Ética na História Antiguidade: ética grega Sócrates: a pergunta pela essência do bem A preocupação com os problemas éticos teve início de forma mais sistematizada na época de Sócrates, filósofo também conhecido como "o pai da moral". Vejamos o que disseram os principais filósofos gregos desse período sobre essa questão: Os solistas afirmavam que não existem normas e verdades universalmente válidas. Tinham, portanto, uma concepção ética relativista ou subjetivista. Ao contrário dos sofistas, Sócrates sustentou a existência de um saber universalmente válido, que decorre do conhecimento da essência humana, a partir da qual se pode conceber a fundamentação de uma moral universal, E o que e essencial no ser humano? Sua alma racional. O ser humano e, essencialmente, razão. E é na razão que se devem, portanto, fundamentar as normas e costumes morais. Por isso, dizemos que a ética socrática é racionalista. O indivíduo que age conforme a razão age corretamente. Platão: o corpo é uma prisão da alma Desenvolveu o racionalismo ético iniciado por Sócrates, aprofundando a diferença entre corpo e alma. Argumentava que o corpo, por ser a sede dos desejos e paixões, muitas vezes desvia o indivíduo de seu caminho para o bem. Assim, defendeu a necessidade de purificação do mundo material para alcançar a ideia do bem. Segundo Platão, o ser humano não consegue caminhar em busca da perfeição agindo sozinho. Necessita, portanto, da sociedade, da polis. No plano ético, o indivíduo bom ê também o bom cidadão. Aristóteles: Ética do equilíbrio Aristóteles também desenvolveu uma reflexão ética racionalista, mas sem o dualismo corpo-alma platónico. Procurou construir uma ética mais realista, mais próxima do individuo concreto. Para tanto, perguntou-se sobre o fim último do ser humano. Para o que tendemos? E respondeu: para a felicidade. Todos nós buscamos a felicidade. E o que entende Aristóteles por felicidade? Para o filósofo, a felicidade não se confunde com o simples prazer, o prazer das sensações ou o prazer proporcionado pela riqueza e pelo conforto material. A felicidade maior se encontraria na vida teórica, que o que promove o que há de mais especificamente humano: a razão. O individuo que se desenvolve no plano teórico, contemplativo, pode compreender a essência da felicidade e realizá-la de forma consciente. Mas isso seria privilégio de uma minoria. Segundo o filósofo, a pessoa comum, aquela que não pode se dedicar a atividade teórica, aprenderia a agir corretamente pela virtude. Assim, agir corretamente seria praticar as virtudes. E o que seria a virtude? Em sua obra Ética Nicômaco, Aristóteles explica: “A excelência moral [virtude moral], então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio-termo determinado pela razão. Trata-se de um estado intermediário, porque nas varias formas de deficiência moral há falta ou excesso do que é conveniente tanto nas emoções quanto nas ações, enquanto a excelência moral encontra e prefere o meio-termo.” A coragem, por exemplo, seria uma virtude situada entre a covardia (a deficiência) e a temeridade (o excesso). Assim, o filósofo propôs uma ética do meio-termo na qual a virtude consistiria em procurar o ponto de equilíbrio entre o excesso e a deficiência. É importante notar que, tanto em Platão como em Aristóteles, a ética estava vinculada à vida política. Aristóteles refere-se mesmo à ética como sendo um ramo da politica, já que a primeira trataria do bemestar individual, enquanto a segunda se voltaria para o bem comum. Idade média: ética cristã Introdução: diferença entre ética cristã e ética grega Submissão da filosofia à teologia: a filosofia era tida como “ancila theologiae”. O fim último do ser humano estava em Deus como fundamento último do bem. Em alguns casos se deixa de lado a ideia de que é pela razão que se alcança a perfeição moral e centrou a busca dessa perfeição no amor a Deus e na boa vontade; Emergência da subjetividade - a ética cristã tratou a moral do ponto de vista estritamente pessoal, como uma relação entre cada individuo e Deus, isolando-o de sua condição social e atribuindo à subjetividade uma importância até então desconhecida. Santo Agostinho: Releitura de Platão para explicar o problema do mal Santo Agostinho (século 111) transformou a ideia de purificação da alma, da filosofia de Platão, na ideia da necessidade de elevação ascética para compreender os desígnios de Deus. Também a ideia da imortalidade da alma, presente em Platão, foi retrabalhada por Agostinho na perspectiva cristã. Mas a ética agostiniana destaca-se por outro conceito. Ao tentar explicar como pode existir o mal se tudo vem de Deus - e Deus é bondade infinita -, Santo Agostinho introduziu a ideia de liberdade como livrearbítrio, isto é, a noção de que cada indivíduo pode escolher livremente entre aproximar-se de Deus ou afastar-se Dele. O afastamento de Deus é que seria o mal, de acordo com o filósofo. Com a noção de livre-arbitrio, de escolha individual, Agostinho acentuou o papel da subjetividade humana nas coisas do mundo. O livre-arbítrio é o meio pelo qual o ser humano realiza sua liberdade, mas, de acordo com a concepção cristã, cada indivíduo pode usá-lo bem ou mal – e é no mau uso que estaria a origem de todo o mal. De outro lado, o conceito de livre-arbítrio esvaziou a noção grega de liberdade como possibilidade de realização plena dos indivíduos em seu meio social. Em outras palavras, diminuiu a importância da dimensão social da liberdade, e esta passou a ter um caráter mais pessoal, subjetivo, individualista. Tomás de Aquino: releitura de Aristóteles para explicar a felicidade Recuperou da ética aristotélica a ideia de felicidade como fim último do ser humano, mas cristianizou essa noção ao identificar Deus como a fonte dessa felicidade. A ética de Tomás de Aquino está articula sobre a ideia de lei natural (jusnaturalismo), uma lei que rege todo o universo. O homem como parte da criação participa a seu modo (livremente) dessa lei. Em toda a ética de S. Tomás de Aquino está presente o direito natural (jusnaturalismo). Existe uma lei eterna ― uma lei que governa todo o universo e que existe na lógica do surgimento desse universo. A lei natural que existe no Homem é um reflexo (ou uma “participação”) dessa lei eterna que rege o universo. Idade Moderna: ética antropocêntrica Introdução No final da idade média essa união entre teologia e filosofia se acentuou ainda mais com a degradação do método medieval, a escolástica, que tinha surgido como uma formalização do método aristotélico. Disputas entre as ordens religiosas sobre questões sem relevância fizeram com que a escolástica perdesse a sua fundamentação filosófica. A teologia parece eclipsar a filosofia. Com o final da Idade Média, marcado pelo Renascimento, há uma retomada do humanismo. No terreno da reflexão ética, esse fato orientou uma nova concepção moral, centrada na autonomia humana. Neste contexto, os filósofos iluministas passam a defender a ideia de que a moral deve ser fundamentada não mais em valores religiosos, e sim naqueles oriundos da compreensão do que é a natureza humana. A concepção mais expressiva do período moderno a respeito da natureza humana é a de uma natureza racional, que encontra em Kant sua formulação mais bem-acabada. Kant: Ética do dever Em seus textos Critica da razão prática e Fundamentação da metafísica dos costumes, o filósofo Immanuel Kant (1724-1804) aponta a razão humana como uma razão legisladora, capaz de elaborar normas universais, uma vez que constitui um predicado universal dos seres humanos. As normas morais teriam, portanto, sua origem na razão. Embora, em Kant, as normas morais devam ser obedecidas como deveres, a noção kantiana de dever confunde-se com a própria noção de liberdade, porque, em seu pensamento, o indivíduo que obedece a uma norma moral atende à liberdade da razão, àquilo que a razão, no uso de sua liberdade, determinou como correto. Dessa forma, a sujeição à norma moral é o reconhecimento de sua legalidade, conferida pelos próprios indivíduos racionais. Kant reforça essa ideia ao dizer que um ato só pode ser considerado moral quando praticado de forma autónoma, consciente, e por dever. Com isso, acentua o reconhecimento do dever como uma expressão da racionalidade humana, única fonte legítima da moralidade. A clareza dessa ideia é assim expressa pelo filósofo: “Age apenas segundo uma máxima (um princípio) tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 59). Essa exigência é denominada por Kant de imperativo categórico, ou seja, é uma determinação imperativa que deve ser observada sempre, em toda e qualquer decisão ou ato moral que venhamos a praticar. Em outras palavras, o que o filósofo quer dizer é que ação deve ser tal que possa ser universalizada, ou seja, que possa ser realizada por todos os outros indivíduos sem prejuízo para a humanidade. Se não puder ser universalizada, não será moralmente correta e só acontecerá como exceção, nunca como regra. Vejamos como Kant se expressa a esse respeito: “Se prestarmos atenção ao que se passa em nós mesmos sempre que transgredimos qualquer dever, descobriremos que, na realidade, não queremos que a nossa máxima se torne lei universal, porque isso nos é impossível; o contrário dela é que deve universalmente continuar a ser lei; nós tomamos apenas a liberdade de abrir nela uma exceção para nós (Fundamentação da metafísico dos costumes, p. 63). E por que realizamos atos contrários ao dever e, portanto, contrários à razão? Kant dirá que é porque vontade é também afetada pelas inclinações, e são os desejos, as paixões, os medos, e não apenas pela razão. Por isso afirma que devemos educar a vontade para alcançar a boa vontade, que seria aquela guiada unicamente pela razão. Em resumo, a ética kantiana é uma ética formal ou formalista, pois postula o dever como norma universal, sem se preocupar com a condição individual, em que cada um se encontra diante desse dever. Em outras palavras, Kant nos da a forma geral da ação moralmente correta (o imperativo categórico), mas não diz nada acerca de seu conteúdo, não nos diz o que devemos fazer em cada situação concreta. Idade Contemporânea: ética do indivíduo concreto Introdução A reflexão ética na Idade Contemporânea (séculos XIX e XX) desdobrou-se em uma série de concepções distintas acerca do que seja a moral e sua fundamentação. Seu ponto comum é a recusa de uma fundamentação exterior, transcendental para a moralidade, centrando no indivíduo concreto a origem dos valores e das normas morais. Um dos primeiros passos na formulação de uma ética do individuo concreto foi dado por Hegel, em sua critica ao formalismo de Kant. Hegel: Fundamentação histórico-social Como diversos autores contemporâneos, o filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) questionou o formalismo da ética kantiana. Para ele, ao não levar em consideração a história e a relação do indivíduo com a sociedade, a ética de Kant não apreende os conflitos reais existentes nas decisões morais. Kant teria considerado a moral apenas como uma questão pessoal, íntima e subjetiva, na qual o sujeito tem que se decidir entre suas inclinações (desejos, medos etc.) e sua razão. De acordo com Hegel, portanto, a moralidade assume conteúdos diferenciados ao longo da história das sociedades, e a vontade individual seria apenas um dos elementos da vida ética de uma sociedade em seu conjunto. A moral seria o resultado da relação entre o individuo e o conjunto social. E em cada momento histórico se manifestaria tanto nos códigos normativos como, implicitamente, na cultura e nas instituições sociais. Desse modo. Hegel vinculou a ética à história e à sociedade. Marx: Fundamentação ideológica O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) entendia a moral como uma produção social que atende a determinada demanda da sociedade. E essa demanda deve contribuir para a regulação das relações sociais. Como as relações sociais se transformam ao longo da história, transformam-se também os indivíduos e as moralidades que regulam essas relações. Isso quer dizer que Marx compreende a moral como uma forma de consciência própria a cada momento do desenvolvimento da existência social. Assim, os valores que fundamentam as normas morais derivam da existência social e, portanto, não são absolutos, não valem de forma universal para lodos os indivíduos e para todos os tempos. A liberdade, por exemplo, embora seja um valor universal, leve conteúdos diferenciados ao longo da história. Com base no conceito de liberdade, Marx mostra como os valores morais, que são concebidos em meio a determinada forma de existência social, também refletem essa existência. A liberdade, de acordo com a Declaração dos Direitos do Homem, do final do século XVIII, é o poder que o indivíduo tem de fazer tudo o que não prejudique os direitos dos outros. Na análise do filósofo, esse sentido de liberdade, forjado pela modernidade, reflete a existência de indivíduos isolados, competitivos, ou seja, formados por uma sociabilidade que estimula a competitividade e a concorrência como valores. Assim, a moral seria, para Marx, uma das formas assumidas pela ideologia dominante em sociedade, pois difunde determinados valores que são necessários à manutenção dessa sociedade, É a fundamentação ideológica da moral. Habermas: Ética discursiva Outra busca de respostas e fundamentação para uma ética contemporânea desenvolvesse no campo da análise da linguagem. O filósofo alemão Jurgen Habermas (1929-) é um dos maiores representantes dessa corrente, com sua ética discursiva, ou seja, fundada no diálogo e no consenso entre os sujeitos. O que se buscaria nesse diálogo é a razão que, tendo sido reconhecida pelos participantes do diálogo, sirva como fundamentação última para a ação moral. Como vimos anteriormente (no capítulo 16] conceito de razão em Habermas não ê o mesmo do Iluminismo. Trata-se de uma razão comunicativa que não existe pronta nem acabada, mas que se constrói a partir de uma argumentação que que leva a um entendimento entre os indivíduos. É uma razão interpessoal e não subjetiva; é uma razão processual e não definitiva e acabada. Para que essa argumentação leve a um entendimento real entre os indivíduos é necessário que o diálogo seja um diálogo livre, sem constrangimentos de qualquer ordem, e que o convencimento se dê a partir de argumentos válidos e coerentes. A ética discursiva de Habermas é, portanto, uma aposta na linguagem e na capacidade de entendimento entre as pessoas na busca de uma ética democrática e não autoritária, baseada em valores validados e consensualmente aceitos. A grande questão que permanece em relação a essa proposta ética é quanto às condições de realização de um diálogo livre e igualitário na sociedade hoje, marcada pela desigualdade e pelo constrangimento.