ética-instrumento da justiça.

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ÉTICA – INSTRUMENTO DA JUSTIÇA
Ana Maria Viola de Sousa, Suzana Martins Soares
UNISAL- Centro Universitário Salesiano de São Paulo / Mestrado em Direito, Rua Dom Bosco, 284,
Lorena - SP, [email protected], [email protected].
Resumo- Buscar a justiça é o objetivo não só do direito, mas de todas as pessoas. Para que a justiça seja
efetivamente o bem social maior, tão almejada pela coletividade humana, é necessário que na base de toda
ação social estejam os princípios éticos. Demonstra-se a relevância conceitual de termos como justiça, ética
e moral e analisam-se os diversos aspectos que se entrelaçam entre si. O homem pensa e age, mas ao
agir deve ter consciência dos direitos e deveres morais. Na sociedade moderna os homens perderam os
valores morais elegendo o utilitarismo e a individualidade. Exige-se então, o resgate dos valores morais e
da solidariedade para alcançar a justiça. Uma justiça efetiva, que consolide a ética como instrumento de
mais alto valor.
Palavras-chave: ética, moral, direito, justiça
Área do Conhecimento: Direito
Introdução
O homem para viver em sociedade deve pautar
sua conduta pela ética, que tem espectro mais
amplo que o direito, uma vez que compreende as
normas jurídicas e as normas morais, em
quaisquer de suas manifestações de vontades. A
ética é mais abrangente que o direito e tem uma
dimensão maior que a moral. Desse modo a ética
enfeixa em si mesma o direito e a moral servindolhe de esteio e sustentação.
A complexidade da vida moderna, o surgimento
de novas tendências sociais, a valorização do “eu”
com o consequente enfraquecimento do “nós”,
fizeram com que o homem perdesse o sentimento
ético. O indivíduo não é mais considerado em si
mesmo, mas em suas relações com o grupo.
Embora a ética não necessite de qualquer
órgão ou poder para lhe dar efetividade e sua
exigência não se submeta à coerção estatal, é o
maior dos instrumentos a serviço da justiça.
Este trabalho tem por objetivo trazer à reflexão
o valor da ética e a sua observância como
instrumento de justiça nas relações humanas.
Ética, Moral e Justiça
Ética, moral e justiça são termos que, na visão
jurídica, possuem características de conceito
vago. São conceitos fluidos e indeterminados,
implicando na abertura de espaço para as mais
variadas interpretações, onde os indivíduos
deliberam com liberdade. Interessa aqui traçar um
limite interpretativo a fim de evitar dúbias
conotações.
Ética pode ser entendida como “valores e
princípios que ordenam a conduta de uma pessoa”
(BIZATTO, 1998). A essência da ética está na
atuação correta e honesta do indivíduo em suas
relações. Desse modo o fenômeno ético não é um
acontecimento individual. O mundo ético só é
possível no meio social, nas circunstâncias
sociais, pois resulta de relações sociais; é uma
expressão da vida social e histórica de homens
em suas relações vitais (BITTAR, 2002). Pode-se
mesmo afirmar a ética como atributo ou qualidade
do caráter que representa o estudo dos padrões
morais estabelecidos. A ética pode ser
compreendida do ponto de vista filosófico ou até
mesmo como ciência. Do ponto de vista filosófico,
a ética busca a análise e o aprofundamento dos
fatos morais, dos quais são deduzidas as normas
para qualquer ato humano. Enquanto ciência a
ética é normativa, capaz de descobrir e elucidar
normas, mostrando às pessoas os valores e
princípios que devem nortear sua existência,
aprimorando e desenvolvendo o sentido moral que
influencia a conduta humana.
Freqüentemente tratado como sinônimo de
ética, a moral tem mais relação com o
comportamento do que com princípios. A moral
refere-se a usos, costumes, hábitos
e
habitualidades
praticadas
individual
ou
socialmente. Porém, não basta saber e conhecer.
É preciso prática constante. Aquele que muito
conhece, mas pouco pratica em ética, não pode
ser chamado de virtuoso (BITTAR, 2002). A partir
das experiências conjunturais e contextuais
surgem os preceitos morais. É da necessidade
social dos indivíduos de interagirem em prol da
coletividade que nasce a moral, sendo, portanto,
dinâmica e se estabelece e progride, conforme
mudam os valores sociais, políticos e econômicos
de uma determinada comunidade. Buscando
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determinar a essência dessa série de práticas
morais a ética sistematiza os princípios que regem
os diferentes sistemas morais, explicando,
esclarecendo ou investigando com o fim de
elaborar conceitos correspondentes. As normas
éticas possuem conteúdo de expressão moral que
buscam gerar a felicidade e a virtude da ação
humana. Essa sistemática, porém, não é estável,
variando ao sabor de inúmeros fatores. O nível de
desenvolvimento social, cultural, econômico
interfere na determinação dos bons costumes e
nas normas comportamentais. Estas, por sua vez,
se adequam a novas tendências, modificando os
padrões morais antes aceitos e aprovados pela
comunidade.
Desse modo para a ética importa o coletivo e o
universal, pois ela elege as melhores ações no
interesse de toda a coletividade humana, do
denominado bem-comum. Dessa idéia ligada ao
bem comum, à promoção dos interesses coletivos,
surge a concepção de justiça, a qual só pode ser
alcançada se houver a integração de interesses
individuais e coletivos, com a manutenção dos
valores morais, elevando a consciência do
comportamento do indivíduo frente ao grupo
social. Busca-se a justiça através da ética. Não se
alcançando a justiça, o ato ou o fato não é ético.
Modernas teorias sobre a justiça também
colocam a questão da liberdade e ética na
sustentação de uma sociedade, como por
exemplo, John Rawls (BITTAR, 2002), para o qual
as instituições que estruturam a comunidade
devem estar a serviço e em prol dos indivíduos.
Alcança-se a justiça, para este pensador inglês,
quando uma sociedade está bem ordenada, com
total harmonia entre o bem e o justo, elevando a
ética à posição máxima.
más. O homem pensa e age, mas ao agir deve ter
a consciência dos direitos e deveres morais. E o
dever não tem outra origem, senão a necessidade
que o próprio homem impôs, de só proceder em
harmonia com os valores altruístas em detrimento
ao egoísmo (BIZATTO, 1998), ou seja, agir para o
bem, afastando-se do mal.
A moral não é algo que nasce com o indivíduo,
mas das relações com fim útil, que se
estabelecem entre eles. Das ações que são
louváveis
socialmente,
praticadas
com
regularidade, forma-se a excelência moral
(STRASEIO, 2004). A prática da excelência moral
na coletividade conduz a um bem maior – que é a
justiça – desejada pela sociedade (STRASEIO,
2004). Assim, a idéia do bem, de coisas boas e do
justo, forma o alicerce para a construção de
valores éticos necessários para o bem viver.
As idéias do bem ou mal, do justo ou injusto,
são medidas de critérios sociais, resultado das
escolhas, reflexões e aceitação do próprio homem
como valores que irão nortear a sua conduta.
Embora o homem tenha a capacidade de
liberdade de opção, necessário que ele conheça a
si próprio, como ser humano e tenha vontade de
assim proceder.
O conhecimento do ser humano sobre si
mesmo é condição para valorização da vida
pessoal e afirmação das normas éticas e dos
encaminhamentos que visem a realização da
pessoa e da comunidade humana. A perda da
consciência da própria identidade humana fragiliza
a consciência da realidade do mundo (SILVA,
2007). Razão pela qual, a pessoa humana em
estado de fraqueza cognitiva e volitiva não é
capaz de se pôr em direção à verdade.
Moral e Direito
Fundamento da ética
O homem é um ser ético por natureza
(BITTAR, 2002). Os valores morais e os princípios
ideais orientam o homem desde o início da história
da humanidade. A própria natureza humana
permite ao homem modificar-se pelo hábito e
desenvolver sua moral que se origina na
consciência (STRASEIO, 2004). O homem tem em
suas mãos o seu destino. Dependendo do rumo
que queira imprimir às suas ações e decisões ao
longo da vida pode construir ou destruir. Essa
opção supõe também a existência de avaliação,
ou seja, para que uma decisão seja tomada
impõe-se a avaliação de múltiplos fatores, o que
implica na eleição de critério de valoração desses
fatores. Assim, na base da ética encontra-se a
liberdade e a valoração (BITTAR, 2002).
Todo pensamento ético gravita em torno de
duas questões fundamentais: o que é o bem e o
que é o mal; que coisas são boas, que coisas são
Moral e direito são ambos normas de conduta,
ambos orientam e ordenam sua observância em
todas as formas de expressão. A presença da
moral sempre se fará sentir nas regras de direito
na medida em que o direito deve realizar a justiça
e a idéia de justo é uma idéia moral (GARCIA,
2003). Embora apresentem pontos coincidentes,
diferenciam-se, seja em razão do campo de ação,
seja na intensidade da sanção, ou nos efeitos
desta. Isto porque a ofensa à regra moral encontra
reprovação na sua consciência podendo atrair o
desapreço
dos
seus
concidadãos.
No
descumprimento de normas de direito a força
cogente do Estado se faz sentir.
A norma moral é anterior quanto à cronologia
do surgimento e também interior, prescindindo de
fenômeno exterior não dispondo de um poder
punitivo de autoridade. Já a norma de direito é um
instrumento de poder e autoridade. O direito,
assim, tem íntima relação com a moral. As normas
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de direito possuem um conteúdo moral e tem
surgimento no sistema de valores morais. É a
partir dos sentimentos auferidos do campo da
moral que se delineiam e norteiam as regras de
direito. Pela moral torna-se possível identificar e
proteger os que estão de boa-fé e castigar os que
agem com malícia e perseguem a fraude
(GARCIA, 2003).
O direito pode ser considerado um conjunto de
normas que, de um lado, traduzem e perseguem o
ideal de justiça, sendo judicialmente aplicáveis, e
de outro, são normas da vida social que delimitam
as esferas do ilícito e do obrigatório. O regramento
jurídico será tanto mais forte quanto for a
superfície de coincidência com os padrões de
moralidade. Havendo correspondência com o ideal
moral, emergirá a respeitabilidade de forma
voluntária; colidindo com os padrões de
moralidade, haverá grande resistência na sua
observância (GARCIA, 2003).
O direito interfere em todas as esferas da vida
social, determinando, transformando e regulando a
conduta dos indivíduos, sendo indispensável a
responsabilidade e a consciência para o bom
funcionamento da sociedade. Isto porque, as
obrigações jurídicas são formulações da
comunidade para o indivíduo (BITTAR, 2002). O
direito tutela um conjunto de interesses
coletivamente relevantes, mas deve ter como
atributo o compromisso com a ética, mas uma
ética do coletivo, dos interesses que são de todos
e não o ineteresse individual, considerado em si
mesmo. É necessário colocar o direito a serviço de
valores morais coletivos e gerais. O direito não
pode mais se apresentar como mero conjunto
normativo, mas restabelecer a justiça nas relações
sociais. A verdadeira justiça somente irá ocorrer
quando houver maior aproximação da moral com o
direito, com o resgate, pelos homens, dos valores
perdidos a fim de reconstruir a consciência de
base moral mais sólida.
Ética e Justiça
O direito busca a justiça. Contudo, por melhor
que seja o sistema jurídico, não tem força, por si
mesmo, para transformar a realidade social. Esta
só ocorrerá pela aplicação prática dos
fundamentos éticos. Norberto Bobbio (2001)
analisa que uma norma jurídica deve ser
submetida à valoração de três vertentes: se é justa
ou injusta; se é válida ou inválida e se é eficaz ou
ineficaz para realizar a justiça. Mas a justiça só
será alcançada se o direito cumprir sua função
social.
Atualmente, com a ampliação da liberdade de
escolha,
sobretudo
nas
sociedades
contemporâneas, de modelo utilitarista (BITTAR,
2002), esvaziou-se o conteúdo ético nas relações,
levando o homem a conviver com uma crise de
valores. A moral individualista desenvolvida na
sociedade complexa fez com que os indivíduos
perdessem a noção de bem comum. A valorização
do “ter” em detrimento do “ser” criou-se um abismo
entre o direito e a justiça e os valores morais se
perderam nos sistemas criados ao longo da
história. A ética foi fragmentada em diversas
normas morais, seja para cada profissão, seja
para cada classe, seja para cada cultura, em
razão da própria fragmentação da realidade. A
ética, hoje, é vista como ética de interesse e não
mais como ética da solidariedade.
Onde o homem está, estará também a
diversidade, e onde há diversidade, também
haverá divergências e os conflitos serão
inevitáveis. Uma solução ética para os conflitos é
desejável e deve ser valorizada proporcionando
maior efetividade aos valores morais. O poder de
determinar solução justa aos conflitos depende da
virtude do comportamento individual. A conduta
justa ou injusta está imersa na questão maior da
ética do próprio ser. A valoração do justo ou
injusto só pode ser medida perante um critério
ético e moral. É a ética o instrumento por
excelência da justiça.
O resgate da ética é primordial para que o
direito realmente cumpra sua função social que é
a busca da justiça. O processo de formação de
uma identidade ética para uma coletividade
decorre da ação individual (BITTAR, 2002). É o
esforço das ações individuais que dá origem a
uma ética coletiva. A justiça depende da vontade
do homem; justo ou bom decorre da retidão de
suas ações (FAITANIN, 2007). O valor ético
atribuído às próprias necessidades do homem e
às suas relações com os outros, determinam os
valores morais e direcionam suas atitudes para um
fim justo.
Quando o homem encontrar o humano em si e
no seu semelhante, quando a ação individual for
efetivamente norteada pela ética, a justiça se
estenderá da esfera privada para lançar seus
reflexos sobre o coletivo.
Considerações Finais
A ética sempre foi e sempre será um tema
atual. Todos debatem a ética dentro da sociedade,
dentro das profissões, dentro da política, dentro
das instituições de ensino e não seria diferente em
relação ao direito que busca a concretização da
justiça e da moralidade social.
A realidade atual da sociedade humana
apresenta tênues limites entre o que seja ético e o
não ético, entre atitudes morais e ações
desprovidas da moral levando os homens a
experimentar uma crise de valores. Emerge assim,
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a necessidade de uma nova moral na sociedade
atual. Não uma simples mudança de princípios ou
normas, pois estes mudam com o tempo, mas
uma nova reconstrução de valores humanos que
contribuam para relações sociais mais solidárias,
mais harmoniosas e mais pacíficas.
Não basta apenas conclamar a exigibilidade de
uma justiça mais eficaz, devendo cada indivíduo,
cada ser humano recuperar sua própria ética, seus
valores morais impulsionando sua capacidade de
viver em sociedade, procurando atuar sempre em
prol do bem-estar comum.
Referências
- BITTAR, Eduardo C.B. Curso de ética jurídica,
São Paulo: Saraiva, 2002.
- BIZATTO, José Ildefonso. Deontologia jurídica
e ética profissional, 2ª ed., São Paulo: LEDEditora de Direito, 1998.
- BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica,
São Paulo: Edipro, 2001.
- FAITANIN, Paulo. Justiça: virtude de dar a cada
um o seu direito, Revista Ciência e Fé, Aquinate,
n. 4, pg. 310-311, 2007. Disponível em
www.aquinate.net/revista/ciencia-e-fe-4-edicao/02justica . Acesso em 02 agosto 2009.
- GARCIA, Emerson. A moralidade administrativa
e sua densificação, Revista de Direito
Constitucional e Internacional, n 43, p.110-137,
Rio de Janeiro: RT, 2003.
- SILVA, Paulo César. A dignidade da pessoa
humana e o abortamento in. Questões atuais de
direito – ética e ecologia, RAMPAZZO, Lino e
SILVA, Paulo César (org), São Paulo: Alinea
Editora, 2007.
- STRASEIO, Maria de Assis. Direito, Justiça,
Virtude Moral e Razão: Reflexões. Novos
Estudos Jurídicos. V. 9, n.1, pg. 149-156,
Curitiba,
2004.
Disponível
em
www.siaiweb.univali.br/seer/article/view/361/303 ,
acesso em 05 agosto 2009.
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