gerson de Paula, Topo e Edilson, que precisavam recorrer aos amigos que tinham habilidade em desenho e pintura para ilustrar camisetas, coletes e jaquetas com o nome e os desenhos das bandas favoritas. A loja Locomotivos foi pioneira em mais esse movimento, pois, além dos discos, César Chiodini trazia de São Paulo camisetas e acessórios que compunham os mais diferentes estilos. Os punks e a galera do metal ornavam suas roupas com bótons e patches com nomes de bandas, símbolos que representavam o movimento etc., bem como usavam braceletes, colares e outros itens que os identi cavam como parte de uma tribo. De qualquer forma, as camisetas ainda precisavam ser trazidas de fora, mas em 1990 essa realidade começava a mudar. Paulo Ronchi, exintegrante das bandas Massacra e Rottness, após ter perdido o emprego e por conselho de amigos, resolveu iniciar a produção artesanal de camisetas estampadas com desenhos de bandas, as quais passou a vender na Praça Ângelo Piazera. Com uma lona estendida no gramado e uma variedade muito pequena de estampas, nascia uma das mais importantes empresas do ramo, a Brutal Wear. Jaraguá do Sul é o berço desse empreendimento, que em 2015 completou 25 anos de existência com enorme sucesso em nível nacional e que continua produzindo, crescendo e melhorando sua qualidade dia após dia. Em Jaraguá do Sul é possível encontrar também a Tem Que Ter Caveira, que mantém há 13 anos um trabalho artesanal de estamparia. Embora tenha suas vendas estendidas para outras lojas, a empresa permanece com a sua barraca em pleno funcionamento na praça da cidade, e toda sexta-feira e sábado é possível encontrar Dinho (da banda Os Fritz da Puta) e sua esposa, Tânia, nesse local, que, além de um ponto de vendas de camisetas e acessórios, é o ponto de encontro da galera nos sábados pela manhã. Uma banda precisa apenas de um lugar para tocar Como já disse anteriormente, desde os anos 1970 Jaraguá do Sul teve vários lugares que promoviam shows e apresentações de bandas, mas a partir da década de 90 isso passaria a ser mais intenso. Talvez pelo fato do aumento do número de bandas no cenário, cresceu também a necessidade de lugares onde as bandas pudessem mostrar seu trabalho. Muitos músicos entrevistados lembram que na época era preciso correr bastante atrás de um local para tocar e alguns falam de shows feitos sobre a carroçaria de caminhões. Aldacir Padilha, da banda Seres Vivos (atualmente e Seres) recorda-se de uma lanchonete chamada Shangai, localizada na esquina da Rua Walter Marquardt com a Rua 25 de Julho, próximo ao Posto Mime. O proprietário do estabelecimento apoiava as bandas locais e promovia apresentações ao ar livre nos domingos à tarde, e a banda Seres Vivos pôde fazer performances ali no início dos anos 90. Outro local muito comentado e relembrado foi a lanchonete Dakasa, que mais tarde se tornou a Bar & Cia. Ficava situado na Rua Reinoldo Rau, onde hoje está a loja Casas da Água. Ali também foram realizados inúmeros shows com bandas locais e bandas trazidas de outras cidades; praticamente todas as bandas da cidade na época tocaram no Dakasa. Tratava-se de uma casa com um grande pátio na frente. O show era feito na frente da casa, e o pessoal assistia a ele do pátio. Algumas vezes era montado um palco maior próximo à rua, e a via cava totalmente interditada, pois o público comparecia em grande número. Em entrevista em conjunto com Luiz Lanznaster Júnior, Denis Hohl fala do local e comenta que muitas bandas surgiam. Nas quartas ou quintas-feiras à noite o pátio do Dakasa cava totalmente lotado e se estendia até a rua, que cava fechada de tanta gente e permitia a passagem de um carro apenas, tamanho era o comparecimento do público no local. Jaraguá do Sul, assim como toda cidade com suas características, presenciou a ascensão e queda de muitos estabelecimentos, tanto casas noturnas dedicadas ao chamado som mecânico quanto lugares que promoviam shows ao vivo com bandas locais e de renome nacional. O empresário Luiz Cesar da Silva, irmão de Paulico, já nos anos 1980 mantinha em Jaraguá do Sul a boate Caesar's Club, que nunca foi totalmente voltada ao rock nem a apresentações ao vivo, mas Paulico, como DJ do local e grande entusiasta do rock, sempre tocava algumas novidades do rock nacional e internacional no decorrer das noites de embalo. Depois de encerrar as atividades da Caesar's Club, o empresário inaugurou um novo empreendimento, chamado Notre Dame. Essa casa noturna foi marcada por grandes shows com bandas nacionais e em muitas oportunidades as bandas locais tocavam para abrir os eventos. Mas indubitavelmente o local que mais agregou e continua agregando valor à cena do rock de Jaraguá do Sul é o Curupira Rock Club, de Guaramirim. O espaço está, sim, localizado em Guaramirim, mas não há banda de Jaraguá do Sul que não tenha tocado lá; se há, são poucas. O local foi, é e continuará sendo um ponto importante de convergência do rock local para divulgar e projetar bandas autorais, de modo especial as bandas associadas ao chamado underground. Um festival alternativo para o rock Bruni Hübner Schwartz, da Escola de Música Bicho Grilo, conta que o envolvimento da escola com o cenário do rock se deu em virtude de um encerramento de m de ano no qual colocaram uma banda para tocar com ex-alunos e músicos jaraguaenses. Empolgados com a ideia, resolveram promover no ano seguinte, em 1998, um evento maior que não se limitasse apenas à escola. Então solicitaram o espaço da Sorveteria Barão, situada na Rua Barão do Rio Branco, e convidaram quatro bandas para tocar naquele que seria o primeiro Encontro de Bandas Bicho Grilo. Em virtude da movimentação causada e pela procura de outras bandas por um espaço para tocar, resolveram aumentar ainda mais o evento. Buscou-se apoio da prefeitura e da Fundação Cultural e foi feito em 1999 um novo encontro, agora com a participação de seis bandas, na Praça Ângelo Piazera. O evento seguiu acontecendo por vários anos, porém a praça já não o comportava mais, por conta do número de bandas e da abrangência de público. Assim, a ideia foi ampliada e o encontro passou a ser realizado no Parque Municipal de Eventos com o nome de Festival Alternativo. Depois de alguns anos sem acontecer, o Festival Alternativo voltou à cena em maio de 2015 no evento Eco Radical 2015, reunindo 20 bandas. Figura – Cartaz virtual utilizado para a divulgação da edição de 2015 do evento Fonte: Disponível em: <http://retratosjoinvillesc.blogspot.com.br/2015/04/festival-alternativo-em-jaragua.html>. Acesso em: 30 dez. 2015 Um selo jaraguaense que projetou muitas bandas Por meio de um selo independente e com muito trabalho e dedicação, Charles Klitzke, conhecido como Chachá, levou o nome de Jaraguá do Sul e de muitas bandas locais para várias partes do Brasil e até mesmo para o exterior. Uma característica da cena independente do rock é a troca de material sem interesse predominante no valor nanceiro, tendo como principal foco a difusão do capital artístico. Com base nessa ideologia, Chachá produzia material de bandas locais e de outras cidades pelo selo Grito Records e promovia a difusão do trabalho. O material de muitas bandas locais, em uma época em que a informação trafegava de forma lenta, foi enviado para a Europa e até para o Japão. O selo independente existiu entre meados da década de 1990 até o início dos anos 2000 e um de seus lançamentos foi a coletânea “Squema”, com participação das seguintes bandas: Schnaps, Fel e Butt Spencer, de Joinville; Deltacid, de Jaraguá do Sul; Repulsores, de Schroeder; Enzime, de Blumenau; Euthanásia, de São José; Acne Rabble, de Florianópolis; MBG, de Garopaba; e a única não catarinense Magüerbes, de Americana (SP). Assim como a rma Edson Luís de Souza em seu blog, a coletânea tornou-se de grande importância para o rock da região norte de Santa Catarina ao registrar em CD o que estava acontecendo naquela época (por volta de 1999), e seu lançamento con rmou a Grito Records como um relevante feito para a cena do rock jaraguaense. Figura – 17A) Capa da coletânea “Squema”, lançada pelo selo Grito Records, de Charles Klitzke; 17B) Charles Klitzke Fonte: Disponível em: <http://joinroll.blogspot.com.br/2011/07/squema-coletanea-em-cd.html>. Acesso em: 30 dez. 2015 Integração para o fortalecimento da cena A união sempre foi sinônimo de força. Quando há a junção de pessoas ou grupos com objetivos comuns, a possibilidade de alcançar o sucesso aumenta muito. No cenário do rock, seja em Jaraguá do Sul, seja em qualquer outro local, essa realidade não é nada diferente. A integração entre diversos estilos já vinha desde a loja Locomotivos e sempre foi o caminho mais sensato a ser seguido, pois a segregação di culta ainda mais a captação de público e anula a chance de conhecer pessoas e cultivar ótimas amizades. O Encontro da Cultura Underground foi um grande exemplo dessa integração. Idealizado e promovido pela loja Abrigo Nuclear e seus proprietários, Tito e Edson, teve sua primeira edição em 1996 e reunia mais de 20 bandas de vários locais e de diferentes estilos, todos dividindo o mesmo espaço e tocando no mesmo palco durante os três dias de um festival em que rolavam muito rock, acampamento, encontro de fanzineiros e tudo mais que faz parte da cultura underground. Outro grande exemplo de integração entre estilos foi o lançamento do CD “Não Perdi o Trem” (1998), da banda jaraguaense Urublues. Mesmo com um estilo bastante especí co, o grupo convidou para o evento de lançamento duas bandas com estilos muito diferentes, a Die Heissen Kartoffel e a Los Bodegueros. Na época o jornal A Notícia, mediante entrevista com as bandas convidadas, exaltou a atitude altruísta dos integrantes da banda. Em relação à atitude da Urublues, o vocalista da Los Bodegueros declarou ao periódico: “Foi uma atitude bem generosa a deles”. O underground, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, é um grande integrador de estilos e sempre cultuou o respeito às diferenças. Isso é extremamente necessário para que a cena se mantenha forte. Espera-se que esse respeito seja sempre absorvido e praticado pelas novas gerações. Figura – Cartaz do 1.º Encontro da Cultura Underground Fonte: Acervo de Edson Luís de Souza Figura – 19A) Capa do disco “Não perdi o trem”, da banda Urublues; 19B) recorte do jornal A Notícia de 11 de julho de 1997 Fonte: Acervo dos integrantes da banda Urublues Bandas de rock que movimentaram essas duas décadas Os anos 1980 tiveram suas chacoalhadas para movimentar e in uenciar o aparecimento de bandas. Seguindo pelo mesmo caminho, a partir dos anos 90 a movimentação no cenário e o incentivo aconteceram por meio de várias iniciativas, mas a loja Abrigo Nuclear e o Curupira Rock Club desempenharam um papel importante que fez com que muitas bandas surgissem, enriquecendo de forma grandiosa a história. Independentemente se a banda era autoral ou dedicada a covers, se era alternativa ou mais voltada ao pop rock, se estava ou não ligada ao underground, todas foram de grande relevância e cumpriram sua função. Algumas sobressaíram mais, outras tiveram uma trajetória curta e outras nem mesmo saíram dos projetos, como foi o caso da Valles Marineris, projeto meu e de Beto, baterista da banda Seres Vivos. Houve aqui uma tentativa de listar, em ordem alfabética, as bandas que nasceram nesse período de 1980 a 1999. Para isso, foi necessário contar mais uma vez com a organização histórica de Edson Luís de Souza, pois ele mantém alguns blogs em que registra a história do rock desde que residia em Joinville. Tais registros auxiliaram muito este trabalho. As informações aqui descritas foram pesquisadas nos blogs http://joinroll.blogspot.com.br e http://historico-curupira.blogspot.com.br, ambos de Edson Luís de Souza, e também em memórias organizadas e dispostas a ajudar a resgatar essa história, como é o caso de Tito (Dietmar Hille), da banda Kontra Ordem e ex-proprietário da loja Abrigo Nuclear. A Radical Band Bloody Mary Cicatriz Deltacid Demo Via Desacato ao Sistema Die Heissen Kartoffel Extremo Ódio General Custer Graft (depois Moby Dick, mais tarde Boa Noite Cinderela e atualmente Os Velhos) Habeas Corpus Imperium Tenebrae Impiedoso (formada após o término da banda Imperium Tenebrae) Kontra Ordem Los Bodegueros Los Tokas Má Compania Manual Criminous Massacra (banda que originou as bandas Post Mortem e Rottness) Passageiro Clandestino Post Mortem Recurso Imediato Rottness Seres Vivos (atualmente The Seres) Sobreviventes Tripa de Cat Urublues Sobre o reencontro histórico Confesso que até mesmo eu achava impossível, mas não deixei de lançar esta provocação a todos os integrantes de antigas e extintas bandas dos anos 1980 e 90: voltar a se apresentar por mais uma vez. Grande foi a surpresa ao ter uma resposta tão positiva e poder ver esses grandes motivadores das gerações atuais apresentando-se novamente. Muitos estavam há mais de 20 anos sem subir em um palco. Estando eu em um turbilhão de tarefas relacionadas a este projeto e sem muita experiência na organização de shows e festivais, pedi auxílio a Edson Luís de Souza, o qual prontamente aceitou o convite e exerceu papel fundamental para que tudo corresse bem. Houve bastante empolgação por parte de todos que foram convidados para esse reencontro, e então foi marcado para o dia 15 de novembro de 2015 um evento que se chamou Reencontro Histórico de Bandas dos Anos 80 e 90. Desde que iniciamos a organização, dirigimos o foco para que as bandas se apresentassem tocando músicas próprias, pois tínhamos a intenção de gravar as performances por canais diretamente na mesa, possibilitando o lançamento futuro de um material físico em CD ou, quem sabe, em vinil. Um total de dez bandas pronti cou-se a tocar nesse dia e, por conta da quantidade de bandas, resolvemos fazer o evento no Curupira Rock Club, primeiramente pelo valor que o local tem para o rock da cidade e de toda a região. Além disso, consideramos o fato de o local e a aparelhagem para a gravação terem sido cedidos gratuitamente, bem como a ausência de limite de horário para o término. Infelizmente, em função de problemas particulares, algumas bandas não puderam participar da reunião e cancelaram sua apresentação no reencontro, mas ainda assim houve cinco bandas que representaram muito bem tudo o que aconteceu nos anos 80 e 90: Post Mortem, Kontra Ordem, Impiedoso (tocando uma música da Imperium Tenebrae), Die Heissen Kartoffel e Seres Vivos. Figura X - Cartaz do reencontro produzido manualmente seguindo a forma como eram produzidos os cartazes nos anos 1980 e 90. No verso do cartaz estão as assinaturas de todos os integrantes de bandas que tocaram no dia do evento Fonte: Acervo do autor. De geração em geração, a cena do rock renova-se em Jaraguá do Sul: parte 2 Assim, chego ao m deste trabalho evidenciando que, mesmo sem querer, uma geração passa o bastão para a outra, os comportamentos mudam, os estilos ampliam-se, aumentam as facilidades, repetem-se as di culdades, mas a cada dia que passa germinam novas e motivadas sementes que manterão a cena viva. Ao realizar este projeto, tive a oportunidade de reencontrar velhos conhecidos e ouvir bandas antigas tocando novamente. Também pude ver o novo nascendo e desenvolvendo-se. Algo que pode ser dito com bastante propriedade é que Jaraguá do Sul é rica em produção artística na área do rock e merece muita atenção. São muitas bandas locais produzindo suas próprias músicas e criando material que deixa registrada uma história importante que merece ser revisitada e atualizada diversas vezes para que continue sempre viva essa motivação. Entrevistas Referências Acácio Valanoro Ademir Ramiro Koch Ana Stinghen Berkley Jennrich Blênio Pires Bruni Hübner Schwartz Carlos Fernando Piske César Chiodini Charles Klitzke Denis Koch Denis Wander Hohl Dietmar Hille Dirceu Hahn Edilson (Kohlbach) Edson Luís de Souza Enivaldo Deretti Eribert Augusto Neves Evandro Luís Chiodini Silva Everton Sales Fabiana de Oliveira Motta Gerson de Paula Guedes Zimmermann Heriberto Werner Herivelto José Silva (Veto) Ismael Niels Ivo Wessner (Ivo Badulaque) Jean Andrighi Jean Sales José Roberto Ponticelli Lasier Laube Leonardo Mór Colucci Luciano Sales Luiz Lanznaster Júnior Marcelo de Melo Silva Marcio José Coelho Paulo César Seraphim Paulo David da Silva Pedro Jaico Kreis Ricardo Alexandre Martins Richard Hermann Roberto Germano Prussek Sandro Sidnei Siebert Alcir Conti (Topo) Vinny Püttjer William Fontanelli (James Dinho) BIG BOY. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Boy>. Acesso em: 29 dez. 2015. CURUPIRA ROCK CLUB. Histórico. Disponível em: <http://historico-curupira.blogspot.com.br/>. Acesso em: 29 dez. 2015. DEMO-tapes Brasil. Disponível em: <http://demo-tapes-brasil.blogspot.com.br/>. Acesso em: 29 dez. 2015. JOINROLL: Memória do rock de Joinville e região. Disponível em: <http://joinroll.blogspot.com.br/>. Acesso em: 29 dez. 2015. NEUMANN, Ricardo. Arquivos pessoais, história oral, blogs e rock alternativo. Resgate, v. 22, n. 27, p. 71-77, jan./jun. 2014. Disponível em: <http://www.cmu.unicamp.br/seer/index.php/resgate/article/viewFile/ 359/342>. Acesso em: 10 nov. 2015. O autor Paulo de Almeida trabalha como assessor comercial em uma empresa de sistemas em Jaraguá do Sul, é casado e pai de um menino e de uma menina. Adora música desde a adolescência e guarda um gosto musical extremamente eclético. Tocou guitarra nos primórdios da banda e Seres (Seres Vivos na época) e foi proprietário de uma loja de discos usados (Toada & Rock) em 1992. É autor dos livros Bombeiros Voluntários de Jaraguá do Sul: uma história que não deve ser apagada (Design Editora, 2013) e Guia de autoproteção para desastres e situações de anormalidade (Design, 2015). Atualmente mantém um canal no Youtube chamado Palco Local, em que realiza entrevistas e dá recomendações de bandas, servindo como ponto de apoio para o desenvolvimento da cena. Impressão Editora Tipografia