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Síndrome rara revela segredo por trás do cérebro social
humano
Descoberta do gene da tolerância pode ajudar a tratar o
autismo
Reprodução - Criança retratada no filme “Embraceable”, de 2011: afabilidade e dismorfia facial são
características da síndrome de Williams
por Viviane Nogueira
11/08/2016 4:30
Um gene que regula o preconceito, originando um cérebro gregário e que faz com que humanos se
conectem independentemente de aparência ou classe social. Ao analisar portadores da rara
síndrome de Williams, presente em um em cada 10 mil nascimentos, a equipe do pesquisador
brasileiro Alysson Muotri, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San
Diego, nos EUA, descobriu o FZD9 — um dos 25 genes alterados em pessoas com a síndrome,
responsável por má formações no córtex cerebral e que pode ser apontado como um dos genes da
tolerância.
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As pessoas em geral têm duas cópias do gene FZD9. Os portadores da síndrome de Williams têm
apenas uma cópia, o que potencializa o número de sinapses, tornando esses indivíduos
excessivamente sociáveis e livres de qualquer preconceito, como bem retrata o documentário
“Embraceable”, de Jon Kent (2011): é como se essas pessoas abraçassem a vida sem restrições. O
oposto acontece com alguns autistas, que têm três cópias do gene, o que leva a menos conexões
entre os neurônios e a indivíduos repletos de barreiras de interatividade.
Foi justamente o interesse pelo contraste entre os dois transtornos que motivou a pesquisa
publicada ontem na revista “Nature”: a hipersociabilidade incomum característica da síndrome de
Williams poderia dar pistas sobre o autismo, marcado pela reduzida interação social.
— Imaginei que estudando o desenvolvimento neural da síndrome eu poderia aprender algo sobre o
cérebro social humano, porque ao contrário de outros primatas, como o chimpanzé, o córtex cerebral
dos humanos evoluiu para aumentar o processamento social em quase três vezes, o que foi
essencial para nossa espécie se tornar colaborativa e criar coisas muito superiores a outras
espécies, como poesia, música e tecnologia — analisa o pesquisador. — Na prática, estamos usando
essas vias para descobrir drogas que sejam eficazes no tratamento do autismo e outras síndromes
do espectro.
Pesquisador Cleber Trujillo, da equipe de Muotri, observa formação de minicérebros em cultura - Divulgação
Quase todos os indivíduos com diagnóstico clínico da síndrome de Williams não têm precisamente o
mesmo conjunto de genes, com pontos de interrupção no cromossomo 7, causando baixo rendimento
intelectual e problemas de coração, além de dismorfismo na face e estrabismo. No estudo, fruto de
sete anos de trabalho, os pesquisadores usaram reprogramação celular para recriar o
desenvolvimento neural de crianças com a doença em minicérebros in vitro. Os resultados foram
depois validados por exames de ressonância magnética por imagem e em pedaços de tecidos de
cérebros post mortem de indivíduos com a síndrome de Williams, doados para a ciência.
— Investigamos o FZD9 e descobrimos vias moleculares que atuam durante o desenvolvimento
neural humano responsável pelos circuitos sociais. De certa forma, descobrimos que o amor pelo
próximo pode ser causado por um defeito genético, que faz com que humanos se conectem
independentemente da aparência, revelando como seria a Humanidade sem segundas intenções —
explica Muotri.
FIM DO PRECONCEITO
O pesquisador pondera que o preconceito foi muito útil para a espécie humana durante a préhistória, quando nossos antepassados, que viviam em pequenos grupos, precisavam lutar por fontes
de alimentos restritas na natureza. Mas a intolerância persiste entranhada nas mais diferentes
culturas e já foi motivo de guerras. Hoje, o preconceito é combustível para o discurso de ódio nas
redes sociais. Mês passado, a cantora Preta Gil foi alvo de ofensas racistas. Esta semana, a
nadadora brasileira Joanna Maranhão, xingada nas redes sociais após ser eliminada dos Jogos
Olímpicos, disse que o Brasil é “um país homofóbico, xenofóbico, racista”. Alysson Muotri acredita
que esse tipo de comportamento, calcado na intolerância, não tem mais lugar na sociedade. Sua
pesquisa o faz imaginar um futuro no qual essas barreiras poderão ser derrubadas com o uso de
drogas.
— É fascinante imaginar que um dia poderemos alterar essas vias com fármacos e nos tornar mais
tolerantes uns com os outros. Poderíamos inclusive usar isso de forma seletiva, durante encontros
entre líderes mundiais, por exemplo. Como seria viver em comunidades livres de preconceito? Será
que conseguiríamos realizar projetos mais audaciosos ao aumentarmos nosso poder de
colaboração? Até aonde iria a capacidade humana se nos sentíssemos realmente parte da mesma
família, conectados? — questiona.
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