UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO PROJETO DE PESQUISA DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito “A UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA DAS CÉLULAS-TRONCO, SOB AS PERSPECTIVAS ÉTICAS E JURÍDICAS” Autora: Luciana Gott Orientador: Professor M. Sc Nilton Rodrigues da Paixão BRASÍLIA 2008 LUCIANA GOTT A UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA DE CÉLULAS-TRONCO, SOB AS PERSPECTIVAS ÉTICAS E JURÍDICAS. Monografia apresentada à Banca Examinadora da Universidade Católica de Brasília – UCB, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor M. Sc. Nilton Rodrigues da Paixão Júnior. Brasília 2008 LUCIANA GOTT A UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA DE CÉLULAS-TRONCO, SOB AS PERSPECTIVAS ÉTICAS E JURÍDICAS Monografia apresentada à Banca Examinadora da Universidade Católica de Brasília – UCB, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor M. Sc. Nilton Rodrigues da Paixão Júnior. Aprovada pelos membros da Banca Examinadora em ____/ ____/ ____, com menção ____ (____________________________________________). Banca Examinadora: ___________________________________________________ Presidente: Professor M. Sc. Nilton Rodrigues da Paixão Júnior. Universidade Católica de Brasília ___________________________________________________ Integrante: Professor Universidade Católica de Brasília ___________________________________________________ Integrante: Professor Universidade Católica de Brasília Dedico este trabalho a cada um dos que acreditaram neste projeto, envolvendo-se com ele de maneira única. Ao meu pai Robinson Gott, por seu empenho, dedicação e amor. À minha irmã Luciene, minha sobrinha Ingrid, minha cunhada Elmi. Ao Tiago, meu futuro esposo, pelo cuidado e auxílio constantes, por sempre me aguardar depois das aulas para me “devolver” em casa com segurança. Agradeço a Deus pela realização deste curso, pois sem Ele a vida é impossível e improvável. A Deus seja todo louvor. Agradeço ao meu pai pelo incentivo constante. Aos meus familiares (Luciene, Luiz e Rômulo) pela força e credibilidade. Aos amores eternos Ingrid e Nícolas. Agradeço a Elmi, pelo inconfundível ‘abraço’ e acolhimento. E ao meu amado Tiago, por dividir tudo comigo: alegrias, tristezas, derrotas e vitórias. A ciência não apenas resolve, mas cria novos problemas que necessitam de um posicionamento ético, pois nem tudo o que é possível é justificável. Prof. Dr. Draiton G. de Souza (PUC-RS) Prof. Dr. Bernardo Erdtmann (UFRGS) RESUMO GOTT, Luciana. A utilização terapêutica de células-tronco, sob as perspectivas éticas e jurídicas. 2008. N de folhas: 69f. Tipo de documento – trabalho de conclusão de curso – (graduação) – Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Águas Claras, 2008. Pesquisa sobre a utilização terapêutica de células-tronco com enfoque nas perspectivas éticas e jurídicas desta prática biotecnológica. Análise do voto proferido pelo Ministro Relator da Adin 3510/2005 (Ministro Carlos Ayres de Britto), ajuizada pelo Procurador-Geral da República, na qual pleiteia a inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, que normatizou e autorizou a utilização de células-tronco embrionárias, fecundadas in vitro, desde que acondicionadas há mais de três anos. Abordagem ética e científica das possíveis conseqüências da utilização de células-tronco embrionárias com fins terapêuticos. Análise do conteúdo jurídico da Ação Direta de Inconstitucionalidade, com o qual se questiona a inconstitucionalidade do art. 5º da citada Lei de Biossegurança em detrimento da infringência do Princípio da Dignidade Humana e do direito à vida. Apanhado jurídico e biológico acerca do início da vida, com a apresentação de vertentes diferenciadas tendo em vista a falta de consenso na determinação da fase inicial da vida. Quanto à metodologia, a abordagem se deu conforme o método dedutivo, o procedimento adotado foi o monográfico e, quanto às técnicas, adotou-se a pesquisa bibliográfica e documental, em fontes primárias e secundárias. Palavras-Chave: células-tronco embrionárias, utilização terapêutica de células-tronco, bioética, Lei de Biossegurança, dignidade da pessoa humana, direto à vida. LISTA DE ABREVIATURAS Biol. - Biologia Embr. - Embriologia Gr. - grego Histol. - Histologia Med. - Medicina LISTA DE SIGLAS ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança ESchG – Embryonenschutzgesetz Gesetz – Ato pela Proteção dos Embriões (Alemanha) GIFT – Gametha Intra Fallopian Transfer – Transferência intratubária de gametas OGM – Organismo Geneticamente Modificado PNB – Política Nacional de Biossegurança UFRJ – Universidade Federal de Rio de Janeiro UNIFESP/EPM – Universidade Federal de São Paulo ZIFT – Zibot Intra Fallopian Transfer – Transferência intratubária de zigotos. SUMÁRIO RESUMO..................................................................................................... 7 LISTA DE ABREVIATURAS....................................................................... 8 LISTA DE SIGLAS...................................................................................... 9 SUMÁRIO ................................................................................................. 10 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 ............................................................................................. 15 Células-Tronco ........................................................................................ 15 Conceito ............................................................................................ 15 Células-tronco embrionárias........................................................... 16 Células-tronco adultas..................................................................... 21 Células-Tronco do cordão umbilical .............................................. 23 Células-Tronco Mesenquimais........................................................ 24 Indiferenciação e diferenciação das células-tronco ..................... 25 A longevidade das células-tronco .................................................. 27 CAPÍTULO 2 ............................................................................................. 29 A FERTILIZAÇÃO IN VITRO E OS EMBRIÕES EXCEDENTES ............. 29 Perspectiva geral acerca das técnicas de reprodução humana assistida............................................................................................ 29 A fertilização in vitro ........................................................................ 31 A polêmica dos embriões excedentes oriundos da fertilização in vitro e a dificuldade de se determinar o início da vida ................. 32 CAPÍTULO 3 ............................................................................................. 41 ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS ACERCA DA UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA DAS CÉLULAS-TRONCO.............................................. 41 Adi nº 3510/2005 ............................................................................... 41 O voto do Ministro Carlos Ayres de Britto – Um breve histórico. 46 A Lei de Biossegurança e a utilização de células-tronco no Brasil ........................................................................................................... 52 A eticidade da utilização terapêutica de células-tronco embrionárias..................................................................................... 55 A Constituição da República e o Princípio da Dignidade Humana em face da utilização terapêutica de células-tronco embrionárias ........................................................................................................... 58 CONCLUSÃO ........................................................................................... 63 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.............................................................. 67 11 INTRODUÇÃO Em 24 de março de 2005, o Brasil deu um passo largo em direção à regulamentação das questões relativas à pesquisa sobre organismos geneticamente modificados, os OGM’s, com a promulgação da Lei nº 11.105/2005, nomeada Lei de Biossegurança. Essa lei tem como foco estabelecer normas de segurança e fiscalização de atividades que envolvam OGM’s, com a observância do que preconiza a Carta Magna. 1 . Embora o Brasil tenha se manifestado há pouco tempo acerca da engenharia genética, as pesquisas sobre o assunto vêm se desenvolvendo já há certo tempo e causa polêmica. A Lei de Biossegurança foi editada no Brasil com o escopo de conceder ao país a oportunidade de acompanhar os avanços tecnológicos, a fim de tentar melhorar, preliminarmente, a qualidade de vida tanto dos já nascidos (terapia genética) quanto para os que ainda irão nascer (terapia preventiva). Para Thomas Hobbes “(...) a lei só foi trazida ao mundo (...) de tal maneira que os indivíduos não possam causar danos aos outros, mas para sim, se ajudarem (...)” 2 . Logo, pode-se concluir que a Lei de Biossegurança teve, além de outros, o propósito de preservar o patrimônio genético brasileiro 3 . O artigo 5º da referida lei prevê a utilização de célulastronco embrionárias, fecundadas in vitro, acondicionadas há mais de três anos ou que sejam inviáveis para fins de reprodução. Essas células podem ser doadas para pesquisa e/ou utilização terapêutica, com o consentimento dos genitores. A técnica de fertilização in vitro, cujo objetivo é reproduzir em laboratório as condições necessárias para que ocorra a fecundação e as primeiras etapas do desenvolvimento humano embrionário fora do 1 Capítulo IV – Do meio Ambiente, Art. 225, CR/88. MORRIS, Clarence (org.) Os grandes filósofos do Direito.São Paulo: Martins Fontes, 2002. 3 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.8.ed. - São Paulo: Saraiva, 2007. 2 12 útero, é um recurso de reprodução humana assistida responsável pela sobressalência de embriões congelados atualmente, tanto no Brasil como em outros países. Daí se desencadeia grandes questões, como o que fazer com esses embriões, como utilizá-los, quais as formas mais eficazes de conservá-los etc. O homem científico tem à sua disposição, por intermédio dessa tecnologia de reprodução humana assistida, o embrião em um ambiente externo, sujeitando-o a uma série de experimentos e apreciações que ultrapassam o simples desejo de descendência, inclusive usando-o de forma indiscriminada e em desfavor da dignidade da vida humana. É por isso que, ao se utilizar embriões para fins terapêuticos, deve-se buscar uma ascensão ética, distanciada dessa visão mecanicista e mercadológica da vida. Como assevera Fiorillo, “a proteção à vida humana deve ser observada em decorrência do parâmetro jurídico definido na Lei nº 9.434/97”, ou seja, a vida humana recebeu tanto a merecida proteção constitucional quanto a infraconstitucional. Inclusive, a citada Lei de Biossegurança, faz menção à Lei nº 9.434/97 no tocante ao descarte indevido de embriões sobressalentes e OGM’s. Com a promulgação da Lei de Biossegurança, o então Procurador-Geral da República, Cláudio Fontelles, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (prevista formalmente na Constituição de 1988), para efetuar o controle, por via de ação, do art. 5º da referida legislação. A ADI nº 3510 foi ajuizada no ano de 2005 e ainda não houve decisão transitada em julgado. Com a regulação da prática de pesquisa e utilização terapêutica de embriões no Brasil surgiram várias indagações da comunidade científica, da Igreja e diferentes posicionamentos acerca do início da vida, abordagens que certamente invadem o domínio da ética. Para alguns, o embrião pode ser considerado como um amontoado de células muito menos complexo que uma mosca. Porém nos 23 cromossomos paternos e 23 cromossomos maternos estão os 30 (trinta) 13 mil genes que determinarão os traços, a cor dos olhos, da pele, do cabelo, além de já estarem presentes as características de qualquer doença que a pessoa humana em potencial possa vir a ter na sua vida adulta. Não cabe dizer neste momento, onde e como a vida começa e para que ela começa. Observa-se somente que é com embriões que se dá início ao processo da vida humana. O confronto entre ciência, poder e direito cria uma tensão dialética que se estabelece entre o direito à livre atuação científica e a defesa de tantos outros direitos, como à saúde, a qual, inclusive, é uma das garantias constitucionais previstas na Magna Carta. Norberto Bobbio 4 já havia alertado acerca dessa tensão, ao assinalar sobre os “efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”. Ele também previu o surgimento de novos direitos (reprodutivos e genéticos), os quais comporiam uma geração de direitos, em que, particularmente, o que está em jogo é a proteção da pessoa em potencial, ainda que de forma rudimentar e frágil do embrião 5 . Como fica a concessão de direitos subjetivos, se é o direito que concede personalidade jurídica ao indivíduo e se os requisitos para tal aquisição no ordenamento vigente não estão preenchidos pelo embrião fecundado in vitro? Se ocorrer de o embrião ser dotado de personalidade jurídica, estar-se-ia reconhecendo um direito inexeqüível? Esses são alguns dos questionamentos jurídicos que a comunidade científica tenta responder. Coube ao Poder Judiciário a tarefa de delimitar o início da vida, a fim de que seja atendida a vontade legis, em detrimento do princípio da proteção da norma. Porém, dessa tarefa, o Estado se esquivou. Por meio do voto do Ministro Relator da Adi nº 3510/2005 a manifestação é de que o embrião fecundado in vitro “não é vida por estar fora do útero materno”. Ressaltou ainda, que não se deve confundir fertilização com 4 5 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1992, p. 6. Idem nota 4. 14 concepção, sendo que esta última demonstra a existência de um ser humano 6 . A Carta Maior não faz menção a nenhuma forma de vida extra uterina e conforme Carlos Ayres de Britto, “o teor dos direitos e garantias fundamentais não se reportam a seres em tubos ou plaquetas de laboratório”. Em detrimento do que há na Constituição, é juridicamente impossível nivelar o embrião como um ser humano já nascido e dotado de personalidade jurídica dada a ausência de proteção legal explícita à vida antes da concepção, como fez o Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 4º 7 . Como era de se esperar, tanto a Igreja quanto a comunidade ética posicionaram-se desfavoravelmente à utilização terapêutica de células-tronco embrionárias, por considerarem o embrião como entidade viva, evocando a infringência do princípio da dignidade humana e o da inviolabilidade do direito à vida humana, posições essas claramente firmadas na audiência pública realizada no dia 05 de março de 2008 8 . Para Alexy 9 , “tanto as regras como os princípios também são normas, portanto, ambos se formulam com a ajuda de expressões deônticas 10 fundamentais, como mandamento, permissão e proibição”. A atitude do Príncipe ao se posicionar acerca de um tema controverso como o exposto nunca será totalmente benéfica ou maléfica, mas certamente alcançará a todos, indistintamente, seja para definir, utilizar, acondicionar, congelar, descongelar, pesquisar, destruir ou descartar embriões fertilizados in vitro e congelados além do lapso temporal que a lei estabelece. 6 Voto do Ministro Carlos Ayres de Britto, proferido em audiência pública realizada em 05 de março de 2008. 7 MAZZOULI, Valério de Oliveira (org). Constituição Federal: Coletânea de Direito Internacional. 5.ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.947. 8 Posicionamento da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da entidade Movimento em Prol da Vida (MOVITAE). 9 Theorie der Grundrechte, p.72 apud BONAVIDES, 2004, p.277. 15 CAPÍTULO 1 Células-Tronco Conceito Células-tronco, segundo a definição científica, são aquelas que têm o potencial de se transformar em diferentes tecidos do corpo humano 11 . Enquanto se vive, elas servem como um reparo automático do corpo, sem limite do abastecimento de outras células. Quando uma célula-tronco se divide, tanto pode permanecer com as mesmas características, quanto poderá se tornar um outro tipo de célula com uma função mais especializada, como v.g., uma célula muscular, um glóbulo vermelho sangüíneo ou, ainda, uma célula cerebral 12 . A medicina tem desenvolvido inúmeras pesquisas, com objetivo de ajudar pessoas que sofrem de doenças graves, enfermidades auto-imunes, disfunções neurológicas, distúrbios hepáticos e renais, osteoporose e traumas na medula espinhal. Essas pesquisas são elaboradas e desenvolvidas com a utilização das denominadas célulastronco ou stem cells. Stem, em inglês, significa caule, haste; o verbo to stem por sua vez significa Todo ser humano carrega consigo uma quantidade de células-tronco, tidas como não-regenerativas, até as pesquisas com as células-tronco embrionárias revelarem a possibilidade regenerativa dos neurônios. No restante do corpo é possível encontrar outros tipos de células-tronco, que já são adultas, porém não desenvolvidas, ou seja, elas mantêm o bom funcionamento dos órgãos, como ocorre no paladar: passase a vida inteira sentindo o gosto de tudo o que se come e desde o 10 Relativo a princípios filosóficos e morais. Revista Época nº 475 de 25/06/2007. p.95. 12 Disponível em: <http://stemcells.nih.gov/info/basics/defaultpage.asp>. Acesso em: 27 set. 2007. Tradução livre da autora. 11 16 primeiro contato com o alimento, é possível identificar o amargo, o doce, o salgado ou o azedo. Há basicamente dois tipos de células-tronco: as adultas e as embrionárias, oriundas dos embriões. As células-tronco adultas são mais especializadas (ou diferenciadas) que as embrionárias e dão origem a tipos específicos de células. São chamadas também de células multipotentes. Algumas pesquisas sugerem que as células-tronco adultas podem se transformar em tipos mais variados de células do que se supunha anteriormente 13 . As células-tronco são classificadas como: (i)Totipotentes ou embrionárias – são as que conseguem se diferenciar em todos os 216 tecidos bem como em anexos embrionários 14 que formam o corpo humano; (ii) Pluripotentes ou multipotentes – são as que conseguem se diferenciar em quase todos os tecidos humanos, exceto placenta e anexos embrionários; (iii) Oligopotentes – as que conseguem diferenciarem-se em poucos tecidos; e (iv) Unipotentes – as que se diferenciam em um único tecido 15 . Células-tronco embrionárias As células-tronco embrionárias, como o próprio nome sugere, são provenientes de embriões. As primeiras clivagens (divisões) de ovos oligolécitos 16 e heterolécitos 17 formam aglomerados compactos, com algumas dezenas de 13 LOTTENBERG, Cláudio L.; MOREIRA-FILHO, Carlos A. Aplicações terapêuticas das células-tronco: perspecitvas e desafios. Disponível em: <http:// www.comciencia.br/reportagens/celulas/14/shtml,>. Acesso em: 19 fev. 2008. 14 Cordão umbilical. 15 RAMOS, Luiz de Carvalho. Células-tronco e a lei de Biossegurança. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/20/95/2095/>. Acesso em: 19 fev. 2008. 16 Ovos com pequena quantidade de vitelo, distribuídos uniformemente pelo citoplasma. Também chamados isolécitos. Encontrados em mamíferos placentários, que possuem desenvolvimento embrionário longo e cujos embriões são nutridos pela mãe, por intermédio da placenta. Disponível em < http://www.biomania.com.br/bio/conteudo.asp?cod=1212>. Acesso em 06 de maio de 2008. 17 Ovos que possuem média quantidade de vitelo, podendo ser conhecidos por mediolécitos. O vitelo distribui-se irregularmente, concentrando-se em um dos pólos. 17 células. Esse estágio do desenvolvimento é conhecido como mórula (do latim morula, amora), pelo fato de o embrião apresentar forma semelhante à de uma amora microscópica. Em determinado momento, no interior do aglomerado celular começa a surgir uma cavidade cheia de líquido, a blastocela. Nessa fase, o embrião deixa de ser chamado de mórula e passa a ser chamado de blástula. A etapa seguinte do desenvolvimento embrionário é a transformação da blástula em gástrula, fase em que se define o plano corporal do futuro indivíduo/animal. As células que darão origem aos músculos e aos órgãos internos migram para o interior do embrião, enquanto as células que originarão a pele e o sistema nervoso ficam na superfície. A migração de células para o interior do embrião faz com que a blastocela desapareça, surgindo uma nova cavidade, denominada glastrocela (do grego gastros, estômago, e cela, cavidade). O plano de organização corporal dos animais/indivíduos esboça-se no estágio da gástrula. Até essa fase do desenvolvimento, as células do embrião são muito semelhantes entre si e têm capacidade de se diferenciar em qualquer tipo celular, sendo por isso denominadas células totipotentes. No estágio da gástrula, as células totipotentes da blástula iniciam a diferenciação em conjuntos celulares denominados folhetos germinativos, assim chamados por serem lâminas de células e por gerarem futuramente, todos os tecidos do corpo 18 . Na maioria dos grupos animais, formam-se três folhetos germinativos: ectoderma, mesoderma e endoderma. Ectoderma (do grego ecto, fora) é o folheto mais externo, que reveste o embrião. Ele origina a epiderme (camada externa da pele) e estruturas associadas a ela: pêlos, unhas, glândulas sebáceas e glândulas sudoríparas. O Ectoderma origina também o sistema nervoso. Endoderma (do grego endo, dentro) é o folheto mais interno. Além de originar o revestimento interno do tubo digestório, o 18 AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Fundamentos da Biologia. 4.ed.- São Paulo: Moderna, 2006. 18 endoderma forma as estruturas glandulares associadas à digestão: glândulas salivares, glândulas mucosas, pâncreas, fígado e glândulas estomacais. Esse folheto também origina representado pelas brânquias ou pulmões 19 o sistema respiratório, . Mesoderma (do grego meso, meio) é o folheto germinativo que se localiza entre o ectoderma e o endoderma. Ele origina músculos, ossos, sistema cardiovascular (coração, vasos sanguíneos e sangue), sistema urinário (rins, bexiga e vias urinárias) e sistema genital, para citar alguns órgãos importantes. Enquanto o sistema nervoso se forma, o mesoderma desenvolve-se e preenche todos os espaços entre o ectoderma e o endoderma. O desenvolvimento embrionário se dá na seguinte seqüência: fecundação, que é a união de óvulo feminino com espermatozóide masculino, dando origem ao zigoto, o qual sofre a clivagem (ou segmentação). A segmentação leva à formação de blastômeros e, em seguida, produz a mórula, que depois se transformará em blástula, que por sua vez se transformará em gástrula, em cujo estágio ocorre a formação dos folhetos germinativos: endoderma, mesoderma e ectoderma. No desenvolvimento humano, a partir do momento em que ocorre a fecundação, o ovo ou zigoto formado é uma célula que é ativada e que inicia seu próprio processo de divisão celular e diferenciação. Portanto, nesses termos, a auto-organização é um dos pressupostos fundamentais que caracteriza a vida, que começa nesse momento em que se é uma única célula 20 . Especificamente essas células podem ser o produto de um embrião humano subdesenvolvido a partir de um ovo celular extraído de uma fertilização in vitro, e conseqüentemente doada para a pesquisa com o explícito consentimento de seus doadores 21 . 19 Idem nota 18.. KIPPER, José Délio; MARQUES, Caio Coelho; FEIJÓ, Anamaria (Org).Ética em pesquisa: Refelxões. 2003. p. 72. 21 Disponível em: <http://stemcells.nih.gov/info/basics/defaultpage.asp>. Acesso em: 27 set. 2007. Tradução livre da autora 20 19 Note-se que nos Estados Unidos e em outros países, a denominação célula-tronco embrionária tem o subentendimento de que se trata de células exclusivamente doadas para pesquisa, manipulação genética e utilização terapêutica, esta última é o fim que se propõe qualquer pesquisa nesta área, além da criação de medicamentos capazes de controlar determinadas anomalias/doenças adquiridas ao longo dos anos. No entanto os projetos de pesquisa nessa área nos Estados Unidos não podem receber dinheiro público. Em compensação, as pesquisas científicas contam com enormes investimentos da iniciativa privada 22 . A Dra. Alice Teixeira Ferreira, conforme disposto na Adi n° 3510/2005, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal, pelo ProcuradorGeral da República, define células-tronco embrionárias como: As células-tronco embrionárias são provenientes da massa celular interna do embrião (blastocito). São chamadas de células-tronco embrionárias humanas porque provêm do embrião e porque são células-mãe do ser humano. Para se usar estas células, que constituem a massa interna do [sic] blastocisto, é destruído do embrião. 23 A grande polêmica em debate, gira em torno da destruição dos embriões. Não se pode olvidar que todo ser humano advém de uma fecundação, a qual é um processo contínuo de desenvolvimento. Após o encontro do gameta masculino com o feminino, tem-se um ser humano em pleno desenvolvimento e não somente um aglomerado de células com vida meramente celular. Não obstante tem-se que a fecundação, cujo fim é gerar um ser humano, ocorre no útero materno, e, portanto, em condições totalmente diferentes das de uma técnica de reprodução humana assistida. 22 VIEIRA, Vanessa. É preciso salvar vidas. Revista Veja, nº 2050, ano 41 nº9. 15.p., 5 de março de 2008. 23 Adi nº 3510, 5.p. 20 As células-tronco embrionárias podem ser obtidas também por meio do mecanismo de clonagem terapêutica, configurando outra técnica de reprodução humana externa-corporis, em que se funde uma célula de um paciente que precise de terapia com células-tronco de um óvulo doador. O núcleo é removido do ovo e substituído pelo núcleo da célula do paciente. Esse ovo é estimulado a se dividir química ou eletricamente e o embrião resultante carrega o material genético do paciente, técnica que reduz significativamente os riscos de que o receptor das células-tronco rejeite as implantadas. 24 Essa técnica de transplante celular, que envolve um doador diferenciado do receptor, é conhecida como transplante celular alogênico. Já o transplante com células do próprio receptor é denominado transplante autólogo. Nos casos de tratamentos de doenças tais como leucemia, imunodeficiências e anemia aplástica, verifica-se que o transplante autólogo alcança resultado pior do que o alogênico, devido à insuficiência de células-tronco sadias do paciente/receptor. As células-tronco embrionárias são classificadas como totipotentes por possuírem potência total para diferenciarem-se ao longo do processo da terapia, em qualquer tecido ou órgão humano. Por tal motivo, essas células chamam mais a atenção dos cientistas, médicos e biomédicos que procuram a cura ou tentam diminuir os sintomas de doenças como diabetes e mal de Alzheimer, por exemplo. Como salientam Kipper, Marques e Feijó 25 “(...) tais células são conhecidas como células-tronco, similares ao tronco de uma árvore que se ramifica em muitas folhas (as células)”. Segundo a doutora Mayana Zatz, uma das maiores especialistas em células-tronco do Brasil, “(...) as células-tronco adultas só formam alguns tecidos, como osso, gordura e cartilagem. Com elas, não se consegue formar células nervosas, fundamentais para tratar doenças neuromusculares, para regenerar a medula de alguém que ficou 24 WATSON, Stephanie. Como funcionam as células-tronco. Disponível em: <http://ciencia.hsw.uol.com.br/celulas-tronco.htm> . Tradução de HowStuffworks do Brasil. Acesso em: 19 fev. 2008. 25 KIPPER, Délio José; MARQUES, Caio Coelho; FEIJÓ, Anamaria (Org). Ética em pesquisa: Refelxões. 2003, p.73. 21 paraplégico ou tetraplégico ou para tratar um parente que tem Parkinson. Se não tivermos células-tronco embrionárias para formar neurônios, todas essas pesquisas ficarão prejudicadas (...).” 26 Os países que permitem a pesquisa e utilização terapêutica de células-tronco, especialmente as embrionárias, delimitam que os embriões tenham no máximo catorze dias de desenvolvimento. Os embriões congelados que se quer são usados no Brasil têm ainda menos tempo, entre três e cinco dias 27 . Células-tronco adultas A definição de células-tronco adultas, segundo a professora doutora Alice Teixeira Ferreira é a seguinte: “As células-tronco adultas são aquelas encontradas em todos os órgãos e em maior quantidade na medula óssea (tutano do osso) e no cordão umbilical-placenta. No tutano dos ossos tem-se a produção de milhões de células por dia, que substituem as que morrem diariamente no sangue.” 28 As células-tronco adultas têm sido identificadas em muitos órgãos e tecidos humanos. Um ponto importante para se entender mais sobre elas é saber que delas, no organismo, existe um número reduzido em cada tecido. Essas células permanecem em uma área específica de cada tecido e podem permanecer sem se dividirem por muitos anos, até que sejam ativadas por causa de uma doença ou uma danificação no tecido, onde continuam intactas e imóveis. 26 29 Revista Veja, nº 2050, ano 41 nº 9. 14.p. WATSON, Stephanie. Como funcionam as células-tronco. Disponível em: <http://ciencia.hsw.uol.com.br/celulas-tronco.htm> . Tradução de HowStuffworks do Brasil. Acesso em: 19 fev. 2008. 28 Extraído da Adi. Nº 3510, 6.p. 29 Disponível em: <http://stemcells.nih.gov/info/basics/defaultpage.asp>. Acesso em: 27 set. 2007. Tradução livre da autora. 27 22 Uma célula-tronco adulta é uma célula indiferenciada das demais (no tópico 1.1.5 abordou-se o que vem a ser diferenciação e indiferenciação das células-tronco), encontrada em um tecido ou órgão do corpo humano, geralmente no cordão umbilical, placenta, tecidos ou na medula óssea (células-tronco mesenquimais). Essa célula é capaz de regenerar-se, e também de produzir a maioria dos tipos de células especializadas de algum tecido ou órgão. A função principal de uma célula-tronco adulta em um organismo é mantê-lo vivo e reparar o tecido no qual se encontra. Alguns cientistas usam o termo células-tronco somáticas ao invés de célulastronco adultas. Diferentemente das células embrionárias, que são definidas pela sua origem (centro das células ou dos blastócitos 30 ), a origem das células-tronco adultas em um tecido completamente formado é desconhecida. Tem-se que as maiores concentrações de células-tronco adultas no organismo humano incluem o cérebro, a medula óssea, os vasos sangüíneos, cartilagens, pele e fígado. Cientistas têm tentado encontrar maneiras de crio conservar células-tronco adultas a fim de manipulá-las e gerar tipos específicos de células que poderão ser usadas para tratar doenças e danificações em tecidos. A utilização de células-tronco adultas é ineficaz para tratar portadores de doenças genéticas como distrofias 31 musculares ou atrofias 32 espinhais. Nas doenças genéticas o problema está em todas as células, apesar de só se expressar em tecidos específicos 33 . Nesses casos, faz-se necessário a utilização de células-tronco embrionárias para as chances de cura ou amenização serem maiores. 30 Embr. Célula embrionária não diferenciada. Med. Perturbação grave na nutrição, principalmente muscular. 32 Med. Insuficiência de nutrição, que se exterioriza por desgaste ou diminuição do tamanho da célula, tecido, órgão ou estrutura do corpo. 33 CANTANA, Luciana L. T. Oliveira; SOUZA, Vinícius R. Prioli de. Células-tronco e o direito brasileiro. 2006. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/26/44/2644.>. Acesso em: 19 fev. 2008. 31 23 Células-Tronco do cordão umbilical O sangue contido no cordão umbilical e na placenta é uma fonte extraordinária de células-tronco. As características especiais dessas células – chamadas células da esperança – têm demonstrado expressiva vantagem em sua eficácia terapêutica no tratamento de inúmeras doenças onco 34 -hematólogicas, para as quais estaria indicado o transplante de medula óssea. Estudos recentes realizados em vários países, inclusive no Brasil, têm apontado o potencial superior dessas células em se transformarem em células do sistema nervoso, músculo cardíaco, ossos, pele, entre outros tecidos, comparados com o potencial das células-tronco embrionárias. Contudo há controvérsias acerca da potencialidade das células-tronco do cordão umbilical 35 . O sangue do cordão umbilical é fonte de células-tronco hematopoiéticas, de fibroblastos 36 , de células-tronco vasculares e de células mesenquimais, que podem ser utilizadas pela Medicina Regenerativa (Medicina Translacional) para a recuperação ou, até mesmo, para a reprodução de órgãos lesados 37 . O que se tem a favor da utilização terapêutica das célulastronco do cordão umbilical em determinadas doenças, é que essas células não causam rejeição no receptor, desde que sejam próprias. Outro motivo para o armazenamento e posterior utilização dessas células é a dificuldade de se encontrar doadores compatíveis de medula óssea. Atualmente o país soma 2.500 indicações anuais para transplante de medula óssea, das quais 1.500 não encontram um doador com laços de parentesco e compatibilidade genética. 34 Do gr. Ónkos, ou volume, massa, molécula. Elemento de composição. 1= tumor, volume, massa: oncogene, oncologia. Doenças do sangue, tais como anemias, leucemias e distúrbios que dificultam a coagulação. 35 GARCIA-OLMO, Dámian apud Petição Inicial da Adin 3510/2005, p. 06. 36 Histol. Célula jovem, comum no tecido conjuntivo que se constitui no principal responsável pela formação do tecido fibroso e de material intercelular amorfo (sem forma). 37 JENSEN, André. Palavra do Especialista. Fontes alternativas de células-tronco. Disponível em: http://www.cellpreserve.com.br/especialista.php. Acesso em: 07 mar. 2008. 24 A preocupação da corrente contrária à utilização terapêutica das células-tronco (tanto embrionárias, adultas e do cordão umbilical) é de que esse material genético se configure como um instrumento, ou seja, que poderão ser transformados para atender propósitos meramente utilitários. Alguns prevêem o mercado de material genético, no qual um óvulo terá grande valor comercial. Mulheres serão estimuladas à superovulação e, em conseqüência disto, receberão pagamento em pecúnia por seus óvulos. Trata-se esse aspecto da coisificação do ser humano, como entendem os ativistas contrários à terapia com célulastronco como v.g., o grupo Brasil sem aborto 38 . Células-Tronco Mesenquimais As células-tronco mesenquimais são células não- hematopoiéticas, ou seja, não sangüíneas, as quais são multipotentes e possuem alta capacidade de se renovarem e se diferenciarem em várias linhagens de mesenquimais tecido conjuntivo 39 compreendem o especificamente. tecido conjuntivo, o Os tecidos ósseo e o cartilaginoso, os vasos sangüíneos e linfáticos 40 e o tecido muscular. Vale explicitar que o tecido conjuntivo é o que apresenta diversos tipos celulares, separados por grande quantidade de material intercelular constituído por fibras e por substância fundamentalmente amorfa. As células que formam esses tecidos são oriundas do mesmo folheto germinativo (grupos de células embrionárias com a mesma competência de multiplicação e indução), ou seja, do mesoderma, que surge na terceira semana de vida intra-uterina, durante a embriogênese. Sabe-se que, até as duas primeiras semanas, o embrião é formado por um disco germinativo bidérmico, ou seja, por duas camadas de populações 38 <http://www.brasilsemaborto.com.br> A longevidade das células-tronco. Disponível em: <http://www.cordcell.com.br/celulas_tronco.php?id=6&titulo=longevidade%20das%20célulastronco>. Acesso em: 26 out. 2007. 39 25 celulares, o ectoderma e o endoderma; na terceira semana, surge o mesoderma, que se dispõe entre os dois já existentes e surge devido à migração de células do ectoderma. Esses três folhetos são a base da formação do indivíduo, pois eles darão origem aos diversos tecidos do organismo. O ectoderma, por exemplo, formará o sistema nervoso central 41 e periférico 42 e a epiderme; já o endoderma dará origem ao epitélio do trato respiratório e ao parênquima da glândula tireóide, da paratireóide 43 , do fígado e do pâncreas. O mesoderma originará o tecido conjuntivo, cartilagens, ossos, musculatura, células e vasos sangüíneos e linfáticos. Durante a diferenciação do mesoderma são formadas células chamadas de células mesenquimais, as quais dão origem a outras células-tronco dos tecidos supracitados. A principal função da célula-tronco mesenquimal contida no estroma medular (na sustentação da medula óssea) é regenerar o sangue, porque as células sanguíneas se renovam constantemente. Ademais elas ajudam no reparo de lesões ocorridas no corpo, principalmente nos tendões e alguns tipos de conectivos. Indiferenciação e diferenciação das células-tronco Esclarece-se que a célula-tronco indiferenciada é uma composição de células que não têm especialidade, ou seja, elas podem ser utilizadas para qualquer fim, em qualquer tecido ou órgão, desde que devidamente acondicionadas e cultivadas (cordão umbilical, por exemplo). Porém se essas células forem agrupadas juntamente a outros tipos de células, para formar corpos embrionários, então automaticamente elas se diferenciarão espontaneamente, tornando-se células especializadas ou diferenciadas. 40 Referente à circulação. Para a anatomia, sistema nervoso central é composto do cérebro e da medula espinhal (Wikipédia). 42 Nervos cranianos 43 Glândula responsável pelo controle de fósforo e de cálcio no metabolismo. 41 26 Assim as células-tronco diferenciadas, v.g., as mesenquimais, podem formar células musculares, nervosas e muitos outros tipos de células. Esse processo é chamado de diferenciação espontânea. Embora a diferenciação espontânea seja uma indicação de que a cultura de células embrionárias é uma prática tida como saudável, porém esse não é o melhor caminho para produzir células de um tipo específico 44 . Para crio preservar tipos específicos de células-tronco diferenciadas – células musculares cardíacas, células sanguíneas ou nervosas, por exemplo – cientistas tentam controlar a diferenciação nas células-tronco embrionárias, por meio da alteração de sua composição química, alterando a superfície denominada ectoderma, ou modificam-nas com a utilização da técnica de inserção de genes específicos. Em um ser vivo, as células-tronco adultas podem se dividir ao longo de um período, sendo capazes de dar origem à células que têm formas características únicas e estruturas especializadas e funções particulares de um tecido determinado. Para exemplificar o parágrafo anterior, expõem-se as seguintes hipóteses: No tecido hematopoiético são encontradas células, as quais originam todos os tipos de células sangüíneas, tais, a saber: glóbulos vermelhos, linfócitos, células do sistema imunológico dentre outras. Células do estroma medular (células mesenquimais): são células que originam outras como as células originárias dos ossos, as das cartilagens, as células do tecido adiposo e outros tipos de células conectivas, inclusive as células do tendão. As células-tronco adultas do tecido epitelial encontradas no trato digestivo dão origem, dentre outras, às células enteroenócrinas 45 . 44 Disponível em: <http://www.stemcells.nih.gov/info/basics/defaultpage.asp>. Acesso em: 27 set. 2007. Tradução livre da autora. 45 Relativo às glândulas intestinais. Célula com grande dimensão e com prolongamento citoplasmático distribuído em todas as direções. 27 Células-tronco neurais formam três tipos de células: os neurônios, que são células neurais propriamente ditas e que são passíveis de regeneração e outros dois tipos de células, situadas no cérebro, porém não neurais - as astrócitas 46 e as oligodendrócitas 47 . Ainda nesse sentido, as células-tronco situadas no epitélio desenvolvem as bases para os folículos capilares. As células epidérmicas geram colágeno, que migram para a superfície da pele e formam uma camada protetora 48 . A diferenciação e indiferenciação das células-tronco nada mais são do que um processo natural que ocorre para o funcionamento dos órgãos e regeneração das células que o compõem. A longevidade das células-tronco As células-tronco podem ter vida longa, dependendo das condições de preservação. O tempo de vida de uma célula pode variar conforme a espécie. No ser humano, existem células que vivem apenas alguns dias, e outras que podem acompanhar o indivíduo por toda a vida. Quanto à longevidade das células de um modo geral, elas podem ser classificadas em lábeis (curta duração), estáveis (duram meses ou anos) ou permanentes (duram toda a vida). As células lábeis são pouco diferenciadas e possuem grande capacidade de duplicação, como, por exemplo, as hemácias. O tempo de vida de uma hemácia é de aproximadamente 90 dias. As células estáveis se multiplicam durante o crescimento do organismo, um exemplo são as epiteliais. Diferente das células lábeis e estáveis, as células permanentes possuem grande capacidade de diferenciação e se 46 Célula com grande dimensão e com prolongamento citoplasmático distribuído em todas as direções. 47 Célula cuja potencialidade é muito baixa. 28 multiplicam apenas na fase embrionária 49 . As células-tronco podem ser classificadas como permanentes, não só pela capacidade de diferenciação, mas também por permanecerem no corpo do indivíduo durante toda a vida. Segundo a professora doutora Alice Teixeira Ferreira: “(...) há crianças sadias que vieram de embriões congelados havia muito tempo” 50 . Por outro lado, de acordo com algumas pesquisas, a chance de um embrião de laboratório produzir uma gestação é de apenas 28%. O prazo para armazenamento de embriões, de modo geral, tem sido estipulado em cinco anos. Esse foi o prazo estipulado no Relatório de Warnock, em 1984, no Reino Unido. Com o referido relatório surgiu a terminologia pré-embrião na tentativa de se criar um novo termo que não gerasse resistências e possibilitasse a utilização de células-tronco embrionárias 51 . Procedimentos já realizados nos Estados Unidos, utilizando embriões congelados por sete ou oito anos, com fins de reprodução humana assistida, comprovou o perfeito desenvolvimento dos bebês, sem qualquer anomalia 52 . Em 1996 houve um debate na Inglaterra sobre a obrigatoriedade de todos os embriões ingleses serem destruídos naquele ano, o que realmente foi efetuado. Na Espanha, no ano seguinte, estimava-se a existência de mais de 1000 embriões congelados, sem destinação específica e já acondicionados por mais de cinco anos. No mês de novembro de 1997, a Espanha se desfez de todos eles 53 . No Brasil, o prazo normativo que determina a inviabilidade de uma célula-tronco embrionária é de três anos, conforme a Lei de Biossegurança. 48 Department of Health and Human Services (DHHS).Disponível em: <http://stemcells.nih.gov/info/basics/defaultpage.asp>. Acesso em: 27 set. 2007. Tradução livre da autora. 49 Universidade Federal do Mato Grosso . Tempo de vida das células. Disponível em http://www.ufmt.br/bionet/curiosidades/15.07.04/long_cel.html. Acesso em: 07 mar. 2008. 50 SEGATTO, Cristiane. O que fazer com embriões congelados?. Revista Época nº 467. p. 109. 51 GOLDIM, José Roberto. Pesquisa em embriões. Disponível em < http://www.ufrgs.br/bioetica/embrpes.htm>. Acesso em 13 de março de 2008. 52 Kipper, Marques e Feijó organizadores, 2003, p.57. 53 Ibidem nota 52. 29 CAPÍTULO 2 A FERTILIZAÇÃO IN VITRO E OS EMBRIÕES EXCEDENTES Perspectiva geral acerca das técnicas de reprodução humana assistida Antes de abordar a temática do que vem a ser reprodução humana assistida, é importante esclarecer qual o significado da palavra fecundação, sob a perspectiva bioética: significa e comporta o fato de realizar um novo ser, um novo indivíduo. Quando se trata do homem, a fecundação é sinônimo de procriação. A reprodução humana assistida é o conjunto de operações para unir artificialmente os gametas feminino e masculino, dando origem a um ser humano e poderá dar-se pelos métodos ZIFT ou do GIFT, os quais são diferentes técnicas de reprodução humana assistida e a primeira se reporta à fertilização in vitro. A técnica GIFT - Gametha Intra Fallopian Transfer 54 – é a conhecida inseminação artificial intracorpórea, ou seja, é a inoculação do sêmen na mulher, sem que haja qualquer manipulação externa do gameta masculino. Ao abordar o tema, há que se observar bem a distinção entre fertilização e inseminação. Na primeira, a pré-concepção ocorre fora do útero, de forma mecânica, enquanto que na segunda introduz-se o material genético masculino na mulher, para que a fecundação aconteça pelo próprio corpo. A GIFT, previamente definida, é uma técnica de fecundação artificial que importa na transferência simultânea, mas em separado, dos gametas masculinos e femininos para dentro da trompa de falópio. 54 Transferência Intratubária de Gametas 30 Ela é indicada em algumas formas de esterilidade feminina (v.g.endometriose 55 pélvica) ou masculina (oligoastenospernia 56 ) que não sofrem agressão com a inseminação artificial, sob condição de que a mulher tenha ao menos uma das trompas. 57 Essa fecundação pode ser homóloga, se feita com componentes genéticos advindos do casal ou heteróloga, se com material fertilizante de terceiro (sêmen do marido e óvulo de outra mulher; sêmen de terceiro e óvulo da esposa; sêmen e óvulos estranhos), cujo embrião poderá ser implantado no útero da esposa ou de terceira pessoa. É aconselhável evitar a fertilização heteróloga pelos sérios problemas éticojurídicos que traz. Porém não vamos adentrar nesse assunto, tendo em vista não ser o foco do presente trabalho. A título de exemplificação do que ocorre na Inglaterra por causa da fertilização heteróloga, filhos de pais não sabidos ou desconhecidos vão em cadeia nacional, mostram suas características físicas e proferem a seguinte frase: “Olá, meu nome é (...), sou filho de inseminação artificial e gostaria de conhecer meu pai. Se você se acha parecido comigo, por favor me procure por meio desse programa de televisão 58 . Tem-se com o exposto que as técnicas de reprodução humana assistida, ao serem desenvolvidas e experimentadas, tinham apenas o escopo de tentar auxiliar casais inférteis a realizarem o sonho da paternidade/maternidade. Porém com o passar dos anos, e especialmente com a fertilização in vitro, os cientistas, pesquisadores, laboratórios e doadores de material genético se deparam com uma outra realidade: a sobressalência de material genético fertilizado sem perspectiva de utilização para o fim a que se propunha. Um tipo de intervenção biomédica ou técnica de procriação não pode ser avaliada do mesmo modo que qualquer ato fisiológico ou técnico, como poderia ser, v.g., a diálise renal (filtragem que 55 Doença que causa dor e infertilidade que acomete mulheres em idade reprodutiva e que consiste na presença de endométrio em locais fora do útero. 56 Insuficiência de esperma. 57 SGRECCIA, Elio. Manual da Bioética. – Edições Loyola, 1993. 31 os rins realiza de todos os líquidos ingeridos pelo indivíduo, exceto do sangue), que não podendo acontecer dentro do organismo de maneira orgânica, é praticada artificialmente, sem que esse fato, por si, acarrete problemas éticos 59 . Atualmente surgem as mais diversas reações acerca do assunto: ganância dos investidores, temor pelos bem alinhados, excitação nos ativistas e um nó nos neurônios dos meios de comunicação que precisam retransmitir algo que seus integrantes muitas vezes não entendem 60 . A fertilização in vitro A fertilização in vitro ocorre com a utilização da técnica denominada ZIFT, da sigla em inglês Zibot Intra Fallopian Transfer, que significa transferência intratubária de zigotos e consiste na retirada do óvulo da mulher para fecundá-lo na proveta, com sêmen do marido ou de outro homem, para depois introduzir o embrião no útero da esposa ou companheira, ou, ainda, no de uma terceira mulher (útero de aluguel.) 61 . Verifica-se com essa técnica que a fertilização do óvulo se dá fora do útero materno, ou seja, inseminação artificial extracorpórea. As técnicas de fertilização extracopórea requerem um controle, por meio de vários exames, da saúde do casal, tais como a verificação da normalidade do útero e a acessibilidade dos ovários. Dentre outras etapas da fertilização in virto, incluem-se: a indução da ovulação, a punção folicular (retirada os óvulos do corpo feminino), coleta e preparação do esperma, completando-se com a inseminação e cultura de embriões 62 . 58 NAT GEO - National Greographic Channel. Who’s my father? Programa exibido em 12 de agosto de 2007. 59 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. Edições Loyola. 3.ed. 1993. Trad.Orlando Soares Moreira.399.p. 60 SOUZA de, Draiton Gonzaga, Erdtmann, Bernardo – organizadores. Ética e genética. p.7 61 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. – São Paulo: Saraiva, 2001. 62 MACHADO, Maria Helena. Reprodução humana assistida – aspectos éticos e jurídicos. Curitiba: Juruá, 2006. p.41. 32 Em 1978, Louise Brown foi a primeira criança nascida no mundo por meio da fertilização in vitro. No Brasil, no dia 07 de outubro de 1984, foi a vez de Ana Paula Caldeira, no Estado de São Paulo. Atualmente existem mais de 5.000 bebês de proveta no país 63 . Vinte anos após o primeiro nascimento utilizando a técnica, descobriu-se que as células-tronco mais potentes, capazes de se transformar em qualquer um dos 216 tecidos humanos e se replicar com grande velocidade, são as originais, ou seja, o resultado da fecundação do óvulo com o espermatozóide. Desse resultado tem-se um embrião. Em 1994, o aparecimento no jornal Times de Londres de um anúncio publicitário do Genetics and Ivf Institute, que prometia fecundação rápida e seletiva a um preço equivalente a 25 milhões de liras, provocou a maior indignação na época. Imediatamente as autoridades britânicas alertaram a população sobre os riscos das incursões ao “McDonald’s” da fecundação 64 . Em outubro de 1999, a imprensa mundial anunciou que estava ocorrendo um “leilão”, via internet, de óvulos de modelos para candidatos a pais que sonham com filhos bonitos. Não que a idéia fosse particularmente nova: há tempos que o ramo da reprodução humana assistida apontava para o caminho de uma crescente mercantilização 65 . A polêmica dos embriões excedentes oriundos da fertilização in vitro e a dificuldade de se determinar o início da vida É da técnica de reprodução humana assistida denominada fertilização in vitro que excedem embriões, os quais podem ficar guardados indefinidamente (enquanto seus genitores tenham condições financeiras para mantê-los congelados) ou por até três anos, como versa a Lei de Biossegurança, desde que aqueles autorizem a utilização terapêutica ou não desse material. 63 SOUZA de, op.cit., p.8. BERLINGUER, Geovanni; GARRAFA, Volnei. O mercado humano: estudo bioético da compra e venda de partes do corpo. Brasília: Ed. UnB, 1996. p.70. 65 BARBOZA, Heloísa Helena; BARRETO, Vicente de Paulo (org). Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. pp. 106 e 107. 64 33 De um lado, com a criação dessa técnica resolveu-se o problema da infertilidade de uma série de casais que sofriam com a impossibilidade de uma gestação sem intervenção médica, por outro cria novos problemas que necessitam de um posicionamento ético, pois nem tudo o que é possível é justificável 66 . Alexandre de Moraes esclarece que o direito à vida é uma garantia constitucional preciosa, mas que o início dela deverá ser dado pelo Biologia, cabendo ao jurista dá-la o enquadramento legal. De qualquer forma, o autor assevera que do ponto de vista biológico, não há dúvidas que o início da vida se dá com a fecundação do óvulo com o espermatozóide, resultando um zigoto 67 .As questões controversas oriundas da utilização de embriões excedentes fertilizados in vitro exigem um distanciamento temporal e emocional para uma avaliação sóbria 68 . Alguns autores defendem que a terminologia embrião é equivocada, por ser utilizada de formas distintas. Esclarece-se que em biologia, antes da implantação, o óvulo fecundado chama-se zigoto em vez de embrião. Observa-se que: “Embrião é a entidade em desenvolvimento a partir da implantação no útero até oito semanas após a fecundação; no começo da nona semana começa a ser denominado feto e conservará essa denominação até nascer. Os termos doação de embriões, transferência embrionária e experimentação embrionária, são, portanto, inapropriados, já que em todos os casos estamos falando de um zigoto e não embrião” 69. Outras disposições normativas utilizam uma variedade de expressões para designar o zigoto, tais como células-viáveis (Áustria); óvulos fecundados (Noruega); ovócitos fecundados (Dinamarca) 70 . Porém o que se pretende analisar neste tópico é a excedência de embriões ou zigotos. 66 SOUZA de, Draiton Gonzaga; Erdtmann, Bernardo – organizadores. Ética e genética II. 2003. 8.p 67 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral. 5.ed. –2003, p.88. 68 SOUZA de, op cit., p. 8. 69 CASABONA, Carlos María Romeo, (org). 2002. p.117. 70 CASABONA, op.cit., p. 177. 34 As academias de 66 (sessenta e seis) países, entre elas a brasileira, assinaram um documento em que defendem a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias, área tida atualmente na ciência como uma das mais promissoras. 71 Segundo a geneticista e pró-reitora de pesquisa da Universidade de São Paulo, Mayana Zatz: ”a Lei de Biossegurança nos deu o direito de fazer as mesmas pesquisas feitas no exterior. Deu-nos o direito de não sermos apenas espectadores” 72 . Para ela, a Lei de Biossegurança trouxe novos horizontes, antes impossíveis de serem ao menos testados em favor de muitas vidas humanas em curso. Decidir o que fazer com embriões congelados há mais de três anos não é uma tarefa simples. Entra-se no campo da dignidade humana, nos limites para a intervenção sobre a vida humana, do direito à vida e inclusive do direito ao direito à vida, ou seja: se o embrião é titular de direitos fundamentais ou se é apenas protegido no seu direito à vida pelas normas objetivas da Constituição, devido à falta da sua capacidade jurídica e da sua capacidade de ser titular de direitos fundamentais 73 . Mais que a promessa de tratamentos, cientistas também enxergam nessas células uma ferramenta para a realização de experimentos da ciência básica, ou seja, os cientistas serão capazes de entender como ocorre a diferenciação dessas células e qual a maneira mais eficaz de explorar esse potencial na cura de doenças genéticas. Uma reflexão adicional surge e é a seguinte: o Código Penal brasileiro não classifica como crime a conservação de embriões sobressalentes, nem tampouco a utilização deles para fins terapêuticos. E caso ocorra a declaração de constitucionalidade da Lei de Biossegurança, a utilização e pesquisa de células embrionárias advindas da fertilização in vitro adquirirão aplicabilidade e eficácia. Matar um ser humano que possui um interesse próprio na sobrevivência configura uma grave violação do direito. Recusar a 71 Revista Época, nº 467 de 30/04/2007. 108.p. Ibidem., p.108. 73 SOUZA de, Draiton Gonzaga; ERDTMANN, Bernardo (org.). Ética e Genética II. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 72 35 solidariedade da espécie e com isso a proteção da vida a um ser que ainda não pode ter tal interesse e que, além disso, não pode e nunca pôde ter até agora vivenciar nada, pode ser, no caso normal, desagradável ou criticável 74 . A bioquímica Lenise Martins Garcia, da Universidade de Brasília, defende que o embrião é um indivíduo original e irrepetível, inclusive participou da primeira audiência pública do STF acerca da Adi. nº. 3510/2005, mostrando aos presentes uma foto de um embrião usado em pesquisas, que, segundo ela, foi estourado. Acrescenta ainda que muitos pais nos Estados Unidos deixaram de doar seus embriões para a pesquisa ao ver a foto 75 Não é nada fácil pesquisar embriões congelados. Isso ocorre porque eles são congelados no terceiro dia após a fecundação, quando têm apenas oito células. Depois do descongelamento, apenas 40% chegam à fase de 150 células (blastocisto), justamente a etapa que interessa aos cientistas 76 . Os embriões excedentes precisam sobreviver à cultura e, além disso, ainda têm que se multiplicar em milhões de células. Quando tudo isso acontece, o cientista ou pesquisador tem nas mãos uma linhagem celular. No entanto, para fazer com que ela vire músculo, neurônio ou tecido hepático é uma jornada. O fisiologista Luiz Eugênio Mello, pró-reitor de graduação da Universidade Federal de São Paulo, afirmou que cada terapia com célula-tronco vai ter uma receita secreta 77 . Ele pesquisa o uso de célulastronco embrionárias no tratamento da esclerose lateral amiotrófica, a doença do físico Stephen Hawking. Em entrevista para a Revista Época, Mello afirma que o Brasil não tem uma massa suficiente de pesquisadores 74 SOUZAde, op.cit., p.63 Nos vinte minutos concedidos aos interessados, a Drª Lenise mostrou aos presentes uma imagem de um embrião, que segundo ela foi destruído para fins terapêuticos. 76 SEGATTO, Cristiane. O que fazer com embriões congelados? Revista Época, 30 de Abril de 2007. p. 110. 77 Revista Época nº 475. p.104 75 36 para o desenvolvimento dessa área e que não se conseguirá criar tecnologias e registrar patentes tão cedo 78 . A título exemplificativo da previsão do fisiologista Mello, nas investigações sobre o genoma humano, um dos aspectos que mais suscitou o debate foi a proteção jurídica de seus resultados 79 . Quem propôs sua proteção estava visando os efeitos econômicos que podem provir da investigação. Como se vê, a questão do que fazer com embriões congelados vai além de possíveis entraves jurídicos, “os quais poderiam ser superados [...], mas antes, trata-se de interesses econômicos contrapostos e da confrontação de concepções culturais e sociais diferentes, em cujos extremos, habitualmente situam-se, de um lado, a incidência de uma norma com dispositivos claros acerca da personalidade jurídica do ente embrião, e de outro, milhões de pessoas que depositam a esperança, nesta nova tecnologia e medicina, de voltarem a ter a saúde que um dia já tiveram ou sonham em tê-la” 80 . A livre atividade científica tem aplicação por meio da atual Constituição, o que implica dizer, no tocante às pesquisas com célulastronco embrionárias, que se elas forem proibidas, o Estado estará cerceando o direito à pesquisa, respaldado em vários debates anteriores, inclusive no Congresso Nacional. Outra controvérsia que envolve o que fazer com embriões excedentes é saber o exato instante em que a vida começa. Dentre outros fatos, a existência de embriões excedentes instiga a querer saber onde, como e quando a vida começa, para que não se cometa o engano de exterminar milhões de vidas, mesmo que seja apenas em potencial. Sobre o problema do início do ser humano, são duas as teses que norteiam e ao mesmo tempo se contrapõem, em virtude das argumentações biológicas e filosóficas: a tese do momento da fecundação e a tese das fases sucessivas. 78 SOUZA de, op.cit. p.74. The Danish Council of Ethics, Patenting Human Genes. A report, Copenhagen, 1994. 80 CASABONA, Carlos María Romeo, organizador. 2002. p.30 79 37 Segundo a primeira tese, personalista, o ser humano tem início no momento da fecundação do óvulo feminino com o espermatozóide masculino. Essa tese se funda na racionalidade biológica, porque a fusão de gametas representa o verdadeiro e único salto de qualidade, que não se repete. Essa síntese gera uma nova e autônoma individualidade humana, que se desenvolve sem solução de continuidade e sem necessidade de estímulos externos até o nascimento. Com uma imagem arquitetônica, o zigoto é, ao mesmo tempo, projetista, encarregado e construtor do novo ser humano. A mãe provê o ambiente de trabalho e o material necessário para a construção. Zigoto, blastocisto e embrião indicam, convencional e descritivamente, somente fases diferentes do desenvolvimento humano antes do nascimento, tal como no recém-nascido, na criança, no menino, no adolescente, no adulto e no velho indicam somente as diferentes fases da vida do homem depois do nascimento, sem nada acrescentar e nada deixar faltando à sua humanidade. Em contrapartida, segundo as teses utilitaristas, o início do ser humano se pospõe, convencionalmente, às fases sucessivas do desenvolvimento embrionário. Por meio de diferentes argumentos, as fases sucessivas são individualizadas em termos biológicos: Na nidação do óvulo fecundado no útero materno; • Aparição da linha primitiva, que representa o primeiro esboço do sistema nervoso e do início à sensibilidade à dor; • Suspensão de totipotencialidade das células embrionárias, isto é, de sua capacidade de dar vida a outros embriões e, portanto, à possibilidade de gêmeos monovulares; • Nascimento cerebral, no momento da formação do sistema nervoso central; e • 81 CASABONA, op.cit. p. 188. Organogênese: formação dos órgãos principais 81 . 38 Inevitavelmente surgem algumas divergências sobre o momento do início do ser humano: depois da fecundação, depois da primeira semana, depois do dia quatorze, depois da oitava semana etc. No plano filosófico, as diversas fases do início do ser humano são individualizadas nos denominados indicadores de humanidade, que segundo opiniões, consistem em: • No reconhecimento alheio da humanidade do concebido (embrião), no sentido de ser humano e seu direito à vida dependem de a mãe aceitar o concebido e querer procriar; • Presença de determinadas capacidades ou faculdades, que consistem na: capacidade de relação com a mãe; boa qualidade de vida; capacidade vida autônoma, quer dizer, de sobreviver fora do útero da mãe; autoconsciência, racionalidade etc. 82 Quais são as críticas a essas teses? Objeta-se que elas se baseiam numa ideologia expressamente utilitarista e convencional. São elaboradas com a finalidade de criar uma fase em que o embrião é considerado uma coisa e, por isso, pode ser livremente instrumentalizado: para a pesquisa científica, a experimentação ou o transplante de tecidos; para a produção de pré-embriões em excesso para a fecundação assistida (com a supressão ou conservação de embriões residuais); para as manipulações genéticas com finalidades não terapêuticas e para a produção e uso dos embriões em cosméticos ou na indústria 83 . Fiorillo destaca que “a legislação brasileira adota o critério específico no sentido de definir juridicamente quando a vida termina. Relembra, ainda, que o Conselho Federal de Medicina, por meio da Lei nº 9.434/1997 em seu artigo 3º, que o fim da vida é determinado com a morte encefálica 84 . Logo, o referido Conselho, ao estabelecer que a morte 82 _________. op. cit., p. 78. CASABONA, loc.cit. 84 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2007, p.236) 83 39 encefálica seja caracterizada através de exames clínicos complementares durante intervalos de tempo variáveis [...] considera que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, ou seja, observada a parada total e irreversível das funções do cérebro, e por via de conseqüência as funções neurais, a vida termina 85 . Na visão do referido jurista ambientalista supracitado: “Se a vida humana termina quando pára a atividade nervosa, podemos concluir que a vida humana começa quando se inicia a atividade nervosa. Daí ser possível afirmar, em face da legislação vigente, que a vida humana se inicia quando começa o sistema nervoso, a saber, a partir do 14º dia de gestação”. 86 . O mesmo posicionamento foi adotado pelo Ministro Relator da ADI nº 3510/2005. A preservação de embriões requer seja praticado um ato de lealdade legislativa, no sentido de que os legisladores de distintos países possam resolver, no exercício de seu poder soberano e em conformidade com suas Constituições, fazendo prevalecer a tutela do concebido (embrião) ou dos interesses científicos, da indústria de cosméticos etc. Alexandre de Moraes entende que o embrião representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde com a do pai e nem com a da mãe 87 . No caso do Brasil, deu-se prioridade em tutelar a liberdade de pesquisa, já prevista no ordenamento em vigor, resguardando assim, a saúde de milhares de pessoas que podem ter qualidade de vida melhor por meio das denominadas terapias gênicas. 85 Resolução nº 1.480, de 08 de agosto de 1997. Vide “células-tronco adultas e embrionárias”, artigo da Profa. Dra. Mayana Zatz, in Revista Brasileira de Direito Ambiental, coordenação de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, ano 1,n.1, Editora Fuiza apud FIORILLO, 2007, p. 236. 87 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral. São Paulo: Atlas, 2003. p. 88. 86 40 Por outro lado, Peter Singer defende tacitamente a salvaguarda de embriões, como se segue: “É possível dar à expressão ‘ser humano’ um significado exato. Podemos usá-lo como equivalente a ‘membro da espécie homo sapiens’. Pode-se determinar cientificamente se um indivíduo é, ou não, membro de determinada espécie, mediante o exame da natureza dos cromossomos presentes nas células dos organismos vivos. Nesse sentido, não resta dúvida de que é um ser humano, desde os primeiros momentos de sua existência, um embrião concebido do esperma e do óvulo de 88 seres humanos” . 88 SINGER, Peter. Vida Ética. Tradução de Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p.163. 41 CAPÍTULO 3 ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS ACERCA DA UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA DAS CÉLULAS-TRONCO Adi nº 3510/2005 A matéria versada na Adi nº 3510/2005 é de tão alto relevo social que o Ministro Relator, Carlos Ayres de Britto, determinou que a audiência fosse pública para a efetiva participação da sociedade. A última audiência pública foi realizada no dia 05 de março de 2008. A peça processual ajuizada pelo então Procurador-Geral da República, Cláudio Fontelles, alegou elementos inconstitucionais, os quais ele alude terem sido inobservados pela Lei de Biossegurança Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, quais sejam: a inviolabilidade do direito à vida, contido no art. 5º, caput, além do descumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Ao evocar o posicionamento de um especialista em ginecologia, o Procurador transcreve “que o embrião é ser humano na fase inicial de sua vida”, sendo ele um ser humano em virtude de sua constituição genética ser própria do ser humano, oriunda de um casal humano, por meio da doação de seus gametas 89 . Estende o entendimento do desenvolvimento humano “iniciar na concepção, com a formação do zigoto na união dos gametas até completar a oitava semana de vida 90 ”. Classifica que o momento dessa união entre os gametas masculino e feminino é o princípio da existência de um novo ser, o qual já tem suas características pessoais fundamentais delimitadas. Demonstra que o descobridor da Síndrome de Dawn (Jérome Lejeune) afirma ser a fecundação o marco do início da vida 91 89 Adin 3510/2005, p. 2. FIORILLO, op.cit., p. 237. 91 Jérôme Lejeune, professor da Universidade de René Descartes, em Paris, apud Adin 3510/2005, p. 3. 90 42 Outro parecer, também incluso na peça, do Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos, esclarece que embora não seja possível distinguir nas fases iniciais os formatos humanos em um embrião, este se encontra com vida e carrega consigo todas as informações, a saber, o código genético, intrínsecas para o seu desenvolvimento sem que haja necessariamente intervenção humana. Nem mesmo a própria mãe pode interferir nesse processo, no sentido de ajudar o embrião a se multiplicar e tornar-se feto e assim por diante 92 . Com isso, o Procurador afirma que o embrião “não se trata de um simples amontoado de células. O embrião é vida humana” 93 . Ao passo que o embrião gradativamente se desenvolve, quando alcança maior tamanho, reconhecem-se os traços físicos de um ser humano: cabeça, tronco, mãos, braços, pernas, pés, etc. e o antes chamado embrião passa agora a ser chamada do feto. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, o ProcuradorGeral da República à luz o entendimento da Dr.ª Alice Teixeira Ferreira, Professora associada de Biofísica da UNIFESP/EPM, na área de biologia celular-sinalização celular, a explicação do termo embriologia, que quer dizer o estudo de embriões e atualmente este termo se reporta ao estudo do desenvolvimento de embriões e fetos 94 . Continua ainda a supracitada Professora, em consulta a textos referentes à embriologia, par quem todos são unânimes em afirmar que: “O desenvolvimento humano se inicia quando o ovócito é fertilizado pelo espermatozóide. Todos afirmam que o desenvolvimento humano é expressão do fluxo irreversível de eventos biológicos ao longo do tempo que só para com a morte”. Acrescenta o raciocínio, afirmando que todo o ser humano passa pela mesma fase de desenvolvimento: ovócito, mórula, depois 92 RAMOS, Luiz de Paula Dalton, membro Interdisciplinar de bioética da UNIFESP apud Adin 3510/2005. pp. 3 e 4. 93 FONTELLES, Cláudio, 2005 apud Adin 3510/2005, p.4. 43 blastocisto e feto. Aqui a referência é a mesma da citação anterior. Eu realmente preciso colocá-la novamente já que comecei o parágrafo com a palavra”acescenta” Outra pesquisadora utilizada pelo Procurador (Dr.ª Elizabeth Kipman Cerqueira, perita em sexualidade humana), assevera que: “O zigoto, constituído por uma única célula produz imediatamente proteínas e enzimas humanas e não de outra espécie. É biologicamente um indivíduo único e irrepetível, um organismo vivo 95 pertencente à espécie humana” . Como a ADI nº 3510/2005 não versa somente acerca do início da vida para defender a não utilização de células-tronco embrionárias, o Procurador apresentou soluções biologicamente viáveis para o conflito entre a Lei de Biossegurança, a Constituição e a ciência, apontando as pesquisas com células-tronco adultas como a solução atualmente mais eficaz para a cura de doenças genéticas em questão. Em um estudo realizado pela Universidade Autônoma de Madrid (Espanha), comandada pelo Dr. Damián Garcia-Olmo, percebeu-se que há avanços das pesquisas científicas muito mais promissores com células-tronco adultas, do que com as embrionárias 96 . O Dr. Damían explica, em entrevista, que a terapia com células-tronco adultas permite o transplante autólogo, sem problemas de recusas ou rejeições e não causa problemas clínicos nem éticos como o uso das células-tronco embrionárias 97 . O Dr. Damían esclarece que “o tratamento com célulastronco adultas é mais procedente do que com as células embrionárias, por causa dos enormes riscos em potencial passíveis de serem efetivados, tais como tumores, problemas de rejeição, necessidade de terapia etc., por fim, menciona três programas de uso clínico das células-tronco adultas para 94 FERREIRA, Alice Teixeira apud Adin 3510/2005, p. 4. CERQUEIRA, Elizabeth Kipman apud Adin 3510/2005. p. 5. 96 OLMO-GARCIA, Damían apud Adin 3510/2005. pp. 6 e 7. 95 44 tratamento de patologias humanas, cujos resultados demonstram que o uso de células adultas é seguro” 98 . No tocante ao direito comparado, o Procurador menciona que na Alemanha é proibido o uso de embriões humanos para fins distintos da concepção, por isso, naquele país, os embriões não são objeto de pesquisa científica. Além de proibir a utilização de embriões para fins diferentes do da concepção, a lei proíbe a clonagem humana 99 . Porém a legislação alemã faz diferenciação entre célula embrionária totipotente e pluripotente. As totipotentes podem se transformar em qualquer um dos 216 tecidos que compõem o corpo humano, já as células pluripontentes podem se desenvolver em todos os tecidos humanos, exceto anexos embrionários 100 . Assim sendo, a legislação alemã permite que as célulastronco embrionárias pluripotentes podem ser utilizadas para fins de pesquisa científica. Dessa permissão advém a problemática de distinguir quando uma célula embrionária pode ser considerada toti ou pluripotente. Para assentar de maneira mais eficaz o entendimento de que o embrião humano já possui vida, o Procurador colheu o posicionamento da Dr.ª Cláudia M.C. Batista, Professora Adjunta da UFRJ, a qual disserta: “Todo o desenvolvimento humano tem como marco inicial a fecundação e, após este evento, têm-se um ser humano em pleno desenvolvimento e não somente um aglomerado de células com vida meramente ‘celular’. Trata-se, a partir deste evento, de um indivíduo humano em um estágio de desenvolvimento específico e bem caracterizado cientificamente” 101 . No tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana, o Procurador reforça a idéia de que o embrião humano é vida humana, igual a um ser que já está em convívio social e destaca o entendimento do 97 ______.______. p. 6. Idem nota 94. 99 ESchG, §6, Abs.1 apud Adin nº 3510/2005, p.09 100 SEGATTO, Cristiane; BUSCATO, Marcela. Por dentro dos novos tratamentos com célulastronco. Revista Época, p. 95, 25 de junho de 2007. 101 BATISTA, Cláudia M.C. apud Adin 3510/2005, p. 10. 98 45 Dr. Gonzalo Herranz, Diretor do Departamento de Humanidades Biomédicas da Universidade de Navarra, o qual defende, in verbis: “O núcleo ético do argumento é este: todos os seres humanos são iguais, pois não têm mais valor e mais dignidade do que outros. Em concreto, certos seres humanos e os embriões humanos congelados inviáveis se contam entre eles, valem muito pouco e podemos intercambiá-los por coisas mais valiosas. Não têm nome, nem são pessoas como as outras. Estão condenados a morrer e ninguém chorará nem celebrará funerais por suas mortes, inevitáveis e autorizadas pela lei” 102 Como todo e qualquer desfecho de uma peça processual, o Procurador-Geral da República pede pela declaração de inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, em detrimento da inobservância de garantias e princípios constitucionais previstos na Carta Magna de 1988. A Ação Direta de Inconstitucionalidade é ajuizada por causa de seu teor enérgico, pela agressividade e radicalismo; pela sua natureza fulminante 103 . Pois uma vez que a lei é declarada como inconstitucional, é retirada do ordenamento jurídico vigente, por ser considerada incompatível com a ordem jurídica da qual fazia parte 104 . Trata-se de um controle de constitucionalidade abstrato, ou seja, de um controle direto, cuja oponibilidade é erga omnes. Segundo Bonavides: “O controle por via da ação não parece ser aquele que melhor se presta a resguardar os direitos individuais, os quais encontrariam proteção bem superior, de ponto de vista da eficácia, no remédio jurisdicional da via de exceção.” 102 HERRANZ, Gonzalo apud Adin 3510/2005, p. 11. BONAVIDES, 2004, p. 307. 104 BONAVIDES, op.cit., p. 308. 105 BONAVIDES, Paulo. 2004, p. 308. 103 105 46 Esse controle, por sua vez, fica reservado apenas algumas autoridades públicas, numa vedação que tem tornado a aplicabilidade das garantias individuais constitucionais dos seus jurisdicionados, muito deficiente perante a leis infraconstitucionais, voltado, sobretudo, para resolver conflitos entre poderes políticos 106 . O voto do Ministro Carlos Ayres de Britto – Um breve histórico De início, o Ministro Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade em questão identificou a contraposição de duas correntes de opinião. A primeira, “deixa de reconhecer às células-tronco embrionárias virtualidades, ao menos para fins de terapia humana, superiores às das células-tronco adultas”. Essa mesma corrente atribui ao embrião uma função progressiva de auto-constitutividade, ou seja, o embrião se constitui por si só, mas para isso, é necessário que haja um ambiente propício e secundário para tal: o útero materno. 107 Tem-se, nesse contexto, o embrião como unidade personalizada, cuja utilização o destrói por completo, provocando assim, um disfarçado aborto, mesmo que essa unidade seja produto de uma concepção realizada em laboratório, pois já existe uma criatura ou organismo humano, o qual deve ser visto de forma igualitária àquele que se desenvolve no útero de sua mãe. Considera-se que o embrião seja vida humana em estágio embrionário e não um estágio da vida humana. O certo é que se considere uma pessoa no seu estágio embrionário e não um embrião a caminho de ser pessoa. A consideração de que zigoto fecundado apenas seja embrião humano é reducionista. 106 Têm legitimidade para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme a Constituição de 1988: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, A Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 107 Voto do Ministro Carlos Ayres de Britto, 2008. 47 A segunda corrente de opinião é a que propõe a utilização de embriões excedentes, oriundos da fertilização in vitro, atendidas as exigências legais. Descreve o Relator que essa corrente “padece de dores morais ou de incômodos de consciência”, pois, para ela, o embrião fertilizado em laboratório é extremamente diferente do embrião que percorre seu caminho até chegar ao útero, de forma laboriosa, dentro de um lapso temporal 108 . O Ministro faz uma clara distinção entre utilização terapêutica de células-tronco embrionárias e aborto. Para isso, acosta parte da explanação da Professora de Genética da Universidade de São Paulo, Dr.ª Mayana Zatz, a qual defende não haver vida no embrião congelado caso não haja intervenção humana: “É preciso haver intervenção humana para a formação do embrião, porque um dado casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural [...]”. 109 Explicita o Ministro Relator que tanto a corrente favorável quanto a contrária à utilização terapêutica de células-tronco embrionárias reconhecem o princípio da dignidade humana para respaldarem suas argumentações. A lei é bem clara ao tratar de células advindas de manipulação humana, produzidas em laboratório e não espontaneamente. Essas células produzidas in vitro são o foco da terapia celular, por meio da qual se busca a substituição de células ou tecidos lesados, a fim de que se restaure a função original do órgão/tecido, devolvendo a saúde e a dignidade da pessoa humana com vida em curso. Ao destrinchar a legislação ora atacada pela Adi nº 3510/2005, o Relator ressalta as condições impostas pela lei para utilização das células embrionárias. Não se trata de uma posse clandestina das células por parte dos cientistas e pesquisadores, mas sim de evitar que elas sejam descartadas em detrimento da dignidade humana e da 108 Voto proferido pelo Ministro Carlos Ayres de Britto, em audiência pública realizada em 05 de março de 2008 109 ZATZ, Mayana apud Voto do Ministro Relator da Adin 3510/2005. 48 saúde pública do país 110 . Em seu voto o Relator destaca que a inviabilidade empírica dos embriões é constatada por meio de procedimento médico seguro, cujo resultado é atestar a impossibilidade de o embrião se desenvolver. Diferente da utilização terapêutica, os únicos caminhos para essas células inviáveis são: (i) o congelamento por prazo indeterminado, (ii) o descarte ou (iii) a pesquisa científica 111 . A Lei de Biossegurança traz em seu bojo o caráter de compromisso com a bioética, ao determinar que todos os projetos que versem acerca de atividade de pesquisa com células-tronco embrionárias ou da utilização com fins terapêuticos, sejam apreciados por comitês de ética em pesquisa. Também é de caráter bioético a proibição de toda e qualquer espécie de comercialização do material coletado, cujo desrespeito é comparado ao tráfico de órgãos e tecidos. A questão em análise pelo Supremo Tribunal Federal é sobre um conjunto de normas constitucionais para que se realizem pesquisas no campo da medicina celular regenerativa em paralelo àquelas que já se vêm desenvolvendo com outras fontes de células-tronco humanas, no caso as adultas, as quais podem ser retiradas do cordão umbilical, no líquido amniótico, na medula óssea, em células de gordura, no sangue menstrual e até mesmo na pele, esta última a mais recente descoberta científica acerca das células-tronco adultas. O Relator faz uma crítica ao teor da Adi nº 3510/2005, que taxa o art. 5º da Lei de Biossegurança contrário, de forma frontal, ao magno texto republicano, desconsiderando a maior versatilidade das células-tronco embrionárias para se converterem em qualquer dos 216 tipos de células que compõem o corpo humano. A Adin expressa, in verbis: “Reação até mesmo à abertura da lei de Biossegurança de que as células-tronco embrionárias constituem tipologia celular com melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais, em situações de anomalias ou graves incômodos 110 111 Extraído do Voto do Ministro Relator da Adin 3510/2005. BONAVIDES, loc.cit. 49 genéticos, acidentes” adquiridos, 112 ou em conseqüência de . O Ministro justifica a menção aos termos pessoa física ou pessoa natural, não no que diz respeito às teorias da personalidade adquirida no momento do nascimento, ou pela teoria da personalidade condicional ou da concepcionista, mas “de quem é pessoa numa dimensão geográfica, mais do que simplesmente biológica” 113 . Considera o conceito de vida constitucional, trazendo o testemunho do publicista José Afonso da Silva, in verbis: “Vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva (...)” 114 Tem-se que embrião não está agregado à espécie humana, não possuindo personalidade jurídica numa dimensão biográfica, tendo em vista ser incompatível ao embrião ser-lhe imputados direitos em seu próprio nome. Além disso, o embrião não é dotado de sanidade mental, e nem pode contrair obrigações nem se pôr como endereçado de normas que já signifiquem imposição de “deveres“ propriamente. Tudo isso em razão de o embrião nem ser nativivo, nem tão pouco ser perceptível a olho nu. Sua vida, portanto, é incessantemente relacional. Entretanto as normas jurídicas alcançam aqueles que estão biograficamente qualificados pela legislação em vigor a receberem direitos e deveres, e serem, pelo direito, classificados como imputáveis desses direitos e deveres. O ordenamento jurídico vigente contempla a forma de vida pré-natal, resguardando-lhe os direitos desde a concepção. Porém a 112 Voto do Ministro Relator da Adin 3510/2005. Extraído do Voto do Ministro Relator da Adin 3510/2005, item 19. 114 SILVA, José Afonso de. Curso de Direito Constitucional Positivo apud Voto do Ministro Relator da Adin 3510/2005. 113 50 Constituição não prevê a existência de embriões acondicionados ou fecundados in vitro como bens jurídicos tutelados pelo direito à vida. O embrião não é sujeito passivo do direito à vida. Há ausência de normatividade para esse caso. Conclui-se, pelo exposto, que nem todo estágio da vida humana é considerado como bem jurídico, merecedor ou passível de ser tutelado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e pelo direito à vida humana. A inviolabilidade do direito à vida, declarada pela Constituição de 1988, no seu art. 5º, caput, é “exclusivamente reportante a um personalizado indivíduo”. Aqui, o Ministro Relator dissociou a discussão sobre início da vida, tão conclamado na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador Cláudio Fontelles, pois no momento cabia-se delimitar “que aspectos ou momentos dessa vida estão validamente protegidos pelo Direito Infraconstitucional e em que medida” 115 . Ronald Dworkin, constitucionalista americano, apresenta uma maneira de se escalonar a proteção para os diferentes estágios do desenvolvimento humano: “A proteção vai aumentando a medida que as tais etapas do evolver da criatura vai adensando a carga de investimento nela: investimento natural ou da própria natureza, investimento pessoal dos genitores e familiares” 116 . O Ministro intitula essa figura de “tutela jurídica proporcional” das etapas e do investimento que se faz para a chegada da vida humana. Quanto maior o investimento, mais incidência da tutela jurídica 117 . A legislação infraconstitucional, ao prever que os direitos do nascituro estão a salvo desde a concepção, expõe direitos que são aplicados a quem está a caminho do nascimento. O embrião fertilizado in 115 Voto proferido pelo Ministro Relator da Adin 3510/2005. Item 24. ______.Item 25. 117 Extraído do voto do Ministro Relator da Adin 3510/2005. 116 51 vitro não está a caminho do nascimento, nem tão pouco há perspectivas de desenvolvimento no ambiente o qual está inserido. O direito penal, ao reconhecer que, apesar de nenhuma realidade ou forma de vida pré-natal ser uma pessoa física ou natural, ainda assim faz-se protetora de uma dignidade que importa reconhecer e proteger, nas condições e limites da legislação ordinária infraconstitucional. O embrião não é parte, pois não está normatizado infraconstitucionalmente como pessoa humana embrionária, e sim como célula embrionária humana. O embrião não faz parte de um todo social, nem é um todo à parte. O ordenamento jurídico brasileiro, no voto do Ministro Relator da Adi nº 3510/2005, preceitua que o início da vida é uma realidade distinta daquela constitutiva da pessoa física ou natural. O Ministro não quis negar o início da vida humana com a coincidência do instante da fecundação de um óvulo feminino com o espermatozóide masculino, apenas distinguiu o embrião humano de pessoa física ou natural “simplesmente porque esse modo de irromper em laboratório e permanecer confinado in vitro, é para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva” 118 . Para o embrião não há possibilidade do desenvolvimento contínuo, contrariando a afirmação textual contida na inicial da Adi º 3510/2005. Cabe ressaltar que a Lei de Biossegurança não autoriza extirpar do corpo feminino zigoto a caminho do útero, ou nele já fixado. A Lei de Biossegurança autoriza um procedimento extra-corporis: pinçar embriões humanos, obtidos artificialmente e acondicionados in vitro. Essas células não precisam de cópula humana, nem do corpo feminino para que sejam entidades biológicas ou material genético. Portanto nutri-se esperança para uma determinada parcela da sociedade brasileira em encontrar vida saudável para filhos, pais, irmãos que pelejam em restaurar suas vidas por meio da utilização terapêutica de células-tronco embrionárias fecundadas artificialmente ao invés de serem descartadas meramente como material genético qualquer, 52 evitando, assim, o desperdício de uma grande solução para aqueles que aguardam por anos nas filas de doação de órgãos, na tentativa de se restabelecer a saúde. Por fim, o voto do Ministro Relator Carlos Ayres de Britto foi pela total improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade por todos os motivos acima aludidos. A Lei de Biossegurança e a utilização de células-tronco no Brasil A Lei de Biossegurança, ao regulamentar os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição da República, entendeu por bem estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades vinculadas aos denominados organismos geneticamente modificados – OGM – e seus derivados, dispondo sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB. A nova PNB visa preservar a diversidade, bem como a integridade do patrimônio genético do Brasil, definindo critérios normativos destinados a estabelecer a incumbência constitucional indicada ao Poder Público, no sentido de fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético, além de fixar as normas jurídicas destinadas a controlar a produção, a comercialização, assim como o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente constante no art. 225, §1º, II e V, da Constituição, in verbis: “II - preservar a adversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem riscos para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”. 118 Extraído do voto do Ministro Relator da Adin 3510/2005. 53 Essa lei passa a organizar normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, quais sejam: construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, comercialização, consumo, liberação no meio ambiente e descarte de organismos geneticamente modificados – OGM’s. Vale ressaltar que a Lei de Biossegurança, ao ser votada pelo Senado Federal, obteve 366 (trezentos e sessenta e seis) votos favoráveis, contra 59 (cinqüenta e nove) desfavoráveis 119 . Apesar de sancionada a Lei de Biossegurança, ela necessitava ainda de regulamentação. E a regulamentação só ocorreu em 23 de novembro de 2005, pelo Decreto nº 5.591. No artigo 5º da Lei de Biossegurança, é liberado o uso de embriões estocados há no mínimo 3 (três) anos em clínicas de fertilização, para a obtenção de células-tronco embrionárias, desde que esse uso seja autorizado por seus genitores, in verbis: “Art. 5º É permitida para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data de publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. §1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. §2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. §3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9434, de 4 de fevereiro de 1997.” Verifica-se a preocupação do legislador em proteger os embriões do descarte indiscriminado. No entanto, a constitucionalidade desse artigo está sendo questionada por uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin nº 119 Dados do relato em Audiência Pública no STF realizada dia 05 de março de 2008. 54 3510/2005), proposta pelo, na época, Procurador-Geral da República, Cláudio Fontelles, e ainda não julgada, contando apenas com dois votos dos onze que compõe a plenária do STF. Segundo ele, a inconstitucionalidade do artigo está no fato de que o embrião é ser humano, desse modo não se pode estabelecer gradação constitucional ao conceito de inviolabilidade da vida, pois esse conceito concede tutela completa. E ainda, que a vida tem início com a fecundação, sendo assim não pode ser liberada a utilização de embriões, ainda que cultivados em laboratório. Até a Lei de Biossegurança, o embrião produzido em laboratório não era tratado pelo direito brasileiro. A Constituição de 1988 assegura a inviolabilidade do direito à vida. Segundo o Código Civil, porém, “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida. Mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Em contrapartida, o Ministério da Saúde alega que não é possível a inconstitucionalidade da lei, pois a Constituição Federal, em momento algum, faz menção sobre embriões que não se fixaram no útero, sendo que a Lei de Biossegurança é a única regulamentação sobre o assunto. E, por fim, em defesa contra a citada Adin, o Ministério da Saúde assevera que os Códigos Civil e Penal tratam somente da gestação, ou seja, do embrião dentro do útero. A Lei de Biossegurança não explicita acerca da maneira como deve ocorrer a autorização para a utilização de embriões excedentes: se por escrito, verbal, ou com escritura registrada. Outra determinação legal é que os embriões devem estar acondicionados há mais de três anos para serem utilizados ou pesquisados, sempre com o consentimento de seus genitores. Segundo a Dra. Alice Teixeira, da Universidade Federal de São Paulo, não há como saber com certeza se os embriões são inviávies. A pesquisadora assevera existir dados estatísticos de que há crianças sadias nascidas de embriões congelados havia muito tempo. Tal prazo é subjetivo, pois não existem mecanismos tecnológicos no Brasil suficientes para avaliar a possível potencialidade ou impotencialidade de 55 um embrião congelado há mais de três anos vir ou não a ser um ser humano dotado de personalidade civil 120 . A Revista Época, nº 467, publicada em abril de 2007, trouxe um dado intrigante: não se sabe ao certo quantos embriões congelados existem no Brasil. A Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida fez um levantamento em 42 clínicas responsáveis por mais de 85% das fertilizações in vitro no Brasil. A pesquisa concluiu que de três a cinco mil embriões poderiam ser utilizados em pesquisas. E esses embriões se enquadrariam nas três exigências da Lei de Biossegurança: foram doados com o consentimento do casal, são inviáveis ou estavam congelados há mais de três anos na data da promulgação da lei 121 . A eticidade da utilização terapêutica de células-tronco embrionárias Em primeiro lugar, cabe denominar o que vem a ser bioética. Para Pessini e Barchifontaine 122 bioética “é um neologismo que significa ética da vida”. Esse primeiro sentido já indica um conteúdo de enorme abrangência: tudo o que é vida lhe compete. Kipper, Marques e Feijó definem que: “[...] a bioética era uma reflexão muito ampla sobre a utilização dos recursos tecnológicos disponíveis sobre todas as formas de vida no planeta. Em 1978, W.T Reich assim a definia: ‘é o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados com a saúde, enquanto esta conduta é examinada à luz dos valores e dos princípios morais’. Aos poucos, esta ciência se dirige mais especificamente para os cuidados com a saúde dos seres humanos [...]” 120 123 . SEGATTO, Cristiane. Revista Época. p. 109 .30 de abril de 2007. ______. _______.p.110. 122 1996, pp. 30 e 31. 123 KIPPER, Délio José; MARQUES, Caio Coelho e FEIJÓ, Anamaria organizadores. Ética em pesquisa: reflexões. 2003, p.14 121 56 O uso de células-tronco embrionárias oferece grandes promessas no tratamento de muitas doenças em várias áreas da clínica médica. Entretanto a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias abre um debate ético muito grande e que tende a crescer nos próximos dias 124 . Pode-se dizer que o debate sobre as questões éticas e legais do uso de células-tronco embrionárias na pesquisa e clínica humana está quase chegando ao fim com o julgamento da Adi nº 3510/2005. Conforme destacam Kipper, Marques e Feijó : “A história da civilização humana mostra que a produção do conhecimento científico humano é de uma riqueza, de uma complexidade e de uma variedade grandiosa. A história da ciência está recheada de exemplos de muitos pesquisadores, que, seguindo caminhos diferentes, intelectuais chegaram a e/ou experimentais conclusões ou ao desenvolvimento de tecnologias similares [ao da utilização terapêutica de células-tronco] (grifos acrescentados).” 125 Pode-se citar quatro argumentos éticos em favor de um autêntico direito fundamental subjetivo à vida e dignidade humana da mórula 126 . Eles são também discutidos nos fóruns internacionais de ética médica, quais sejam: 1. O fato de ela (a mórula) pertencer à espécie homo sapiens; 2. O continuum sem graus do desenvolvimento ulterior até o ser humano nascido (contanto que ele não seja morto); 124 KIPPER, Délio José; MARQUES, Caio Coelho e FEIJÓ, Anamaria organizadores. Ética em pesquisa: reflexões.-Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 125 KIPPER, Délio José; MARQUES, Caio Coelho e FEIJÓ, Anamaria organizadores. Ética em pesquisa: reflexões. 2003 p. 76. 126 Embr. Massa compacta, constituída por dezesseis ou mais blastômeros e proveniente da segmentação de ovo fecundado. 57 3. O potencial já existente no primeiro estágio de vida do embrião para esse e qualquer outro desenvolvimento; e finalmente, 4. Uma determinada identidade já do embrião com todos os seus futuros estados de ser humano e existência possível 127 . O argumento da espécie é simples. Na visão de Reinhard Merkel: “A proteção da proibição de homicídio valeria para o embrião já unicamente por ele pertencer biologicamente à espécie humana. Como todos os nascidos pertencentes a essa espécie possuem indubitavelmente um direito fundamental à vida, o princípio do tratamento igual ordenaria também a proteção do embrião. Porém, quem aduz unicamente o fato de determinada qualidade biológica, para fundamentar uma norma, a saber, o direito do embrião à vida e com isso o dever de todas as outras pessoas de não mata-lo, demonstra exemplarmente o que os filósofos denominam falácia naturalista” 128 . Para ele, não faz sentido no mero plano conceitual conceder-lhe nesse tocante um direito subjetivo de proteção – quer dizer, uma proteção contra uma lesão que não poderá ser cometida contra o embrião. 127 128 SOUZA de, Draiton Gonzaga; Erdtmann, Bernardo – organizadores. Ética e genética, p.59 MERKEL, Reinhard apud Ética e genética II, 2003, p. 60. 58 A Constituição da República e o Princípio da Dignidade Humana em face da utilização terapêutica de células-tronco embrionárias O princípio da dignidade humana, presente na Carta Magna no art. 1º, inciso III, exerce alcance, sobretudo, nos chamados direitos e garantias fundamentais, os quais, por sua vez, não incidem diretamente sobre a pessoa humana em seu aspecto físico, mas ainda no desdobramento de sua personalidade. Ainda no art. 6º encontram-se desdobramentos do princípio da dignidade humana, pois ninguém tem existência digna sem educação, saúde, moradia, proteção à maternidade e à infância, dentre outros. Por fim, a família guarda estreita relação com a dignidade da pessoa humana, isso expressamente declarado no § 7º do art. 226. O princípio jurídico da dignidade da pessoa humana exige como pressuposto a intangibilidade da vida humana. Sem vida, não há pessoa, e sem pessoa, não há dignidade. O preceito da intangibilidade da vida humana não admite exceção, é absoluto e está, de resto, confirmado pelo caput do art. 5º da Constituição da República. Um exemplo disto é a proibição da eutanásia. O próprio suicídio fere a intangibilidade da vida humana, embora não esteja capitulado como antijurídico no Código Penal brasileiro. Maria Helena Diniz explica que a capacidade (agente capaz) advém de uma série de requisitos que o homem (pessoa humana) preenche aos olhos da lei; esta por sua vez, confere àquele personalidade jurídica para agir por si, ora como sujeito passivo, ora como sujeito ativo de uma relação jurídica 129 . Por esse ângulo, o embrião não tem capacidade por não agir por si só. No entanto, nos deparamos com um paradigma: se avaliarmos o embrião apenas segundo o seu status quo atual, não será possível fundamentar para ele um direito subjetivo à vida 130 . Kelsen ensina que: 129 DINIZ, Maria Helena. 2003, p.117. 59 “Ser pessoa ou ter personalidade jurídica é o mesmo que ter deveres jurídicos e direitos subjetivos. A pessoa como suporte de deveres jurídicos e direitos subjetivos, não é algo diferente dos deveres jurídicos e dos direitos subjetivos dos quais ela se apresenta como portadora – da mesma forma de uma árvore da qual dizemos, numa linguagem substantivista, expressão de um pensamento substancializador, que tem um tronco, braços, ramos, folhas e flores, mas apenas o todo, a unidade destes elementos. A pessoa física [...] tem deveres jurídicos e direitos subjetivos e estes formam um complexo de direitos e deveres cuja unidade é figurativamente expressa no conceito de pessoa. A pessoa é tão-somente a personificação desta unidade” 131 Pelo entendimento Kelsiano, pode-se afirmar que o embrião humano não é pessoa, pois a ele ainda não foi conferida personalidade civil. No ordenamento jurídico vigente, a personalidade jurídica é adquirida no nascimento com vida 132 . A personalidade é produzida pela norma jurídica 133 e as normas jurídicas vigentes não prevêem personalidade jurídica para o embrião. Para Adriano de Cupis: “A personalidade é geralmente definida como uma susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações, e nem é mais do que a essência de uma simples qualidade jurídica. A personalidade não se identifica com os direitos e obrigações jurídicas; constitui a pré condição deles, ou seja, o seu fundamento e pressuposto” 134 . Toda nova tecnologia gera polêmicas, que, nessa questão, somente impedem que pessoas com doenças neuromusculares, renais, cardíacas, hepáticas ou diabetes sejam tratadas, impedindo, dessa 130 SOUZA, Draiton G. de; ERDTMANN, Bernardo (org). Ética e Genética II. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p.65. 131 KELSEN. Teoria Pura do Direito, pp. 242 e 243. 132 Código Civil Brasileiro, art. 2º. 133 CUPIS Adriano de. apud SUNDFELD, Carlos Ari. 2005, p. 61 134 1961, p. 13 apud SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org), 2001, p. 156. 60 forma, que médicos e cientistas descubram a cura para uma série de doenças. Como a espada da justiça, a tecnologia tem dois fios. Pode ser usada para o bem ou para o mal. As tecnologias que resultarão, e que já resultaram, dos avanços da genética humana podem aliviar o sofrimento e a miséria dos humanos. Cabe, porém, aos leigos, e não aos profissionais, controlar o novo conhecimento e sua aplicação tecnológica sob o viés ético. A dignidade humana é o valor constitucional supremo que agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição, tais como direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, entre outros, direitos que são conferidos a todos de modo igual, segundo consta o caput do artigo 5º. Alexandre de Moraes define o direito à vida o mais fundamental de todos os direitos, “já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos” 135 . Tem-se com isso que sem o reconhecimento do direito à vida ao embrião, é impossível a tangibilidade dos demais direitos à pessoa humana ou ao embrião fertilizado in vitro. É mister que se busque um ponto de equilíbrio entre as duas posições antiéticas: ou a proibição total de toda e qualquer atividade biomédica, o que significa uma freada no processo científico em curso, ou a permissividade plena, que pode gerar prejuízos éticos, humanos e sociais inimagináveis. E esse ponto de equilíbrio deve ser buscado num dos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito, isto é, a dignidade da pessoa humana. Para o jusnaturalismo de Kant, sendo racional e livre, o homem é capaz de impor a si mesmo normas de conduta, designadas por normas éticas, válidas para todos os seres racionais que, por sua racionalidade, são fins em si e não meios a serviço dos outros. A norma básica de conduta moral que o homem pode-se prescrever é que em tudo 135 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.- 14.ed. – São Paulo: Atlas, 2003. p.63. 61 o que faz deve sempre tratar a si mesmo e a seus semelhantes como fim e nunca como meio 136 . A concepção Kantiana a respeito da dignidade é essencial à atribuição de significado jurídico ao termo embrião, e logicamente, para a determinação do sentido do alcance do Princípio da Dignidade Humana. No art. 208 da Carta Magna vislumbra-se o incentivo, pelo Estado, do desenvolvimento científico, da pesquisa e da capacitação tecnológica. O texto constitucional protege todas as formas de vida, inclusive a uterina. O patrimônio genético da pessoa humana tem proteção ambiental constitucional observada em face do que determina o art. 225, §1º, incisos II e V, iluminada pelo art 1º, inciso III, Carta Magna, sendo certo que a matéria foi devidamente regulamentada pela Lei de Biossegurança, que define no âmbito infraconstitucional a tutela jurídica dos mais importantes materiais genéticos vinculados à pessoa humana 137 . Ocorre que células-tronco embrionárias utilizadas em pesquisas ou para fins terapêuticos são criadas in vitro, ou seja, cultivadas em laboratório, não são introduzidas em um útero humano, o que diferencia a crio conservação terapêutica de uma reprodutiva. Os argumentos de pessoas que se opõem à crio conservação terapêutica, dentre outros, é que esta abrirá caminho para a clonagem reprodutiva e que isso geraria um comércio de óvulos e embriões. Nesse caso, é essencial lembrar que, para a ocorrência dessa hipótese, existe um obstáculo insuperável, qual seja a necessidade de um útero. Para isto bastaria proibir a transferência desses embriões criados por meio de clonagem terapêutica para um útero. Cabe ainda salientar as diferentes definições do direito à vida, para quem tem em casa um portador de moléstia degenerativa ou alguém que perdeu os movimentos. Por vezes a definição do direito à vida 136 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1995. p.39. 137 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 8.ed. ver., atual.e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007. 62 se consubstancia em livrar o filho do respirador, suturar-lhe a fenda na barriga, por onde se alimenta, e resgatar-lhe a dignidade humana. A vida é o bem jurídico mais importante a ser tutelado. O uso de células-tronco embrionárias é uma técnica, não um pecado, e toda técnica após descoberta ganha vida própria e pode fugir ao controle. No entanto a técnica e sua descoberta não são os verdadeiros problemas, e sim o uso que a civilização faz, para o bem ou para o mal, de suas invenções. 63 CONCLUSÃO É inegável que a descoberta científica acerca do poder das células-tronco foi um grande salto dado pela ciência, especialmente no Brasil. Até então doenças tidas como incuráveis, tais como mal de alzheimer, parkinson, diabetes tipo 2, agora têm chances de não produzirem seus sintomas, e se forem produzidos, serão reduzidos a um nível quase imperceptível. O verdadeiro início dessas pesquisas se deu há muito tempo. Época essa em que os microscópios não possuíam as lentes tão potentes quanto as de hoje. Porém a tecnologia não permitiu grandes avanços. Mas a insistência dos cientistas de então é que propiciou a visão atual: o mapeamento genético e as promessas de saúde nunca possíveis como hoje. Toda pesquisa descortina uma gama de segredos. Com o passar do tempo, foram descobertos outros tipos de células-tronco. Mais tarde percebeu-se a presença delas em lugares não pensados antes: no tecido hematopoiético (tecido que origina o sangue) em adultos, no cordão umbilical e no tecido epitelial (pele). Com o avanço do conhecimento concomitante ao da tecnologia, foi possível visualizar alguns comportamentos celulares, no sentido de definir qual a maneira escolhida pelas células para se desenvolverem. Entre uma pesquisa e outra, surge a necessidade de atender a casais atingidos pela anomalia da infertilidade. Os cientistas esmeram-se em elaborar uma técnica capaz de ajudar esses casais e promovem uma conquista intitulada fertilização in vitro. Essa técnica promete àqueles que sofrem com a infelicidade de não conseguirem fecundar gametas femininos com os masculinos de modo natural, a efetiva e concreta fecundação com auxílio de mãos humanas, com o fim de atingir a concepção, e, logo após, o nascimento de uma criança saudável. 64 Toda pesquisa descortina uma gama de segredos, repitase. Ao passar do tempo, foram sobrando gametas fecundados, sem perspectiva de serem inseminados, em razão da alta eficácia da fecundação in vitro. Contudo nascem várias dúvidas: o que fazer com esse material genético congelado, ora denominado comumente de embrião? Seria essa técnica saudável? Guardar embriões virou moda? Pode-se usálos para outros fins que não seja a reprodução humana? Existe licitude nesse pensamento? Existe eticidade no tocante à prática de acondicionamento de embriões humanos? Pode-se trocá-lo? Vendê-lo? Doá-lo a outros que queiram exercer o direito à paternidade? Descartá-los? No Brasil o costume imperante é de criar leis para que elas resolvam os problemas sociais. Pois bem, foi sancionada a Lei de Biossegurança no ano de 2005. E mais um segredo é incorporado no rol de revelações: a possibilidade de os embriões congelados serem pesquisados ou utilizados em fins terapêuticos, desde que sejam considerados inviáveis (a lei não determina como se dá essa inviabilidade) e haja o consentimento dos genitores em doá-los, independentemente para qual dos dois fins apontados previamente. E aqui surgem barreiras éticas, morais, espirituais, religiosas, políticas, econômicas, financeiras e jurídicas. Há um alvoroço. Uns concordam, outros discordam. Não há consenso. Como uma paródia, “a alegria dos cientistas e pesquisadores durou pouco”. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade é ajuizada pelo então Procurador-Geral da República, Cláudio Fontelles, contra a Lei nº 11.105/2005, cujo teor versa sobre o art. 5º da referida legislação, o qual, no entendimento do Procurador, fere princípios constitucionais irrevogáveis e intransmissíveis, sugerindo, assim, que a Lei de Biossegurança seja declarada inconstitucional, extirpando do ordenamento jurídico vigente toda sua eficácia, validade, aplicabilidade e tangibilidade. Para dar o direito àqueles que o invocam, ao Supremo Tribunal Federal, pela Carta Magna, coube solucionar todos os impasses oriundos dessa relação jurídica imprevisível: de um lado milhões de 65 brasileiros às filas dos hospitais à espera de um tratamento para suas anomalias e patologias. De outro, milhões de células recém pesquisada e consideradas a chave que abrirá a porta da cura na vida dessas pessoas acometidas por tanto sofrimento. Juridicamente, de um lado do conflito a norma que prevê o direito à saúde dos cidadãos brasileiros, como garantia constitucional do Estado, e, de outro, uma figura ainda não inserida no ordenamento jurídico, a qual não se sabe ainda como classificá-la. Afinal as opiniões consideradas se dividem. E novamente não há consenso. O início da vida, ninguém se atreve a dizê-lo, ou por não ser determinável aos humanos, ou por medo de errar. Mas arrisca-se muito mais ao determinar o que não é vida. O conceito negativo pressupõe o conhecimento do positivo. Enfim instaura-se uma guerra de conceitos. Uma mídia manipulada orienta sua massa sobre qual posicionamento é melhor. Especialistas espanhóis aparecem timidamente em folhas de papel A4 esclarecendo a verdadeira bomba que se esconde por detrás das pesquisas com células-tronco embrionárias 138 . Ao cair da noite, o assunto esfria e todos dormem. De repente, os flashes lampejam, os carros voam e a audiência pública começa. Sob a mira de lentes, testemunhas e esperançosos de todo o país, uma renomada pesquisadora mostra a crueldade executada em um embrião utilizado para fins terapêuticos, e, antes disso, tido como inviável para os fins propostos inicialmente. Alguns meses depois, e mais uma audiência. Essa mais esperada que a primeira pelo fato de a solução para o caso estar prestes a ser dada. Alvoroço. Nervosismo. Ceticismo. Impaciência. Um voto lido em aproximadamente três horas e trinta minutos. O Ministro Relator, soube-se que houvera feito uso de medicamentos para conseguir dormir em paz, e por ironia do que quer que seja, proferiu um voto filosófico, jurídico, 138 Os meios de comunicação têm mostrado muitas soluções oriundas da utilização terapêutica de células-tronco embrionárias. Por outro lado, eles não divulgam como, onde e quando essas células podem ser implantadas ou transplantadas. E ainda, não esclarecem acerca dos possíveis riscos da recepção deste material genético, tal como a rejeição das células implantadas e/ou transplantadas. Vale ressaltar que implante refere-se à transferência autóloga, que significa dizer que as célulastronco recebdias são do prórpio receptor, ao passo que células transplantandas subentende-se serem de doador diverso/desconhecido. 66 deôntico, biológico, com a total incidência da vontade legis e político. No desfecho, todas as vênias são apresentadas aos que contrário pensam e defendem. Nesse momento, os muros da Ação Direta de Inconstitucionalidade começaram a ruir. O voto foi pela improcedência da iniciativa. A Ministra Ellen Gracie, no momento Presidente do Egrégio Tribunal, acompanhou o Ministro Relator. Para a angústia de alguns, um dos Ministros pediu vistas dos autos do processo, para que tenha condições de votar conscientemente. Dúvidas foram aclamadas, questionando-o: seria esse pedido de vista meramente protelatório? Será que o Ministro não vê a urgência do assunto, enquanto milhões de pessoas sofrem? Ele não tem filhos à espera dessa solução? Os que aguardam ansiosamente pelo desfecho dessa intempérie jurídica torcem para que o restante dos Ministros façam o papel de maria-vai-com-as-outras e votem seguindo o Relator. É óbvio que copiar é menos prejudicial e arriscado do que criar. A vida se tornou um bem móvel, o qual pode ser trocado por um pouco de incerteza. O embrião ganha outros nomes: mórula, blástula, gástrula, folheto germinativo. Todas as denominações são dadas para que a ética seja vislumbrada nessa prática e as pesquisas sigam seus rumos sem culpa. Culpa? É instituto do direito penal, diriam os menos avisados (ou intencionalmente retóricos). “Conceder um direito inexeqüível é auto-negação do Poder do Estado” 139 . Fechar os olhos para a verdade não é sinônimo de imparcialidade. Imparcialidade? É ficção jurídica no caso em tela. E embrião? O embrião, como lembra Emerson Ike Coan é alcançado pelo direito à vida que se manifesta desde a concepção – ainda que artificial – até a morte – “com proteção exigida quanto mais insuficiente for seu titular, não sendo direito sobre a vida, mas à vida” 140 .. 139 140 Extraído do Voto do Ministro Relator da Adin 3510/2005. COAN, Emerson Ike apud SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite Santos (org). 2001.p.259. 67 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Fundamentos da Biologia. 4.d. – São Paulo: Moderna, 2006. BARBOZA, Heloisa Helena; BARRETO, Vicente de Paulo (Org.). Temas de biodireito e Bioética. – Rio de Janeiro, 2001. BERLINGUER, Giovanni; GARRAFA, Volnei. O mercado humano: estudo bioético da compra e venda de partes do corpo. – Brasília: Universidade de Brasília, 1996. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14.ed. – São Paulo: Malheiros editores, 2004. BRASIL. 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