UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE SÃO JOSE CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA A NATUREZA JURÍDICA E A TIPICIDADE DA CONTAMINAÇÃO POR AIDS: HOMICÍDIO, LESÃO CORPORAL OU CONTÁGIO. ACADÊMICA: Margareth da Silva Hernandes São José (SC), novembro de 2004. MARGARETH DA SILVA HERNANDES A NATUREZA JURÍDICA E A TIPICIDADE DA CONTAMINAÇÃO POR AIDS: HOMICÍDIO, LESÃO CORPORAL OU CONTÁGIO. Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí, elaborada pela acadêmica Margareth da Silva Hernandes, sob orientação da Professora Esp. Rosane Patussi Braga. São José (SC), novembro de 2004. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA A NATUREZA JURÍDICA E A TIPICIDADE DA CONTAMINAÇÃO POR AIDS: HOMICÍDIO, LESÃO CORPORAL OU CONTÁGIO. MARGARETH DA SILVA HERNANDES A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI do Centro de Educação de São José. São José, novembro de 2004. Banca Examinadora _____________________________________________________ Orientador _____________________________________________________ Membro _____________________________________________________ Membro DEDICATÓRIA Ofereço este trabalho, fruto de muitos sacrifícios, à minha mãe, quem deu-me a vida e dela já partiu, mas vive presente em meu coração. Á minha tia Marlene que ensinou-me os valores retos e proporcionou-me toda estrutura para minha chegada até aqui. Ao meu avô materno Demétrio, que em suas sábias palavras orientou-me para o caminho da luz. Aos meus amigos que apoiaram-me durante toda a jornada, incentivando-me em todos os momentos e que de forma direta contribuíram para que este trabalho lograsse êxito, Adriana Schmidt, Eloísa Helena Krauss, Perci de Freitas, Kuka, Rosilene Fraga e Isabel Alves dos Santos. AGRADECIMENTOS Aos professores do curso de Direito da Univali, campus de São José, que com sua paciência, sabedoria, dividiram conhecimentos, trocaram experiências e compartilharam os meus momentos com suas palavras otimistas. Em especial, o meu agradecimento à Professora Rosane Patussi Braga, minha orientadora, que com sua força impulsionou-me até o último instante de trabalho. Aos professores do Núcleo de Prática Jurídica, que ensinaram-me os primeiros passos da prática forense. Aos professores do Escritório Modelo Advocacia, que ajudaram-me a exercer a cidadania. de E por fim, aos meus colegas acadêmicos, pelos excelentes anos em que passamos juntos, onde dividimos alegrias e aflições. “Olhemos a história e veremos que as leis que são, ou deveriam ser, pactos entre homens livres, não passaram, geralmente, de instrumentos das paixões de uns poucos, ou nasceram de fortuita e passageira necessidade, não já ditadas por frio analista da natureza humana, capaz de concentrar num só ponto as ações de muitos homens e de considera-las de um só ponto de vista: a máxima felicidade dividida pelo maior número”. (Beccaria, 1997, p. 23) RESUMO A finalidade da presente pesquisa, realizada pelo método indutivo refere-se a discussão sobre a tipificação penal na transmissão do vírus da AIDS, principalmente através das relações sexuais, enquanto o agente conhecedor de que é portador da doença não informa, nem toma os cuidados necessários para evitar o contágio. Analisaremos a teoria do crime, os princípios da legalidade e da irretroatividade da lei, assim como a relação de causalidade, e todos os outros elementos integrantes do delito. Serão explicitados conceitos, elementos, condutas, momentos consumativos, elementos subjetivos, tipos objetivos, entre outros. Em face de não haver norma penal prevista para tal delito, foram focados três institutos, o homicídio, lesões corporais e o perigo de contágio de moléstia grave. O estudo faz uma breve reflexão sobre a referida doença, sua origem, formas de transmissão, efeitos do contágio, a sua letalidade e as últimas notícias a respeito de uma possível cura. Finalizando, contextualiza-se toda a teoria do crime e seus elementos, com os crimes de lesões corporais e perigo de contágio de moléstia grave, a descrição de todos os componentes da doença juntamente com os posicionamentos doutrinários existentes e os entendimentos dos Tribunais do país. Por ser um assunto jurídico extremamente novo, o material encontrado foi bastante escasso. Palavras-chave: Transmissão de AIDS; Responsabilidade Penal; Homicídio; Lesão corporal; Contágio de moléstia grave; letalidade. SUMÁRIO INTRODUÇÃO CAPITULO 1 DO DIREITO À VIDA 1.1 BENS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS 1.2 ORIGEM DO CRIME E DAS PENAS 1.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 1.4 PRINCÍPIOS DA LEI PENAL NO TEMPO 1.5 ELEMENTOS DO CRIME 1.6 RELAÇÃO DE CAUSALIDADE 1.7 ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO 1.8 ERRO DE TIPO 8 10 10 12 14 15 16 19 21 25 CAPITULO 2 DOS CRIMES CONTRA A PESSOA 2.1 DOS CRIMES CONTRA A VIDA 2.1.1. Homicídio 2.1.1.1 Tipos 2.1.1.2 Elementos 2.2 DAS LESÕES CORPORAIS 2.2.1 Tipos 2.2.2 Elementos 2.3 DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE 2.3.1 Perigo de Contágio de Moléstia Grave 2.3.1.1 Elementos 27 27 27 28 33 35 36 39 41 42 42 CAPITULO 3 SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA 3.1 HISTÓRICO 3.2 CONCEITO 3.3 FORMAS DE CONTÁGIO 3.4 EFEITOS DO CONTÁGIO 3.5 ÚLTIMAS NOTÍCIAS DA MEDICINA 3.6 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO 3.7 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL 3.8 DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA ESTRANGEIRA 3.9 PROPOSTAS LEGISLATIVAS 46 46 47 48 51 52 54 59 62 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS 66 REFERÊNCIAS 69 8 INTRODUÇÃO Durante a década de oitenta o mundo se defrontou com um novo e grande problema: o surgimento de uma doença que dizimava suas vítimas numa velocidade incrível, sendo transmitida através do sangue contaminado e denominada, na língua inglesa, de AIDS – Acquired Immune Deficiency Syndrome, traduzindo para o Português Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, SIDA, entretanto iremos utilizar durante todo este trabalho a sigla AIDS, por ser uma sigla mais popular. A AIDS apresentava-se como um desafio à ciência médica e se apresentava com os mesmos componentes das grandes moléstias do século. Hoje, embora alguns medicamentos permitam o prolongamento da vida, a AIDS mata muitas pessoas, pois a cura definitiva ainda não foi descoberta. Entre os vários temas possíveis de serem abordados na esfera da ciência jurídica, a escolha recaiu sobre a tipificação penal na transmissão de AIDS. Tal escolha se deveu ao fato de julgar-se necessário uma maior elucidação acerca de um tema novo e absolutamente polêmico. E, justamente por se tratar de um tema novo e polêmico, reside aí a justificativa pela existência de pouco material doutrinário e jurisprudencial. Entretanto, trata-se de um assunto de absoluta relevância face às estatísticas alarmantes relativas ao crescente número de casos da doença no Brasil e à expressiva quantidade de pessoas infectadas que vão à óbito anualmente, em sua maioria contaminadas de forma irresponsável. Neste sentido, atribuir uma responsabilidade penal ao indivíduo que, conhecedor de seu estado de saúde e da letalidade da doença, não informa seu parceiro ou parceira, transmitindo o vírus, contribuiria para a redução da propagação do mal. Como já citado anteriormente, apesar do carente embasamento doutrinário e jurisprudencial, o tema, além de relevante, é bastante atrativo dada a sua controvérsia na esfera penal. Portanto, o objetivo do presente estudo é explanar sobre a criminalização da transmissão do vírus da AIDS, principalmente através das relações sexuais e nas suas mais diversas nuances. Para tanto, dividimos este trabalho em três capítulos. No primeiro, iniciamos com a apresentação do direito à vida, bem jurídico protegido pelo Estado, objeto dos crimes de homicídio, que indiretamente possui objetividade jurídica para os outros delitos, em face da vida do indivíduo abranger todos os outros bens. Procuramos analisar sua relevância não só 9 sobre a perspectiva jurídica, mas também sobre a ótica da sociedade em geral. Na seqüência focamos a teoria do crime, analisamos os princípios da legalidade e da irretroatividade da lei, discorremos sobre os elementos do delito, tipo objetivo e subjetivo, meios de execução, relação de causalidade, entre outros. No segundo capítulo centramos a discussão nos três tipos penais, no perigo de contágio de moléstia grave, no homicídio e nas lesões corporais, informando seus conceitos, espécies e elementos segundo vários doutrinadores. Também se fez necessário distinguir claramente as diferenças entre estes institutos, principalmente com relação ao animus e ao bem jurídico atacado, com o objetivo de entendermos qual deles deveria ser enquadrado no caso em tela. Mais adiante, no terceiro e último capítulo, foi detalhado um estudo sobre a doença, narrando seu histórico no mundo, seu surgimento, o descobrimento do vírus causador, as formas de transmissão, os efeitos do contágio e as últimas notícias a cerca do assunto. Depois, serão avaliados os posicionamentos doutrinários e os jurisprudenciais existentes, analisando os pontos em comum e as divergências. Em seguida, a título de ilustração referenciamos algumas decisões de Tribunais Internacionais, juntamente com pensamentos doutrinários estrangeiros encontrados nos livros de doutrina nacional. E, por fim, localizamos no site do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, propostas de alterações no Código Penal Brasileiro e de leis ordinárias para a tipificação penal da transmissão de AIDS. O método de abordagem aplicado nas investigações foi o método indutivo. Por tratar-se ainda de uma lacuna na norma penal, é imperativa a positivação da conduta na transmissão de AIDS, para que se responsabilize o sujeito que contagia de forma inconseqüentemente. Em face de, atualmente, não existir tipificação específica para esta conduta no ordenamento penal brasileiro, deixando ao arbítrio dos Tribunais as decisões sobre o assunto. A discussão do presente estudo estará centrada hipoteticamente na seguinte situação: o agente, sendo ciente que é portador do vírus da AIDS, mantém relações sexuais com à sua vítima, ciente de que está infectado e da letalidade da doença, não toma as devidas precauções, como também não a informa de sua condição. A discussão girará em torno do seguinte questionamento: se ele realmente cometeu algum crime. Caso positivo qual o delito adequado na criminalização de tal atitude. Não descartando as outras hipóteses, onde o agente desconhece sua condição de doente e da letalidade da mesma. 10 1 DO DIREITO À VIDA Antes de se começar a discorrer sobre o Direito à vida, é dever fundamental esclarecer o significado e o sentido da palavra direito na vida do cidadão. Conforme a sua origem etimológica do latim directus, que significa aquele que segue em linha reta, que obedece a preceitos pré-determinados, o Direito é desde então um bem facultado ao cidadão com a finalidade de viver harmonicamente em sociedade, prezando principalmente pela justiça (HOUAISS, 2001, p. 1049-1050). Neste sentido, Silva (2001, p.33) conceitua o Direito como um fenômeno históricocultural, ordenamento de uma realidade social ou a normatização da conduta seguindo uma linha racional de comportamento. Através do Direito Público é que se estuda os princípios e as normas fundamentais, porque é o ramo basilar da ciência jurídica para compreensão dos outros segmentos. 1.1 BENS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS Sendo assim, é imperativo iniciar um trabalho sobre crimes contra a vida e a pessoa, fazendo a inserção dos princípios constitucionais que norteiam os bens jurídicos tutelados pelo Estado. Neste caso em tela, os principais bens protegidos pela lei são: a vida, a integridade física e a saúde do ser humano. A vida, considerada bem jurídico maior, pois sem ela não faria sentido a existência dos outros direitos, é garantida pela Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 5°, caput: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Segundo Silva (2001, p. 200), na doutrina constitucionalista, a justificativa da vida ser um bem jurídico maior, é motivada pela impossibilidade de separar o indivíduo da mesma, sob pena deste deixar de sê-lo na sua essência. De nada adiantaria se a Constituição assegurasse os outros direitos fundamentais (igualdade, liberdade, privacidade, entre outros), se não garantisse o direito à vida. O Homem é mais que um indivíduo é uma pessoa, a vida é um processo dinâmico biológico e psíquico integrando este ser. Desta forma, dado o valor atribuído à vida pela Carta Magna e no ordenamento 11 jurídico infraconstitucional, não se pode privar a criatura da sua própria vida, independentemente dos motivos alegados. A vida do cidadão tem importância não somente para ele mesmo, mas para a sociedade em geral. Neste mesmo contexto, cabe frisar também o direito à existência: O Estado proporciona a segurança, proteção e garantia à vida humana, que é o objeto do direito assegurado no caput do artigo 5° acima citado. O direito do cidadão à existir consiste no direito de lutar para viver, de estar vivo, de defender a própria vida, de permanecer vivo e conseqüentemente de não ter seu processo vital interrompido a não ser pela morte espontânea e inevitável”. (SILVA, 2001 p.201). Diante do enunciado acima, verifica-se que o cidadão tem o direito de viver, de permanecer vivo e principalmente de não ter seu processo orgânico violado ou destruído com o intuito de retirar-lhe a vida. Por isto, o Estado tem o dever de proteger o indivíduo antes a estas ameaças, infligindo-lhe o Jus puniendi1 através de normas específicas que serão tratadas mais adiante. A integridade física também se constitui de direito fundamental protegido na Constituição Brasileira, pelo artigo 5°,XLIX : Art. 5°, XLIX – assegurar o respeito à integridade física dos presos Se o Estado garante a integridade física dos segregados socialmente, maior é a preocupação com os cidadãos cumpridores de seus deveres. Portanto, as lesões corporais também se caracterizam como delitos graves, são punidas pela legislação penal, pois afetam tão somente a integridade física como bem jurídico relevante como indiretamente a vida (SILVA, 2001, p. 202). Por último, o direito à saúde, também garantido na Constituição Brasileira, nos artigos 196 e 197: Art. 196- A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197 – São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Conforme Silva (2001, p. 312), o direito à saúde possui duas vertentes, uma positiva e outra negativa. A primeira consiste no dever do Estado em implantar ações públicas que possam amparar o cidadão no combate as doenças e moléstias, proporcionando a população 1 Tradução -Direito de punir (LUIZ, 2002, p. 166). 12 tratamento devido e prevenção. A segunda abriga o direito de exigir do Poder Público que impeça qualquer ato que venha a prejudicar a saúde. Neste caso, é dever imperioso do Estado evitar a propagação de qualquer moléstia, que cause perigo a incolumidade física, acarretando conseqüências fatais para o indivíduo. Após terem sido comentados os bens jurídicos relativos aos crimes contra a vida e a pessoa, importante rever o surgimento do crime na sociedade e seus desdobramentos. 1.2 ORIGEM DO CRIME E DAS PENAS Mirabete (2003, p. 35) faz um breve histórico a respeito do surgimento do crime e da pena, lembrando que a história do Direito Penal surgiu com o próprio homem, e que a religião na sociedade primitiva era utilizada como balizador nas punições. Essa tendência devia-se ao estado teocrático, onde as interferências do Clero nas decisões políticas eram de suma importância. As catástrofes naturais da época (secas, enchentes, doenças incuráveis) eram consideradas como a ira dos deuses, em face de atos errôneos ou ilícitos praticados pelos homens. Todavia, a religião alegava que as manifestações catastróficas da natureza soavam como castigos às práticas humanas consideradas delituosas na sociedade da época. Desta forma, eram determinadas certas proibições (tabu) pelas forças religiosas, sociais e políticas e que se não obedecidas eram cobradas como castigo. Assim nasceram o crime (infração totêmica2) e a pena (tabu3). O castigo oferecido era a própria vida do agressor, quando não flores, frutas e animais como oferendas em altar (MIRABETE, 2003, p.35). Ainda nesta linha, o autor supra citado destaca que, a pena desde os tempos remotos significava a vingança, que aplicada não respeitava nenhum ditame da justiça. Diante disso, sucederam-se diversas vinganças penais com sentidos religiosos: vingança privada, vingança pública e vingança divina.Com a evolução da sociedade surge a Lei de Talião4 positivado no 2 Totem – animal, planta ou objeto que serve como símbolo sagrado de um grupo social (clã ou tribo) e é considerado como seu ancestral ou entidade protetora ( HOUAISS, 2001, p. 2741). 3 Tabu – Instituição religiosa que, atribuindo caráter sagrado a determinados seres, objetos ou lugares, proíbe qualquer contato com eles (HOUAISS, 2001, p. 2654). 4 Lei de Talião – Do latim tálio, talionis. Pena consistente em aplicar, ao delinqüente, um castigo rigorosamente proporcional ao dano que causou. [...] Caracterizou o célebre Código do rei babilônico Hamurábi, famoso, aliás, 13 Código de Hamurábi, na Babilônia, a ofensa praticada pelo agente deve ser devolvida da mesma forma pelo ofendido (MIRABETE, 2003, p. 36). Apesar da Lei de Talião também representar uma maneira de vingança, foram sucedendo-se outras formas de punições como informa o parágrafo abaixo. Logo após aparece a composição, sistema pelo qual o ofensor se livra da pena comprando a sua liberdade através de moeda, armas, gado, etc. O direito romano contribuiu com o progresso da pena, aplicando-se princípios próprios sobre dolo, imputabilidade, agravantes, entre outros. Porém, foi somente durante o iluminismo que a pena foi humanizada, discutiu-se sobre o direito de punir e a legitimidade das penas. (MIRABETE, 2003, p. 36). Deve-se ainda lançar um olhar sobre o pensamento de Beccaria (1997 p. 38): Dado a necessidade da reunião dos homens, por causa dos pactos que, necessariamente, resultam da própria oposição dos interesses privados, forma-se uma escala de desordens, das quais o primeiro grau consiste naquelas que destroem imediatamente a sociedade, e, o último, na mínima injustiça possível, feita a seus membros privados. Entre esses dois extremos encontram-se todas as ações opostas ao bem comum, chamadas delitos, que vão decrescendo, por graus insensíveis, do mais grave ao mais leve. Destarte, crimes ou delitos são atos de oposição ao bem comum da sociedade, violando direitos imprescindíveis dos cidadãos, destruindo ou danificando bens jurídicos relevantes. O direito de punir pelo Estado se verifica na consumação do delito, através de um conjunto de normas positivado, que orienta as sanções de acordo com o crime praticado. Conforme o conceito dogmático de Noronha (1998 p. 97): “a ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social”. Desta forma, o princípio da legalidade veio para impor limites a maneira de punir do Estado, observando-se a conduta praticada e se nela consta como ilícita perante a lei. 1.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Desta forma, para que a conduta delituosa seja crime, ou seja, esteja descrita em lei, é por sua severidade (ACQUAVIVA, 2001, p. 685). 14 primordial observar o princípio da legalidade, impedindo assim os abusos do Estado nas sanções penais. O princípio da reserva legal ou da legalidade está disposto no art. 1° do Código Penal Brasileiro: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal (MIRABETE, 2001, p. 97). Assim como também garante a Carta Constitucional de 1988: Art. 5°, XXXIX: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Neste sentido, Mirabete (2003, p. 55) enfatiza que o princípio nullum crimen, nulla poena sine lege5 , teve seu nascimento no art. 39 da Magna Carta do Rei João Sem terra (1215), onde estabelecia que nenhum homem livre poderia ser punido a não ser pela lei da terra. Porém, o princípio da legalidade ou da reserva legal aparece na época iluminista (século XVIII) onde foi bastante influenciado, incluindo no texto legal (art. 8°) da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26.08.1789 o seguinte enunciado: “Ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada” ( MIRABETE, 2003, p. 55). Contudo, foi no século XVIII, durante o movimento iluminista6, que o princípio da legalidade começa a ser analisado nas políticas públicas, iniciando uma nova era de justiça na sociedade (MIRABETE, 2003, p. 55). Beccaria, em seu livro Dos delitos e das penas (1764) também adotou este princípio. Logo após, Bill of rights da Filadélfia (1772), a Declaração de Direitos da Virgínia, a Constituição de Maryland (1776), e a Constituição Francesa de 1791. Como também foi incluído nas legislações penais da Áustria (1787), da Prússia (1799) e da França (1810). No Brasil foi inscrito na Constituição de 1824 e repetido em todas as outras Cartas subseqüentes. (BASTOS JÚNIOR, 2000, p. 19). 5 6 Tradução – Não há crime, não há pena sem lei (LUIZ, 2002, p. 208) Iluminismo – movimento intelectual do século XVIII, caracterizado pela centralidade da ciência e da racionalidade crítica no questionamento filosófico, o que implica recusa a todas as formas de dogmatismo, especialmente o das doutrinas políticas e religiosas tradicionais; Filosofia das luzes, esclarecimento (HOUAISS, 2001, p. 1572). 15 Bastos Júnior (2000, p. 20) conceitua as características do princípio da reserva legal como: a exigência de lei anterior ao fato; a exclusão do direito consuetudinário; a proibição da analogia; e a inadmissibilidade de leis indeterminadas. O foco essencial do princípio da legalidade é a tipicidade, o fato típico reflete diretamente na base legal, pois tipo é a definição da conduta disposta na Lei. É típico o fato quando coincide com o tipo penal, enquadrando-se aí a conduta nele discriminada. Se não há esse encontro, o fato é atípico. Portanto, o fato somente será típico se descrito na norma penal, ou a conduta será considerada delituosa se prevista em lei. Para isso basta a existência de lei anterior ao fato. Exclui-se completamente para a tipificação da conduta, a utilização dos princípios dos costumes e da analogia. 1.4 PRINCÍPIOS DA LEI PENAL NO TEMPO Necessário ressaltar os princípios que norteiam a norma penal, para a solução de possíveis conflitos temporais no surgimento de novas leis. No próprio art. 1° do Código Penal Brasileiro, já citado anteriormente, verifica-se o princípio da anterioridade da lei, onde diz que não há crime ou pena sem lei anterior. Assegurando como regra geral da lei penal o princípio da irretroatividade (MIRABETE, 2003, p. 58). Na lei mais severa aplica-se o princípio absoluto da irretroatividade, e o da retroatividade para a lei mais benéfica, ou assim dizendo, retroage para beneficiar o infrator e não retroage se for para prejudicar. A rigorosidade de uma lei à fato anterior a sua vigência não produz efeitos após sua revogação, como também não pode ser utilizada a acontecimentos anteriores a sua promulgação. Já a lei mais benigna poderá ser aplicada a fatos anteriores a sua vigência, e mesmo também após sua revogação aos fatos que ocorreram durante o tempo em que vigorou (MIRABETE, 2003, p. 58). Assim dispõe o artigo 2° do Código Penal Brasileiro (MIRABETE, 2000, p. 102): Art. 2° - ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando, em virtude dela, a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único: A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplicase aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. 16 Neste sentido, através do Decreto n° 678/1992 foi ratificada a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22.11.1969, que prevê os mesmos princípios: Art. 9° - Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que foram cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpretação do delito. Se depois da perpretação do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado (MIRABETE, 2003, p. 59). Em síntese, havendo choques entre as normas penais no tempo, com o surgimento de nova leis depois de praticado o ato ilícito ou criminoso, será considerada sempre a lei mais benéfica. 1.5 ELEMENTOS DO CRIME A seguir, serão detalhadas as características principais que fazem da ação praticada pelo agente enquadrar-se como delituosa. Segundo Garcia (apud MIRABETE, 2003 p. 97), os elementos essenciais para caracterização de uma conduta criminosa são: ação humana antijurídica, típica, culpável e punível. Fato antijurídico é aquele que contraria o ordenamento jurídico, mesmo sendo um fato típico, quando a própria norma penal protege aquela prática. Bem exemplificado por Mirabete (2003 p. 98): matar alguém é fato típico se o agente teve a conduta dolosa ou culposa, mas não será antijurídico se o agente praticar a referida conduta em legítima defesa ou qualquer uma das excludentes de ilicitude. Para tanto, o fato típico é o comportamento humano ativo ou omisso, que gera um resultado previsto como infração penal. Exemplo no crime de homicídio, o fato típico é matar alguém (MIRABETE, 2003, p. 98). A culpabilidade não é elemento do crime, e sim, uma condição para imputar a pena ao agente pela prática delituosa, apesar de outros doutrinadores causalistas a considerarem (MIRABETE, 2003 p. 98). Porém a punibilidade, mesmo considerada como a possibilidade de aplicar a pena, não 17 constitui elemento do crime, tendo em vista que o agente comete fato antijurídico, típico e culpável, mas poderá não ser punido, apenas recebe a ameaça da pena pelo seu gestor que é o Estado. (MIRABETE, 2003, p. 97). Portanto, os elementos principais do crime são: fato típico e antijuricidade. A culpabilidade é apenas o elo de ligação da conduta ilícita do agente com a reprovação das disposições legais, a contradição da vontade do agente com os objetivos da norma. Prescinde na continuação do assunto em tela, a conceituação de conduta e as suas espécies, no qual demonstrará mais adiante a importância nos crimes previstos em lei, citados no segundo capítulo. Conduta é o gênero que são espécies a ação ou omissão. A ação requer volição, dinamicidade corpórea, evento naturalístico e nexo causal, já a omissão dispensa alguns destes componentes, porém existem dois denominadores comuns que são o comportamento humano, o modo de ser do homem e no plano dogmático a antijuricidade (COSTA JÚNIOR, 2000, p. 42). Mister se faz para a compreensão do crime, definir o que são evento naturalístico e nexo causal. O primeiro é o resultado da ação volitiva, já o segundo, a relação entre a conduta e o próprio resultado. A vontade é a o impulso que guia a ação ou omissão, ou coeficiente psicológico que determina as duas espécies de condutas. A intenção do agente é dirigida ao evento, na satisfação da sua vontade (COSTA JÚNIOR, 2000, p. 43). As formas de conduta classificam-se em: comissivas, omissivas e comissivas por omissão. Nos crimes comissivos e comissivos por omissão a sua essência é a desobediência a uma proibição de fazer, já os omissivos atentam contra um imperativo de executar algo, ou algo extremamente importante que deveria ter sido feito e não o foi. Os crimes omissivos são também chamados omissivos puros ou próprios e omissivos impuros ou impróprios, estes últimos sendo também conhecidos como delicta commissiva per omissionem (delitos comissivos por omissão) (COSTA JÚNIOR, 2000, p. 45). Como elementos integrantes do crime, cabe ressaltar o momento consumativo e a tentativa, que serão analisadas nos parágrafos seguintes. Está disposto no artigo 14, I, do Código Penal Brasileiro (MIRABETE, 2000, p. 143): I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; Define-se momento consumativo como o instante em que se dá a produção do resultado em decorrência da conduta delituosa do agente. Exemplificando: no homicídio a consumação se dá com a morte da vítima (CAPEZ, 2003, p. 16). 18 Positivada no Código Penal Brasileiro (MIRABETE, 2000, p. 143), através do art. 14, II: II – Tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Como bem esclarece o dispositivo legal acima, a tentativa se caracteriza quando por circunstâncias alheias a vontade do agente, depois de começada a execução do crime, o resultado não se esgota ou não se consome. Cabe salientar ainda, que a tentativa só ocorre se o crime saiu de sua fase preparatória e já se iniciou a sua execução. Nesta seqüência, convém falar do iter criminis7 , nada mais sendo que os passos do crime, que se resumem em: a cogitação da ação criminosa pelo agente que irá praticar sozinho ou com outros comparsas, os atos preparatórios para que a mesma possa se realizar, a execução do ato em si e a consumação do resultado (CAPEZ, 2003, p. 18). Ainda neste sentido: O crime percorre quatro etapas (iter criminis) até realizar-se integralmente: a) cogitação – nessa fase o agente apenas mentaliza, idealiza, planeja, representa mentalmente a prática do crime; b) preparação – são os atos anteriores necessários ao início da execução, [...];c) execução – aqui o bem jurídico começa a ser atacado. [...]; d) consumação – todos os elementos que se encontram descritos no tipo penal foram realizados (CAPEZ, 2003, p. 18). Nos crimes dolosos, Capez (2003, p. 18) aduz que: Tratando-se de crime material, o homicídio admite tentativa, que ocorrerá quando, iniciada a execução do homicídio, este não se consumar por circunstâncias alheias à vontade do agente. Para a tentativa, é necessário que o crime saia de sua fase preparatória e comece a ser executado [...]. Com relação ainda ao iter criminis, outros autores na doutrina acrescem ao caminho do crime um possível exaurimento após a consumação, que seria o objetivo da prática delituosa alcançado ou o resultado com mais componentes favoráveis a intenção do agente (LUIZ, 2002, p. 154). Conforme entendimento de Capez (2003, p. 19), a tentativa apresenta quatro espécies: Tentativa imperfeita (ou propriamente dita): trata-se da hipótese em que o processo executivo foi interrompido ao meio, sem que o agente pudesse esgotar suas potencialidades de hostilização.[...] Tentativa perfeita ou acabada (também denominada crime falho): assim será considerada quando o agente esgotar o processo de execução do crime, fazendo tudo que podia para matar, exaurindo a sua capacidade de vulneração da vítima, que, não obstante, é salva. [...] Tentativa branca (ou incruenta): é aquela que não resulta qualquer ferimento na vítima. Ocorre na hipótese em que o agente, por ausência de conhecimento no 7 Tradução – O caminho do crime (LUIZ, 2002, p. 154) 19 manuseio da arma, por exemplo, desfere vários tiros contra a vítima, mas por erro de pontaria atinge a parede da casa. [...] Tentativa cruenta: quando a vítima sofre ferimentos. De acordo com o autor supra citado, a tentativa possui quatro espécies, imperfeita quando o processo de execução é interrompido ao meio, perfeita quando a execução se exaure, branca quando não fere a vítima e a execução não acontece e por último a incruenta, quando a vítima sofre os ferimentos. Nos crimes culposos: Não cabe tentativa em homicídio culposo, na medida em que a intenção do agente não é a consumação do resultado, nem mesmo assumir o risco de produzilo (CAPEZ, 2003, p. 19). 1.6 Relação de causalidade Necessário se faz um amplo detalhamento do tema, em face da sua relevância na existência do crime. No que tange a caracterização de crime em qualquer ato, se faz necessário estabelecer a relação de causalidade entre a conduta do agente e o resultado, obedecendo assim a disposição no art. 13 do Código Penal Brasileiro (BASTOS JÚNIOR, 2000, p. 38): Art. 13- O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Superveniência de causa independente Parágrafo 1° - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. Relevância da omissão Parágrafo 2° - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Novamente voltaremos ao assunto fato típico, para melhor elucidar a definição de nexo causal. Resume-se a definição de fato típico em comportamento humano ativo ou omissivo que enseja um resultado previsto na Lei Penal como infração (JESUS, 2000, p.33). Ainda no entendimento do autor, o fato típico é composto dos seguintes elementos (JESUS, 2000, p. 33): 1°) conduta humana dolosa ou culposa; 2°) resultado; 3°) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado; 4°) enquadramento do fato material (conduta, resultado e nexo) a uma norma penal incriminadora . 20 Seguindo nesta mesma linha, entende-se por resultado, a modificação do mundo exterior provocada por uma conduta humana (JESUS, 2000, p. 33). O terceiro elemento do fato típico é a relação de causalidade ou nexo de causalidade que representa o elo entre a atitude do agente e a mudança ocorrida no exterior (resultado) em decorrência desta prática. A produção do resultado deverá ser imputada ao agente sem dizer respeito a ilicitude do fato ou a sua culpabilidade (JESUS, 2000, p. 33). Exemplificando: O elemento “X” dispara de seu revólver contra o elemento “Y” e este vem a falecer. Entre o comportamento humano (ato de disparar os tiros) que também seria a causa e resultado (morte) ou efeito existe o nexo de causalidade. A vítima teve a sua morte em decorrência dos ferimentos gravíssimos causados pelas balas da arma empregada no delito, estabelecendo-se essa ligação verifica-se a relação de causalidade (JESUS, 2000, p. 33 e 34). Portanto, o nexo de causalidade neste caso de homicídio acontece na relação da conduta do agente causando o resultado morte, ou seja, na ligação do ato ilícito com seu resultado. Para a constatação da relação de causalidade, o Código Penal Brasileiro adotou a teoria da equivalência dos antecedentes. Neste sentido depreende Jesus (2001 p. 23): O CP, no tema, adotou a teoria da equivalência dos antecedentes. Atribui relevância causal a todos os antecedentes do resultado, considerando que nenhum elemento, de que depende a sua produção, pode ser excluído da linha de desdobramento causal. [...] Em relação ao resultado, ocorre o mesmo fenômeno: causa é toda condição do resultado, e todos os elementos antecedentes têm o mesmo valor. Para se saber se uma ação é causa do resultada, basta, mentalmente, excluí-la da série causal. Se com sua exclusão o resultado teria deixado de ocorrer, é causa. Basta a observância de todos os atos anteriores praticados pelo agente, na obtenção do resultado, se uma destas atitudes for excluída e com a exclusão o resultado não se alcançaria, é porque não é causa. Em nosso ordenamento penal a teoria da equivalência está presente no art. 13, caput, 2a. parte: é considerada causa a ação sem a qual o resultado não teria ocorrido (JESUS, 2001, p. 23). Passamos a discussão do elemento subjetivo do tipo, que determina o animus do agente na prática da conduta criminosa. 1.7 Elementos subjetivos do tipo Convém inicialmente, discorrer sobre o tipo subjetivo, onde predominam a vontade e o consentimento do infrator. Nos tipos normais compostos apenas por elementos descritivos ou objetivos, bastam a 21 vontade e o consentimento (dolo) para que a conduta se realize , mas também existem os tipos compostos por elementos normativos onde o agente deve ter conhecimento deles. Assim, examinar a exatidão do conhecimento dos elementos normativos é mais dificultoso que a dos elementos objetivos, entendendo-se a doutrina que esse conhecimento é uma valoração não propriamente jurídica, mas sim, do não técnico, utilizando-se o critério do nível social do agente para seu reconhecimento no caso concreto (MIRABETE, 2003, p. 142). Nesse sentido, ainda aduz: Há tipicidade no homicídio se o agente pratica a conduta de matar alguém (elementos objetivos), mas só há violação de segredo profissional se a revelação ocorrer sem justa causa (elemento normativo), e somente haverá rapto se o arrebatamento da mulher for praticado para fim libidinoso (elemento subjetivo). Só existe fato típico quando o fato natural estiver também preenchido pelo tipo subjetivo. (MIRABETE, 2003, p. 115): Entende também que acerca dos tipos penais diferentes, onde contêm elementos subjetivos, no qual consta o dolo, a consciência e a vontade com relação aos elementos normativos não são suficientes, são essencialmente necessários ao autor esses elementos subjetivos para que haja a correspondência entre o tipo penal e a prática delituosa do ofensor, também denominada de congruência. Desta forma exemplifica-se: para haver o crime de rapto é necessário o fim libidinoso (art. 219, Código Penal Brasileiro8), para haver o abandono do recém-nascido é necessário que ele seja praticado com o intuito de ocultar desonra própria (art. 134, Código Penal Brasileiro9) (MIRABETE, 2003 p. 142). Destarte, a carga objetiva se extingue do dolo quando o tipo penal possui apenas elementos objetivos e normativos, mas naqueles tipos em que também houver os elementos subjetivos abrangerão estes da mesma forma. Para tanto, no elemento subjetivo do tipo encontram-se o dolo e a culpa, dois elementos determinantes com relação a intenção do agente (animus). Para isso analisaremos o dolo e a culpa nas suas diversas teorias doutrinárias. Dispõe o art. 18, I do Código Penal Brasileiro (MIRABETE, 2000, p. 166): Diz-se o crime: doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. A corrente majoritária na doutrina conceitua o dolo como a consciência e a vontade na 8 Art. 219 – Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso (MIRABETE, 2000, p. 1298). 9 Art. 134- Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria (MIRABETE, 2000, p. 751). 22 realização da conduta típica, ou o desejo de alcançar o resultado concretizando as características objetivas do tipo (MIRABETE, 2003, p. 140). Mirabete (2003, p. 139) orienta a respeito da existência de três teorias sobre o dolo: a teoria da vontade, da representação e do assentimento, conforme abaixo: Para a teoria da vontade, age dolosamente quem pratica a ação consciente e voluntariamente. É necessário para sua existência, portanto, a consciência da conduta e do resultado e que o agente a pratique voluntariamente. Para a teoria da representação, o dolo é a simples previsão do resultado. Embora não se negue a existência da vontade na ação [...] para a teoria do assentimento ou do consentimento faz parte do dolo a previsão do resultado a que o agente adere, não sendo necessário que ele o queira. [...] Como será visto, o Código Penal Brasileiro adotou a teoria da vontade quanto ao dolo direto e a teoria do assentimento ao conceituar o dolo eventual. O legislador aduz que existe o dolo quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo, focando com maior importância a vontade do ofensor. Portanto, para o legislador predominou a teoria da vontade, embora estivesse também contida no dispositivo legal a teoria da representação, conforme analisa Costa Júnior (2000 p. 82). São elementos do dolo: a consciência, conhecimento do fato e a vontade que é o elemento volitivo para a prática do ato ilícito. Os meios utilizados para atingir o resultado e as conseqüências secundárias da prática do delito constituem-se também de componentes do dolo. Havendo duas fases de conduta, uma interna que se opera no pensamento ou na intenção do agente e a outra externa onde a conduta criminosa é realizada empregando-se os meios necessários para tanto (MIRABETE, 2003, p. 140). Bastos Júnior (2000, p. 62) difere as espécies de dolo da seguinte maneira: Dolo direto ou determinado - Na primeira parte do art. 18, I, Código Penal Brasileiro, já citado acima, se denomina dolo direto, o agente realiza a conduta objetivando a satisfação do resultado. Assim o ofensor quer matar, quer causar lesão corporal e quer efetivar o contágio de moléstia grave, conforme o caso em discussão. Dolo indireto ou indeterminado – A essência do dolo não é definida ou o conteúdo não é preciso. Subdivide-se em: dolo alternativo e eventual, no primeiro o agente deseja um dos resultados possíveis de sua conduta, já no segundo o autor prevê, porém não deseja o resultado. Como consta na segunda parte do referido dispositivo legal, a tipificação do dolo eventual, nesta hipótese o autor da conduta delituosa não prevê a obtenção do resultado, ele deseja algo diverso, porém mesmo assim assume o risco de produzi-lo. Exemplo de dolo alternativo: O agente atira na vítima para alcançar qualquer dos objetivos, matar ou apenas lesionar. Exemplo de dolo eventual: motorista embriagado atropela e mata o pedestre. 23 Dolo de dano – Onde o agente quer o resultado e assume o risco de produzir lesão efetiva do bem jurídico causando um dano em sua vítima. Dolo de perigo - O ofensor quer apenas o perigo na sua conduta. Tanto o dolo de dano como o de perigo podem ser direto ou eventual. Dolo genérico e específico – A doutrina conservadora ainda distingue as espécies de dolo em genérico e específico, o genérico seria a vontade de praticar conduta descrita na Lei em seu núcleo, exemplos: vontade de matar, de subtrair, lesar, etc. O específico é o desejo de realizar um fato com uma finalidade especial, por exemplo: fins libidinosos, obter vantagem indevida, entre outros (MIRABETE, 2003, p. 144). Nesta seqüência, imprescindível falar sobre outro elemento subjetivo da conduta, a culpa. Assim está disposto o art. 18, II, do Código Penal Brasileiro (MIRABETE, 2000, p. 166): Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Segundo o conceito de Costa Júnior (2000, p. 84), “a culpa é a prática voluntária de uma conduta, sem a devida atenção ou cuidado, da qual origina um resultado ilícito previsto em lei como crime, porém previsível”. Evidencia -se aqui que o resultado não foi querido, nem tão pouco desejado. A culpa é a imprevisão previsível. Mirabete (2003, p. 145) cita como elementos da culpa: a conduta, a inobservância do dever de cuidado objetivo, o resultado lesivo involuntário, e a previsibilidade. A conduta culposa está dirigida não para o resultado, mas com as conseqüências antisociais geradas por ela. Pode-se dizer que o crime culposo se consome pela forma de atuação do agente e não pelo fim que é lícito (MIRABETE, 2003, p. 145). Assim como também na inobservância das cautelas necessárias que o infrator deveria tomar na sua atuação para que não resulte em dano a algum bem jurídico. Nesta mesma linha, o resultado ilícito acaba se tornando um “c omponente de azar”, pois apesar de previsível não é querido (MIRABETE, 2003, pp. 146-147). Conforme o pensamento de Costa Júnior (2000 p. 85), as modalidades de culpa se dividem em imprudência, imperícia e negligência. A imprudência é uma prática onde o agente atua com precipitação, faz o que não deve, sem cautelas ou qualquer cuidado. Exemplos: manejar ou limpar arma carregada próxima a outras pessoas; caçar em local de visitação pública; dirigir sem óculos possuindo problemas 24 sérios de visão, entre outros. A negligência é uma forma de culpa negativa, diferente da imprudência que é uma culpa positiva. Caracteriza-se pela inércia psíquica, a indiferença do agente que podendo tomar as cautelas possíveis, não o faz por pura preguiça mental. Exemplos: Não deixar o freio de mão puxado em carro estacionado em morro; deixar substância tóxica ao alcance de crianças, etc. A imperícia é a incapacidade técnica no exercício de qualquer ofício profissionalizante, o agente não leva em consideração os seus conhecimentos ou o que deveria saber. Exemplos: não saber dirigir um veículo; não estar habilitado para uma cirurgia que exija conhecimentos diferenciados, etc. Elucidaremos à seguir as espécies de culpa: Culpa consciente – Ocorre quando o agente prevê o resultado, mas espera verdadeiramente que o mesmo não aconteça. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, pois entende que evitará a consumação prevista. Exemplo clássico: um caçador avistando seu companheiro próximo de um animal que deseja abater confia em sua pontaria e atira, vindo a atingir o amigo causando-lhe ferimentos graves ou até a morte (MIRABETE, 2003, p. 150). Culpa inconsciente – Ocorre quando o agente não prevê o resultado que é previsível, não havendo no ofensor o conhecimento efetivo do perigo que sua conduta possa vir a causar. Também chamada de culpa com previsão na exposição de motivos do Código Penal Brasileiro (MIRABETE, 2003, p. 150). Faz-se necessário a distinção de dolo eventual e culpa consciente, conforme o entendimento de Bittencourt (2003, p. 85) : Os limites fronteiriços entre dolo eventual e culpa consciente constituem um dos problemas mais tormentosos da Teoria do Delito. Há entre ambos um traço comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no dolo eventual o agente anui ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência do resultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá. A diferença entre estes dois institutos reside na consumação do resultado, ou seja, enquanto no dolo eventual o agente apesar de não desejar o resultado assume o risco de produzi-lo, na culpa consciente o indivíduo não admite que ele ocorrerá. Não obstante a consciência volitiva da conduta, que pode caracterizar dolo eventual ou culpa consciente, o sujeito ainda pode agir por erro, situação que interferirá, novamente, na análise de sua conduta. Assim, passamos a fazer uma breve reflexão sobre o erro de tipo e de 25 proibição. 1.8 ERRO DE TIPO O erro de tipo está disposto no Código Penal Brasileiro (MIRABETE, 2000, p. 177) da seguinte maneira: Art. 20: O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal do crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Parágrafo 1°. É isento de pena o agente que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. Parágrafo 2°. Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. Parágrafo 3°. O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. Utilizando o conceito de Costa Júnior (2000, p. 87 - 88), verifica-se que a doutrina moderna rejeita completamente a correlação entre erro de tipo e erro de proibição com o velho binômio error facti10 e error júris11. O erro de tipo é aquele que recai sobre os elementos constitutivos do tipo, podendo ocorrer sobre uma percepção completamente equivocada dos fatos como de errônea compreensão do direito. Neste mesmo sentido Bastos Júnior (2000, p. 78) define: Nem todo erro de tipo é erro de fato. Se o agente erra, por exemplo, sobre a condição da coisa alheia, no furto (art. 155, Código Penal12), supondo-a própria, erra sobre elemento factual do tipo de furto. Se, no crime de contrabando (art. 334, Código Penal13), erra sobre a proibição que existe, de importar determinada mercadoria, o erro ainda é de tipo, mas versa sobre elemento de natureza jurídica, que não seria, no regime anterior, erro de fato, mas erro de direito. Desta vez, é a percepção do agente sobre os componentes do tipo, que exclui completamente o dolo, quando este age achando que não está cometendo um crime com tal atitude. O erro de tipo configura o desconhecimento também das circunstâncias fáticas que podem incrimina-lo. Podemos classificar o erro de tipo conforme o entendimento de Bastos Júnior (2000, p. 10 Erro de fato (LUIZ, 2002, p. 107). Erro de direito (LUIZ, 2002, p. 107). 12 Art. 155 – Subtrair para si ou para outrem, coisa alheia móvel (MIRABETE, 2000, p. 877). 13 Art. 334 – Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. 11 26 78) da seguinte forma: Pode ser essencial, quando recai sobre os elementos básicos do tipo penal e acidental, quando recai sobre os elementos secundários do tipo. Ainda classificamse como: erro essencial invencível, ou inevitável e escusável, não poderia ter sido evitado com a cautela normal do agente nas circunstâncias em que atuou, exclui o dolo e a culpa, gerando conseqüentemente a exclusão da própria tipicidade da conduta; erro essencial vencível, ou evitável e inescusável, nas circunstâncias em que atuou o agente não tomou os cuidados necessários, se os tivesse tomado teria evitado o resultado, exclui somente o dolo, porém permanece a culpa condicionada a previsão legal devida. Utilizaremos um exemplo clássico demonstrado por Bastos Júnior (2000 p. 78): Um jovem, pretendendo suicidar-se, deitou-se em um sofá da sala de sua casa, apoiando sob o queixo a boca do cano de um rifle carregado, cujo gatilho ligara com um cordel à maçaneta da porta fechada. Em seguida, chamou pela mãe, que, atendendo pressurosa ao seu apelo, abriu a porta, desta forma acionando o dispositivo que a tornou causadora involuntária da morte do rapaz. A infeliz senhora, ao abrir a porta, não imaginava e jamais poderia imaginar o que estava acontecendo. Trata-se de erro inevitável, que excluindo dolo e culpa, torna a conduta atípica. Já no erro de proibição, o agente sabe o que está fazendo, porém desconhece que tal conduta é contrária ao ordenamento jurídico. Enquanto no erro de tipo, o indivíduo não tem ciência da sua conduta delituosa, não sabe o que faz. Exclui-se o dolo no erro de tipo, no erro de proibição há uma completa incompreensão da antijuricidade (MIRABETE, 2003, P. 171). Está previsto no artigo 21 do Código Penal Brasileiro (BASTOS JÚNIOR, 2000, P. 88): Art. 21- O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único: Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. O erro de proibição incide no caráter ilícito da conduta, caracterizando-se quando o agente não possui nenhuma condição de conhecer a norma jurídica repressiva, sendo assim a reprovação do seu ato pode ser completamente afastada ou reduzida. Aqui o autor supõe permitida, uma conduta proibida, e legal, uma conduta ilícita (BASTOS JÚNIOR, 2000, p. 88). Concluindo a respeito de erro de proibição e erro de tipo, o primeiro afasta a culpabilidade, já o segundo a tipicidade dolosa. 27 No caso da transmissão de Aids, o agente mantém relações sexuais com a sua vítima, ciente de que é portador de uma doença contagiosa e da letalidade da doença, impossível desconhecer a ilicitude do fato. Portanto, não cabe a argüição de erro de proibição. Neste mesmo caso, mesmo tomando os cuidados necessários, tais como a utilização de preservativos, informando a sua vítima de sua condição de saúde, ainda assim existe o risco da camisinha romper e acontecer o contágio. Sendo assim, o erro de tipo não exclui sua responsabilidade. Encerrando sobre o erro de tipo penal, o agente ainda possui a possibilidade da sua conduta ser enquadrada como negligente, desde que prevista em lei como modalidade culposa. Abordamos neste primeiro capítulo toda a teoria inicial do crime, seus princípios, conceitos e elementos, para que possamos entender o que se enquadra exatamente como conduta delituosa, a correta tipificação penal e suas nuances, se dolosa ou culposa. Também foi tratado sobre os bens jurídicos protegidos pelo Estado e a sua relevância para a sociedade. A seguir no capítulo seguinte, discorreremos sobre os três tipos penais possíveis, homicídio, lesão corporal e perigo de contágio de moléstia grave, na conduta relativa a transmissão de AIDS, seus elementos e conceitos, para uma melhor compreensão deste assunto ainda tão polêmico. 28 2. DOS CRIMES CONTRA A PESSOA Neste capítulo serão tratados os crimes contra a vida, das lesões corporais e os delitos da periclitação da vida e da saúde, focando o homicídio, a lesão corporal e o perigo de contágio de moléstia grave, apenas nos pontos que interessam para o trabalho. O Estado possui papel preponderante na proteção da pessoa, e que no caso em tela, através do Direito Penal tem o dever de tutelar todos seus bens jurídicos relativos aos aspectos físicos, morais e sociais. Segundo Mirabete (2003 p. 61): “O homem é sujeito de direitos e entre estes estão os chamados direitos de personalidade, em seus múltiplos aspectos, físico e moral, individual e social”. 2.1 DOS CRIMES CONTRA A VIDA Desta forma, iniciamos com os crimes contra a vida, discorrendo apenas sobre o homicídio, seus conceitos, elementos e as suas mais diversas espécies. Lembrando que aqui se trata da vida, bem jurídico maior, de propriedade inalienável do indivíduo, direito garantido constitucionalmente. É dever do Estado zelar pelo direito de viver. Ninguém tem o direito de retirar a vida de terceiros. 2.1.1 Homicídio Homicídio deriva do latim hominnis excidium, também denominado homicidium, que significa morte do homem (LUIZ, 2002, p. 138). A doutrina é unânime em conceituar o homicídio como a morte de uma pessoa causada por alguém, ou outra pessoa. É o ato de matar alguém (JESUS, 2000, p. 383). Assim entende Capez (2003, p. 3): Homicídio é a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da 29 vida de uma pessoa praticada por outra. O homicídio é o crime por excelência. O homicídio tem a primazia entre os crimes mais graves, pois é o atentado contra a fonte mesma da ordem e segurança geral, sabendo-se que todos os bens públicos e privados, todas as instituições se fundam sobre o respeito à existência dos indivíduos que compõem o agregado social. Silveira ( apud Mirabete, 2003, p. 62) completa a definição acima, frisando que o homicídio se caracteriza pela eliminação da vida extra-uterina da pessoa, para não confundir com o crime de aborto14. A seguir verificaremos os diversos tipos de homicídio, segundo alguns autores e as suas incursões legais. 2.1.1.1 Tipos de homicídio Os crimes de homicídios se classificam de acordo com seus elementos subjetivos, podendo ser dolosos ou culposos, de acordo com o animus15 do agente. Assim a classificação se opera da seguinte forma: homicídio simples doloso e homicídio simples culposo. Neste contexto, o homicídio pode também se dividir de acordo com as circunstâncias fáticas: homicídio privilegiado e homicídio qualificado. Está disposto no art. 121, caput, do Código Penal Brasileiro (Jesus, 2000, p. 382): Art. 121 – matar alguém. No entendimento de Bittencourt (2003 p.54): “Homicídio simples é a figura básica, elementar, original na espécie. É a realização estrita da conduta tipificada de matar alguém”. Neste sentido, Capez (2003, p. 28) define: “Homicídio simples é representado na lei pelo caput do art. 121, doloso, constitui o tipo básico fundamental, é o que contém os componentes essenciais do crime”. Ainda sobre o mesmo tema, Jesus (2001, p. 34 e 35) complementa a definição da seguinte forma: O dolo, como vimos, é a vontade de concretizar as características objetivas do tipo. No homicídio, é a vontade de concretizar o fato de “matar alguém”. Não é a 14 Art. 124, Código Penal Brasileiro- Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque ( JESUS, 2000, p. 413). 15 Vontade, intenção. Elemento intencional cuja presença é obrigatória para a exigência de certos atos jurídicos, ou que vem modificar a natureza de certos fatos e de determinadas operações jurídicas (LUIZ, 2002, p. 39). 30 simples representação do resultado morte que constitui simples acontecimento psicológico. Exige representação e vontade, sendo que esta pressupõe aquela, pois o querer não se movimenta sem a representação do que se deseja. O Código Penal Brasileiro adotou a teoria da vontade, [...] Presentes os requisitos da consciência e da vontade, o dolo do homicídio possui os seguintes elementos: consciência da conduta e do resultado morte; consciência da relação causal objetiva entre a conduta e o resultado morte; vontade de realizar a conduta e produzir a morte da vítima. O autor ainda complementa, que há dois momentos no dolo do homicídio: momento intelectual e momento volitivo, no primeiro existem a presença da consciência da conduta e da morte, juntamente com a consciência da relação causal objetiva entre a conduta e a morte, e no segundo a vontade de praticar a conduta e de produzir a morte da vítima. (JESUS, 2001, p. 35). Todavia, são percebidas no homicídio simples doloso, a conduta típica de matar alguém com a presença da vontade e consciência, elementos essenciais na caracterização dolosa deste crime. Segundo Bittencourt (2003, p. 76) há referência expressa, quando o Código Penal Brasileiro admite a modalidade culposa, e quando não a admite, silencia a respeito de culpa. No parágrafo 3°, art. 121 deste diploma legal está disposto laconicamente: Parágrafo 3°: Se o homicídio é culposo: Por este motivo o art. 18, no seu inciso II vem a complementar: Diz-se o crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. No mesmo contexto, Costa Júnior (2000, p. 259) aduz: No homicídio culposo, o evento, ainda que previsto, não é desejado pelo agente, verificando-se em razão de negligência, imprudência ou imperícia. No crime culposo, o agente não emprega a atenção ou diligência de que era capaz, ou atua apesar de não estar ainda dotado da capacidade profissional necessária. [...] Não se presume a culpa, em nosso direito. Deverá restar comprovada a imprudência [..], negligência [..] ou imperícia. Fundamenta-se a culpa em não saber e não querer (característica psicológiconegativa), existindo a possibilidade de saber e de evitar (característica normativa). Jesus (2001, p. 72) forma seu entendimento sobre homicídio culposo da seguinte maneira: 31 [...] Quando se diz que a culpa é elemento do tipo crime de homicídio culposo, fazse referência à inobservância do dever de diligência. Explicando. A todos, no convívio social, é determinada a obrigação de realizar condutas de forma a não causar a morte de terceiros. É o denominado cuidado objetivo. A conduta torna-se típica no momento em que o sujeito realiza uma ação causadora do resultado morte sem o discernimento e prudência que uma pessoa normal deveria ter. Assim, a inobservância do cuidado necessário objetivo é elemento do tipo culposo, do homicídio. Portanto, o homicídio culposo caracterizado pela imprudência, negligência e imperícia, demonstra que o agente não toma o cuidado necessário na sua conduta, gerando conseqüências danosas à sua vítima. Faz-se necessário relembrar que o infrator prevê o resultado, apesar de não deseja-lo. Mirabete (2003, p. 77 e 78) ainda cita como exemplos de homicídio culposo casos de alguns julgados reconhecidos pelos Tribunais: [...] na aplicação de soro antitetânico na vítima sem, antes, submete-la aos testes de sensibilidade (RT 549/345); no disparo do agente que atingiu o amigo durante a caçada (RT 441/477); no disparo ocorrido quando o agente engraxava ou manejava a arma (RT 435/388) [...]; na eletrificação de viveiro de pássaros em sítio de passagem obrigatória (RT 444/421) [...]; na aplicação de injeção em pessoa alérgica, o que provocou choque anafilático (RT 430/384) [...]. Conforme exposição acima, reconhece-se o homicídio culposo quando o agente não deseja o resultado morte, porém existe a previsibilidade de que possa se consumar. O autor da prática delituosa efetua uma conduta sem observar o cuidado objetivo, tornando-a típica do crime, através da inobservância da prudência, da compreensão e do discernimento necessários. Convém verificar a previsão de resultado, tão citada pelos doutrinadores, que seria a antevisão da conseqüência da conduta. O legislador exige do indivíduo que possua uma previsão natural do resultado de seu ato, mas nunca o extraordinário ou inimaginável. Façamos a seguinte reflexão sobre a previsibilidade (JESUS, 2001. p. 78): Previsibilidade objetiva e subjetiva da morte culposa, segundo o autor: Previsibilidade é a possibilidade de ser antevista a morte, nas condições em que o sujeito se encontrava. Suponha-se que um médico, sem conhecer a técnica de transplante de coração, realize imprudente e imperitamente a cirurgia. O resultado (morte da vítima) é perfeitamente previsível. Objeta-se que a previsibilidade é ilimitada, pelo que haveria culpa em todos os casos de produção de mortes involuntárias. [...] De ver-se, porém, que nem tudo pode ser previsto. O legislador exige que o sujeito preveja o que normalmente pode acontecer, não que preveja o extraordinário, o excepcional (JESUS, 2001, p. 78). Portanto, existem dois critérios que conferem a exatidão da previsibilidade: o objetivo e o subjetivo. No primeiro, a previsibilidade deve ser observada em decorrência do cidadão 32 comum colocado no caso concreto e não pela visão do agente que pratica o delito. Já no segundo, a aferição deverá ser feita em face das condições pessoais do agente. O questionamento é o que o homem comum teria que fazer naquele momento, mas sim o que ele deveria saber a respeito nas circunstâncias onde se envolveu. A previsibilidade objetiva se projeta na seara do tipo penal e a subjetiva no campo da culpabilidade (JESUS, 2001, p. 78 e 79). São elementos do tipo culposo no homicídio: a conduta humana voluntária, de fazer ou não fazer; inobservância do cuidado objetivo manifestado por imprudência, negligência ou imperícia; a previsibilidade objetiva da morte; ausência de previsão; resultado morte involuntário; e a tipicidade (JESUS, 2001, p. 79). Já o homicídio privilegiado ocorre quando é cometido por motivo de relevante valor social (interesse coletivo) ou moral (matar quem estuprou ou atentou contra o pudor da filha), ou sob o domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima. (MIRABETE. 2003 p. 67). Mirabete (2003, p. 67), focaliza o lapso temporal na probabilidade do agente praticar o crime tomado de violenta emoção logo após indigna ou injusta provocação da vítima, pois a reação deverá ser imediata, por causas ou motivos determinantes de alto teor moral ou social. Costa Júnior (2000, p. 256), ainda faz uma sub-divisão no homicídio privilegiado, para homicídio emocional, neste sentido entende: Exige três requisitos: a) estar o agente tomado de violenta emoção; b) existência de provocação injusta, por parte da vítima; c) prática do crime sem intervalo, entre a provocação e a reação subseqüente. [...] Tais estados poderão manifestar-se de modo fugaz, embora violento, configurando a emoção propriamente dita. Ou de maneira duradoura, caracterizando a paixão. Da mesma forma, o homicídio emocional é regulado pelo parágrafo 1° do art. 121 do Código Penal Brasileiro16, especificando mais a segunda parte do dispositivo, que cita o domínio de violenta emoção sobre o agente logo após injusta provocação da vítima. Chama também atenção a questão do intervalo de tempo, na paixão pode ser mais longo, já numa provocação por demais injusta (estupro de menor descendente) o delito deverá suceder-se logo em seguida. 16 Parágrafo 1°: Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço (JESUS, 2000, p. 382). 33 Ao contrário do homicídio privilegiado, no homicídio qualificado, os motivos são completamente imorais e anti-sociais. O Código Penal Brasileiro listou-os nos incisos I à V do parágrafo 2° do art. 121, respectivamente: I -mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - á traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V -para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. (BITTENCOURT, 2003, p. 65) O homicídio qualificado ocorre quando os motivos determinantes, os meios ou recursos utilizados na execução demonstram uma maior periculosidade do agente com menores possibilidades de defesa da vítima. Também definido como crime hediondo, regulamentado através do art. 1°,I,da Lei 8.072/9017 com redação determinada pela Lei 8.930/94, tanto pelas circunstâncias objetivas ou subjetivas, consumado ou tentado. (MIRABETE, 2003, p. 69 e 76). No entendimento de Jesus (2001 p. 65 e 66) as qualificadoras do homicídio são conseqüências: 1°) dos motivos determinantes: paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe e motivo fútil ( incisos I e II); 2°) dos meios: veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum ( inciso III); 3°) da forma de execução: traição, emboscada, mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido ( inciso IV; 4°) da conexão com outro crime: fato praticado para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime (inciso V). Diante do exposto, extrai-se a qualificação do homicídio conforme determinam seus motivos, os meios empregados na prática delituosa, modos ou formas utilizadas e por último os fins para garantir o resultado. O homicídio culposo qualificado é uma figura típica desta modalidade culposa de crime, representada no Código Penal Brasileiro pelo art. 121, parágrafo 4°, 1a. parte: 17 Art. 1°: São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, parágrafo 2°, I,II,III,IV e V); 34 No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante (JESUS, 2000, pp. 382-383). Neste sentido, verificou-se que o homicídio qualificado culposo somente é aplicável a profissionais, técnicos ou especialistas, pois este sujeito necessita bem conhecer o seu ofício e regras. Caso não tome a cautela necessária na observância destas normas técnicas, descumprindo-as tipificará a sua conduta (JESUS 2001, p. 84). Todavia, o delito é conseqüência da não apreciação de norma técnica de profissão, arte ou ofício. Também faz parte desta figura típica a omissão de socorro, que pode ocorrer, hipoteticamente com um engenheiro que vê a queda de um operário e não lhe presta socorro. Por fim, quando o agente também não tenta minimizar os transtornos causados à sua vítima ou entra em fuga para livrar-se da prisão em flagrante (JESUS, 2001, p. 84). Além das duas modalidades, dolosa e culposa, registradas no Código Penal Brasileiro, a doutrina e jurisprudência têm pacificado com relação a existência de uma terceira modalidade, que é denominada de preterdolosa (BITTENCOURT, 2003, p. 87). Assim se posiciona Bittencourt (2003 p. 87): Crime preterdoloso ou preterintencional tem recebido o significado de crime cujo resultado vai além da intenção do agente, isto é, a ação voluntária inicia dolosamente e termina culposamente, porque, a final, o resultado efetivamente produzido estava fora da abrangência do dolo. [..] É preciso, portanto, que a conduta inicial seja uma constitutiva de lesões dolosas. Não haverá homicídio preterintencional se concorre o dolo, direto ou eventual, relativamente ao resultado morte;[...] Este tipo de homicídio se caracteriza pelo dolo no seu antecedente e a culpa no resultado, ou seja, a conduta se inicia com a intenção de consumar o ato e acaba finalizando com a culpa. Não existe o dolo direto ou eventual presentes na conduta do agente, apesar da ação se iniciar com lesões dolosas. 2.1.1.2 Elementos Necessário de faz enumerar os elementos que compõem o homicídio, para podermos distingui-los dos demais tipos penais. Senão vejamos: 35 O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O agente que executa diretamente a eliminação de sua vítima, praticando a conduta descrita na lei, isolada ou conjuntamente com outros autores (CAPEZ, 2003, p. 10). O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa. É o titular do bem jurídico lesado, aquele que sofre a conduta delituosa do agente (CAPEZ, 2003, p. 10). Desta forma, exara-se dos conceitos acima, que tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo no crime de homicídio podem ser qualquer pessoa. Na objetividade jurídica é tratado o bem jurídico protegido pelo Estado, com relação ao crime de homicídio. Tutela-se com o dispositivo o mais importante bem jurídico, a vida humana, cuja proteção é um imperativo jurídico de ordem constitucional (art. 5°, caput, CF). Tem a vida a primazia entre os bens jurídicos, sendo indispensável à existência de todo direito individual porque “sem ela não há personalidade e sem esta não há cogitar de direito individual”. [...] Protege -se a vida humana extra-uterina, considerada esta como a que passa a existir a partir do início do parto. Na eliminação da vida intrauterina, há aborto (SILVEIRA apud MIRABETE, 2003, p. 62). O direito à vida garantido na Carta Magna Brasileira é o mais importante bem jurídico tutelado pelo Estado, sem a vida humana os outros direitos não fariam sentido existir. Portanto, o objeto jurídico no delito de homicídio é a vida de qualquer cidadão. O tipo objetivo é a conduta típica de matar alguém, eliminar a vida de uma pessoa. Tanto faz a conduta ativa ou omissiva do agente desde que ele provoque a morte da vítima, ou seja, alcance o resultado (MIRABETE, 2003, p. 64). Os meios de execução são as formas ou métodos empregados de forma direta ou indireta na consecução da prática delituosa. No entendimento de Mirabete (2003, p. 64), o homicídio pode ser praticado por meios diretos ou indiretos objetivando extinguir a vida humana. São meios diretos os empregados em ações imediatas com o intuito de atingir a vítima naquele instante, como por exemplo: disparo de arma de fogo e golpe de arma branca. São meios indiretos aqueles em que necessitam de intermediário, produzindo efeitos por uma outra causa terceira no ato inicial do agente, como exemplos: coagir alguém ao suicídio; instigar um cão ou um louco contra pessoa a quem se quer matar; deixar a vítima em algum local sem condições de sobreviver, entre outros. Os meios podem ser físicos (disparos de revólver, golpes de faca, e outros), químicos (uso de veneno ou açúcar para diabéticos, e outros), patogênicos ou patológicos (transmissão 36 de moléstia por meio de vírus ou bactérias, incluem-se aqui os vírus letais, tais como o vírus da Aids, entre outros) ou ainda psíquicos ou morais (provocação violenta de emoção em uma pessoa cardíaca; comunicação de intensa dor moral ou pavor; através de simples palavras ou ainda conduzir um cego ao um abismo). Destarte, o homicídio pode ser praticado através de meios diretos, onde são empregados de forma direta pelo agente, atingindo de imediato a vítima, tais como uso de arma branca ou disparos de revólver. Como também são utilizados os meios indiretos, cuja ação do agente provoca uma situação para que o resultado se concretize. O tipo subjetivo se caracteriza pela intenção ou vontade do agente na realização da sua conduta delituosa. Podendo ser através de dolo ou culpa, dependendo do animus. O dolo do homicídio é a vontade consciente de matar alguém ( animus necandi ou occidendi). Já no homicídio culposo, o elemento subjetivo é a culpa que pode ser consciente ou inconsciente. (MIRABETE, 2003, p. 64). No homicídio, o momento consumativo se dá com a morte da vítima e a tentativa é admitida depois de iniciada a execução o delito não se consumar por circunstâncias alheias à sua vontade (JESUS, 2000, p. 386). Não cabe tentativa em homicídio culposo, na medida em que a intenção do agente não é a consumação do resultado, nem mesmo assumir o risco de produzi-lo (CAPEZ, 2003, p. 19). 2.2 DAS LESÕES CORPORAIS No capítulo II do ordenamento penal brasileiro encontram-se os crimes contra a integridade física e psíquica do cidadão, denominados de lesões corporais. Iniciaremos com o conceito de Mirabete (2003 p. 177): O delito de lesão corporal pode ser conceituado como a ofensa à integridade corporal ou à saúde, ou seja, como o dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental. Nesta mesma linha, Bittencourt (2003 p. 177): Lesão corporal consiste em todo e qualquer dano produzido por alguém, sem 37 animus necandi, à integridade física ou à saúde de outrem. Ela abrange qualquer ofensa à normalidade funcional do organismo humano, tanto do ponto de vista anatômico quanto do fisiológico ou psíquico. Na verdade, é impossível uma perturbação mental sem um dano à saúde, ou um dano à saúde sem uma ofensa corpórea. Indispensável, no crime de lesões, a ausência do animus necandi, em face da intenção do agente ser a de causar lesão à sua vítima (COSTA JÚNIOR, 2000, p. 269). Desta forma, o pensamento de Capez (2003 p. 125 e 126): [...] Consiste, portanto, em qualquer dano ocasionado à integridade física e à saúde fisiológica ou mental do homem, sem, contudo, o animus necandi. A integridade física diz respeito à alteração anatômica, interna ou externa, do corpo humano, geralmente produzido por violência física e mecânica; [...] não se exigindo, porém o derramamento de sangue. A saúde fisiológica do corpo humano diz respeito ao equilíbrio funcional do organismo, cuja lesão normalmente não produz alteração anatômica, ou seja, dano, mas apenas perturbação de sua normalidade funcional que produz ofensa à saúde. Desta forma, um dos critérios indispensáveis na observância do delito para a imputação do crime de lesões corporais, é o animus, ou seja, a intenção ou vontade do agente na conduta delituosa. A seguir passaremos a explanação sobre todos os tipos de lesões corporais previstos no Código Penal Brasileiro. 2.2.1 Tipos As lesões corporais apresentam três figuras típicas: fundamental, qualificada e privilegiada. Sendo que a primeira pertence a modalidade dolosa, considerada lesão corporal de natureza leve ou lesão simples, descrita abaixo. A lesão corporal leve está disposta no artigo 129, caput, do Código Penal Brasileiro (JESUS, 2001, p. 133): Art. 129- Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Apresenta duas formas típicas: ofender a saúde e a integridade física de outrem. Para distingui-la dos outros tipos de lesões se faz por exclusão, em face das outras estarem expressas ou implícitas no próprio dispositivo legal (JESUS, 2001, p. 136). 38 As lesões corporais graves são figuras típicas qualificadas, estando descritas no artigo 129, nos parágrafos 1° (em sentido estrito) e 2° (em sentido amplo), do Código Penal Brasileiro (JESUS, 2001, p. 133): Parágrafo 1° Se resulta: I – incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II - perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV – aceleração de parto. Na qualificadora de perigo de vida verifica-se que “não se trata de perigo presumido, mas concreto, precisando ser investigado e comprovado por perícia. Só se pode falar em perigo de vida, quando a morte é provável e não simplesmente possível” (JESUS, 2001, p. 140). Constata-se o perigo de vida quando a morte for iminente e não somente possível, sendo comprovado também através de perícia técnica. A debilidade permanente de membro, sentido ou função, que é a terceira qualificadora, constitui-se da: [...] redução ou enfraquecimento da capacidade funcional da vítima. Permanente, por sua vez, é a debilidade de duração imprevisível, que não desaparece com o correr do tempo. Membros são partes do corpo que se prendem ao tronco, podendo ser superiores ou inferiores (Bittencourt, 2003, p. 190). A lesão corporal qualificada prevista no artigo 129, parágrafo 2°, incisos de I à V, do Código Penal Brasileiro (Jesus, 2001, p. 133), é de natureza gravíssima, assim descreve o texto legal: Parágrafo 2° Se resulta: I – incapacidade permanente para o trabalho; II enfermidade incurável; III – perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV – deformidade permanente; V – aborto. Já na segunda qualificadora de enfermidade incurável, discorre Jesus (2001 p. 142): “A incurabilidade da enfermidade pode ser absoluta ou relativa, bastando esta para configurar a qualificadora. A vítima não está obrigada a submeter-se a intervenção cirúrgica arriscada a fim de curar-se da enfermidade”. Neste sentido entende Capez (2003 p. 140): Enfermidade incurável é a doença (do corpo ou da mente) que a ciência médica ainda não conseguiu conter nem sanar; a moléstia que evolui a despeito do esforço técnico para debelá-la. Não se exige a certeza absoluta da incurabilidade da medicina, pois basta um juízo de probabilidade de que a doença não tenha cura. A demonstração da incurabilidade deve vir afirmada pericialmente, a partir dos conhecimentos de que ora dispõe a medicina, através de um juízo prognóstico que afirme a ineficiência dos tratamentos atualmente disponíveis para a futura supressão do mal.[...] A dolosa transmissão de uma doença incurável e fatal como a Aids poderá, se presente o animus necandi, caracterizar o delito de homicídio, que se 39 consumará com a morte da vítima. Trata-se na enfermidade incurável, de doença diagnosticada no ofendido, transmitida ou causada pelo ofensor, cuja cura ainda não foi descoberta pela medicina. A vítima não está obrigada a submeter-se a intervenção cirúrgica para debelar o mal, pois que mesmo assim a qualificadora subsistiria. Entendendo a terceira qualificadora de perda ou inutilização de membro, sentido ou função, Jesus (2001, p. 142) aduz que: Perda é a ablação do membro ou órgão. Inutilização é a inaptidão do órgão à sua função específica. [...] Assim, se o ofendido, em conseqüência da lesão corporal, sofre paralisia de um braço, trata-se de inutilização de membro. Se, em face da lesão corporal, perde a mão, cuida-se também de inutilização de membro. Entretanto, vindo a perder um dedo da mão, a hipótese é de debilidade permanente. Por último, se vem a perder todo o braço, o fato constitui perda de membro. Perda ou inutilização de membro, sentido ou função, é a retirada de um órgão que por conseqüência torna-se inapto a sua função específica, em decorrência de uma lesão sofrida. A lesão corporal seguida de morte é outra forma qualificada deste instituto, e está disposta no parágrafo 3°, do artigo 129, do Código Penal Brasileiro (JESUS, 2001, p. 133): Parágrafo 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo. Assim a doutrina descreve segundo o pensamento de Jesus (2001 p. 144): Temos aqui o denominado homicídio preterintencional ou preterdoloso. Trata-se de crime qualificado pelo resultado, misto de dolo e culpa. [...] É necessário que as circunstâncias do caso concreto evidenciem que o sujeito não quis o resultado morte da vítima nem assumiu o risco de produzi-lo. Em outros termos, é necessário que o sujeito não tenha agido com dolo direto ou eventual no tocante à produção do resultado morte. Evidencia-se nesta espécie de lesão corporal, o preterdolo, que consiste em dolo na ação inicial e culpa no resultado. Porém, é preciso que o agente não tenha agido com dolo direto nem eventual quanto a morte da vítima. Aqui estão demonstradas as lesões de forma privilegiada, conforme a disposição legal abaixo: Art. 129, do Código Penal Brasileiro (JESUS, 2001, p. 133): Parágrafo 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Substituição da pena Parágrafo 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa: I – se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II – se as lesões são recíprocas. 40 Dessa forma, como já foram apreciadas no homicídio privilegiado, as circunstâncias que reduzem a gravidade do delito são as mesmas, relevante valor social e moral e sob o domínio de violenta emoção logo após injusta provocação do ofendido. Na lesão corporal culposa é observado o cuidado objetivo, onde o agente deveria ter tomado todas as cautelas necessárias e não o fez, resultando na prática delituosa. Este tipo está descrito no parágrafo 6° do art. 129, do Codex (Jesus, 2001, p. 133): Parágrafo 6° Se a lesão é culposa: Lesões corporais culposas qualificadas Parágrafo 7° Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, parágrafo 4°. Parágrafo 8° Aplica-se à lesão culposa o disposto no parágrafo 5° do art. 121. Conforme pensamento da doutrina, através de Jesus (2001 p. 146 e 147): A lesão corporal culposa apresenta um tipo simples, descrito no parágrafo 6° do art. 129, e um tipo qualificado, descrito no parágrafo 7°. [...] É irrelevante, na responsabilidade do sujeito que pratica lesão corporal culposa, que seja leve, grave ou gravíssima. Entretanto, na fixação da pena concreta, o juiz deve levar em consideração a gravidade do mal causado pelo sujeito (CP, art. 59). Mister se faz saber que estaremos diante de uma lesão corporal culposa sempre que o evento morte decorrer da quebra do dever de cuidado por parte do agente através de uma conduta imperita, negligente ou imprudente. (CAPEZ, 2003, p. 145). A lesão corporal culposa possui os mesmos elementos do homicídio culposo, ou seja, se por imperícia, imprudência ou negligência, o ofensor causou lesão corporal, cujas conseqüências não foram previstas e ele não assumiu o risco de produzi-las. 2.2.2 Elementos Conforme o entendimento de Mirabete (2003, p. 103), o objeto jurídico em questão é a integridade física ou psíquica do ser humano, um bem individual e social. O Estado tem o dever social de proteger não só a vida do cidadão, mas também a sua incolumidade física e saúde mental. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, por ser um delito comum (MIRABETE, 2003, p. 103). O sujeito passivo também pode ser qualquer indivíduo, menos o agente, que tenha 41 nascido vivo após o parto (MIRABETE, 2003, p. 104). O elemento objetivo é descrito por Mirabete (2003, p. 105) da seguinte forma: O núcleo do tipo é ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, incluindo, pois, toda a conduta que causar mal físico, fisiológico ou psíquico à vítima. A ofensa pode causar um dano anatômico interno ou externo (ferimentos, equimoses (RJDTACRIM 11/116), hematomas, fraturas, luxações, mutilações). Há normalmente derramamento de sangue, interno ou externo, mas não é ele indispensável à composição do tipo penal. Desnecessária é, também, a presença da dor, exigida em legislação anterior. De acordo com o autor supra citado, o tipo objetivo no crime de lesão corporal é atentar contra a integridade física e a saúde corporal e mental de alguém. A diferença entre os crimes de lesão corporal e homicídio reside no animus, ou seja, na intenção ou vontade do agente, contida no elemento subjetivo. Portanto o elemento subjetivo no delito de lesões corporais consiste no dolo, que é a vontade de produzir um dano ao corpo ou a saúde de outrem ou, pelo menos, de assumir o risco desse resultado, É o denominado animus laedendi ou nocendi18, que diferencia o delito de lesão corporal da tentativa de homicídio, em que existe a vontade de matar (animus necandi)” (MIRABETE, 2003, p. 106). O dolo no delito de lesões corporais é a intenção de prejudicar (animus laedendi) ou ofender a integridade física ou a saúde mental de alguém. Distingue-se da tentativa de homicídio pela intenção de matar (animus necandi). Segundo Capez (2003, p. 128), os meios de execução são os mesmos empregados no delito de homicídio, senão vejamos: São os mesmos utilizados no delito de homicídio. Cuida-se de crime de ação livre. Temos, então, a prática do crime através de meios físicos (p. ex., lesão acarretada pela ação de agente químico corrosivo; pelo emprego de faca) ou morais (p. ex., lesão acarretada no sistema nervoso em decorrência de um susto); através de ação (p. ex., desferir pauladas nas costas da vítima); ou omissão (p. ex., enfermeiro que deixa de alimentar o paciente passando este a apresentar sérias disfunções orgânicas). A violência física e descaracterização anatômica são desnecessárias nos crimes de lesão corporal, os meios empregados são os mesmos no delito de homicídio: físicos e morais. Por tratar-se de crime de dano, a consumação se dá no momento da efetiva ofensa à integridade corporal ou à saúde física ou mental da vítima, conforme argumenta Capez (2003 p. 130). 18 Intenção de prejudicar (LUIZ, 2002, p. 40). 42 É um delito instantâneo que se dá no instante da agressão na vítima pelo agente, pouco importando o tempo de duração da lesão. Todavia, por se caracterizar como crime de dano, a tentativa é admissível. Neste sentido complementa Capez (2003 p. 130): [...], por se tratar de um crime de dano, a tentativa é perfeitamente admissível. A dificuldade surge no momento em que se pretende provar qual a lesão intencionada pelo agente. Se realmente houver dificuldade de prova, a doutrina assinala para a aplicação do princípio do in dubio pro reo, respondendo o agente pela tentativa de lesão corporal leve, [...]. A tentativa não será possível na forma culposa (parágrafo 6°). Igualmente não será possível na forma preterdolosa do crime de lesões corporais. A tentativa é perfeitamente admitida no crime de lesões corporais quando há o dolo de lesionar ou de causar dano a integridade física e a saúde de outrem. 2.3 DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE No capítulo III do Código Penal Brasileiro encontram-se os crimes da periclitação da vida e da saúde, onde estudaremos a sua relação com o delito de transmissão de Aids, foco de nossos estudos. Dentre eles discorreremos apenas sobre o perigo de contágio de moléstia grave, por entendermos que é o instituto adequado ao caso em tela, em face do perigo de contágio venéreo, disposto no artigo 130 do Código Penal Brasileiro19, não se enquadrar a Aids, tendo em vista não ser considerada pela literatura médica uma doença venérea. Assim completa Capez (2003 p. 162): “Quanto à Aids, a transmissão dessa doença não configura o delito do art. 130, CP, pois, além de não ser considerada doença venérea pela medicina, não é transmissível somente por meio de relações sexuais, mas também, por exemplo, por transfusão de sangue, emprego de seringas usadas” . 2.3.1 Perigo de Contágio de Moléstia Grave 19 Art. 130 – Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado (JESUS, 2000, p. 437). 43 Segundo Jesus (2001, p. 159), o perigo de contágio de moléstia grave é um crime de dano, pois ofende a saúde corporal do indivíduo. Também conhecido como um delito préconsumado, em face da sua consumação ocorrer no ato de produção do contágio e não na transmissão da moléstia. A previsão legal está descrita no art. 131, do Código Penal Brasileiro (Jesus, 2000, p. 439): Art. 131- Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio. Assim o autor complementa sua definição: Trata-se de delito formal com dolo de dano. Isso significa que o fato, embora descrito no capítulo dos delitos de periclitação da vida e da saúde, na verdade não é um crime de perigo. É um delito formal, de conduta e resultado, em que o estatuto penal não exige a sua produção para a consumação. [...] Na espécie, é suficiente que realize o ato com o fim de transmissão da moléstia grave (JESUS 2001 p. 159). Nesta mesma linha, entende Capez (2003 p. 161 e 162): Trata-se, aqui, de crime de ação livre. A contaminação pode dar-se por diversos meios: beijo, instrumentos, injeções, nada impedindo, contudo, que a transmissão também se dê mediante relações sexuais ou atos libidinosos, desde que a moléstia não seja venérea.[...] Essa moléstia há de ser contagiosa. São consideradas moléstias graves e contagiosas, por exemplo, a febre amarela, a tuberculose, a Aids. Destarte, o delito de perigo de contágio de moléstia grave não é um crime de perigo e sim dolo de dano. O agente deve ser portador de doença grave contagiosa, que efetua a transmissão através de contatos físicos, sexuais ou de instrumentos infectados. 2.3.1.1 Elementos A objetividade jurídica encontra-se na tutela pelo Estado da incolumidade física e a saúde da pessoa humana (MIRABETE, 2003, p. 126). Nessa mesma linha, entende Bittencourt (2003, p. 226): Não nos parece que a vida também integre o bem jurídico protegido pelo art. 131, CP, como alguns autores chegam a sustentar. Tanto é verdade que, se sobrevier a 44 morte da vítima, eventual punição por esse dano deslocará a tipificação da conduta para outro dispositivo que poderá ser o art. 121 e art. 129, parágrafo 3°, numa clara demonstração de que a vida não está protegida por este artigo legal, pelo menos imediatamente. No entendimento dos autores supra citados, o bem jurídico tutelado é a integridade física e a saúde do indivíduo, porém Jesus (2001, p. 159) depreende que o legislador também quis proteger a vida. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa portadora de moléstia grave (JESUS, 2001, p. 159). O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que não esteja contaminada por nenhuma moléstia grave. Há delito impossível se o sujeito passivo já tiver recebido o contágio (JESUS, 2001, p. 159). No tipo objetivo, a conduta típica configura-se com qualquer ato praticado pelo agente que possa transmitir a moléstia à vítima. Pode ocorrer com o contato corporal direto ou mesmo por meio de objetos ou instrumentos” (MIRABETE, 2003, p. 126). Todavia, Bittencourt (2003, p. 227 ) enriquece mais a descrição da conduta típica: A ação típica punível é praticar, isto, é, realizar ato capaz de transmitir moléstia grave. A transmissão pode ocorrer por meio de qualquer ato (inclusive libidinoso, desde que a moléstia grave não seja venérea), desde que capaz de produzir o contágio. O ato praticado precisa ter idoneidade para a transmissão, e a moléstia, além de grave, deve ser contagiosa. Imperioso destacar que a conduta realizada tem de ter como objetivo a transmissão da moléstia. O legislador no texto legal não foi claro em definir o que deve ser considerado como moléstia grave, porém evidenciou que tem de ser contagiosa. Em face disso, alguns doutrinadores consideram uma norma penal em branco, porém não é a corrente majoritária20 (Bittencourt, 2003, p. 228). O perigo de contágio da moléstia deve ser concreto, por isso devidamente comprovado através de laudo médico (Bittencourt, 2003, p. 228). Cabe salientar, que a moléstia tem de ser grave e contagiosa. São consideradas doenças graves e contagiosas, por exemplo, a febre amarela, a tuberculose, a Aids. Conforme o entendimento de Capez (2003, p. 162), não há necessidade do Ministério da Saúde ou a 20 Sustentam o referido dispositivo (art. 131,Código Penal) como normal penal em branco: Magalhães, Noronha. Direito Penal. p. 94 e Mirabete, Júlio F. Manual de Direito Penal. p. 106. 45 ONU21 regulamentar através de portaria, a lista de quais doenças são graves e contagiosas. Moléstia grave é somente um elemento normativo, que pode ser emitido um juízo de valor. Por isso, cabem aos médicos diagnosticar a gravidade e grau de contágio das moléstias, pois trata-se de conceito médico. A conduta típica consiste em qualquer ato praticado pelo sujeito que possa efetivar o contágio, tendo por objetivo principal a transmissão da doença. Necessário se faz que a moléstia grave seja devidamente comprovada através de laudo médico. A contaminação poderá ser feita através de meios diretos (contato físico) ou de meios indiretos (instrumentos infectados). Os meios de execução podem ser diretos ou indiretos. Os meios empregados diretamente são através de contato físico e os de forma indireta através de instrumentos ou objetos contaminados. Assim relata Bittencourt (2003 p. 228): [...] Os meios com idoneidade para produzir contágio de moléstia grave, [...] podem ser direitos ou indiretos. Meios diretos decorrem do contato físico do agente com a vítima, como beijo, aperto de mão, troca de roupa, amamentação,etc., e meios indiretos decorrem da utilização de objetos, utensílios, alimentos, bebidas ou qualquer outro instrumento que o sujeito passivo pode utilizar para a transmissão da moléstia grave que porta.[...] O elemento subjetivo consiste no dolo direto, ou seja, na vontade de praticar o ato. Segundo Mirabete (2003 pp. 126-127): “Não há esse crime, assim, quando o agente atua com dolo eventual em que, não querendo o contágio, assume o risco de provoca-lo”. Neste sentido Bittencourt (2003, pp. 229 - 230), acrescenta que: Estamos diante de um crime de perigo com dolo de dano, que só se caracteriza quando o agente pratica a ação e quer transmitir a moléstia. Em outros termos, o tipo subjetivo do crime de perigo de contágio de moléstia grave compõe-se do (a) dolo direto – que é o elemento subjetivo geral do tipo – e do (b) elemento subjetivo especial do injusto – representado pelo especial fim de agir -, que é a intenção de transmitir a moléstia grave. Não é permitido o dolo eventual neste tipo penal, portanto só é punível a título de dolo direto de dano. Assim, o dolo direto é o tipo subjetivo geral deste crime, enquanto a finalidade de agir (intenção de transmitir a moléstia), o elemento subjetivo especial. 21 Organização das Nações Unidas. 46 Neste delito a consumação se dá com a prática do ato capaz de produzir o contágio, independente se a vítima foi contaminada ou não, que se positivo seria o exaurimento do crime. O crime de perigo de contágio de moléstia grave é um delito formal, de consumação antecipada e de perigo com dolo de dano (MIRABETE, 2003, p. 127). Admite a tese da tentativa, em face deste crime apresentar um iter criminis (caminho do crime), ou seja, trata-se de ação dolosa que se constitui de cogitação, preparação, iniciação, execução e possível exaurimento. (BITTENCOURT, 2003, p.234) Contudo, no entendimento de Jesus (2001 p. 162), se a pratica do ato de contágio for uma só, não é admissível a tentativa; se, porém, são exigidos vários atos, é admissível. Assim também pensa Capez (2003, p. 164), se o ato da contaminação for único, não admite tentativa, porém se forem utilizados diversos passos, admite-se. Encerramos a explanação a respeito dos três tipos penais – homicídio, lesão corporal e perigo de contágio de moléstia grave – nos quais foram discutidos os conceitos e elementos, as suas nuances jurídicas e circunstâncias fáticas possíveis. Passaremos então para o próximo e último capítulo, que discorrerá sobre a origem histórica e conceitos científicos a respeito da AIDS, sua forma de transmissão, efeitos do contágio, os posicionamentos doutrinários e dos Tribunais sobre a criminalização na transmissão da doença, focando principalmente nas relações sexuais. 47 3. SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA - SIDA Durante o trabalho de pesquisa sobre este tema, encontramos muita dificuldade em localizar doutrinas específicas, que discutissem a abordagem penal, em face da literatura ser bastante escassa. Iniciamos então decifrando a sigla da doença. A Síndrome da imunodeficiência adquirida ou SIDA é a tradução para o português da AIDS, como é popularmente conhecida, que na língua inglesa significa a abreviatura de Acquired Immune Deficiency Syndrome. Utilizaremos no decorrer deste trabalho, a sigla AIDS, por ser a mais empregada nos meios de comunicação e na sociedade em geral. Já a sigla SIDA é mais usada no meio científico e médico brasileiros. 3.1 HISTÓRICO Os primeiros casos de AIDS surgiram em Nova Iorque e na Califórnia no ano de 1979. Em sua maioria, os infectados eram homossexuais, viciados em drogas injetáveis e um pequeno percentual de heterossexuais. Quando surgiu a AIDS, a sociedade médica norteamericana desconhecia as suas origens e a forma de transmissão, estavam diante de uma doença nova, fatal e causada por um vírus ainda desconhecido (BONTEMPO, 1985, p. 27 e 28). Segundo Bontempo (1985, p. 28), neste início, um grupo de autoridades sanitárias detectou que o mal se manifestava principalmente em homossexuais masculinos que possuíam diversos parceiros, entre os quais as doenças mais comuns eram as sexualmente transmissíveis. Portanto, a relação sexual era a forma mais comum de transmissão da AIDS. Na década de 1980 ocorreu uma sucessão de mortes no circuito norte-americano, sendo a doença nomeada de “câncer gay” ou “peste rosa”. No entanto, o aparecimento entre outros segmentos da sociedade roubou-lhe o rótulo de doença dos homossexuais. Constatouse que a transmissão também se dava através de transfusão de sangue com hemofílicos e viciados, e que heterossexuais que mantinham uma gama de parceiros também estavam passíveis de contrair a doença. Desde a sua primeira manifestação, a doença é praticamente fatal. Não há até hoje cura conhecida para a AIDS (PERLONGHER, 1987, p. 8). Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS): 48 Em 1983, o vírus22 causador da SIDA foi descoberto por cientistas na França, e suas vias de transmissão foram confirmadas. O vírus tornou-se, então conhecido como vírus da imunodeficiência humana (HIV). Existem dois tipos diferentes de HIV: HIV-1, o tipo mais comum, encontrado em todo o mundo, e HIV-2, o tipo encontrado, na maioria da África Ocidental.23 Em face dos dados apurados acima, percebe-se que somente em 1983 a comunidade científica descobriu o vírus causador da doença e as suas vias de transmissão, chamava-se HIV ( Vírus da Imunodeficiência Imunológica). 3.2 CONCEITO Do ponto de vista microbiológico24, a AIDS é causada pelo vírus HIV, que invade as células de defesa do organismo reduzindo drasticamente a sua capacidade de proteção. No enfraquecimento de suas células, o doente se expõe a diversos males infecciosos e tumores cancerígenos. A AIDS, ou o vírus em si não mata. O paciente morre em decorrência de outras doenças infecciosas e tumorais causadas pela diminuição do seu quadro imunológico, ou seja, pelas quedas das barreiras naturais de defesa do corpo humano (BONTEMPO, 1985, p. 17). Com o surgimento de doenças fatais, como sífilis ou tuberculose, a medicina sempre envidou esforços na busca de um tratamento ideal, de uma vacina e principalmente da cura. No caso da AIDS não podia deixar de ser diferente. Contudo, ainda não alcançou seu objetivo (LACAZ, 1985, p. 01). De acordo com Lacaz (1985, p. 01) a comunidade médica entende que a SIDA é um “veneno mortal”, às vezes manifestando -se em doses homeopáticas em suas vítimas, outras devastando o organismo humano com uma velocidade incrível. Segundo o entendimento do médico imunologista Lacaz (1985 p. 87): A doença clínica, uma vez estabelecida, é essencialmente irreversível. A mortalidade da ordem de 88% em dois anos e quase 100% em três anos, e até hoje nenhum “truque 22 Vírus – cada um de um grupo de agentes infecciosos diminutos (de 10mm a 250 mm de diâmetro), caracterizados pela falta de metabolismo independente e pela habilidade de se replicarem somente no interior das células vivas hospedeiras; no caso da aids são dois tipos: HIV 1 e HIV 2, do gênero Lentivírus, da família dos retrovírus, responsáveis pela aids, os quais infectam e destroem os linfócitos CD4, após te-los usado para se reproduzir (HOUAISS, 2001, p. 2870). 23 Fontes: OMS (1993). HIV Prevention and Care:Teaching Modules for Nurses Midwives. WHO/GPA/CNP/TMD/93.3. OMS (1996). TB/HIV: A Clinical Manual. (WHO/TB/96.200). OMS (1997). 24 Microbiológico – referente a microbiologia, que significa especialidade biomédica que se dedica ao estudo dos microorganismos patogênicos, responsáveis pelas doenças infecciosas, englobando a bacteriologia, virologia e micologia ( HOUAISS, 2001, p. 1916). 49 médico” conhecido foi capaz de reverter este quadro. [...] Uma vez diagnosticada a Aids com segurança, pelos critérios que discutimos no início deste artigo e que são os do CDC25, não existe nenhuma documentação ou relato na comunidade científica de cura do processo. O que é tratável são as infecções oportunísticas, e chamamos a atenção para a necessidade de se perseguir a fundo a causa exata destas, para poder oferecer terapêutica específica. Destarte, percebe-se a letalidade desta doença, causada pelo vírus HIV, aniquilando os mecanismos de defesa do organismo, destruindo o sistema imunológico. Manifesta-se como um conjunto de sintomas, minando a resistência física e retirando a proteção contra doenças de diversas patologias, principalmente as infecciosas e tumores malignos. Assim, apesar dos avanços no tratamento e terapias, constata-se a irreversibilidade da doença, não existindo a cura até o momento. 3.3 FORMAS DE CONTÁGIO A AIDS possui um longo período de incubação, desde a transmissão do vírus até o aparecimento dos primeiros sintomas, o tempo médio é de 28 (vinte e oito) meses, variando entre 9(nove) meses a 6(seis) anos. Os sinais se apresentam de diversas formas, tais como: emagrecimento rápido e progressivo, cansaço excessivo, febres, suor noturno, diarréias, manchas roxas ou rosadas na pele (BONTEMPO, 1985, p. 19). Cabe salientar, ainda, para a constatação da doença o período que a pessoa demora em desenvolver os anti-corpos HIV desde a sua transmissão. Este período vai até 6(seis) meses após o contágio, e neste lapso temporal o exame poderá apresentar resultado negativo, e este tempo é chamado de “janela imunológica” . 26 Ainda nesta linha, a Dra. Rubini (2004) informa sobre os exames para verificação da existência do vírus HIV no período da janela imunológica: Os exames para investigação da infecção pelo HIV que apresentam boa 25 CDC – Centers for Disease Control – Centro de controle de doenças. No caso em tela, especializado em controles epidemiológicos de doenças transmissíveis, localizado em Atlanta, EUA (LACAZ, 1985, p. 1). 26 Texto extraído do site www.cadernodigital.uol.com.Br/guiadosexo/perguntaserespostas/default.htm Publicado pelo médico ginecologista Dr. Rubens Paulo Gonçalves Filho. Consultado em 08.10.2004. . 50 sensibilidade no período da “janela imunológica” sã o os métodos que detectam ácidos nucléicos do HIV (PCR-DNA-HIV qualitativo e métodos de quantificação do RNA viral). Estes métodos podem ser realizados a partir da terceira semana após a exposição de risco. O PCR-DNA-HIV qualitativo, realizado neste prazo, apresenta um risco de resultados falso-negativos em torno de 1% e falso-positivos estimados em 2%. Caso o resultado seja negativo, a pessoa deverá realizar a sorologia anti-HIV após transcorridos os 3 meses para a exclusão definitiva da possibilidade de infecção pelo HIV.27 Desta forma, o risco de um resultado falso sobre um exame laboratorial é muito grande, seja ele, negativo ou positivo, para saber se houve contágio no período inferior a 3(três) semanas após o suposto ato de transmissão. O ideal é realiza-lo 3(três) semanas posteriores à exposição de risco, e repeti-lo num prazo de 3(três) meses novamente para confirmação ou não do diagnóstico28. O tempo para aparecerem os primeiros sintomas da doença é extremamente relativo, dependendo muito do quadro imunológico apresentado pela pessoa. Pode demorar anos.29 No período de incubação da doença, ou seja, quando ainda não se manifestam os sintomas, o Dr. Bontempo (1985, p. 20 - 22) aduz: Dependendo das condições do paciente surgem, em período variável, as chamadas “infecções oportunistas”, provocadas por fungos, vírus, protozoários e bactérias, que podem aparecer isoladamente ou associadas. [...] O doente de AIDS fica então indefeso contra esses microrganismos, apesar de menos sujeito a infecções bacterianas. Uma informação surpreendente em relação à AIDS é que as mortes mais comuns são determinadas por infecções parasitárias, como a pneumonia pelo Pneumocystis carinii, a toxoplasmose, etc. Em 1986, a comunidade científica conseguiu isolar o vírus e determinar melhor suas características, mudando a terminologia para HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) causador da AIDS, constituindo-se assim numa doença incurável e fatal. Até 1981 a doença era somente diagnosticada em homossexuais masculinos, principalmente os portadores de Sarcoma de Kaposi e da pneumonia Pneumocystis carinii. No ano seguinte foi identificada entre os viciados de drogas endovenosas30 (GIR, MORIYA, FIGUEIREDO, 1994, p. 3). Já em 1982 foi verificada a presença do vírus em receptores de transfusões de sangue e 27 Texto extraído do site www.qa.hopkins-aids.edu/forum/view_question.html . Publicado pela Dra. Norma Rubini em 25/09/2004. Consultado em 08.10.2004. 28 Fontes: OMS (1993). HIV Prevention and Care: Teaching Modules for Nurses Midwives. WHO/GPA/CNP/TMD/93.3. OMS (1996). TB/HIV: A Clinical Manual. (WHO/TB/96.200). OMS (1997). Standard treatments and essential drugs for HIV-related conditions. Access to HIV-related drugs(DAP/97.9). Site: www.who.int/health-services-delivery/hiv_aids/Portugueses/Fact Sheet_PR_1htm. Consultado em 08.10.2004. 29 Texto extraído do site www.cadernodigital.uol.com.br/guiadosexo/perguntaserespostas/default.htm publicado pelo médico ginecologista Dr. Rubens Paulo Gonçalves Filho. Consultado em 08.10.2004. 30 Intravenoso, relativo ao interior da veia; que se aplica no interior da veia (HOUAISS, 2001, p. 1639). 51 hemoderivados, crianças nascidas de mães de risco, casais ou parceiros heterossexuais e africanos (GIR, MORIYA, FIGUEIREDO, 1994, p. 3) Dentre deste contexto, o Dr. Gir (1994, pp. 4 - 5) compreende: A transmissão pode teoricamente ocorrer a partir de um comportamento que envolva o contato com quaisquer desses fluídos, sobretudo os casos documentados indicam que a transmissão ocorre basicamente através do sangue, sêmen, secreção vaginal. [...] Sendo a maior concentração no sêmen do que na secreção vaginal. Trata-se de uma doença sexualmente transmissível (DST) que embora seja nova, em 13 anos de evolução disseminou-se de forma inexorável em praticamente em todos os países do mundo.[...] Desde as evidências iniciais da doença, três categorias de exposição (sexual, sanguínea e perinatal31) foram percebidas e descritas e estas ainda permanecem configurando-se como as formas que têm substanciado e fortalecido a caracterização epidemiológica da síndrome. Todavia, a forma de transmissão mais importante ainda é a relação sexual, seja ela entre homossexuais ou heterossexuais, principalmente durante o coito anal devido aos ferimentos causados pelo pênis em vasos sanguíneos no reto. Não descartando a relação normal entre vagina e pênis32. Na metade da década de 90, constatou-se que cerca de ¾ (três quartos) de todas as infecções causadas pelo HIV a nível mundial, resultaram de relação sexual, sendo que no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde no ano de 1994, 51,16% dos doentes expuseram-se ao HIV através desta via (GIR, MORIYA, FIGUEIREDO, 1994, p. 6). Apesar de primeiramente as evidências terem apontado para os homossexuais masculinos como propagadores da doença, atualmente a infecção entre os heterossexuais é bastante expressiva, constituindo-se como principal condutor do HIV pelo mundo. Estudos epidemiológicos demonstram que a transmissão entre homem e mulher na relação sexual cresceu mais que os outros segmentos, sendo que o Brasil apresenta a razão de 4:1 (quatro por um, ou seja, quatro relações heterossexuais por uma relação homossexual, em contrapartida a 125 (cento vinte e cinco) relações homossexuais por uma relação heterossexual publicada em 1984, segundo dados do Ministério da Saúde em 1994 (GIR, MORIYA, FIGUEIREDO, 1994, p. 6). Acontece a transmissão do vírus HIV em qualquer tipo de relação sexual, desde que 31 Relativo a perinatalidade, período que precede e sucede imediatamente o nascimento (HOUAISS, 2001, p. 2189). 32 Fontes: OMS (1993). HIV Prevention and Care: Teaching Modules for Nurses Midwives. WHO/GPA/CNP/TMD/93.3. OMS (1996). TB/HIV: A Clinical Manual. (WHO/TB/96.200). OMS (1997). Standard treatments and essential drugs for HIV-related conditions. Access to HIV-related drugs(DAP/97.9). Site: www.who.int/health-services-delivery/hiv_aids/Portugueses/Fact Sheet_PR_1htm. Consultado em 08.10.2004. 52 haja trocas de secreção vaginal ou cervical uterina ( secreção presente no útero da mulher), sêmen ou sangue infectados por esse vírus. (GIR, MORIYA, FIGUEIREDO, 1994, p. 7). Neste mesmo sentido, a literatura médica entende: Na prática, a transmissão ocorre apenas nas seguintes situações: contato sexual penetrativo, transfusão de hemoderivados (antes da introdução dos exames para detecção de HIV), compartilhamento de agulhas (usuários de drogas e uso terapêutico) e da mãe para criança, in útero e no parto (com pequeno risco adicional no aleitamento) (WISDOM e HAWKINS, 1998 p. 268). É claro que em todo o mundo a maneira de transmissão predominante do HIV é por atividade sexual. Além disso, na última década, existem evidências de que a transmissão e a aquisição podem ser facilitadas por outras infecções sexualmente transmissíveis (WISDOM e HAWKINS, 1998 p. 251). Em face do exposto, conclui-se de que a AIDS conduzida pelo vírus HIV, pode ser transmitida através de secreção vaginal e do líquido branco expelido antes da ejaculação, do esperma, do sangue entre usuários de drogas injetáveis, transfusões ou usos terapêuticos, e da mãe para o recém nascido no parto. Sendo a relação sexual o ponto alto da transmissão, ou onde há maior incidência de contaminação. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) no ano de 1990, haviam 4(quatro) critérios para que uma pessoa corra risco de se contaminar como resultado da relação sexual: 1°) o parceiro sexual estar infectado; 2°)o tipo de contato sexual realizado(sendo coito anal, vaginal, ou sexo oral sem camisinha); 3°) a quantidade da carga viral presente no portador do vírus ser grande; d) a presença de lesões genitais e DST ulcerativas33 que facilitam a aquisição do vírus (GIR, MORYA, FIGUEIREDO, 1994, p. 7). 3.4 EFEITOS DO CONTÁGIO Na seqüência para um amplo entendimento sobre a doença, principalmente da sua letalidade, se faz necessário falar sobre os efeitos do contágio. Conforme a doutrina de Gir, Moriya e Figueiredo (1994, p. 8), são diversos os efeitos do contágio por AIDS: Os dados epidemiológicos por si só seriam suficientes para considerar-se a AIDS como um dos grandes problemas de saúde pública. [...] A AIDS impõe desafios sob três dimensões: desafio científico (desenvolvimento de terapias e vacinas efetivas); 33 DST ulcerativas – Doenças sexualmente transmissíveis que causam ulcerações no organismo humano, ou seja, lesões abertas com perda de substância, em tecido cutâneo ou mucoso, causando desintegração e necrose (HOUAISS, 2001, p. 2799). 53 desafio social (desenvolvimento de estratégias preventivas efetivas associadas às respostas humanísticas) e desafio à saúde pública. Não é, pois, um problema só da ciência, mas da sociedade (Abia, 1990). Esta ansiedade difusamente despertada na sociedade, em parte é devida às características da doença, pois se as doenças transmissíveis por si só são carregadas de estigma e preconceitos, a AIDS acentua estes aspectos visto que, além de transmissível, é fatal e associada, principalmente, a comportamentos discriminados pela sociedade. A AIDS é fatal, leva suas vítimas a morte. Apesar de toda a mobilização científica na busca pela cura, os problemas psicológicos, sociais, carregados de preconceitos, fazem da AIDS um problema não somente da medicina, mas também de políticas públicas no combate a prevenção. Em face da sua letalidade, além de debilitar o paciente fisicamente, também o faz moralmente pela discriminação social. 3.5 ÚLTIMAS NOTÍCIAS DA MEDICINA Atualmente, com relação ao assunto da janela imunológica, a medicina alerta que muitos cidadãos infectados pelo vírus HIV não sabem que estão infectados. Em alguns indivíduos, um resultado positivo pode demorar 6(seis) meses para se apresentar, embora seja pouco freqüente. O prazo normal é de 3(três) semanas até 3(três) meses após o ato da transmissão suspeita , podendo ainda resultar negativo, mesmo o indivíduo já sendo portador do vírus. Recomenda-se então a repetição do exame para confirmação do diagnóstico laboratorial 3(três) meses após.34 Ainda neste contexto “os consensos nacionais e internacionais estabelecem como prazo para janela imunológica, considerando-se os métodos sorológicos anti-HIV utilizados no presente, o período de 3(três) meses”. 35 Assim como a janela imunológica, também foi descoberta a “soroconversão 36”, que nada mais é, quando justamente o resultado de exame laboratorial apresenta-se negativo imediatamente ao ato de contaminação e quando o indivíduo realiza novo exame, o 34 Fontes: OMS (1993). HIV Prevention and Care: Teaching Modules for Nurses Midwives. WHO/GPA/CNP/TMD/93.3. OMS (1996). TB/HIV: A Clinical Manual. (WHO/TB/96.200). OMS (1997). Standard treatments and essential drugs for HIV-related conditions. Access to HIV-related drugs(DAP/97.9). Site: www.who.int/health-services-delivery/hiv_aids/Portugueses/Fact Sheet_PR_1htm. Consultado em 08.10.2004. 35 Texto extraído do site www.qa.hopkins-aids.edu/forum/view_question.html Publicado pela Dra. Norma Rubini em 25/09/2004. Consultado em 08.10.2004. 36 Surgimento de um anticorpo específico no soro sanguíneo de um paciente; marca o trânsito de um indivíduo de soronegativo para soropositivo (HOUAISS, 2001, pp. 2611-2612). 54 diagnóstico acaba mudando para positivo. Seria a transmutação do vírus, como se ele se escondesse no primeiro período após o contágio e depois se mostrasse. 37 Tradicionalmente o teste laboratorial para o diagnóstico de AIDS, ou seja, portador do vírus HIV, é o chamado “ELISA” (Enzima Ligada ao Ensaio Imunoabsorvente). 38 No início da epidemia, os exames laboratoriais eram realizados somente para as pessoas incluídas em grupos de risco (suspeitas por possuírem vida sexual promíscua, tanto heterossexual como homossexual, usuário de drogas injetáveis, hemofílicos ou hemoterapêuticos). Entretanto, recentemente, todos os cidadãos têm sido encorajados a realizar o ELISA. Com o resultado negativo o indivíduo passa a efetuar um plano de prevenção (uso de preservativos, entre outros) evitando futuras infecções. Porém, se o diagnóstico for positivo, fará com que o indivíduo infectado inicie seu tratamento com os retrovirais,e previna a transmissão da doença a seus parceiros sexuais.39 Atualmente, é amplamente divulgado pelos meios de comunicação, as formas de contágio e prevenção da doença, sugerindo principalmente o sexo seguro através do uso de camisinha, o não compartilhamento de seringas entre usuários de drogas, evitar transfusões de sangue desnecessárias e quando inevitáveis a verificação da origem do material coletado nos bancos de sangue, e finalmente para as futuras mães, a realização do testes na gestação.40 Pesquisadores anunciaram no ano de 2002, a descoberta da origem da “imunidade natural” constatada em al guns soropositivos e que jamais ficam doentes. Esta descoberta explicou porque alguns pacientes de AIDS nunca são vítimas das infecções oportunistas, nem de nenhuma outra doença relacionada ao vírus HIV. Estes indivíduos são denominados “não progressivos a longo termo”, vivem por muito tempo sem a doença se manifestar ou desenvolver a AIDS.41 Os tratamentos para a AIDS hoje, graças às pesquisas da indústria farmacêutica têm 37 OMS (1993). HIV Prevention and Care: Teaching Modules for Nurses Midwives. WHO/GPA/CNP/TMD/93.3. OMS (1996). TB/HIV: A Clinical Manual. (WHO/TB/96.200). OMS (1997). Standard treatments and essential drugs for HIV-related conditions. Access to HIV-related drugs(DAP/97.9). Site: www.who.int/health-servicesdelivery/hiv_aids/Portugueses/Fact Sheet_PR_1htm. Consultado em 08.10.2004. 38 OMS (1993). HIV Prevention and Care: Teaching Modules for Nurses Midwives. WHO/GPA/CNP/TMD/93.3. OMS (1996). TB/HIV: A Clinical Manual. (WHO/TB/96.200). OMS (1997). Standard treatments and essential drugs for HIV-related conditions. Access to HIV-related drugs(DAP/97.9). Site: www.who.int/health-servicesdelivery/hiv_aids/Portugueses/Fact Sheet_PR_1htm. Consultado em 08.10.2004. 39 OMS (1993). HIV Prevention and Care: Teaching Modules for Nurses Midwives. WHO/GPA/CNP/TMD/93.3. OMS (1996). TB/HIV: A Clinical Manual. (WHO/TB/96.200). OMS (1997). Standard treatments and essential drugs for HIV-related conditions. Access to HIV-related drugs(DAP/97.9). Site: www.who.int/health-servicesdelivery/hiv_aids/Portugueses/Fact Sheet_PR_1htm. Consultado em 08.10.2004. 40 Texto extraído do site www.cadernodigital.uol.com.br/guiadosexo/perguntaserespostas/default.htm. Publicado pelo médico ginecologista e obstreta Dr. Antonio Barbato. Consulta em 08.10.2004. 41 Texto extraído do site www.aegis.com/news/afp/2002/AF020986_PT.html. A epidemia de Aids no Brasil, 1991-2000: descrição espaço temporal. Publicação em 26/09/2002. Consulta em 08.10.2004. 55 prorrogado substancialmente a expectativa de vida do paciente. As pessoas que têm acesso aos coquetéis de drogas (fornecidos pelo SUS42 gratuitamente), vivem praticamente uma vida normal em relação ao cidadão saudável. Entretanto, isto não significa a cura, e a morte pode sobrevier a qualquer queda imunológica sofrida pelo doente. Assim como, pode continuar infecctando outros indivíduos, pois o vírus continua em plena atividade.43 O Conselho Federal de Medicina no Brasil criou a resolução n° 1665, em 07 de maio de 2003, que dispõe sobre a responsabilidade ética das instituições e profissionais envolvidos na prevenção, controle e tratamento dos pacientes de AIDS. Na exposição de motivos foi admitida a persistência da epidemia do vírus da SIDA (AIDS) no país, a progressiva mudança no seu perfil, ou seja, a feminização crescente, atingindo diversos grupos populacionais (não existem mais os grupos de risco, todos na sociedade podem ser alvos da doença) mesmo com as campanhas preventivas deflagradas pelo governo.44 3.6 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO Vale lembrar que não existe no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma tipificação penal para a transmissão, seja ela, dolosa ou culposa, do vírus da AIDS. Vigora no mundo jurídico ainda a discussão se realmente é um crime tal prática. Neste capítulo tentaremos unir a teoria sobre o delito já tratada na primeira parte deste trabalho, com os tipos penais expostos na segunda parte. Alguns Tribunais do país trazem algumas decisões sobre o assunto, porém é demasiadamente escassa a contribuição, pois a maioria da sociedade ainda não tem consciência da relevância da responsabilidade penal. Portanto, iremos discorrer do pouco conteúdo existente sobre a matéria. A doutrina segue o mesmo caminho, uma grande carência de estudos mais profundos sobre o assunto. Temos apenas alguns exíguos posicionamentos a respeito. Jesus (2000 p. 439) traz no capítulo da periclitação da vida e da saúde, o seguinte entendimento: 42 43 SUS – Sistema Único de Saúde. Texto extraído do site www.cadernodigital.uol.com.br/guiadosexo/perguntaserespostas/default.htm. Publicado pelo médico ginecologista Dr. Rubens Paulo Gonçalves Filho. Consulta em 08.10.2004. 44 Texto extraído do site www.abmes.org.br/legislacao/2003/resolucao/Res_CFM_1665_070503.doc. Publicado em 07/05/2003. Consulta em 11.10.2004. 56 “Se o sujeito, portador de Aids e consciente da natureza mortal da moléstia, realiza ato de libidinagem com a vítima, com intenção de transmitir o mal e lhe causar a morte, vindo ela a falecer, responde por homicídio doloso consumado”. Nesta reflexão, o agente é consciente da letalidade da moléstia, possui o animus necandi, a intenção de retirar a vida de sua vítima, por isso o autor recomenda a imputação no crime de homicídio doloso consumado. No entanto, o autor não argumenta sob o ponto de vista da prova da transmissão, se a morte é imediata ao ato criminoso e tampouco cogita da possibilidade do agente desconhecer a fatalidade da doença. Se considerarmos todos estes novos fatores, a tipificação penal não seria a mesma aludida pelo autor. Vejamos o posicionamento de Capez (2003 p.162): Quanto à Aids, a transmissão dessa doença não configura o delito do art. 130, CP, pois, além de não ser considerada doença venérea pela medicina, não é transmissível somente por meio de relações sexuais, mas também, por exemplo, por transfusão de sangue, emprego de seringas usadas. Do mesmo modo, a transmissão desse vírus também não configura o delito do art. 131,CP, mas homicídio tentado ou consumado. Assim: a) se o agente age com o fim de transmitir a doença e acaba por efetivamente transmiti-la, o enquadramento da conduta dar-se-á no homicídio doloso tentado ou consumado (art. 121, caput); b) se o agente, estando contaminado, transmite o vírus culposamente, responderá pelo delito de lesão corporal culposa (art. 129, parágrafo 6°) ou homicídio culposo (art. 121, parágrafo 3°) e não pelo crime do art. 131, o qual estará absorvido. Neste entendimento, verificam-se duas alternativas, a primeira sendo a mesma na ótica de Jesus, e a segunda admitindo a hipótese de lesão corporal culposa e homicídio culposo. Porém, o autor não informa como seria a transmissão culposa. No entanto, em ambos os crimes culposos, estão presentes a inobservância do cuidado objetivo por negligência ou imprudência e a previsão do resultado não desejado. Considerando que o agente não tomou as cautelas necessárias, uso de preservativo e não informou ao parceiro(a) que estava infectado, porém desconhecia toda a gravidade da doença, manteve relações sexuais e transmitiu o vírus da AIDS à sua vítima. A ação poderia ser classificada de imprudente, e dependendo do resultado, como lesão corporal culposa ou homicídio culposo. Entretanto, Mirabete (2003, p. 126) já entende que a prática de relações sexuais do portador do vírus da AIDS com pessoa não infectada, com a intenção de transmitir a moléstia, em não havendo o contágio, constitui o delito de perigo de contágio de moléstia grave (art. 131, Código Penal Brasileiro). Caso ocorra o contágio, e conforme as circunstâncias (das quais não as cita), o ato delituoso deverá ser enquadrado como homicídio consumado ou tentado ou lesão corporal de natureza grave. 57 Percebe-se através do entendimento acima, que o autor não diferencia o animus, classificando tanto como homicídio doloso ou lesão corporal seguida de morte, que são crimes distintos principalmente com relação a ação nuclear e o elemento subjetivo. No primeiro estão presentes a ação de matar alguém e o animus necandi, já no segundo está presente a ação de lesionar e o animus laedendi. Portanto, o entendimento de Mirabete fica bastante confuso, não identificando a tipificação devida para a prática delituosa na transmissão do vírus da AIDS. Também no capítulo do art. 131, do Código Penal Brasileiro, em que classifica a AIDS como moléstia grave independente de constar no rol do Ministério da Saúde, Bittencourt (2003, p. 229 - 237) aduz que: [...] Se sobrevier a morte da vítima, com efeito, em razão da contaminação, o agente responderá por lesão corporal seguida de morte (art. 129, parágrafo 3°). Se a intenção for matar a vítima, poderá configurar homicídio doloso (tentado ou consumado). Se o sujeito ativo agir com dolo eventual, ou seja, assumir o risco de produzir o contágio de moléstia grave, não responderá pelo crime, que exige dolo direto. [...] Neste caso, Bittencourt admitindo o resultado morte, enquadra o crime como lesão corporal seguida de morte, porém ressalta que depende da intenção do agente, que se for de matar, passa a responder por homicídio doloso (tentado ou consumado). Não aceita o dolo eventual, pois acredita que este delito exige o dolo direto, a finalidade direta do agente em matar ou atentar contra a integridade física de sua vítima. No mesmo contexto, Costa Júnior (2000, p. 276) mantém entendimento similar aos autores acima citados, e reflete que, o agente sabendo ser portador do vírus da AIDS mantém relações sexuais, estará no mínimo aceitando a morte de sua vítima, pois é uma doença incurável. Portanto a conduta se configuraria como homicídio doloso tentado ou consumado. Ventura (1994)45 define a conduta de contaminação por AIDS como “homicídio pré consumado”, partindo do princípio de que o evento morte é certo e ocorrerá no futuro, em face da letalidade da doença. Assim complementa: O momento consumativo de todo homicídio ocorre com a morte da vítima. O “homicídio pré -consumado” seria um tipo especial, onde a sua consumação seria antecipada (no ato do contágio) e a morte da vítima seria mero exaurimento do crime. Isto porque o agente que transmite esta doença, sabendo ser portador do vírus, age com “ animus necandi”, pois sabe que a vítima certamente sucumbirá. Além disso, esta figura não conflitaria com o Código Penal esta figura constasse 45 Esta citação foi retirada do artigo publicado no site www.ibccrim.com.br em 15/04/1994 por Luís Henrique Pontes Ventura. 58 tipificada, extinguindo o conflito entre o homicídio, consumado e tentado, a lesão corporal e os crimes de periclitação da vida e da saúde. Ventura, ainda sugere ao legislador uma mudança através de lei no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, acrescentando um sexto parágrafo: “Se ndo a morte da vítima um evento futuro, porém certo, considera-se consumado o crime no momento da prática do ato que a ela dará causa”. Cabe-nos aqui citar o artigo 4° do Código Penal Brasileiro (Mirabete, 2003, pp. 7172): Art. 4° - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Existem três teorias a respeito da determinação do tempo do crime. A teoria da atividade, leva em conta o tempo do crime quando da realização da conduta, na teoria do resultado, o crime ocorre na consumação do resultado, e por último na teoria mista que considera tanto o momento da conduta como do resultado, sendo o tempo do crime. O nosso ordenamento penal adotou a teoria da ação ou atividade (MIRABETE, 2003, p. 73). Portanto, ainda nas palavras de Mirabete (2003 p. 74): Justifica-se plenamente a adoção da teoria da atividade, que evita a incongruência de o fato ser considerado crime em decorrência da lei vigente na época do resultado quando não o era no momento da ação ou omissão. Após refletirmos sobre a teoria da atividade, conclui-se que a posição doutrinária de Ventura sobre o homicídio pré-consumado perde o sentido, pois se o crime acontece no momento da conduta, e o resultado é a transmissão da AIDS, a conduta do agente então deverá ser tipificada no real tempo do crime. Se o crime é homicídio e este só se consome com a morte, não poderia se aplicar a transmissão da doença, pois a consumação somente ocorrerá no resultado e jamais na conduta. Dentro deste contexto, Gonçalves (1994)46 é solidário com a nova terminologia criada por Ventura, bem como a sugestão da inserção de mais um parágrafo no art. 121 do Código Penal, e ilustra o artigo citado anteriormente com a seguinte reflexão: [...] recentemente, nos Estados Unidos da América, tomou-se uma decisão, em um Tribunal Federal, de que a transmissão da Aids por meio de relação sexual, sabedor o agente de que é HIV – positivo, se traduz, por parte dele, na conduta de homicídio 46 Esta citação foi retirada de artigo publicado no site www.ibccrim.com.br em 18/07/1994 por Jorge César Silveira Baldassare Gonçalves. Consultado em 05.10.2004. 59 consumado (notícia trazida pelo jornal Folha de São Paulo); [...] menos recentemente, no mesmo país, em Estado e tribunais diversos, já havia se decidido que tal conduta tipifica-se em tentativa de homicídio [...] Por essa simples análise pode ser notada a importância e atualidade dessa discussão, que está começando e que traz conseqüências nos mais diversos setores da sociedade e do direito. Desta forma, Garbim, Geanfrancisco, Rodrigues, Carvalho e Podval (1995)47 comentam sobre um caso concreto ocorrido em abril/1995, em que uma mulher havia sido condenada pelo artigo 131 do Código Penal por ter transmitido AIDS, e discorrem a respeito da seguinte forma: Sobre esse tema, ainda bastante novo, portanto, controverso, nos atrevamos a escrever algumas linhas [...] Quer nos parecer que, o portador do vírus da Aids, uma vez tendo ciência desse fato, e se ainda assim, mantiver relação sexual com terceiros, omitindo ser portador, age inexoravelmente, com animus homicida. Não nos parece plausível, diante da quantidade de informações sobre esta enfermidade, que alguém possa admitir outro objetivo que não o de matar, [...] Entendemos que o animus necandi leva ser presumido, nos casos em que o resultado morte seja conseqüência óbvia da doença transmitida. Assim, a conduta do agente que, sabendo ser portador do vírus HIV, mantém relações sexuais com terceiro, sem comunicar-lhe tal fato, ou sem utilizar-se dos meios de precaução cabíveis (no caso, uso de preservativos), deverá responder pelo crime de tentativa de homicídio, pois o evento deverá ser entendido desencadeado, senão por dolo direto, ao menos com dolo eventual. Destarte, é imperioso o entendimento entre estes operadores do direito sobre o animus necandi na conduta da transmissão de AIDS. Necessário ressaltar, que é de conhecimento de toda sociedade a ausência de cura e a morte como resultado certo num futuro próximo ou distante. Portanto, o sujeito ativo possuindo o conhecimento de sua condição de doente contaminado pelo vírus HIV, mantém relações sexuais com terceiro e não informa seu estado de saúde, parece-nos que a intenção poderá ser de matar com dolo direto. Delmanto e Delmanto Júnior (1997)48 acrescentam ainda: Tratando-se de agente contaminado e que agiu com o especial fim de transmitir a doença (dolo de dano, direto e não eventual), haverá a incidência do art. 131 do Código Penal [...] Havendo, todavia, efetiva transmissão da doença, o agente contaminado não incidirá no crime do art. 131, mas em outros tipos penais: lesão corporal gravíssima, [...] seguida de morte [...], homicídio doloso, tentado ou consumado 47 Esta citação foi retirada de artigo publicado no site www.ibccrim.com.br em 29/05/1995 por Ana Elvira Vieira Garbim, Claúdia Geanfrancisco, Daniela A. Rodrigues, Juares F. de Carvalho e Roberto Podval.Consultado em 05.10.2004. 48 Esta citação foi retirada do site www.ibccrim.com.br publicada em agosto/1997 por Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Júnior (advogados). Consultado em 05.10.2004. 60 [...]. Tais tipificações dependerão da existência ou não de animus necandi, a ser apurado em cada caso concreto. [...] Quanto ao eventual e tardio evento morte, há autores como Bernd Schünemann (Problemas Jurídico-Penales Relacionados com el Sida, trad. Por Santiago Mir Puig, in ob. Cit., pp. 28-29) que entendem que esse resultado é ïmprevisível”e “escapa por completo ao controle do autor”, o que o tornaria impunível. Já entre nós, ao contrário, Hungria, muito antes do aparecimento da Aids, sustentava que “é de presumir -se [...] o animus necandi, toda vez que o resultado morte é conseqüência normal da moléstia transmitida”(Comentários ao CP, 1958, vol. V, p. 413). Diante do exposto, percebe-se que a tipificação penal pela conduta dependerá única e exclusivamente do animus, ou seja, do elemento subjetivo, se o agente desejava o resultado morte. Perseverando o animus necandi (intenção de matar), o sujeito ativo será enquadrado no homicídio consumado ou tentado, porém o dolo eventual somente será caracterizado se o resultado morte se confirmar, pois não admite tentativa. A determinação do animus dependerá das circunstâncias fáticas de cada caso concreto. Todavia, se for constatado pelas circunstâncias o animus laedendi (intenção de lesionar), a conduta será tipificada pela lesão corporal culposa ou lesão corporal seguida de morte, onde o resultado não foi querido em nenhum momento, apenas a sua previsão. A morte é imputada como culpa ao autor do delito, e a lesão corporal por dolo, seria um crime preterdoloso. Aqui a ação nuclear é ofender a integridade física das pessoas. A doutrina, na sua corrente majoritária descarta a tipificação por perigo de contágio de moléstia grave, prevista no art. 131 do Código Penal para os casos de transmissão deliberada da AIDS, tendo em vista o entendimento quase unânime a respeito da conduta do agente descrita neste tipo, pois basta tão somente a vontade e o perigo de transmitir a moléstia, independente se o contágio se efetivou. Ainda neste instituto, a contaminação pode se dar por diversos meios, e não exige que seja apenas por relações sexuais ou atos libidinosos. O objeto jurídico em questão é a saúde pública e a incolumidade física das pessoas. Portanto, os autores citados até agora, também entendem que o aspecto principal da tipificação penal na transmissão da AIDS reside na ocorrência do animus necandi. Sempre que o sujeito passivo for infectado pelo vírus, a imputação devida não poderá ser o artigo 131, Código Penal. Deverão então, ser analisadas as peculariedades e circunstâncias do caso concreto. 61 3.7 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL Demonstraremos à seguir, alguns julgados colhidos de Tribunais sobre casos concretos da transmissão criminosa do vírus da AIDS. O material encontrado foi insuficiente, tendo em vista pouquíssimas decisões exaradas neste sentido. No primeiro caso, trata-se de mulher sabendo ser portadora do vírus da AIDS, que manteve relações sexuais com dois homens, sem tomar as devidas precauções, não solicitou às vítimas o uso de preservativo, e também não informou aos parceiros de que estava infectada. Houve a contaminação, porém sem o resultado morte. A denúncia incorreu a ré no art. 131(Perigo de contágio de moléstia grave) c/c art. 71 (crime continuado) do Código Penal49. Posteriormente, o Ministério Público, através de seu representante legal, aditou a denúncia, pedindo a desclassificação do crime para o de lesão corporal grave de que resultou enfermidade incurável (art. 129, parágrafo 2°, inciso II, do Código Penal Brasileiro). O Juizo a quo condenou conforme o pedido do Ministério Público, sendo mantida a decisão no Juízo ad quem. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LESÃO CORPORAL DE QUE RESULTOU ENFERMIDADE INCURÁVEL. SANÇÃO. DOSIMETRIA. PRETENDIDA MAJORAÇÃO DA PENA-BASE ARBITRADA NO MÍNIMO LEGAL. FIXAÇÃO COM OBSERVÂNCIA DO PRECEITO INSCRITO NO ART. 59 DO ESTATUTO REPRESSIVO. IMPOSSIBILIDADE50. No segundo caso, o réu também ciente ser portador do vírus da AIDS, transmitiu a doença via relações sexuais para sua vítima. Ficou mantendo relacionamento afetivo por um período considerável, omitindo a sua verdadeira condição de saúde. Nunca tomou cautela alguma para evitar a transmissão. Após o rompimento da relação amorosa, procurou a namorada e tentando reatar o namoro, recebeu a negativa. Assim, com o emprego da força, violentou-a sexualmente, caracterizando ainda mais a possibilidade da existência do animus necandi. A denúncia efetuada pelo Ministério Público foi de tentativa de homicídio, justificada pela letalidade da doença e o emprego da violência no ato sexual. A sentença de pronúncia confirmou a argumentação do Ministério Público, deixando as dúvidas com relação 49 Art. 71 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (JESUS, 2000, p. 243). 50 Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação criminal n. 2002.024789-3, de Araranguá, julgado em 15/04/2003. Relator: Des. Sérgio Paladino. Consulta no SAJ interno em 04.10.2004. 62 a prova e circunstâncias para o princípio in dubio pro societate51, ou seja, para o Tribunal de Júri julga-las. Confirmada a pronúncia no Juízo ad quem. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO. TENTATIVA. TRANSMISSÃO DE DOENÇA LETAL. AIDS. IMPÕE-SE A PRONÚNCIA POR TENTATIVA DE HOMICÍDIO DE QUEM, CIENTE DE QUE PORTADOR DE DOENÇA LETAL TRANSMISSÍVEL – AIDS – VIA RELAÇÕES SEXUAIS, MANTÉM RELACIONAMENTO AMOROSO OMITINDO DA PARCEIRA A INFORMAÇÀO SOBRE SUA DOENÇA, E NÃO TOMA CAUTELA ALGUMA PARA EVITAR O CONTÁGIO. RÉU, OUTROSSIM, QUE, DEPOIS DE ROMPIDO O RELACIONAMENTO, TERIA PROCURADO A SUA EXPARCEIRA E A VIOLENTADO SEXUALMENTE. EPISÓDIO QUE ESTAMPA COM MAIOR CONSISTÊNCIA A POSSIBILIDADE DO “ ÁNIMUS NECANDI”, INVOCADO COMO INEXISTENTE PELA DEFESA. DÚVIDAS, QUE A PROVA E AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO REVELAM, QUE HÃO DE SER RESOLVIDAS PELO TRIBUNAL DE JÚRI. AFASTAMENTO, PORÉM, DA QUALIFICADORA DO MEIO INSIDIOSO, COM ACOLHIMENTO DO PARECER MINISTERIAL52. Passamos para o terceiro julgado, colhido do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde o agente ciente ser portador do vírus da AIDS, utiliza uma seringa com seu próprio sangue infectado contra sua vítima, além de efetuar o chamado “beijo agressivo”, que consiste através de força passar quantidade expressiva de saliva ou substância semelhante ao sangue. Na decisão do magistrado foi descartada a hipótese de enquadramento no art. 131, e sim mantida a condenação por tentativa de homicídio doloso. Presente de maneira clara o animus necandi. O AGENTE QUE, SABENDO SER PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS, PRATICA, DOLOSAMENTE, ATOS CAPAZES DE TRANSMITIR MOLÉSTIA GRAVE E EMINENTEMENTE MORTAL, CONSISTENTES NA APLICAÇÃO DE SERINGA HIPODÉRMICA CONTENDO SANGUE CONTAMINADO PELO VÍRUS E BEIJO AGRESSIVO, PERFEITAMENTE CAPAZ DE PRODUZIR A TRANSMISSÃO DE SALIVA OU SUBSTÂNCIA HEMATÓIDE INFECTADA COMETE HOMICÍDIO TENTADO E NÃO O DELITO DESCRITO NO ART. 131 DO CP. (RT 784/586).53 Neste contexto, novamente é constatada a intenção de matar, quando o agente consciente de sua condição de soropositivo, injeta seu sangue contaminado na sua vítima, ainda tentando o exaurimento, aplica-lhe beijo agressivo com substância semelhante ao sangue. Portanto, a ação nuclear é matar e não somente produzir o contágio. 51 Na dúvida, em favor da sociedade. Nos crimes de competência do Tribunal de Júri (arts. 121 –126, Código Penal, homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto), é a sentença de pronúncia (juízo de admissibilidade – art. 408, Código de Processo Penal) que remete o acusado àquele Tribunal. Nesse caso, ou seja, quando da pronúncia, em havendo dúvidas sobre ser o réu autor ou não do fato que lhe é imputado, deve o juiz pronunciá-lo. Diferente, portanto, dos processos comuns, quando, na dúvida, a absolvição impõe-se ( in dúbio pro réu) (LUIZ, 2002, p. 145). 52 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso crime n. 698485232, de Pelotas.Julgado em 17/12/1998. Relator: Des. Marcelo Bandeira Pereira. 53 MIRABETE. Manual de Direito Penal. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.126. 63 Por último, apreciaremos um habeas corpus julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no qual foi indeferido o pedido de liberdade do preso. O réu ciente ser portador do vírus da AIDS, através de relação sexual forçada e emprego de violência, com o intuito de transmitir a doença para sua vítima, acabou alcançando seu objetivo. A decisão desclassificou o dolo eventual na conduta praticada do art. 131, e admitiu dolo direto na tentativa de homicídio. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PORTADOR VÍRUS DA AIDS. DESCLASSIFICAÇÀO. ARTIGO 131 DO CÓDIGO PENAL. EXISTÊNCIA DE DOLO EVENTUAL. EM HAVENDO DOLO DE MATAR, A RELAÇÃO SEXUAL FORÇADA E DIRIGIDA À TRANSMISSÃO DO VÍRUS DA AIDS É IDÔNEA PARA A CARACTERIZAÇÃO DA TENTATIVA DE HOMICÍDIO54. Verifica-se novamente a existência do animus necandi, a intenção de matar na conduta do réu, através de uma relação sexual forçada e dirigida ao contágio do vírus da AIDS. Diante do exposto acima, e das pouquíssimas decisões exaradas pelos tribunais nacionais com relação a criminalização da transmissão dolosa do vírus da AIDS, conclui-se que a maioria das jurisprudências apontam para o homicídio doloso consumado (art. 121, CP) e tentativa (c/c art. 14, CP), desclassificando diretamente o crime de perigo de contágio de moléstia grave (art. 131, CP). Apenas um dos julgados qualificou a conduta delituosa como lesão corporal gravíssima, agravada pela enfermidade incurável (art. 129, parágrafo 2°, II, CP). Assim como também caminha a doutrina que reconhece quase na sua totalidade, o animus necandi na conduta do agente, em face deste saber ser portador do vírus, da sua letalidade, e que a sua vítima fatalmente num futuro certo irá sucumbir. 3.8 DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA ESTRANGEIRA Abaixo seguem reflexões de doutrinadores estrangeiros, um pouco diferentes dos autores brasileiros, apenas para ilustrar o assunto em tela. Buzaglo (apud RUDNICKI, 1996, p. 51) classifica a prática delituosa de transmissão de AIDS como dolo de dano e não de perigo, a conduta encontrará enquadramento nos crimes 54 Superior Tribunal de Justiça. HC 9378/RS 1999/0040314-2. Relator: Min. Hamilton Carvalhido. Decisão em 18/10/1999. 64 de homicídio doloso ou lesão corporal dolosa. Casabona (apud RUDNICKI, 1996, p. 51) entende que “a mera soropositividade já constitui uma lesão corporal, posto que é evidente o prejuízo para a saúde (física e psíquica) do afetado”. No entendimento de Danti-Juan (apud RUDNICKI, 1996, pp. 51-52) até não acontecer uma sentença final, conforme o dano vai se manifestando na vítima, a tipificação penal também evolui conforme a situação, senão vejamos: “Também a modificação do dano (soropositividade, depois SIDA, depois morte) será levada em conta pelos juízes, que poderão modificar a qualificação penal ao longo do tempo no qual a infração não houver dado lugar a um julgamento definitivo”. Quando nas relações sexuais ocorre a transmissão da doença, e a conduta dolosa for comprovada, a doutrina francesa através de Danti-Juan (apud RUDNICKI, 1996, pp. 51-52) enquadra a conduta nos artigos 319 e 320 do Código Penal Francês55. Spinellis (apud RUDNICKI ,1996 p. 52) argumenta que existe uma dificuldade na doutrina em estabelecer as provas da efetiva transmissão, citando “os casos nos quais a transmissão do HIV pode ser estabelecida de maneira segura são muito raros”. Neste sentido, o autor (DANTI JUAN apud RUDNICKI, 1996, p. 53-54). apresentou propostas prevendo legislação específica para a transmissão dolosa da AIDS, enumerando 05(cinco) critérios para verificação: primeiro, objetivar os contatos pessoais que possam oferecer risco de contaminação (relação sexual, mordida, seringas infectadas); segundo, existência da intenção, incluindo o dolo eventual; terceiro, a negligência que também seria punida, sob condição que a pessoa contaminada tenha sabido ou suspeitado que era portadora do vírus; quarto, as relações conjugais estariam isentas de tipificação em face do consentimento do cônjugue são, sob condição que tenha sido informado da contaminação de seu parceiro; quinto, as relações sexuais entre pessoas que usam preservativos e que o parceiro são tenha sido avisado da doença, não seriam criminalizadas. Encerrando, argumenta que essa nova disposição é subsidiária aos crimes de lesão corporal e homicídio. Ainda, neste contexto, na cidade de Paris (França, 2001), as autoridades francesas temem a condenação penal das pessoas que sabiam ser portadoras do vírus HIV e propositalmente infectaram suas vítimas, pois poderia contribuir para a propagação da doença. 55 CP Francês, art. 319: Toda pessoa que, por desconhecimento, imprudência, desatenção, negligência ou inobservância de regulamentos cometer involuntariamente um homicídio, ou involuntariamente lhe der causa, será punido com prisão de três meses a dois anos e a uma multa de 1.000 NF a 20.000 NF. CP Francês, art. 320: Se resulta da falta ou de precauções dos ferimentos, golpes ou doença provocando incapacidade de trabalho por mais de três meses o culpado será punido com prisão de quinze dias a um mês e de multa de 500 NF a 15.000 NF ou apenas uma das duas (DANTI-JUAN, apud RUDNICKI, 1996,p.52). 65 Por medo de serem condenadas, as pessoas pertencentes a grupos de riscos optariam por não realizar as análises de diagnósticos precoces, contribuindo assim com a epidemia sem sabelo.56 Para complementar, incluímos aqui algumas decisões de Tribunais Internacionais comentadas nos livros pesquisados, que também são insuficientes e ainda muito incertos com relação ao assunto em estudo. Spinellis (apud RUDNICKI,1996, p.52-53) comenta sobre um julgado na Alemanha, desta forma: Um Tribunal de Munique, citado por Spinellis , julgando uma prostituta contaminada que fora alertada a fim de abandonar sua profissão, e quando de relações sexuais particulares utilizar preservativos, não tendo adotado nenhuma das condutas, estimou estar diante de caso de dolo eventual. Em não havendo que se soubesse, nenhuma pessoa contaminada, decidiu qualificar o comportamento como de prejuízo corporal perigoso (CP alemão, art. 223)57. Nesta decisão da Corte alemã, não foram conhecidas as vítimas, pois não se soube de ninguém contaminado. No entanto, apenas foi penalizado o comportamento do agente, que sabendo ser portador do vírus letal, mesmo assim não tomou as precauções básicas para a prevenção e se relacionou sexualmente com terceiros. Na Inglaterra, um toxicômano contaminou com o vírus da AIDS uma mulher, mãe de três filhos, ao manter relações sexuais com ela sem proteção e sem informar-lhe de sua condição física. Foi condenado a uma pena de cinco anos de prisão no ano de 1994. 58 As leis de diversos países europeus, asiáticos e americanos consideram delito penal ao contágio sexual da AIDS por uma pessoa sabedora de sua condição de portador do vírus HIV.59 Portanto, a tendência dos tribunais internacionais é de tipificar penalmente a conduta dolosa da transmissão de AIDS, tendo em vista a letalidade da doença e a ausência de cura. Além de a vítima sofrer os prejuízos físicos, também está suscetível a limitação civil, relativa a discriminações na sociedade e no âmbito profissional. A seguir, incluiremos algumas propostas ou sugestões para alterar a legislação penal em vigor. 56 Texto extraído do site www.aegis.com/news/afp publicado pelas cientistas britânicas Sheila Bird e Andrew Leigh Brown em 16/11/2001. Consultado em 12.03.2004. 57 Art. 223, CP alemão: “Lesões corp orais leves. I - quem, deliberadamente, maltratar fisicamente ou prejudicar a saúde de outrem, será penalizado por lesão corporal com prisão de até 3 anos e multa”. 58 Texto extraído do site www.aegis.com/news/afp publicado no ano de 2001.Consultado em 12.03.2004. 59 Texto extraído do site www.aegis.com/news/afp publicado no ano de 2001. Consultado em 12.03.2004. 66 3.9 PROPOSTAS LEGISLATIVAS Em 02 de março de 1999, foi apresentada uma proposta para tornar a contaminação deliberada do vírus da AIDS em crime hediondo, que tramita na Câmara dos Deputados através do projeto de lei 130/1999 de autoria do deputado Enio Bacci. A proposição é o acréscimo do inciso IX ao artigo 1° da Lei 8.072/90, com a seguinte redação: “São considerados hediondos os seguintes crimes: [...] IX – Transmitir e infectar, consciente e deliberadamente a outrem com o vírus da AIDS”. 60 Atualmente aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação. Neste mesmo contexto, o professor Evandro Lins e Silva irá apresentar proposta à comissão de reforma do Código Penal Brasileiro, o acréscimo de um parágrafo no art. 121 para qualificar o homicídio através de contágio de moléstia letal, com o objetivo de eliminar a vida de outra pessoa (Rudnicki, 1996, p. 53). Na função de Presidente da comissão, o desembargador Alberto Silva Franco, já aduziu que criará polêmica: “o crime se consumaria com a prática do ato capaz de causar a morte, sem que haja intenção de matar, mas há quem entenda que no caso da AIDS a intenção de matar fica demonstrada com a prática do ato” 61 . Miguel Reale se pronunciou a respeito, da seguinte forma: “se a conduta é dolosa (intencional), trata -se de homicídio qualificado, pelo emprego de meio cruel” (Rudnicki, 1996, p. 53). A Comissão Especial do Ministério da Justiça, que estuda a reforma do Código Penal, deverá transformar em anteprojeto, a proposta aprovada por unanimidade em maio de 1998, relativa a transmissão voluntária e involuntária do vírus da AIDS. Se o autor do contágio tiver a intenção de matar, responderá por tentativa de homicídio, e homicídio doloso se a pessoa morrer.62 Atualmente encontra-se no Ministério da Justiça em análise. Finalizando, o professor e advogado Ventura, sugere uma nova terminologia para a conduta dolosa da transmissão da Aids: “Homicídio pré -consumado”, já citado e comentado no item 3.5 (posicionamento doutrinário) , acrescentando um sexto parágrafo ao art. 121, CP – “Sendo a morte da vítima um evento futuro, porém certo, considera-se consumado o crime no momento da prática do ato que a ela dará causa” . 63 60 Consulta extraída do site www.camara.gov.br em 12/03/2004. In Folha de São Paulo, 13 de março de 1994. 62 Texto extraído do site de notícias www.na.uol.com.br publicado em 19.02.1998. Consultado em 07.05.2004. 63 Esta citação foi retirada do artigo publicado no site www.ibccrim.com.br em 15/04/1994 por Luís Henrique Pontes Ventura. Consultado em 05.10.2004. 61 67 Segundo a teoria da atividade, que é a adotada no Código Penal Brasileiro, não é aceitável o posicionamento acima, pois a consumação do crime se dá no resultado, e não no ato que lhe deu causa. Passamos a seguir, à uma breve reflexão sobre todo o assunto abordado até aqui, verificando hipoteticamente fatos e suas conseqüências penais. Partindo do princípio da legalidade em que não há crime sem lei anterior que o defina, a transmissão da AIDS efetuada pelo agente mesmo não consciente de sua letalidade, é crime, pois o indivíduo não pode se escusar do desconhecimento do que é ilícito. No mínimo seria enquadrado no art. 131 do Código Penal, perigo de contágio de moléstia grave. Na hipótese de homicídio ou lesão corporal seguida de morte, teríamos o caso do agente ciente de sua condição física insalubre, também consciente da fatalidade da doença, mantém relações sexuais com sua vítima e efetiva a contaminação, porém não acredita na morte como resultado e tampouco a deseja, em face da grande sobrevida atualmente dos pacientes aidéticos com as novas drogas. Percebe-se então que, o agente sabe que o resultado é previsível, e por ausência de cautelas necessárias, tais como o uso da camisinha, acaba imprudentemente causando o contágio, onde poderão ocorrer conseqüências futuras. Dentre estas conseqüências poderíamos classificar a morte como um evento futuro e certo em decorrência da transmissão, assim como também a vítima poderia vir a sucumbir por outra causa. Nesta situação rompe-se o nexo de causalidade, pois como saber e provar que a morte da vítima daqui a cinco, dez, quinze ou até vinte anos foi ocasionada por aquele ato de transmissão do vírus da AIDS? Ainda na lesão corporal qualificada pela enfermidade incurável, presente aqui o dolo, o animus laedendi, a intenção do agente em lesionar e atingir a integridade física de sua vítima. Nesta hipótese, o autor tem como objetivo transmitir uma doença incurável como resultado de sua ação, mas não necessariamente matar a vítima. Todavia, no homicídio doloso, onde está presente o animus necandi, a intenção de matar, o agente deseja o resultado morte, sabe que é portador da doença, é consciente da sua letalidade, deseja contagiar sua vítima e com isso eliminar a sua vida. Em face do exposto, conclui-se que é fundamental apurar o elemento subjetivo na ação do agente, qual era sua verdadeira intenção na prática delituosa, matar, atentar contra a integridade física ou somente contagiar, ou ainda se existiu realmente dolo, ou se a transmissão aconteceu de forma culposa, em decorrência de falta de cuidado objetivo, por imprudência ou negligência, ou finalmente por erro. Outro fator importante é a identificação da relação de causalidade, se a conduta do agente na transmissão da doença foi a causa 68 determinante para que o resultado se realizasse. Sem desprezar o iter criminis, verificando a ocorrência de todos os passos, a cogitação da ação criminosa, os atos preparatórios para que a mesma se realize, a execução do ato em si e a consumação do resultado. O questionamento principal será: Quando haverá a consumação do resultado no crime da transmissão de AIDS? Com a morte; com a contaminação da doença; ou apenas com o ato de transmissão, independentemente se o contágio se efetivou? São indagações que nem a doutrina e a jurisprudência responderam ainda. Portanto, imperioso elencar os componentes do crime, analisando as circunstâncias fáticas possíveis e principalmente um estudo mais criterioso sobre os danos físicos causados pela doença, em face de estarmos tratando da vida do indivíduo. Apurando as conseqüências fatais ou não, de uma debilidade física permanente em face dos limites proporcionados por esta moléstia. Enfim, o nosso legislador e o operador jurídico em geral deverão ficar atentos a esta nova modalidade, pela certeza de estarmos diante de um crime que merece especial atenção, havendo a violação do bem maior jurídico protegido pelo Estado que é a vida do ser humano. 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em 1979 surgiram os primeiros casos de AIDS na Califórnia, Estados Unidos, todos de homossexuais. Ao aparecimento da doença as vítimas tiveram uma sobrevida de dois a seis meses. A causa das mortes era o sarcoma de Kaposi, uma espécie de herpes agressiva que abria feridas pelo corpo. Pouco depois, em 1982, foi descoberto o vírus causador da doença, o HTVL III, logo em seguida denominado de HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) que passou a ter dois tipos, HIV 1 e HIV 2. Foi então constatado que a AIDS era uma doença infecciosa, transmitida através do sangue, da saliva, da secreção vaginal, do esperma ou de qualquer espécie de hemoderivados. No começo foram isolados alguns grupos de pessoas passíveis de contrair o vírus, entre elas, os homossexuais, heterossexuais de vida promíscua, usuários de drogas, hemofílicos ou qualquer sujeito que tivesse sofrido alguma transfusão de sangue. Estes grupos foram chamados de grupos de risco. Atualmente não existem mais grupos de risco, toda a sociedade, independendo de opção sexual, cor, raça, nível social ou econômico, promíscuo ou não, está vulnerável ao contágio da doença. Os sintomas, após o contágio, eram de emagrecimento rápido, sudorese, diarréias crônicas, febres altas e constantes, enfim, o vírus destruía e ainda destrói completamente o sistema imunológico humano, deixando o organismo completamente sem defesa aos ataques bacterianos. Vinte anos atrás os óbitos se davam no prazo máximo de seis meses após o contágio. Em datas mais recentes, através dos estudos científicos da comunidade médica, foram desenvolvidos coquetéis de drogas, dentre elas o AZT64, que aumentam a sobrevida numa escala progressiva do paciente aidético, tanto que atualmente existem pacientes convivendo com o vírus há mais de dez anos. Porém, a cura tão sonhada não foi descoberta ainda, desafiando os limites da medicina. No tema em estudo, a tipificação penal da transmissão de Aids, discutiu-se a possibilidade de enquadramento nos delitos de perigo de contágio de moléstia grave, homicídio e lesões corporais, em face da lei atual não prever tais situações. 64 AZT – sigla de Azidotimidina (farmacologia), substância que desde 1964 era empregada como anticancerígeno e a partir de 1987 vem sendo usada no tratamento da AIDS (Houaiss, 2001, p. 364). 70 Neste contexto, focamos mais a transmissão via relações sexuais, analisando hipoteticamente a transmissão do vírus pelo agente, tendo ciência de ser um portador do vírus e não tomando as cautelas necessárias para evitar o contágio e, tampouco, informando a vítima de sua condição. Sobre o assunto encontramos posicionamentos de doutrinadores que divergem sobre qual o tipo de conduta foi realizada pelo agente, se dolosa ou culposa, avaliando principalmente o animus no momento consumativo - se ele desejava matar, lesionar ou apenas transmitir a moléstia, desconhecendo, neste último caso, a sua letalidade. A jurisprudência existente, ainda muito frágil, caminha também para a corrente majoritária da doutrina ,entendendo existir o animus necandi, pois é fato quase que notório a fatalidade desta doença. Portanto, o posicionamento extraído nesta pesquisa vai ao encontro da conduta sempre dolosa, apenas variando para o enfoque do dolo direto ou eventual, dependendo das circunstâncias do caso concreto. Observemos então a hipótese do agente sabendo estar infectado, consciente da mortalidade da doença, pratica relações sexuais sem tomar os cuidados necessários, não dá ciência ao parceiro de sua condição, e por fim transmite o vírus . A vítima não falece em decorrência do contágio, apenas encontra-se doente. Neste caso, parece clara a tentativa de homicídio doloso (art. 121, caput, c/c art. 14, Código Penal Brasileiro), classificando o dolo em direto. Se ela vir a falecer em conseqüência da AIDS, é homicídio doloso consumado, pois acredita-se estar presente o animus necandi, ou seja, a vontade de matar. Porém, o agente pode ter a intenção de somente deixar a vítima doente, sofrendo pela doença, pois tem o conhecimento do aumento da expectativa de vida proporcionado pelas novas drogas. Já nesta situação ocorre o animus laedendi - intenção de lesionar, de prejudicar a integridade física, passando a tipificação, por conseguinte, para lesão corporal gravíssima, causando enfermidade incurável ( art. 129, parágrafo 2°, II, Código Penal Brasileiro). Uma outra hipótese refere-se ao agente que desconhece totalmente a letalidade da doença, fato que pode ocorrer em lugares onde o acesso à informação é precário. Neste caso o indivíduo sabe que é portador do vírus e mantém relações sexuais sem as cautelas necessárias e, tampouco, comunica à parceira ou ao parceiro sobre seu estado de saúde, causando-lhe a doença. Em tal hipótese poder-se-ia classificar o ato como lesão corporal culposa (art. 129, parágrafo 6°, Código Penal Brasileiro), pois o sujeito estaria deixando de observar o dever de diligência, o cuidado objetivo, ou seja, estaria sendo, no mínimo, imprudente. 71 Diante do exposto, evidencia-se a dificuldade de se encontrar qual tipificação penal seria a mais adequada, residindo diretamente nas circunstâncias fáticas do caso concreto e na árdua possibilidade de constituir a prova . Assim, enquanto o Código Penal Brasileiro não abrigar legislação específica, tentando cercar todas as possibilidades de contágio, focando o animus na conduta do agente e nas circunstâncias, as decisões dos Tribunais oscilarão na analogia das condutas criminosas com leis pré-existentes. 72 REFERÊNCIAS ACQUAVIVA, Marcos Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. 2. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2001. ACQUAVIVA, Marcos Cláudio. Vademecum Universitário de Direito. 4. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2001. ALMEIDA, João Batista de. Tribunal do Júri. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2000. BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das Penas. Tradução: Junior, J. Cretella e Cretella, Agnes. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. BARBATO, Dr. Antônio. Como evitar a Aids. Disponível em www.cadernodigital.uol.com.Br/guiadosexo/perguntaserespostas/default.htm. Acesso em 08.10.2004. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 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