ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS DA NÃO RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR 1. Júlia Santos Nascimento 2. Fernando Reis do Espirito Santo Resumo A ONR vem sendo utilizada em pacientes fora de possibilidades curativas no intuito de evitar a futilidade terapêutica. A contra-indicação da RCP é legalmente e eticamente aceita em alguns casos, porém apresenta como grande geradora de dilemas éticos devido à sua dificuldade na tomada de decisão entre os pacientes, familiares e os médicos. O presente estudo refere-se à uma pesquisa bibliográfica do tipo qualitativa e tem como objetivo evidenciar, a partir da literatura, aspectos éticos e legais da não ressuscitação cardiopulmonar. O resultado alcançado é de que todos os autores dos artigos selecionados contemplam que a decisão de contra indicar a RCP é aceita juridicamente quando o paciente está fora de possibilidades curativas e quando é decidido pelo mesmo e seus familiares. Diante da complexidade do tema abordado e da dificuldade de indicar a ONR, o assunto precisa ser mais discutido e divulgado, principalmente pela enfermagem, que por promover uma assistência integral, conseguem captar melhor o real desejo do paciente. PALAVRAS-CHAVE: Parada cardiopulmonar, ressuscitação cardiopulmonar, aspectos éticos e legais. Abstract The ONR has been used in treating patients outside of possibilities in order to avoid futile therapy. The contraindication of CPR is legally and ethically accepted in some cases, it presents as a major generator of ethical dilemmas due to its difficulty in decision making among patients, families and doctors. This study refers to a type of qualitative research literature and aims to show, from the literature, ethical and legal aspects of non-CPR. The result achieved is that all authors of the articles come from the decision to indicate the CPR is legally accepted when the patient is out of healing possibilities and when it is decided by yourself and your family. Given the complexity of the subject and the difficulty of indicating the ONR, the issue needs to be further discussed and disseminated, particularly in nursing, which promote an integral, can better capture the real desire of the patient. KEY WORDS: Cardiopulmonary arrest, cardiopulmonary resuscitation, ethical and legal aspects. _______________________ 1. Graduada em enfermagem pela Universidade Católica do Salvador e aluna do Curso de Pós - Graduação em Unidade de Terapia Intensiva, Salvador 2011 2. Doutor em educação Puc/SP. Professor da UFBA 2 1 INTRODUÇÃO Apresentação do objeto de estudo. O ambiente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é um dos segmentos dos serviços em saúde em que os profissionais de enfermagem podem desenvolver suas atividades profissionais. A base de ação desses profissionais é o cuidado e suas atividades são exercidas em prol dos pacientes aos quais estão vinculados, desenvolvendo atividades de assistência e que visam o atendimento de suas necessidades em todos os níveis de saúde. Nos anos recentes, o avanço tecnológico e cientifico vem permitindo cada vez mais que os profissionais de saúde realizem escolhas e tomem decisões sobre questões até então de difícil previsibilidade ou de difícil realização, como por exemplo a não realização da ressuscitação cardiopulmonar (RCP) em pacientes em fase terminal. A Ordem de não ressuscitação cardiopulmonar (ONR) visa, principalmente, evitar futilidade terapêutica. É legalmente e eticamente aceita, quando existem evidências claras de que não há beneficio na realização da RCP, como exemplo, em pacientes fora de possibilidade curativas, que são aqueles que estão em curso de uma determinada doença progressiva, avançada e incurável e que são submetidos aos cuidados paliativos. A contra-indicação da RCP apresenta-se como uma das fontes geradoras de dilemas éticos. No contexto brasileiro, comumente, os segmentos mais conservadores se expressam a favor da RCP, através da defesa de que a vida é um bem indispensável. A constituição Federal Brasileira reconhece como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, constituindo como obrigação do Estado garantir e promover a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança. (VENTURA, 2007) O nosso contexto social e jurídico atual está consolidado a noção de que a pessoa, no âmbito de sua autonomia, tem o direito de decidir sobre tudo o que implique na sua própria vida, desde que suas escolhas não afetem diretamente a vida de outros e as liberdades alheias (VENTURA, 2007). 3 O médico, o paciente e os familiares são os protagonistas dessas decisões. O paciente deve ter o direito de poder escolher, entre os tratamentos propostos, aquele que mais se aproxima do ideal para ele, avaliando e sendo esclarecido sobre os riscos e benefícios de cada um. Cabe o médico avaliar o quadro do paciente, no que se refere ao possível estado de irreversibilidade e o prognóstico da doença para contra-indicar manobras de ressuscitação. A enfermagem, que em alguns casos, conseguem captar melhor os desejos dos pacientes do que os médicos, também deve ser chamada para participar do processo. Justificativa Diante da relutância dos profissionais de saúde em sugerir a não indicação da RCP, a autora acredita que o estudo do tema pode esclarecer dúvidas sobre o contexto, pois apresenta a legalidade da não realização deste procedimento e os aspectos doutrinários contemplados pelos autores pesquisados, promovendo um reflexão nestes profissionais, principalmente os da Unidade de Terapia Intensiva que, frequentemente, enfrentam esta situação. Adquirindo conhecimento sobre a presente pesquisa, se torna possível oferecer assistência qualificada com ênfase nas orientações e nos esclarecimentos de dúvidas dos pacientes e familiares. Problema Quais são os aspectos éticos e legais, contemplados pela literatura, da não ressuscitação cardiopulmonar? Objetivo Este estudo tem como objetivo evidenciar, a partir das literaturas, aspectos éticos e legais da não ressuscitação cardiopulmonar em pacientes terminais. Metodologia O presente estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e realizada através de uma pesquisa bibliográfico. 4 A pesquisa bibliográfica trata-se de um levantamento de toda bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações. A bibliografia pertinente oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas, onde os problemas ainda não se cristalizaram suficientemente. (MARCONI; LAKATOS, 2006) Na pesquisa descritiva, os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados, sem que o pesquisador interfira neles. Isto significa que os fenômenos do mundo físico e humano são estudados, mas não manipulado pelo pesquisador. (ANDRADE, 1998) 2 REFERÊNCIAL TEÓRICO 2.1 Ressuscitação cardiopulmonar A Ressuscitação cardiopulmonar (RCP) foi desenvolvida em modelo semelhante ao atual suporte básico de vida (SBV), em 1965, por um jovem oficial médico do exército americano – Charles Augustus Leale, mas as medidas de ressuscitação começaram a ser testadas desde relatos da Bíblia. (ZAGO et al, 1998) A RCP ou SBV inicia-se com a constatação de inconsciência da vítima, por qualquer profissional da área de saúde em ambiente hospitalar ou socorrista em ambiente nãohospitalar, devidamente treinado para execução das primeiras medidas do suporte de vida, que têm como objetivos o suprimento de oxigênio para o cérebro e o coração até a instituição do suporte avançado de vida (SAV) e a reversão da arritmia cardíaca desencadeante da parada cardiorrespiratória (PCR) com a realização de choques elétricos, quando indicado. (ZAGO et al, 1998). Por definição, ressuscitação é o conjunto de medidas terapêuticas utilizadas na recuperação do paciente. Esta palavra se origina do latim resucitatio, onir, do verbo resuscito, are, 5 formado da partícula re, no sentido de renovação e o verbo suscito, are que, entre outras acepções, tem a de despertar, acordar, recobrar os sentidos. Em suas raízes etimológicas, suscito, por sua vez, deriva do verbo cito, ciere, que significa pôr em movimento. Da mesma raiz são os verbos concitar, incitar e excitar. Assim, o sentido principal de ressuscitar é o de restabelecer o movimento, ou seja, a vida, pois a vida é movimento, ao contrário da morte – inércia. (CLEMENTE; SANTOS, 2007). Segundo Torres e Batista (2008), a reanimação cardiopulmonar é o divisor de águas para os outros procedimentos de suporte avançado de vida, que serão mantidos ou iniciados apenas em caso de ressuscitação bem sucedida, ou seja, retorno da circulação espontânea. A RCP também exige contato íntimo da equipe com o paciente (o ajuste de equipamentos e ventilação, diálise ou infusão podem ser feitos nos aparelhos) e muito pouco tempo para tomada de decisões, pois deve ser iniciada imediatamente após constatação da parada cardiorrespiratória. Para esses mesmos autores citados acima, ao contrário de outras intervenções médicas, a RCP é iniciada sem prescrição e a ordem médica é necessária para interrompê-la. O suporte básico de vida deve ser mantido até retorno de circulação e ventilação espontâneas efetivas; exaustão ou perigo para o socorrista; apresentação de ordem de não ressuscitar; lesões incompatíveis com a vida ou transferência para uma unidade de saúde com médico que constate o óbito. Mais de centenas de estudos, dentro e fora dos hospitais, foram realizados subsequentemente. Uma análise cumulativa deles sugere três importantes conclusões. A primeira é que aproximadamente 25 a 50% dos pacientes podem sobreviver logo após uma parada cardiopulmonar, entretanto apenas 5 a 25% desses conseguem recuperar-se ao ponto de receberem alta do hospital. A segunda é que cerca de 2 a 3% dos pacientes ressuscitados acabam com comprometimento neurológico severo e permanente. Por último, os índices maiores de sucesso na RCP ocorrem quando há parada cardiopulmonar na indução da anestesia, infarto agudo do miocárdio e taquiarritmias. Contudo, nos pacientes com falência crônica de órgãos, como rim e fígado, esses índices encontram-se entre 0 a 3%. Especificamente nos casos de câncer, um estudo do Memorial Sloan- kettering Cancer Center demonstrou 10,5% de sobrevida e alta hospitalar após RCP. (URBAN et al, 2001) 2.2 Cuidados Paliativos 6 O conceito de cuidados paliativos (CP) evoluiu ao longo do tempo à medida que esta filosofia de cuidado foi se desenvolvendo em muitas regiões do mundo. Os cuidados paliativos foram definidos tendo como referência não um órgão, idade, tipo de doença ou patologia, mas antes uma avaliação de um provável diagnóstico e em relação às necessidades especiais da pessoa doente e sua família. Tradicionalmente, os cuidados paliativos eram vistos como sendo aplicáveis exclusivamente no momento em que a morte era iminente. Hoje, os cuidados paliativos são oferecidos no estagio inicial do curso de uma determinada doença progressiva, avançada e incurável. (SILVA; REIS; SHRAMM, 2007) Na medicina, dois grandes princípios morais movem à assistência: A preservação da vida e o alívio dos sofrimentos. (SILVA; REIS; SCHRAMM, 2007). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) cuidado paliativo define-se como o cuidado ativo e total dos pacientes cuja enfermidade não responde mais aos tratamentos curativos. Controle da dor, e de outros sintomas entre outros problemas sociais e espirituais são de maior importância. A OMS contempla que o objetivo dos cuidados paliativos é atingir a melhor qualidade de vida possível para os pacientes e suas famílias. Os princípios básicos dos cuidados paliativos, segundo a OMS, são: - A morte é um processo normal; - Não apressar ou retardar a morte; - Promover alívio da dor e outros sintomas incomodativos; - Integrar os aspectos psicológicos, sociais e espirituais de forma mais ativa e criativa possível até a morte; - Oferecer suporte para os familiares durante a doença do paciente e no luto. - Oferecer suporte para que o paciente possa viver da forma mais ativa e criativa possível até a morte. Para Boff (2002 apud CLEMENTE; SANTOS, 2007), o cuidar abrange mais que uma atitude; é uma ocupação, uma preocupação. E, nesse caso, cuidar de pacientes fora de possibilidade de cura é abraçá-lo, e envolvê-lo sim do medo da morte, ou melhor, ter consciência de que ela existe para todos. Porém, nesse momento, o morrer está com o paciente, de quem você é responsável para fazê-lo morrer bem, com dignidade. 7 A atenção na fase final da vida está no atendimento da totalidade do ser, promovendo o bemestar global e a dignidade do doente crônico e terminal, garantido sua possibilidade de viver à sua própria morte e de não ser expropriado do momento final de sua vida. (CLEMENTE; SANTOS, 2007) A prática da assistência em cuidados paliativos se confronta todo o tempo com os aspectos emocionais, psicológicos e espirituais dos profissionais que a praticam, mas particularmente da enfermagem, pois está durante todo o período do plantão junto ao leito do paciente, visto a demanda dos sintomas concorrentes e recorrentes durante a sua internação. Esta situação evoca a necessidade de se discutir e pesquisar sobre questões que dizem respeito à experiência do medo, da dor, da angústia, do sofrimento e da morte, a fim de responder às nossas próprias indagações, aos sentimentos e valores humanos; e de nos preparar, cada vez mais, para lidar com os anseios, as reações e as necessidades do paciente/família. (IDEM) Em CP a valorização está na qualidade da assistência, permeada por atitudes éticas nas decisões de cada tratamento, respeitando o binômio paciente/família em seu sofrimento. O Objetivo maior da assistência em CP não é manter a vida, mas aliviar o sofrimento, respeitando o individuo em sua morte, fomentando uma qualidade de vida. (IDEM). 2.3 Aspectos éticos da ordem de não ressuscitar (ONR) Os anos 80 marcaram a ética profissional médica nos Estados Unidos como uma fase de adaptação a uma progressiva e irreversível participação dos pacientes e familiares nas decisões clínicas. O consentimento informado tornou-se, aos poucos, parte integrante do relacionamento médico-paciente e mesmo uma exigência legal. Nos anos 90 essa autoridade do paciente e de sua família dentro das decisões médicas passou a ser incluída dentro da definição de futilidade terapêutica. Os desejos, valores e crenças do paciente e dos seus familiares deveriam ser analisados juntamente com a situação clínica. A inclusão desses pontos visou proteger a autonomia de cada ser humano em suas decisões e evitar os abusos potenciais de um julgamento unilateral. (URBAN et al, 2001) O paciente deve ter o direito de poder escolher, entre os vários tratamentos propostos, aquele que mais se aproxima do ideal para ele, avaliando e sendo esclarecido sobre os riscos e benefícios de cada um. Mas o limite existe dentro de um valor maior do que a própria 8 liberdade, que é a vida. Também não é aceitável a futilidade terapêutica, pois que fere da mesma forma e diretamente a dignidade humana. Nesse sentido a medicina deve tornar claro, com base científica, os limites entre o tratamento proporcional e o desproporcional. Através dessas informações é que a tomada de decisões deve ser realizada. (IDEM) Seguindo essa visão personalista, a proteção a dignidade humana deve ser o objeto primordial da ética. Se as ONR puderam ser instrumentos para isso e apenas nesses casos, é possível que possam ser empregadas na prática médica. Caso contrário, outros instrumentos alternativos devem ser buscados. (IDEM) Para Pellegrino (2000 apud URBAN et al, 2001), não existe uma justificativa para que seja aplicada a RCP quando esta for categorizada como medida desproporcional. O emprego de esforços desnecessários, de custos muitas vezes elevados e o conseqüente trauma físico e emocional ao paciente e seus entes próximos, é duvidoso e marginal ou sem valor em pacientes que estão em fase terminal de doenças progressivas e fatais, onde não existem mais recursos terapêuticos para a cura ou o aumento da sobrevida. Os médicos não são obrigados a realizar manobras de RCP em pacientes com sinais de morte (rigidez cadavérica, decapitação, decomposição ou livor cadavérico), mesmo quando solicitado por familiares. Outros critérios para não iniciar manobras de RCP são a ordem judicial prévia de não ressuscitação emitida pelo paciente ou pela equipe que o acompanha em comum acordo com familiares; ausência de benefício fisiológico por deterioração das funções vitais apesar do melhor tratamento disponível e neonatos cuja gestação, baixo peso ou anomalias congênitas são associadas à morte precoce. Vale ressaltar que a qualidade de vida presumida após ressuscitação não deve ser critério para interrupção da RCP, já que a lesão cerebral irreversível ou morte cerebral não podem ser precisamente previstas. (TORRES; BATISTA, 2008) A decisão de ressuscitar deve ser dicotômica (do tipo sim ou não) e imediata. Manobras inadequadas e ações lentas ou tardias para mostrar à família ou equipe que tudo foi feito não são justificáveis clinica ou eticamente. Por outro lado os médicos não são obrigados a realizálas nas situações já definidas. Para consenso, a equipe médica pode adotar critérios de certeza do diagnóstico; conduta padronizada da comunidade cientifica em casos semelhantes; legalidade da conduta proposta; respeito á autonomia do médico assistente; desejo do paciente 9 ou representante; norma da instituição de saúde; sentimento emanado da equipe de saúde e expectativa da sociedade, especialmente da comunidade à qual pertence o paciente. Quando existirem dilemas éticos na manutenção do suporte avançado de vida ou em casos em que a parada é uma possibilidade já prevista, podem ainda ser consultados aos Comitês de Bioética, se disponíveis. (TORRES; BATISTA, 2008) A lei estadual 10.241 de 1999 (Lei Covas) dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde – inclusive o de consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos nele realizados. O direito a informação, o consentimento livre e esclarecido e o respeito à escolha da pessoa submetida à assistência, capaz ou incapaz, são largamente destacados nos entendimentos jurídicos que reconhecem o direito á escolha do paciente. Destacam, ainda, que se deve buscar junto com o paciente, o envolvimento da família e/ou de seus responsáveis na tomada de decisões, mesmo que a lei não reconheça expressamente qualquer incapacidade para consentir e autorizar. Essas recomendações visam garantir uma assistência integral e diferenciada à pessoa portadora de doença grave ou em estado terminal, não só pela sua especial condição, bem como pelo fato de que, em algum momento, poderá sofrer limitações concretas para decidir. Nesse sentido, o respeito à escolha do paciente, dependerá não só do conhecimento prévio de suas intenções, como de poder se identificar pessoas de confiança, que possam decidir sobre questões que podem alterar, concretamente, seu modo de vida ou até mesmo abreviá-la. (VENTURA, 2007) A nomeação (legal ou informal) de outra pessoa para a tomada de decisões dessa natureza, ou o estabelecimento de diretrizes antecipadas sobre o tratamento futuro, quando não for possível o paciente tomá-la por si, é legalmente possível, mas deve sempre ser acolhida com as cautelas anteriormente mencionadas, ou seja, à prévia decisão do paciente é relevante e decisiva para a justificação legal da intervenção médica realizada, ou não, bem como a decisão de representante nomeado ou legal deve ser respeitada. Porém, se a equipe de saúde observa que a decisão adotada pelo representante, ou expressa no documento, não condiz com a vontade do paciente e/ou não atende os seus interesses, pode requerer o pronunciamento judicial sobre se deve ou não intervir ou deixar de intervir. (VENTURA, 2007) 10 O médico também pode prestar atendimento à pacientes fora dos recursos atuais de cura, ou terminais. Nessas condições, a RCP só tem a finalidade de postergar a morte, podendo determinar um estado de coma persistente, já que o coração tolera hipóxia por mais tempo que o cérebro. Apesar de ser uma decisão que causa uma angústia em todos que dela participam, oferecer a esses pacientes a opção de não realizar manobras de RCP é conduta amparada moral e eticamente, mesmo não tendo, ainda, aceitação unânime em nosso meio. (TORRES; BATISTA, 2008) As ONR visam primordialmente evitar futilidade terapêutica. Portanto, podem ser aplicadas apenas quando existem evidências claras de que não há beneficio na RCP. Além disso, instituí-las significa esclarecer ao paciente e seus familiares sobre os riscos e benefícios desse procedimento e a decisão tomada, baseada nesse diálogo aberto, deve ser conjunta, proporcional e individualizada. (URBAN et al, 2001) 2.4 Dificuldade para implantação das ONR. Os médicos tem a responsabilidade ética, baseada nos princípios de beneficência e maleficência, de não submeter os pacientes a tratamentos considerados desproporcionais. A grande dificuldade nesse sentido é justamente o conceito de futilidade terapêutica, de estabelecer para cada individuo os limites entre o que é ético e cientificamente adequado e o que é desproporcional. Esses conceitos variam dramaticamente entre os médicos e os pacientes. (URBAN et al, 2001) Os conflitos podem ser divididos em dois grupos. O primeiro se refere aos problemas envolvidos na fase de decisão. Nem sempre há uma concordância entre o paciente e os familiares e até mesmo entre o médico, pacientes e familiares. A maioria dos conflitos nessa fase surge devido a um diálogo realizado de uma e/ou no momento inadequado. A analogia da verdade em medicina, com o uso de um fármaco no tratamento de uma doença, é verdadeira. Ambos devem ser dados na dose e no momento certo para que tenham os melhores resultados. O interesse a ser preservado é sempre o do doente. Em teoria não haveria grandes problemas nessa fase, já que as ONR são medidas que devem ser empregadas apenas em casos onde não existem benefícios científicos claros da RCP. (IDEM) 11 O segundo grupo envolve situações relacionadas ao procedimento. As ONR não são definitivas uma vez que forem instituídas. Devem ser renovadas diariamente, principalmente de acordo com as condições clínicas do paciente. (IDEM) Muitas vezes encontra-se um desconforto por parte do médico em conversar sobre a morte com o paciente e com os familiares. Como a decisão sobre ONR é baseada nesse diálogo, esse idealmente, deve ser aberto e informar de forma mais adequada possível. Os médicos envolvidos nos cuidados desses pacientes devem estar bem preparados para isso, pois há também um risco potencial, que não deve ser negligenciado, de diminuir a esperança dos pacientes, quando esses diálogos não são bem dirigidos. (IDEM) Provavelmente, o maior risco encontrado em instituir esse procedimento seja de aplicá-lo em casos onde existam dúvidas quanto ao seu benefício ou mesmo de generalização e torná-lo um instrumento em nome da liberdade e da autonomia sem limite. Não podem ser esquecidos os princípios éticos fundamentais de respeito á dignidade humana. Se esses valores não forem respeitados, as ONR passam a ser formas desproporcionais de tratamento e eticamente inaceitáveis, podendo abrir prerrogativas até para situações tão extremas como eutanásia e suicídio assistido. (IDEM) Existem alguns casos na prática diária, como exemplo os atendimentos de emergência durante os plantões médicos, onde quem atende geralmente não é o médico do doente, mas um terceiro. O plantonista diante de situações complexas, que não são de sua especialidade e não tendo as informações a respeito do caso naquele momento, deve tomar uma decisão, muitas vezes em questão de minutos, que julgue ser a mais adequada. A falta de informações completas no prontuário, inexperiência e a exigência de um atendimento imediato, formam a tríade de risco para a futilidade terapêutica. Nesses casos, a presença de uma ONR no prontuário do paciente poderia servir como uma orientação importante. (IDEM) Para os mesmos autores, as dificuldades da implantação das ordens de não ressuscitar (ONR) são: - Ausência de conceitos claros sobre o significado de futilidade terapêutica e ONR. - Risco de diminuir a atenção e outras necessidades mínimas do paciente. - Dificuldades dos médicos em conversar sobre a morte com pacientes e familiares. - Ausência de critérios a serem aplicados em pacientes incapazes, sem tutores legais. 12 - Ausência de normas em centro cirúrgico e UTI em relação às ONR. - Diminuir a esperança dos pacientes em relação ao seu tratamento. - Generalização desse instrumento em nome da autonomia sem limites. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelos resultados alcançados, a autora considera que o estudo realizado atingiu o objetivo proposto, existindo, entretanto, alguns aspectos que valem a pena serem ressaltados diante da importância do assunto. O primeiro aspecto que ficou evidenciado nos artigos analisados foi de que a ONR visa primordialmente evitar a futilidade terapêutica e de que deve ser aplicada apenas quando existem evidências claras de que não há beneficio na RCP. Contemplam, também, que ao instituí-la significa esclarecer ao paciente e seus familiares sobre os riscos e benefícios desse procedimento, baseada em um diálogo aberto na qual a decisão tomada deve ser conjunta, proporcional e individualizada. Predominantemente os autores estudados referem que os participantes do processo de decisão devem ser: o paciente, os familiares e o médico. Alguns ressaltam a grande relevância da participação da equipe de enfermagem na tomada de decisão. De acordo com o que os autores referem às principais dificuldades para implantação da ONR são: ausência de conceitos claro de futilidade terapêutica, riscos de minimizar a atenção ao paciente, dificuldade em conversar sobre o assunto com o paciente e familiares, diminuir a esperança e ausência de normas sobre a ONR. Discutir a legitimidade da recusa do suporte avançado de vida nas situações de morte iminente no âmbito da bioética, não é a busca pela unanimidade. Buscam-se princípios que possam nortear as decisões, como o da autonomia e da competência, que regem a relação médico-paciente nos momentos de vida e de morte. A American Heart Association (AHA) descreveu dilemas éticos em ressuscitação cardiopulmonar, que podem ser adaptados a realidade brasileira. O problema é que no Brasil não existe uma legislação específica que proteja o médico na eventual decisão de não 13 ressuscitar ou de abandonar os esforços ressuscitatórios. As discussões nos conselhos de ética já caminham para o desenvolvimento de diretrizes. (TORRES; BATISTA, 2008) Pode-se concluir que ainda restam dúvidas e controvérsias sobre as possibilidades e os limites do livre exercício do direito de não realizar determinada intervenção médica ou de interromper um tratamento, quando esta decisão possa, de alguma forma, influir na abreviação da própria vida. A complexidade da decisão da ONR deve ser conjunta e visando sempre garantir e promover, de forma concreta, a proteção da dignidade da pessoa humana, a responsabilidade e a liberdade de todos os envolvidos. Verifica-se, portanto, que a questão mais difícil não é propriamente identificar quem deve legalmente decidir, mas como decidir de forma a garantir o livre exercício dos direitos reconhecidos, e a proteção dos direitos daqueles que se encontram na condição de fim de vida. O médico deve ter clara a idéia de que os confrontos éticos são inevitáveis e a sua competência é limitada. Os pacientes em que a ONR é confirmada e que estão diante da impossibilidade ou da inexistência de qualquer outra intervenção ou tratamento curativo, necessita de uma assistência de enfermagem especializada e centrada nas necessidades dos pacientes e buscando sempre um atendimento competente e individualizado, objetivando promover ao paciente o melhor bem-estar possível, aliviando a dor e outros sintomas da doença. Por isso o papel do enfermeiro na ONR precisa ser mais discutido e divulgado, visto ser tão abrangente sua área de atuação e muitas vezes são ele que conseguem captar o real desejo do paciente. Frente a isso, ressalta-se a importância de novos estudos para ampliar o conhecimento pela equipe de enfermagem sobre a temática. O conhecimento gerado pela presente revisão constitui apenas um recorte que visa contribuir para a compreensão dos aspectos éticos e legais da ONR. REFERÊNCIAS ANDRADE, Maria Margaria De. Introdução à metodologia do trabalho científico, São Paulo, p. 104, 1998. CLEMENTE, Rosenice Perkins Dias da Silva; SANTOS, Elaine da Hora dos. A nãoressuscitação, do ponto de vista da enfermagem, em uma Unidade de Cuidados Paliativos Oncológicos. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: < http://www.inca.gov.br/rbc/n_53/v02/pdf/secao_especial3.pdf >. Acesso em: 22/11/2010. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico, São Paulo, p. 43, 2006. SILVA, Carlos Henrique Debenedito; REIS, Teresa Cristina da Silva dos; SCHRAMM, Fermin Roland. Não-ressuscitação em medicina paliativa. Revista Brasileira de Cancerologia, 2007. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/rbc/n_53/v02/pdf/secao_especial1.pdf >. Acesso em: 21/11/ 2010 TORRES, Rafael Villela Silva Derré; AQUINO; BATISTA, Kátia Torres. A ordem de não Ressuscitar no Brasil, considerações éticas. Com. Ciências saúde, Brasília, 2008. Disponível em: < http://www.fepecs.edu.br/revista/Vol19_4art01.pdf >. Acesso em: 15/01/2011. URBAN, C. de A. et al. Implicações éticas das ordens de não ressuscitar. Revista Assistência médica, Curitiba, 2001. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302001000300037 >. Acesso em: 30/09/2010 VENTURA, Miriam. Aspectos jurídicos da não ressuscitação do paciente em medicina paliativa. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: < http://www.inca.gov.br/rbc/n_53/v02/pdf/secao_especial7.pdf>. Acesso em: 09/10/2010. ZAGO, Alexandra C, et al. Ressuscitação cardiorespiratória: Atualização, Controvérsias e Novo Avanços. Contribuição à organização de serviços de transplante de medula óssea e a atuação do enfermeiro.Arquivo Brasileiro de Cardiologia, Porto Alegre, 1998. Disponível em: < http://publicacoes.cardiol.br/abc/1999/7203/72030009.pdf>. Acesso em: 06/10/2010