ISSN 1982 - 0283 A ESCOLA EM CONTEXTOS DE VULNERABILIDADE SOCIAL Ano XXIII - Boletim 22 - NOVEMBRO 2013 A escola em contextos de vulnerabilidade social SUMÁRIO Apresentação........................................................................................................................... 3 Rosa Helena Mendonça Introdução............................................................................................................................... 4 Martina Ahlert Texto 1: Políticas educacionais de acesso à escola.................................................................. 10 Glícia Gripp Texto 2: A escola e os territórios vulneráveis das grandes cidades......................................... 16 Antonio Augusto Gomes Batista Frederica Padilha Hamilton H. De Carvalho Silva Luciana Alves Vanda Ribeiro Texto 3: A escola e a garantia de aprender.............................................................................27 Martina Ahlert Nair Cristina da Silva Tuboiti A escola em contextos de vulnerabilidade social Apresentação A publicação Salto para o Futuro A edição 22 de 2013 traz como tema complementa as edições televisivas do pro- A escola em contextos de vulnerabilidade grama de mesmo nome da TV Escola (MEC). social e conta com a consultoria de Martina Este aspecto não significa, no entanto, uma Ahlert, Doutora em Antropologia Social pela simples dependência entre as duas versões. Universidade de Brasília e Professora Subs- Ao contrário, os leitores e os telespectadores tituta do Departamento de Antropologia da – professores e gestores da Educação Bási- Universidade Federal do Paraná. ca, em sua maioria, além de estudantes de cursos de formação de professores, de Fa- Os textos que integram essa publicação são: culdades de Pedagogia e de diferentes licenciaturas – poderão perceber que existe uma 1. Políticas educacionais de acesso à escola interlocução entre textos e programas, pre- 3 servadas as especificidades dessas formas 2. A escola e os territórios vulneráveis das distintas de apresentar e debater temáticas grandes cidades variadas no campo da educação. Na página eletrônica do programa, encontrarão ainda 3. A escola e a garantia de aprender outras funcionalidades que compõem uma rede de conhecimentos e significados que se efetiva nos diversos usos desses recursos nas escolas e nas instituições de formação. Os Boa leitura! textos que integram cada edição temática, além de constituírem material de pesquisa e Rosa Helena Mendonça1 estudo para professores, servem também de base para a produção dos programas. 1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC). Introdução A escola em contextos de vulnerabilidade social Martina Ahlert1 Em 2009, a romancista nigeriana rotinas de trabalho. Parte-se do pressuposto Chimamanda Adichie proferiu uma con- de que a construção de uma sociedade com ferência2 intitulada O perigo de uma história maior justiça social passa pela consideração única. Nela, a escritora lembra a importância das trajetórias de grupos específicos e pelo de se contar e escrever muitas histórias, pois reconhecimento de seus direitos. Respeitar isso permite conhecer diversos ângulos de diversidades e diferenças, entretanto, não é uma mesma situação, restituir a dignidade tarefa fácil. Como indica Adichie (2009), isso a determinados grupos e questionar os este- exige o questionamento das nossas certezas, reótipos. Os estereótipos, portanto, têm a ver verdades e concepções de mundo. Exige ain- com nosso conhecimento restrito sobre os ou- da que sejamos desejosos de ouvir e contar tros e, por isso, são sempre incompletos, ten- muitas histórias. Essa Série do Programa Sal- dendo a reduzir a diversidade cultural e social to para o Futuro quer falar sobre uma das às narrativas daqueles que têm mais poder. diferenças que, entre outras, se faz presente no ambiente escolar: a diferença de classe, a Em virtude do cenário político na- cional e internacional que tem se colocado partir das escolas que estão em contextos de vulnerabilidade social. nas últimas décadas no Brasil, o respeito à diversidade e à diferença – de raça e cor, et- Nos últimos anos, no âmbito das dis- nia, classe social, gênero, orientação sexual, cussões sobre as políticas públicas e sociais, o religião e crença – tem ocupado uma centra- conceito de classe tem sido pensado em rela- lidade importante nas nossas legislações e ção à categoria vulnerabilidade social3. A pers- 1 Doutora em Antropologia Social pela Universidade de Brasília. Professora substituta do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná. Tem desenvolvido pesquisas sobre antropologia, diversidade cultural, políticas e programas de governo. Consultora desta Edição Temática. 2 A conferência se chama “The danger of a single history” e foi proferida em 2009, está disponível em: http:// www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html 3 Para uma discussão da categoria vulnerabilidade, ver, por exemplo, Castel (2997). 4 pectiva é que a pobreza seja entendida como ajudar no orçamento doméstico, violência e um fenômeno que, embora tenha a renda uso de drogas, desconhecimento dos profis- como um fator fundamental, é multidimen- sionais da educação sobre o contexto e a rea- sional. Desta forma, além de estar conectada lidade vivida pelos alunos – elementos que se com a privação material, a situação de pobre- refletem nos índices de distorção idade/série za ou vulnerabilidade social está relacionada e abandono escolar. ainda com a falta de infraestrutura, com uma maior exposição ao risco, à violência e às do- Nesta Série, queremos convidá-los a enças, com a presença de fatores que impe- pensar conosco na forma como a escola rece- çam as pessoas de ocupar espaços de decisão be os alunos e alunas que vivem em contex- e voz, e com a ausência de garantia dos direi- tos de vulnerabilidade social, em como este tos básicos (CRESPO; GUROVITZ, 2002). cenário impacta no cotidiano escolar, e em como garantir, não só o acesso, mas também A proposta desta Série não é nova. a permanência na escola. Algumas pesquisas em 2010 realizamos, no Salto para o Futuro, chamam nossa atenção para a importância um debate sobre vulnerabilidade social e de pensarmos os impactos da vulnerabilida- educação4. Naquele momento, enfatizamos de social na escolarização de crianças e ado- os impactos da vulnerabilidade social na tra- lescentes, mostrando que essa é uma variável jetória escolar de um aluno; a relação entre fundamental para entendermos a reprodu- escola e família; a intersetorialidade e a rede ção das desigualdades sociais no Brasil, bem de proteção que insere a escola em um cená- como a perpetuação da pobreza em ciclos in- rio de acompanhamento dos alunos em situ- tergeracionais (HENRIQUES, 2000; DUARTE, ação de pobreza. Em conversas com pesqui- 2012). O cruzamento de dados de diferentes sadores, professores, gestores e estudantes, pesquisas tem indicado que a renda é a va- surgiram alusões a aspectos que indicam a riável que mais impacta na trajetória esco- relação entre vulnerabilidade social e edu- lar dos brasileiros5, acarretando abandono e cação, como dificuldades com o transporte evasão escolar e lembrando a importância e deslocamento dos alunos, necessidade de de determos nosso olhar nesta temática. crianças e adolescentes trabalharem para 4 A Série Vulnerabilidade Social e Educação foi veiculada em novembro de 2010 e está disponível no endereço: http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/11200019-Vulnerabilidade.pdf 5 Na Série de 2010 indicamos que, a partir dos dados da Pnad 2008, podíamos ver que os 25% mais ricos do Brasil (em 2007) tinham em média 12 anos de escolaridade enquanto os 25% mais pobres tinham em média 06 anos de escolaridade. Trabalhando com os dados da Pnad de 2011, sabemos que entre o grupo 20% mais pobres de 16 anos, somente 42,8% possuem Ensino Fundamental completo; entre os 20% mais pobres de 19 anos, apenas 29,3% possuem Ensino Médio completo. Os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) podem ser encontrados em: www.ibge.gov.br. 5 Nesse sentido, sabemos que a educa- aluno ideal e a existência de um aluno real ção pública no Brasil, nas últimas décadas, (CASTRO; REGATTIERI, 2009) – que, por sua tem passado por diversas transformações vez, contribuiu para a construção de diver- que se acentuaram diante do processo de sos ‘mitos’ que têm justificado e responsa- ampliação das oportunidades de acesso à bilizado os alunos e suas famílias pelo fra- escolarização das crianças em idade escolar. casso escolar (DUARTE, 2012). Estes ‘mitos’ Entretanto, “A inegável expansão do acesso sugerem a existência de “famílias desestru- à escola não correspondeu (...) a uma efetiva turadas”6 entre os mais pobres e afirmam democratização da educação nem à oferta ainda que as condições de privação material de uma educação de qualidade, elementos seriam explicações para o não aprendizado essenciais para garantir tanto a permanên- de crianças e adolescentes. cia quanto a conclusão da educação básica na idade adequada” (CASTRO, 2010, p. 11). Se estes argumentos não são razão Sem ser necessariamente acompanhada por suficiente para explicar ou justificar índices uma melhoria das condições de ensino, a de distorção idade/série e evasão escolar, ampliação do acesso à escola trouxe, para também não basta responsabilizar, isolada- dentro da sala de aula, uma maior diversi- mente, professores e gestores, pelo enfrenta- dade de alunos e alunas – com caracterís- mento de questões relativas à vulnerabilida- ticas e experiências sociais variadas (raça/ de social, presentes no contexto das escolas cor, classe social, local de residência, etc.). onde trabalham. Perceber a pobreza como Essas transformações nem sempre foram um fenômeno multifacetado é também re- acompanhadas de uma mudança na con- conhecer sua complexidade e entender que cepção de aluno que fora construída em um deve ser enfrentada a partir de políticas e cenário anterior, quando o acesso à escola programas que sejam intersetoriais, isto é, ainda era limitado, em grande parte, a alu- que envolvam diferentes áreas, como, por nos de classe média. O efeito desse processo exemplo, a saúde, a educação e a assistên- levou a um desencontro entre a visão de um cia social (BRONZO, 2007)7. Neste sentido, a 6 Para desconstruir o conceito “família desestruturada” sugerimos a leitura de textos que indicam como a noção de família é histórica (ou seja, se transforma com a passagem do tempo) e socialmente construída (tendo diferentes ‘formatos’ em variados contextos), como o trabalho de Ariés (1981), Bourdieu (1997) e de Claudia Fonseca (1995). 7 Um exemplo de programa intersetorial é o Programa Bolsa Família. Para enfrentar os múltiplos aspectos da situação de pobreza, o Programa relaciona diferentes esferas governamentais (governo federal, estados e municípios) assim como aciona diferentes ministérios - como o Ministério da Educação, o Ministério do Desenvolvimento Social e o Ministério da Saúde, que fazem a gestão das condicionalidades (que são compromissos que devem ser cumpridos pelo Estado e pelos beneficiários para que o repasse do benefício aconteça). A condicionalidade na educação exige que crianças e adolescentes de até 16 anos, de famílias beneficiárias do Programa, tenham 85% de presença em sala de aula, e adolescentes entre 16 e 18 anos tenham 75% de presença. 6 escola deve estar articulada a uma rede de ciais, precisamos ouvir e contar muitas his- proteção social que envolve diversas iniciati- tórias – elas podem potenciar, reparar a dig- vas governamentais e não governamentais. nidade e humanizar (ADICHIE, 2009). Esta Ela não trabalha sozinha, mas reconhece Série pretende provocar nossas reflexões e sua importância como espaço de acolhida e debates sobre a relação entre educação e ensino às crianças e adolescentes em situa- vulnerabilidade social, a fim de perceber- ção de vulnerabilidade social. mos as diferenças e a diversidade presentes no cotidiano escolar. No panorama das discussões sobre direitos humanos, educação, diversidade so- Textos desta edição temática: cial e cultural, é constantemente reiterada a relevância de a escola conhecer o contexto Texto 1: Políticas educacionais de acesso social de onde provêm os seus alunos e alu- à escola nas. No entanto, saber mais sobre suas famílias, suas casas e seus bairros não implica que O primeiro texto da Série realiza um a escola deva se responsabilizar por resolver breve histórico das políticas educacionais sozinha as dificuldades encontradas nos coti- no Brasil. Analisando a educação pública dianos marcados pela vulnerabilidade social. em diferentes momentos, Glícia Gripp nos Antes, quer dizer que é possível, e desejável, apresenta variados cenários da educação “reconhecer e utilizar as lições da realidade a pública e de como, em cada um deles, se favor de sua [da] aprendizagem [dos alunos]” configura a inclusão ou a exclusão de alu- (REGATTIERI; CASTRO, 2009, p. 59). nos e alunas no ambiente escolar. Neste percurso, mostra como as áreas de conhe- Conhecer sujeitos e suas realida- cimento – como a psicologia, a sociologia des cotidianas, entretanto, é uma atividade da educação, a gestão escolar – foram cen- complexa, na medida em que temos o há- trais na definição de quem poderia ou deve- bito de entender a alteridade e a diferença ria ter acesso à escola. A análise da autora a partir das nossas categorias, dos nossos chega ao momento atual, quando o acesso desejos, das nossas próprias escolhas de à escola é visto como um direito de todos e vida. Por isso, respeitar diversidades e dife- todas, e a educação é percebida como ele- renças – na escola e também fora dela – não mento fundamental para a redução da po- é apenas um ato de boas intenções, mas um breza e das desigualdades sociais. processo constante de vigilância dos nossos próprios preconceitos e estereótipos. Para conhecermos alunos, alunas e contextos so- 7 Texto 2: A escola e os territórios vulneráveis práticas profissionais, têm desafiado estas das grandes cidades narrativas de fracasso e demonstrado que todos os alunos e alunas podem aprender. O segundo texto foi escrito por uma Recupera, nesse sentido, a importância da equipe de pesquisadores do CENPEC – Centro escola como um espaço de conhecimento de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultu- formal, mas também de conhecimento do ra e Ação Comunitária, a partir de uma pes- aluno e de suas experiências, se tornando quisa realizada em escolas públicas da sub- uma referência nos seus planos e desejos prefeitura de São Miguel Paulista, localizada para o futuro. na extrema Zona Leste de São Paulo. A partir deste contexto, os pesquisadores chegaram a conclusões que permitem analisar outras situações, análogas, que também falam sobre a relação entre a escola e a vulnerabilidade social. Partindo de duas perguntas: (i) A vulnerabilidade social do território ou da vizinhança da escola influencia, de fato, sua 8 qualidade? (ii) Se sim, essa influência se realiza de que modo, por meio de quais mecanismos? – a pesquisa apresentada buscou analisar as situações concretas vividas por alunos, famílias e também professores e gestores. Texto 3: A escola e a garantia de aprender O terceiro texto da Série apresenta o atual cenário nacional como um momento em que diversas legislações reforçam a importância do acesso à escola. Diante disso, as autoras – Nair Tuboiti e Martina Ahlert – se perguntam sobre impressões e mitos que têm justificado o não aprendizado de crianças e adolescentes provenientes de contextos de vulnerabilidade social. O texto lembra que pesquisadores e professores, em suas REFERÊNCIAS ADICHIE, Chimamanda. The danger of a single story. Conferência, 2009. Disponível no link: http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html ARIÉS, Phillipe. A história social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BOURDIEU, Pierre. O espírito da família. Razões práticas. Sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1997. BRONZO, Carla. Intersetorialidade como princípio e prática nas políticas públicas: reflexões a partir do tema do enfrentamento da pobreza. In: XII Congreso do CLAD - Centro Latinoamericano de Administracion para el Desarrollo. Santo Domingo. Anais do CLAD, 2007. CASTEL, Robert. A dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à desfiliação. Caderno CRH, Salvador, n. 26/27, p. 19-40, jan./dez. 1997. CASTRO, Jane Margareth. Educação e pobreza: provocações ao debate. Série Vulnerabilidade Social e Educação – TV Escola. Ano XX, Boletim 19, novembro de 2010, p. 11-14. Disponível no link: http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/11200019-Vulnerabilidade.pdf CRESPO, Antônio Pedro Albernaz. GUROVITZ, Elaine. A pobreza como um fenômeno multidimensional. RAE, vol. 1, número 2, jul-dez/2002. Disponível em: http://www.rae.com.br/eletronica/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=1178&Secao=PÚBLICA&Volume=1&Numero=2&Ano=2002. DUARTE, Natália de Souza. Política Social: um estudo sobre educação e pobreza. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Política Social. Universidade de Brasília. Brasília, 2012. FONSECA, Claudia. Caminhos da adoção. São Paulo: Cortez, 1995. HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade e pobreza no Brasil. Brasília: IPEA, 2000. REGATTIERI, Marilza. CASTRO, Jane Margareth. (orgs.). Interação escola família: subsídios para práticas escolares. Brasília: UNESCO, MEC, 2009. 9 texto 1 Políticas educacionais de acesso à escola Glícia Gripp1 “(…) A nação não sabe ler. Há só 30% As políticas públicas constituem fó- dos indivíduos residentes neste país que runs nos quais os diferentes atores sociais podem ler; desses, uns 9% não leem letra constroem e exprimem a maneira pela qual de mão. 70% jazem em profunda ignorân- percebem o mundo real, o lugar que nele ocu- cia. Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles pam e o como ele deveria ser, em sua cons- Queles; é não saber o que ele vale, o que tituição ideal. Assim, a ação pública possui ele pensa, o que ele quer; nem se realmen- características cognitivas e normativas, pois te pode querer ou pensar. 70% dos cida- essas duas dimensões do mundo, a da expli- dãos votam do mesmo modo que respi- cação e a da colocação em normas, estão li- ram: sem saber porque nem o quê. Votam gadas pelo processo de se atribuir sentido ao como vão à festa da Penha – por diverti- real. As políticas públicas servem para cons- mento. A Constituição é para eles uma truir interpretações da realidade e definir mo- coisa inteiramente desconhecida. Estão delos normativos de ação. prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado. (…) As instituições exis- tem, mas por e para 30% dos cidadãos” passa, então, pela produção de interpretações Machado de Assis , 15 de agosto de 1876. causais e normativas. Desse modo, pode-se 2 Essa atribuição de sentido ao mundo dizer que o objeto das políticas públicas é o Já em 1876, Machado de Assis tratava “futuro” das sociedades: uma política pública da questão da exclusão. A partir dos dados di- pode ser analisada como um espaço no qual vulgados sobre o analfabetismo no país, ele, uma sociedade se projeta no futuro, derivan- com o humor característico de suas crônicas, do daí a importância das ferramentas de in- apresenta as consequências políticas e institu- terpretação da realidade social. cionais de alarmantes dados. Ao longo do período republicano, muito se escreveu sobre esse tema, muito se debateu e muitas políticas fo- ciais fundamentais. Em primeiro lugar, as ram projetadas para sanar esse problema. políticas públicas nascem do debate e da luta Temos então algumas questões ini- 1 Professora da Universidade Federal de Ouro Preto. 2 Machado de Assis, Joaquim Maria. Obra completa, vol. 3, p. 345. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006. 10 entre grupos sociais diversos. Em segundo lu- representou uma inovação em política edu- gar, elas são criadas a partir de interpretações cacional. A partir de então, novos aspectos da realidade, que se utilizam das ferramentas se incorporaram à dimensão da política interpretativas de cada época. Feitos esses es- pública, tal como a exigência de índices or- clarecimentos, passemos à análise, breve, das çamentários mínimos para o financiamen- políticas públicas de inclusão social, especifi- to educacional, além das regulamentações camente do campo educacional. qualificadoras do processo educativo. A instituição do setor educacional Subjacente à política – e constituin- como importante política social, a partir dos te do debate anterior a ela – estavam duas anos de 1930, é parte do projeto de recons- áreas do conhecimento: a filosofia e a psi- trução do Estado, no qual se projetava a obra cologia - a filosofia de Dewey e a psicologia de modernização. Ao Estado caberia o papel científica, principalmente a dos testes psico- de realizar as obras de “civilização” e de cons- lógicos. Junto a isso, a urbanização e a inci- trução da nação. O núcleo central do grande piente industrialização levavam aspirações projeto político a ser materializado no Estado educacionais a novos setores da população. passava pela construção da nacionalidade e pela valorização da brasilidade. Estavam em questão a identidade do trabalhador e a cons- ções, essa política se traduziu por uma seg- trução de um homem novo para um Estado mentação da educação. A institucionaliza- que se pretendia novo. Uma das estratégias ção dos testes de inteligência nas escolas e a para o avanço desse programa nacional era consequente classificação dos alunos, para a educação. Para isto, o Estado deveria cons- efeito de quem deveria seguir o caminho es- truir um projeto centralizado de padroniza- colar e de quem não deveria - que tomou lu- ção do ensino e das atividades escolares pela gar nas escolas brasileiras nos anos de 1930 defesa da unidade de programas, de material - teve um efeito de regulação. Embora incor- didático, etc. A esta intervenção denominou- porasse parcelas da população ao processo -se a “questão da nacionalização do ensino”, de escolarização, havia as escolhas de quem mencionada e incluída na pauta de discus- seguiria até o fim desse processo, através sões e avaliações desde o início do século dos testes psicológicos. Acreditava-se, à épo- (SCHWARTZMAN, BOMENY; COSTA, 1984) . ca, que se deveria formar uma elite dirigente 3 No âmbito das escolas e das institui- que guiaria as massas, as quais teriam aces A institucionalização progressiva do so à educação básica e a uma formação ope- ensino básico no aparato governamental rária e/ou técnica. Somente à elite estariam da União, trazida pela possibilidade cons- reservados os estudos superiores: titucional de se fazer política para o setor, 3 Ver, especialmente, capítulo 5. 11 Haveria um “ensino comum”, “anterior Nos conturbados anos de 1960, foram a qualquer especialização”, e que iria do a sociologia e a psicologia social, de um lado, pré-primário ao secundário. Ao lado des- e as ciências econômicas, por outro, que esta- te, um ensino especializado, que iria do ní- beleceram o debate educacional. As ciências vel elementar ao superior, orientado, até sociais traziam resultados de pesquisa que o nível médio, para os que ficassem fora tornavam pública a questão da reprodução do sistema secundário: seu objetivo era social e das desigualdades de acesso. No pla- ministrar “cultura de aplicação imediata no social, se observou a aspiração de certos à vida prática” ou preparar “para as pro- movimentos sociais a uma maior justiça em fissões técnicas de artífices, tendo sempre relação à educação. Do lado da economia, o em vista a alta dignidade do trabalho e o papel da educação estava claro: atrelada à respeito devido ao trabalhador”. O ensino política econômica, ela seria capaz de distri- superior, sempre especializado, se divida buir renda. A mobilidade social deveria ser em três grandes ramos: o de “caráter cul- estimulada por meio da “hierarquização pelo tural puro”, para o desenvolvimento da mérito”, estabelecida à base da democratiza- pesquisa e do “ensino artístico, literário, ção das oportunidades, que minimizaria o evi- científico e filosófico de ordem especu- dente desperdício das potencialidades de uma lativa”; o de “caráter cultural aplicado”, parcela da população jovem do país. A ideia que era o de ensino das profissões liberais era a de formação de “capital humano”. As- regulamentadas; e o “de caráter técnico”, sim, a consolidação dos recursos humanos no que era uma forma de aprofundamento país estava ligada às implicações econômicas de conhecimentos obtidos nos cursos se- do processo educativo. cundário e profissional médio. Segundo o plano, o ensino pré-primário seria uma atribuição da família e de escolas priva- principalmente nas séries iniciais, da educa- das, com participação eventual dos pode- ção básica nas décadas de 1970 e 1980. Na dé- res públicos, voltado principalmente para cada de 1980, os debates continuaram, agora crianças pobres ou cujas mães tenham com um novo arcabouço analítico. A socio- que trabalhar (...) Existiam várias seções logia, a psicologia social e a economia con- e subseções do plano (...) A diferença era tinuaram informando o debate, mas surge a quanto aos propósitos a que deveriam questão da eficiência e da eficácia e, assim, servir, à qual se acrescentavam as dife- da gestão educacional. Houve uma expressiva expansão, renças de origem social dos alunos, de exigências de qualificação dos professo- res, e de apoio efetivo para que os cursos majoritária era a de que a população brasileira realmente funcionassem. (SCHARTZMAN, era pouco educada devido à incapacidade das BOMENY; COSTA, 1984). crianças ficarem na escola até terminar sua Antes da década de 1980, a opinião educação. Esse fenômeno, a evasão escolar, 12 era atribuído a vários fatores, passando pela pobreza e pela desnutrição até a carência terizam por um importante investimento na cultural e a desestruturação das famílias. A tarefa de modernizar a gestão dos sistemas baixa educação da população seria causada de educação pública, oferecer oportunida- pela pobreza, pela má distribuição de renda des iguais de acesso a uma educação de qua- e por outros males sociais. Durante a década lidade para todos, fortalecer a profissão do- de 1980, alguns pesquisadores, como Sérgio cente e aproximar os sistemas educacionais Costa Ribeiro, Ruben Klein e Philip Fletcher e de ensino às necessidades da sociedade. 4 As décadas de 1990 e 2000 se carac- mostraram que a evasão era, na realidade, uma repetência escondida, já que havia o hábito de se enviar, de volta para casa, as 1970 e, especialmente, após os anos de 1990, crianças que não iriam passar de ano, tan- houve um avanço na questão educacional to para liberá-las para outras atividades, no país. O relatório do Unicef – Fundo das quanto para reduzir o número de alunos em Nações Unidas para a Infância – Situação da sala de aula. As crianças desistiam da escola infância e adolescência Brasileira 2009 con- após sucessivas repetências e sua decorren- cluiu que o país obteve importantes avanços te frustração. Assim, os autores mostraram nos indicadores de acesso, aprendizagem, que era a cultura da repetência, - portanto, o permanência e conclusão do Ensino Básico. funcionamento interno das escolas - a prin- Mas ainda temos problemas. Na publicação, cipal responsável pelo baixo desempenho o UNICEF analisa as desigualdades educacio- educacional brasileiro. nais no Brasil – especialmente as regionais, Sem dúvida, a partir da década de étnico-raciais e socioeconômicas, e as rela Nas décadas de 1970 e 1980, o fator cionadas à inclusão de crianças com defici- orientador das decisões educacionais foi a ência. Essas desigualdades impediriam que expansão quantitativa da oferta de ensi- as parcelas mais vulneráveis da população no. Nesse período, os sistemas educativos brasileira tenham garantido seu direito de esforçaram-se para garantir o princípio da aprender. Assim, em fins da década de 2000, equidade ou igualdade de oportunidades de cerca de 27 milhões de estudantes, ou seja, acesso à educação formal. Isto se justificava 97,6% das crianças e adolescentes entre 7 pelas baixas taxas de escolaridade existen- e 14 anos estavam matriculados na escola. tes, provocadas pela falta de vagas e pelo Mas 2,4% representam 680 mil crianças fora pressuposto de que o ingresso na escola po- da escola. E desse total de crianças fora da deria garantir a inserção dos educandos nos escola, 66% (450 mil) eram negras. Da mes- processos sociais que caracterizavam o cres- ma forma, havia desigualdades regionais: o cimento econômico. número de crianças fora da escola na Região Norte era duas vezes maior do que na Região 4 Klein e Ribeiro (1991); Ribeiro (1991); Fletcher e Ribeiro (1989). 13 Sudeste. Articulando diferentes áreas, como fissionais quanto nos múltiplos aspectos a assistência social, a saúde e a educação, do exercício da cidadania. (SECADI/MEC, vários programas sociais estão em andamen- Brasília, 31 de janeiro de 2013). to para tentar superar esses problemas, ainda agora existentes. Entre eles, cabe destacar o “Bolsa Família”, programa de transferên- finais. A sociologia da educação deixou uma Mas cabem algumas considerações cia de renda voltado às contribuição crianças, tante: a exigência de se adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social: O programa Bolsa Família (PBF) tem como objetivo contribuir para a superação e a quebra da transmissão Nós ainda temos enormes problemas educacionais, que precisam ser enfrentados se quisermos realmente promover a inclusão. impor- considerar como uma questão sociologica- mente pertinente e politicamente relevante, não somente a distribuição social dos fluxos de entrada e saída no sistema educacional, mas também a nature- intergeracional da za dos processos que se pobreza no Brasil. desenrolam no interior A educação é, nessa deste sistema, a saber: perspectiva, estratégia para alcançar esse o conteúdo, a organização dos saberes, a for- objetivo. As famílias que se encontram ma das relações sociais que aí se desenvolvem em circunstâncias de pobreza e extrema e os valores que aí se negociam (FORQUIN, pobreza têm apresentado, ao longo das 1993, p. 172). Nesse sentido, nós ainda temos décadas, maiores dificuldades para que enormes problemas educacionais, que preci- suas crianças, adolescentes e jovens te- sam ser enfrentados se quisermos realmente nham acesso à escola e nela permaneçam promover a inclusão: a baixa qualidade da es- até a conclusão do Ensino Fundamental e cola pública (não basta colocar as crianças na Médio, em razão, muitas vezes, da inser- escola), os problemas de recrutamento e for- ção no mercado de trabalho, formal ou in- mação de professores, além da questão mais formal, de modo precoce. O insucesso na técnica dos conteúdos e métodos adequados trajetória da Educação Básica pode acar- de ensino. Esses desafios chamam nossa aten- retar também menor acesso a direitos ção para a necessidade de continuarmos de- básicos, acabando por reproduzir o ciclo batendo as políticas públicas e educacionais, de pobreza da geração anterior. A educa- bem como a relação entre as desigualdades ção exerce, certamente, papel fundamen- sociais e a educação. tal no rompimento desse ciclo, gerando e ampliando oportunidades, tanto pro- 14 REFERÊNCIAS ASSIS, M. Joaquim Maria. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006. v. 3. FLETCHER, P. & RIBEIRO, S. C. Modeling Education System Performance with demography data: an introduction to the Profluxo model. Paris: Unesco, 1989. FORQUIN, J. Sociologia da Educação. Petrópolis: Vozes, 1993. KLEIN, R. RIBEIRO, S. C. O Censo Educacional e o Modelo de Fluxo: o problema da repetência. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 52, n. 197/198, p. 1 – 123, 1991 RIBEIRO, S. C. A pedagogia da repetência. Estudos Avançados. 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Acesso em 09/06/2013. 15 texto 2 A escola e os territórios vulneráveis das grandes cidades Antônio Augusto Gomes Batista1 Frederica Padilha2 Hamilton H. de Carvalho-Silva3 Luciana Alves4 Vanda Ribeiro5 No Brasil e em outros países, as gran- As escolas localizadas nesses territórios des cidades, apesar de ricas, econômica e cultu- têm números do Indicador de Desenvolvimento ralmente, apresentam indicadores de qualidade da Educação Básica (Ideb) mais baixos que os educacional mais baixos do que as cidades mé- das escolas localizadas nas áreas mais centrais dias. A explicação para isso se encontra na for- das metrópoles. Tais áreas são também aque- te segregação espacial e social que ocorre nas les que possuem os indicadores mais altos de metrópoles, que concentram, em geral, gran- vulnerabilidade social (CARVALHO; LACERDA, des grupos de sua população em bairros afas- 2010). São as regiões que mais expõem as fa- tados e isolados dos centros. Nesses bairros, mílias a riscos. Numa cidade como São Paulo, as famílias costumam ter menores chances de por exemplo, a localização da moradia em bair- acesso ao trabalho, a equipamentos públicos, ros localizados na extrema periferia, somada às serviços de saúde, à segurança e cultura, bem dificuldades de mobilidade urbana, torna mais como à educação – enfim, aos direitos básicos. difícil o acesso a emprego, ao atendimento em Além disso, elas tendem a ser estigmatizadas grandes hospitais ou mesmo a bens. São tam- pelo local de moradia, associado a um conjunto bém lugares de ocupação mais recente, ainda de significados negativos, como a ausência de não urbanizados e nos quais as condições de ‘cultura’, o tráfico, a incivilidade, o rompimen- moradia são precárias, que não contam, mui- to com a coesão social e com a lei, etc. tas vezes, com sistemas de tratamento de 1 Professor do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG e bolsista do CNPq. 2 Mestre em Economia Internacional e Desenvolvimento pela Université Paris Dauphine e pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisa em Educação e Ação Comunitária. 3 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. 4 Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). 5 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP. 16 água, adequada iluminação e esgotos. Soma- Buscamos responder a essas pergun- -se a tudo isso a própria vulnerabilidade das tas, primeiramente, movidos por uma fina- famílias, que é relacionada, entre outros fa- lidade prática: quando se conhece melhor tores, à renda, à saúde, à idade, ao trabalho a realidade das escolas localizadas em con- infantil, à violência doméstica e ao nível de textos vulneráveis, podem ser estabelecidas escolaridade. diretrizes para políticas públicas e para a ação da comunidade Há, assim, uma relação entre indicadores baixos educacio- nais – que, mesmo que de modo incompleto, sinalizam a baixa qualidade da educação – e os territórios vulneráveis. Para alguns, essa relação explicaria indicadores os educacio- nais insatisfatórios das grandes metrópoles, pois, apesar de sua ri- Quando se conhece melhor a realidade das escolas localizadas em contextos vulneráveis, podem ser estabelecidas diretrizes para políticas públicas e para a ação da comunidade escolar e da sociedade civil para modificar essa realidade. escolar e da sociedade civil para modificar essa realidade. Esse conhecimento, com certeza, mostra parte dos limites enfrentados por essas escolas, mas aponta também para possibilidades e potencialidades: aponta para a mudança. Buscamos ainda explorar um campo teórico. Trata-se do conjunto de es- queza, elas, ao mesmo tudos que se volta, na tempo, concentrariam área de investigações em áreas vulneráveis e sobre as desigualdades isoladas parte expressiva de sua população educacionais, para o chamado “efeito de escolar. Compreender essa relação entre es- território” ou de “vizinhança”. A expressão colas e territórios vulneráveis, em grandes designa o impacto do local de residência e metrópoles, foi o objetivo da pesquisa que das características sociais de sua população apresentamos aqui. Ela buscou responder a sobre a trajetória social e escolar de seus duas perguntas: (i) A vulnerabilidade social habitantes. A expressão designa também, do território ou da vizinhança da escola in- como foi no caso da pesquisa, o impacto do fluencia, de fato, sua qualidade? (ii) Se sim, território sobre as oportunidades educacio- essa influência se realiza de que modo, por nais oferecidas pela escola nele localizada6. meio de quais mecanismos? 6 Ver, a respeito, especialmente: BOURDIEU (1997), MALOUTAS (2011), TORRES; FERREIRA; GOMES (2005) e ÉRNICA; BATISTA (2012) 17 COMO A PESQUISA FOI REALIZADA? de que modo, por meio de quais mecanismos? Ambas permitiram, assim, responder A investigação foi realizada em duas etapas principais, acrescida de uma segunda à indagação: por meio de que mecanismos o efeito de território é construído? fase, complementar. Uma primeira etapa, de pesquisa quantitativa, analisou dados de Posteriormente, realizaram-se, de todas as escolas públicas da subprefeitura modo complementar, duas investigações de São Miguel Paulista, localizada na extre- exploratórias para examinar, de modo mais ma Zona Leste de São Paulo7. Em um segun- detido, aspectos das conclusões da pesqui- do momento, uma etapa qualitativa anali- sa. A primeira delas foi sobre processos de sou dados do cotidiano de cinco escolas da seleção de alunos à margem da legislação, subprefeitura, bem como as relações de um por meio de entrevistas com secretários de grupo de doze mães, moradoras de um ter- escolas públicas. A segunda teve como re- ritório vulnerável, com a escolarização de corte as relações entre aspectos socioespa- seus filhos. ciais e a escolha de escolas por professores em concursos de remoção. Para essa última A primeira etapa – a quantitativa – investigação, foram utilizados, de modo permitiu responder à primeira pergunta: a central, dados do Diário Oficial da Prefeitura vulnerabilidade social do território da vizi- do Município de São Paulo8. nhança da escola influencia sua qualidade? Ou, dizendo em outros termos, observa-se um “efeito do território” vulnerável, limi- AS PRINCIPAIS CONCLUSÕES DA PESQUISA tando as oportunidades educacionais oferecidas pelas escolas nele localizadas? A análise dos dados permite afirmar que se verifica, de fato, um efeito do territó Tanto a primeira quanto a segunda rio vulnerável, limitando as oportunidades etapa – a quantitativa e a qualitativa – permi- educacionais oferecidas pelas escolas nele tiram responder à segunda pergunta da pes- localizadas. O que mostra esse efeito do ter- quisa: essa influência do território se realiza ritório? 7 Esses dados dizem respeito: i) à vulnerabilidade do entorno da escola, medida pelo Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS); ii) às características dos alunos, tendo em vista seus recursos culturais familiares, medida a partir de um conjunto de indicadores, como escolaridade da mãe, obtidos por meio do questionário da Prova Brasil; iii) à maior ou menor heterogeneidade do corpo discente dos alunos, tendo em vista seus recursos culturais familiares, medida por um construto chamado IH, ou Índice de Heterogeneidade; esse construto nos permitiu saber se determinada escola recebe alunos homogêneos ou heterogêneos do ponto de vista cultural e se essa concentração é de estudantes com maiores ou menores recursos culturais familiares; iv) ao Ideb das escolas; e v) às notas de seus alunos na Prova Brasil. 8 Para os resultados das diferentes etapas da pesquisa, ver ÉRNICA; BATISTA (2012); CARVALHO-SILVA (2012); CARVALHO-SILVA; BATISTA; ALVES (2012); ALVES; BATISTA (2012); ALVES; BATISTA; ÉRNICA (2012); ALVES et al. (2013). 18 Com poucas exceções, as escolas lo- Nesse sentido, estudantes com calizadas nos territórios de alta vulnerabili- maiores recursos culturais também pioram dade social tendem a ter um Ideb expressi- seu desempenho na Prova Brasil quando es- vamente mais baixo. As que se localizam em tudam em escolas cuja vizinhança é mais vizinhanças não vulneráveis tendem a ter vulnerável e melhoram quando seu entorno um Ideb expressivamente mais alto. A evi- é menos vulnerável. dência mais importante, porém, do efeito do território, é apontada pelos gráficos 1 e 2. A Gráfico 2: Vulnerabilidade social do entorno literatura sociológica mostra que os recursos da escola e nível de proficiência em leitura culturais familiares dos alunos, como o nível dos alunos de 4a série com mais altos recur- de escolaridade dos pais, por exemplo, são sos culturais familiares na Prova Brasil –2007 um dos mais fortes fatores que influenciam seu desempenho escolar. Nossa pesquisa, porém, mostrou que o peso dos recursos culturais familiares tende a ser reduzido pela localização da escola, de forma que estudantes com menores recursos culturais familiares melhoram seu desempenho na Prova Brasil 19 quando estudam em escolas cujo entorno é menos vulnerável e pioram quando seu en- Fonte: Fundação Seade (2004); Inep (2007a; 2007b). torno é mais vulnerável: Com certeza, os dados evidenciam Gráfico 1: Vulnerabilidade social do entorno as limitações das escolas que estão locali- da escola e nível de proficiência em leitura, zadas em territórios de alta vulnerabilidade dos alunos de 4a série, com baixos recursos social. Ao mesmo tempo, porém, eles desfa- culturais familiares, na Prova Brasil – 2007 zem um mito. Trata-se da ideia de que crianças de meios desfavorecidos não reúnem as condições necessárias para aprender, seja por que viriam de “famílias desestruturadas”, seja porque não teriam um bom acompanhamento em casa, seja ainda, porque não teriam interesse, ou os recursos culturais necessários para uma escolarização de sucesso. Os dados mostram que, quando Fonte: Fundação Seade (2004); Inep ( 2007a; 2007b). lhes são dadas condições mais adequadas, as crianças de meios desfavorecidos, com baixos recursos culturais, aprendem tanto exemplo, e termina por encontrar fortes di- quanto as demais. Eles evidenciam, assim, ficuldades para realizar suas tarefas especí- que todas as crianças são capazes de apren- ficas: educar e ensinar. A título de exemplo, der e que a escola é capaz de ensinar a to- apresentamos abaixo o relato de uma situa- dos, independentemente da origem social e ção testemunhada por nós em uma de nos- da bagagem cultural com que os estudantes sas experiências presenciais junto a escolas chegam à escola. Esse é um achado muito com essas características: importante da pesquisa, pois, com certeza, apesar de mostrar limites, mostra também Uma as potencialidades da escola. Tenho uma reunião com a diretora. manhã com uma diretora Antes de entrarmos para sua sala, ela QUE MECANISMOS PRODUZEM O EFEITO DE TERRITÓRIO? encontra os pais de uma aluna, a quem manda buscar. A menina está com uma espécie de grande quisto no rosto. Os A segunda pergunta que a pesquisa se propôs a responder diz respeito aos mecanismos sociais e escolares que produzem o efeito de território. É que o simples fato de se localizar num território vulnerável não afeta, por si só, a escola, como num passe de mágica. Algo se passa para que a vulnerabilidade do território afete a escola. Como e por pais não conseguiam marcar atendimento e cirurgia. A menina estava sendo alvo de zombaria dos colegas. A diretora e a coordenadora conseguem marcar intervenção cirúrgica para aquele dia. Os pais tinham ido buscá-la para isso. A diretora nos explica depois o quanto isso é comum e como, obrigatoriamente, os postos de saúde têm de atender crianças que ocorre esse efeito? Os dados mostraram encaminhadas pela escola, muitas mães cinco mecanismos atuando na produção do mandam os filhos doentes para a escola, mesmo: pedindo que sejam enviados para atendimento. Caso fossem levados pelas fa- 1. A escola está isolada no território. A es- mílias, o atendimento demoraria muito. cola é um dos poucos, senão o único, equipamento da área social presente nos terri- 2. A matrícula na Educação Infantil tende a tórios de mais alta vulnerabilidade. Tende a ser reduzida nos territórios vulneráveis. No ser, por isso, tomada como o equipamento período da pesquisa, a oferta da matrícula público de referência para a população. A em Educação Infantil, especialmente na Pré- escola acaba, assim, recebendo uma for- -Escola, era fortemente reduzida nos terri- te demanda para a resolução de diferentes problemas da vizinhança, como nas áreas de saúde, segurança, assistência social, por tórios mais vulneráveis. A implicação disso é que os alunos ingressavam no Ensino Fundamental sem familiarização com o universo 20 escolar. Segundo diferentes estudos, a frequ- descimento das normas), identificado pelos ência a uma Educação Infantil de qualidade alunos, ou uma desistência da imposição de tem um grande impacto na alfabetização regras diante da forte resistência do grupo e no aprendizado ao longo dessa etapa da de pares. Ao mesmo tempo, a homogeneida- educação básica (CAMPOS et al, 2011). de do corpo discente, associada à vulnerabilidade do território, favorece a construção 3. As escolas localizadas nos territórios vulne- de estigmas em relação à escola e a seus alu- ráveis têm corpo discente fortemente homo- nos. Esses estigmas e preconceitos são com- gêneo no que diz respeito aos recursos cul- partilhados pelas escolas vizinhas, e, muitas turais familiares. Quando a composição do vezes, pelos próprios educadores que atuam corpo discente de uma escola é muito homo- na escola situada em meio vulnerável e aca- gênea, sendo muito uniforme no que diz res- bam por ser, em certos casos, internalizados peito à posse de recursos culturais familiares pelos estudantes e por suas famílias. afastados daqueles que a escola deve transmitir, a instituição escolar encontra grandes O ESTIGMA E A ESCOLA dificuldades para fazer valer seu modo de organização, bem como para transmitir seus valores e sua cultura. res que desenvolvem trabalhos de formação Segundo o depoimento dos educado- de professores na escola que atende ao terri Isto se explica por um fenômeno tório X (onde moram as mães pesquisadas), social conhecido como “efeito de pares”, as explicações para o fracasso escolar reca- em que o poder coercitivo que o grupo de em sempre sobre os alunos e suas famílias: alunos exerce sobre cada aluno em particu- “são alunos que vêm de famílias desestru- lar, seja sob o ponto de vista cognitivo, seja turadas e muitos são filhos de bandidos”; sob o ponto de vista atitudinal, em aspectos “é só filho de nordestino”. Os educadores como, por exemplo, a disposição, maior ou afirmaram ter presenciado falas extrema- menor, para o estudo, a valorização da aqui- mente desanimadoras dirigidas aos alunos: sição da língua padrão, a leitura de obras “vocês podem desistir porque não vão dar literárias ou o maior ou menor reconheci- em nada!”. mento do professor como uma autoridade ou uma liderança importante. Na maior par- “Vou pra reunião e os professores di- te das escolas pesquisadas, encontrou-se um zem que os pais não vão para reunião. A duplo padrão: de um lado, uma forte resis- professora fala na reunião que as crian- tência dos estudantes às normas escolares ças não parecem crianças, que elas pare- e à sua cultura (muitas delas identificadas cem um monte de animais. Quem vai pra como uma “prisão”); de outro, por parte dos reunião pra ouvir desaforo?” (Mãe 1). educadores, ou um acentuado movimento de reforço a essa característica (via recru- 21 Também pode acontecer a internalização do cursos culturais familiares, as famílias com estigma pelas mães: maiores aspirações educacionais e informações sobre o funcionamento do sistema de [A escola não é] tão ruim quanto as pes- ensino buscam evitar a matrícula de seus soas dizem. Eu pensava que a pior esco- filhos nos estabelecimentos de ensino loca- la era o X [nome da escola]. Todo mundo lizados nos meios mais vulneráveis, utilizan- falava mal. Quando eu conheci a escola, do-se, para isso, na época da pesquisa, de vi que não era tão ruim assim. Ela é um seu capital de relações sociais. As escolas pouco desorganizada, mas tem professor em posição de vantagem, por sua vez, ten- bom. O problema são os jovens.” (Mãe 3). dem a evitar, mesmo após a instituição da compatibilização automática da matrícu- 4. As escolas situadas nos territórios mais la, alunos que consideram inadequados a vulneráveis tendem a estar, na concorrência suas expectativas, seja negando a matrícula por profissionais e alunos, em desvantagem quando solicitada, seja realizando processos frente a escolas vizinhas. Embora isoladas de transferência compulsória, sem necessa- nos territórios, as escolas vizinhas mantêm riamente assegurar a vaga do aluno numa relações umas com as outras, especialmen- escola vizinha. te de concorrência por melhores condições de gestão, mesmo que de forma não delibe- A externalização de alunos por meio rada e intencional. As escolas situadas em da seleção e da “expulsão” foi tema dos de- regiões menos vulneráveis estão em posição poimentos de secretárias. Quando indaga- de vantagem, atraindo profissionais com das sobre se aceitam a matrícula de alunos maior experiência e condições de trabalho. de um determinado bairro, as secretarias As situadas em territórios mais vulneráveis, respondem: ao contrário, tendem a atrair os profissionais em início de carreira ou com contrato “De lá de perto [a escola em que ela tra- precário. Esses profissionais, muitas vezes, balhava] era uma das melhores; tinha es- encaram o período de trabalho nessas esco- cola pior. Era tudo assim de esquina, uns las como um tempo “de passagem”, até que 200-300 metros. Tinha uma da Prefeitura, consigam a remoção para escolas localiza- atrás tinha outra da Prefeitura, na es- das em outras regiões. Por essa razão, essas quina dessa rua tinha outra do Estado, e escolas têm dificuldades para manter um delas ali a melhorzinha era essa onde eu corpo de profissionais estável e mais com- estava. [Pesquisadora: do Estado?] Sim. prometido, a longo prazo, com a melhoria A melhorzinha era essa do Estado. Tinha de suas condições de organização e ensino. essa preterição: quando o aluno veio de tal, tal e tal, veio das três lá e vem cair Dados os problemas advindos da for- te concentração de alunos com menores re- aqui [...]... Daí não tem vaga” (Rita). 22 Sobre o perfil dos alunos “convidados” a se ponder às exigências do modelo de escola retirar da escola, outra secretária responde: existente. Ela passa a enfrentar maiores pro- “Em termos de idade, vai desde o fun- blemas de indisciplina, a ter maiores índices damental até o médio, está bem equili- de absenteísmo docente e discente; maior brado, tem de todas as idades. Em geral, dificuldade para fazer valer os tempos de são alunos que são mais carentes, tem aula, de organização didática e de trabalho muita favela na região e em geral são coletivo. Ao mesmo tempo, não se coloca em mais carentes, a situação familiar… é... questionamento o modelo escolar tradicio- Não existe aquela família pai-mãe-filho, nal: pressupõe-se que os alunos sejam iguais é padrasto, madrasta, só pai, só mãe, a aos de qualquer escola, que vivam num bair- mãe foi embora ou o pai foi embora, o ro com todos os serviços sociais implanta- pai está preso…” (Luana). dos, que tiveram acesso à pré-escola, que a matrícula pode seguir os mesmos princípios Ocorre assim, tendo em vista os pro- para o restante da rede, formando escolas fissionais ou os alunos com o perfil desejado, fortemente homogêneas. Tudo isso explica um processo de externalização-decantação: a razão por que os indicadores de qualidade as escolas em posição de vantagem buscam educacional dessas escolas se tornam mais externalizar os “problemas” que dificultam o baixos. Trata-se de uma construção social, bom andamento de sua gestão para escolas que precisa ser desfeita. que “decantam” esses problemas; a boa gestão de uma escola é, assim, assegurada, por meio da diminuição dos desafios de gestão. 23 COISAS POR QUE LUTAR: ALGUMAS LIÇÕES APRENDIDAS COM A PESQUISA sa Com a pesquiaprendemos que o efeito de território não pode ser visto como algo circunscrito ou limitado à relação entre a escola e o território e a população que o habita. Não pode ser pensado como 5. Todos os mecanismos anteriores levam a uma suposta “degradação” da escola por sua escola localizada nos territórios vulneráveis vizinhança ou entorno, conclusão que já ou- a apresentar grandes dificuldades para res- vimos de outras pessoas ao apresentarmos e discutirmos esta pesquisa. Como esperamos que leva em conta os territórios prejudica forte- ter mostrado, o efeito de território decorre de mente as escolas de meios vulneráveis. Trata-se dois fenômenos relacionados. da setorização da matrícula, por meio da qual se Primeiramente, de uma desigual dis- tribuição de bens e de acesso a direitos: a escola está isolada nos territórios vulneráveis, assim como a população a que atende, porque outros equipamentos sociais e porque as matrículas em Educação Infantil estão concentradas em áreas mais ricas. As escolas possuem um corpo discente muito homogêneo do ponto de vista dos recursos culturais mais designa a matrícula de cada criança pelo local de moradia. É ela o elo que liga segregação socioespacial e segregação escolar, acabando por criar verdadeiras escolas de gueto, aquelas que, para as escolas vizinhas e localizadas em meios menos vulneráveis, são chamadas de “escolas depósito”, espaço dos alunos “impossíveis” e de uma educação “difícil”. Em suma, concretizam-se como verdadeiras formas de exclusão. baixos – isto é, há uma segregação escolar – porque estão situadas em um território fruto para orientação de diretrizes para políticas pú- da segregação de um grupo social em deter- blicas e para a ação da comunidade escolar e minado espaço afastado e isolado. Em síntese: da sociedade civil para modificar essa realida- o efeito do território é, na verdade, resultante de. As que nos parecem mais importantes são: das acentuadas desigualdades socioespaciais que caracterizam as metrópoles e da segregação socioespacial e dos estigmas que ela gera. Seria mais adequado dizer, assim, que se trata, A pesquisa também buscou elementos 1. As escolas em territórios de alta vulnerabilidade demandam políticas focalizadas em razão das especificidades de seus desafios. não de um efeito de território, mas de um efei- 2. As políticas educacionais necessitam ser to das desigualdades socioespaciais. pensadas de modo integrado com o conjunto O segundo fenômeno que entrelaça a vulnerabilidade do território às limitações das oportunidades educacionais está relacionado à própria escola e às relações de interdependên- das políticas da área social no território, assumindo uma natureza intersetorial. Uma das formas interessantes para realizar essa integração na escola é a educação integral. cia que as unidades escolares mantêm entre si, 3. As intervenções precisam levar em conta as no território. No plano da gestão, as políticas relações de interdependência entre as escolas, educacionais se voltam para a administração da fortalecendo as relações de cooperação entre es- unidade ou para a rede, desconsiderando essas tabelecimentos de ensino próximos. A setoriza- relações de interdependência territorial. Como ção da matrícula é uma importante alternativa pudemos apreender, são relações fortemente à livre escolha de estabelecimentos de ensino, competitivas, que visam atrair alunos “me- mas ela deve propiciar a criação de escolas mais lhores” e criar condições mais adequadas para heterogêneas, evitando a segregação escolar. garantir profissionais com maior experiência. Como também pudemos apreender, isto se dá 4. As escolas em meios vulneráveis precisam às custas daquelas escolas que, localizadas em de uma organização tal que permita o aten- meios mais vulneráveis, estão em desvantagem dimento do seu público real em vez de pres- nessa competição. A única regulação das redes supor um público idealizado. 24 REFERÊNCIAS ALVES, Luciana; BATISTA, Antônio Augusto Gomes; ÉRNICA, Maurício. Processos velados de seleção e evitação de alunos em escolas públicas. Informes de Pesquisa, São Paulo: Cenpec, n. 7, 2012. 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Reconheceu ainda proces- populares tiveram participação importante sos históricos de grupos específicos e bus- no surgimento de legislações e documentos cou constituir princípios para transformar que buscam garantir uma vida digna aos su- as situações de exclusão nas quais estes por- jeitos. No século XX, a Declaração dos Direi- ventura se encontrem. Em seu texto, o do- tos das Crianças (DDC) - proclamada em 1959 cumento reconhece, como direitos sociais, a (BRASIL, 2011a) - e a Convenção sobre os Di- educação, a saúde, a alimentação, o traba- reitos da Criança (CDC) - ratificada pelo Bra- lho, a moradia, o lazer, a segurança, a previ- sil em 1990 (BRASIL, 2011b) - marcaram um dência social, a proteção à maternidade e à novo rumo para as políticas públicas com infância, e a assistência aos desamparados. foco na infância. Igualmente, a Lei 8.069-90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do No âmbito das discussões sobre edu- Adolescente (ECA) e que regulamenta o arti- cação, essas legislações contribuíram para o go 227 da Constituição Federal, tem por base fortalecimento da universalização do acesso a proteção integral dos direitos da criança e à escola, de forma que, como lembra Castro do adolescente (BRASIL, 2011c). “se 16% das crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola em 1988, esse índice caiu para No Brasil, o impulso para uma agen- 4% uma década depois” (CASTRO, 2010, p. 11). da em torno dos direitos humanos se inten- Atualmente, ainda que este acesso universal sificou com a promulgação da Constituição tenha sido alcançado nos últimos anos do Federal de 1988. A Carta Magna reafirmou o Ensino Fundamental (em torno de 97%), há 1 Doutora em Antropologia (Universidade de Brasília). Professora substituta na Universidade Federal do Paraná. 2 Mestre em Psicologia – Universidade Católica de Brasília. Professora alfabetizadora – Secretaria de Educação do DF. Colaboradora em cursos e assessorias na formação de professores alfabetizadores junto ao Grupo de Estudos sobre Educação Metodologia de Pesquisa e Ação – Geempa. 27 muito que se fazer quanto à evasão, ao aban- dá pelo olhar que fisga, que provoca, que dire- dono, à repetência, à reprovação e aos altos ciona, que instaura uma cumplicidade. Desta índices de analfabetismo que ainda encontra- forma, esse contato impulsiona o sujeito em mos na sociedade brasileira . suas conquistas e construções. 3 Assim, temos o desafio de fazer valer Estar engajado na perspectiva de ga- os direitos instituídos às crianças e aos ado- rantir a aprendizagem de todos e todas tem lescentes no que diz respeito à sua aprendiza- como alicerce uma postura profissional, res- gem e à nossa caminhada rumo a uma educa- ponsável, ética e sustentada no desejo, com- ção de qualidade para todos. Em vista disso, a prometida com a humanização a ponto de produção de saberes no contexto escolar deve transgredir e romper com seus próprios limi- permitir aos sujeitos cognoscentes ocupar um tes, com a clareza de que todos têm potencial lugar no mundo e caminhar sozinhos, com o para aprender. Nesse sentido, este texto é um sentimento de pertencimento instaurado - convite para pensarmos a escola como um es- sentimento de que se apropriam ao construir paço de conhecimento – não apenas do saber conhecimento na interlocução com o outro instituído – mas de convivência entre sujeitos (VIGOTSKI, 2000) em um espaço de convivên- e suas experiências, na perspectiva de que a cia construída ao longo do ano letivo. aprendizagem é um fenômeno social. Por isso ela é um espaço que oportuniza a interlocu- Nosso desejo, neste texto, é sugerir ção sociocultural, pois, como nos diz Grossi que a escola, como um espaço que instrui, (1995, p. 17) “o conhecimento é essencialmen- também seja um espaço para a vida, que te social e socializante”. emancipa. Nesse sentido, ela oportuniza relações de diversas perspectivas, pois no campo das produções de saberes, os atores dessa cena estão em constante relação consigo, A APRENDIZAGEM E AS ESCOLAS EM CONTEXTO DE VULNERABILIDADE SOCIAL com o outro, com o saber e com o mundo, em um diálogo que permite uma elaboração conjunta. O desconhecimento “exerce a fun- que vivem em contextos de vulnerabilidade ção de membrana entre o conhecimento e o social encontram maiores dificuldades em desejo” (PAIN, 1999, p. 11) e pensar a produção permanecer nas escolas. Nas nossas trajetó- de saberes na escola implica o contato que se rias como professoras e pesquisadoras, e em No Brasil, alunos e alunas de famílias 3 No que diz respeito a este último aspecto, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – dados de 2010), ainda existem 14,5% de analfabetos na faixa etária acima de 10 anos. Quanto à alfabetização nos 2º e 3º anos do Ensino Fundamental, o Brasil alcançou, em 2011, percentuais de 53,3% na escrita, 56,1% na leitura e 42,8% na matemática. Sabemos ainda que apenas 63,4% dos jovens brasileiros de 16 anos concluíram o Ensino Fundamental no ano de 2010 e 50,2% na faixa etária de 19 anos concluíram o Ensino Médio. Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-no-brasil/numeros-dobrasil/brasil/ Acesso em: 21 de abril de 2012. 28 cursos de formação de professores, ouvimos É sobre esse segundo aspecto – a diversas considerações sobre estas dificulda- nossa leitura que leva à construção dos es- des e sobre como elas se constituem como tereótipos sobre crianças, adolescentes e um empecilho para a garantia do direito à suas famílias - que pensamos ser importan- aprendizagem de crianças e adolescentes. te refletir quando enfatizamos a importân- Dentre uma lista de aspectos que são asso- cia de conhecer a realidade de onde provêm ciados à não aprendizagem, encontramos al- nossos alunos e alunas. Lidar com as situa- guns relacionados diretamente às situações ções que surgem fora da escola, mas que in- de pobreza compartilhadas por alunos e suas gressam nela juntamente com os discentes, famílias. Nesse sentido, a fome, a desnutri- pode ser um ganho para a aprendizagem, na ção, a “sujeira”, as condições de infraestrutu- medida em que permite discutir e adequar ra do local onde os alunos vivem, a violência nossos planejamentos e nossos currículos. A e o que tem sido costumeiramente chamado partir da possibilidade de conhecer nossos de “famílias desestruturadas” são apontados alunos, questionamos também a nossa liga- como empecilhos para a perspectiva de que ção e o nosso envolvimento com o mundo todos podem aprender. e com suas construções, pensamos e nos apropriamos da nossa história, provocamos Diversos pesquisadores e professores, a reflexão e a reconstrução do espaço do em suas práticas profissionais, têm questio- aprendizado para que haja apropriação do nado a afirmação de que estes elementos im- saber. Nesse sentido, conhecer nossos alu- possibilitam a aprendizagem . Evidentemente, nos (e a partir deles, suas famílias, seus bair- eles percebem que as condições de vida ligadas ros, seus cotidianos), e, assim, desconstruir à pobreza são sérias e impactam no cotidiano. nossos estereótipos, é também conhecer a Entretanto, sugerem que, quando elegemos nós mesmos e nossa forma de entender nos- essas razões explicativas, acabamos por ende- so papel como professores e pesquisadores. reçar aos próprios sujeitos a responsabilidade Igualmente, permite-nos pensar a função da da não aprendizagem. Ou seja, se por um lado, educação e da escola em contextos de vulne- reconhecemos as condições de privação mate- rabilidade social, uma vez que todos têm po- rial que configuram a desigualdade social no tencial para aprender, cabendo assim ações Brasil, por outro, fazemos uma leitura moral, didáticas e pedagógicas de qualidade que vão de transferência de responsabilidades e de jul- ao encontro do processo de cada estudante. 4 gamento de valor sobre esses alunos. 4 Ver, por exemplo, a edição da Série do Salto para o Futuro sobre Vulnerabilidade e Educação, veiculada em 2010. Disponível em: http://tvescola.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=742:salto-para-ofuturo-serie-vulnerabilidade-social-e-educacao&catid=71:destaque 29 A ESCOLA E O DESEJO DOS/AS ALUNOS/AS dos alunos e alunas pesquisados. Neste sentido, elas contrapunham a noção compartilhada pelo senso comum que preconizava que este público não tinha interesse na escola. A Há alguns anos atrás, conhecemos o pesquisa foi, neste sentido, um locus de escurelato de uma pesquisa sobre alunos e alunas ta e de conhecer os/as alunos/as, possibilitande escola pública, que, do um espaço em que eles devido a sua condição podiam falar por eles/as de vulnerabilidade soQuando a escola se mesmos/as e assim, aprecial, eram beneficiásentar sua própria comconstrói como um rios de um programa preensão de mundo. local que congrega os social de transferência de renda5. Para conhedesejos dos alunos e dos A escola, caracterizacer e conversar com professores, se torna um da como um microcosmo esses/as alunos/as, no da sociedade, espaço de espaço de produção, onde âmbito da pesquisa, diversidade e de diferenforam visitadas esa história surge articulada ça, é um lugar privilegiacolas em todo o país. às aprendizagens que do para o conhecimento Recorrentemente, os - em seus mais diversos rompem com as profecias pesquisadores ouviam sentidos, desde o saber histórias sobre como de fracasso, inserindo instituído até a possibias crianças e os adoos sujeitos no mundo lidade de descortinar os lescentes de classes sentidos que os próprios letrado e garantindo a sociais baixas não tisujeitos concedem às nham desejo de aprenaprendizagem de todos. suas experiências. Essas der e não possuíam possibilidades de conheplanos para o futuro. cimento podem nos disPara ouvir a opinião tanciar daquelas explicações simplistas que de um grupo de alunos, foi desenvolvido um conjecturam razões para o não aprendizado instrumento de coleta de dados que consistia de crianças e adolescentes (e tendem a resem uma ficha de frases, que eram completaponsabilizá-las, junto com suas famílias, por das pelas crianças e adolescentes. A última isso). Quando a escola se constrói como um pergunta questionava os alunos sobre seus local que congrega os desejos dos alunos e desejos para o futuro. As respostas esboçadas dos professores, se torna um espaço de proforam as mais diversas e remeteram a desejos dução, onde a história surge articulada às de ser professor(a), advogado (a), jogador(a) aprendizagens que rompem com as profecias de futebol, astronauta. de fracasso, inserindo os sujeitos no mundo letrado e garantindo a aprendizagem de todos O interessante das respostas é que por meio de ações pautadas na força criativa muitas delas traziam consigo uma leitura da do desejo que ultrapassa aquilo que se apreimportância da escola nos projetos de futuro senta como impossível. 4 Entre 2009 e 2010, a SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), por intermédio da DEAVE (Diretoria de Estudos e Acompanhamento das Vulnerabilidades Educacionais) realizou uma série de pesquisas com o intuito de avaliar e melhorar o acompanhamento da frequência de alunos, especialmente dos beneficiários do Programa Bolsa Família, cuja frequência escolar é uma das condicionalidades para o recebimento do benefício. 30 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 57/2008, pelo Decreto nº 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais da Revisão nº 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2009. 512 p. ______. DDC: Declaração dos Direitos das Crianças. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp. br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html>. Acesso em: 14 nov. 2011a. ______. CDC: Convenção sobre os Direitos da Criança. In: BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: lei nº 8.609, de 13 de julho de 1990, e legislação correlata. 8 ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011b. 171 p. _____. ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente: lei nº 8.609, de 13 de julho de 1990, e legislação correlata. 8 ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011c. 171 p. ______. PNE: Plano Nacional de Educação. Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/noticias/12514/mec-divulga-plano-nacional-de-educacao-2011-2020>. Acesso em: 10 mai. 2012. CASTRO, Jane Margareth. Educação e pobreza: provocações ao debate. In: Série Vulnerabilidade Social e Educação – TV Escola. Ano XX, Boletim 19, novembro de 2010, p. 11-14. Disponível no link: http:// www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/11200019-Vulnerabilidade.pdf GROSSI, Esther Pillar. O passo no escuro do aprender: ato solidário de audácia, entrega e prazer. In: Celebração do conhecimento na aprendizagem. GEEMPA 25 anos. Porto Alegre: Sulina, 1995, p. 11-24. PAIN, Sara. A função da ignorância. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1999, 201 p. PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS (PNAD) DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Taxa de analfabetismo. São Paulo, 08 set. 2010. Disponível em: <http:// g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2010/09/taxa-de-analfabetismo-cai-18-em-cinco-anos-no-brasil-mostra-pnad.html>. Acesso em: 10 mai. 2011. VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. BEZERRA, Paulo (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2000. 500 p. 31 Presidência da República Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO Supervisão Pedagógica Rosa Helena Mendonça Acompanhamento pedagógico Soraia Bruno Coordenação de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej Fernanda Braga Copidesque e Revisão Milena Campos Eich Diagramação e Editoração Bruno Nin Valeska Mendes Consultora especialmente convidada Martina Ahlert E-mail: [email protected] Home page: www.tvbrasil.org.br/salto Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro. CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ) NOVEMBRO 2013 32