estupro e transmissão do virus da aids

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ESTUPRO E TRANSMISSÃO DO VIRUS DA AIDS DE ACORDO
COM A LEI 12.015/09
Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia,
Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e
Criminologia e Professor de Direito Penal, Processo Penal e
Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e
na pós – graduação da Unisal.
Com o advento da Lei 12.015/09 foram acrescentadas duas
novas causas de aumento de pena para o crime de estupro, nos
termos da redação do artigo 234 – A, III e IV, CP. A primeira causa
de aumento trata dos casos em que do estupro resulte gravidez,
quando o acréscimo será de metade. Já a segunda causa de aumento
refere-se à transmissão à vítima de doença sexualmente
transmissível de que o agente sabe ou deveria saber ser portador,
sendo o incremento da ordem de um sexto até a metade.
Neste trabalho será analisada especificamente a segunda figura
acima mencionada, especialmente no que se refere à transmissão da
AIDS como resultado de um crime de estupro.
Dentre as “doenças sexualmente transmissíveis” estão
certamente as chamadas “doenças venéreas” (v.g. cancros,
blenorragia etc.). No entanto, nem todas as “doenças sexualmente
transmissíveis” são venéreas. A hanseníase se transmite pela via
sexual, assim como a AIDS e nem uma nem outra são “doenças
venéreas”. Portanto, serve para a configuração da causa de aumento
do artigo 234 – A, IV, CP, tanto a transmissão de “doenças venéreas”
como de outras “doenças sexualmente transmissíveis”, vez que as
primeiras são apenas uma espécie das segundas.
Em geral a conduta do agente poderá ser dolosa na transmissão
da doença, pois a lei prevê o caso em que o agente “sabe” que está
contaminado. Também poderá ser preterdolosa, já que há previsão
da expressão “deve saber”. Nessa situação o autor agiria com dolo no
antecedente (estupro) e culpa no consequente (transmissão da
doença).
Outra observação interessante é a de que a causa de aumento
de pena, de acordo com a dicção legal e até por questão de bom
senso, somente será aplicada quando a vítima do crime for
contaminada. Caso ocorra contaminação do próprio autor do crime de
estupro pela vítima por doença sexualmente transmissível, não será
viável a aplicação do aumento de pena em estudo, isso porque a
legislação é clara ao estabelecer a causa de aumento somente para
situações em que “o agente transmite à vítima doença sexualmente
transmissível”. Destaque - se que a solução legal é coerente, uma vez
que a contaminação do autor ocorrida durante sua própria conduta
criminosa já lhe pesa como uma espécie de pena natural, tornando a
reação penal desnecessária e até irrazoável.
Resta agora analisar o caso da transmissão do vírus HIV pelo
praticante do crime de estupro. Quando acima se afirmou que,
conforme a dicção legal, a conduta que enseja a contaminação pode
ser dolosa ou preterdolosa, tal orientação não tem aplicação para o
caso da AIDS. Isso porque a AIDS é uma doença ainda letal,
inobstante todos os consideráveis avanços em seu tratamento. Assim
sendo, quem transmite dolosamente o vírus da AIDS a outrem atua
com “animus necandi” ou “occidendi”, ou seja, quer matar a vítima.
Se o agente estupra a vítima e lhe transmite dolosamente a AIDS,
não se trata de um caso de estupro com aumento de pena, mas sim
de concurso formal impróprio (artigo 70, “in fine”, CP) entre os
crimes de estupro e de tentativa de homicídio. 1 Nos demais casos
que se referem a doenças venéreas ou outras enfermidades, mesmo
que graves, o conflito entre o estupro com aumento de pena se dá
com crimes de perigo (v.g. artigos 130 e 131, CP), razão pela qual,
de acordo com o Princípio da Subsidiariedade, são estes afastados,
prevalecendo o estupro majorado.
Já no caso da tentativa de
homicídio, se trata de crime de dano de suma gravidade, o qual não
pode ser simplesmente afastado por subsidiariedade nem mesmo
absorvido com base no Princípio da Consunção.
Efetivamente tem se assentado na doutrina e na jurisprudência
que a transmissão dolosa do vírus da AIDS configura crime de
tentativa de homicídio enquanto a vítima está viva e homicídio
consumado quando ocorre o evento morte. Este é o pensamento, por
exemplo, de Rogério Greco:
“Entendemos que, nessa hipótese, como não existe, ainda, a
cura definitiva para os portadores de Aids, mesmo que o ‘coquetel de
medicamentos’ permita, atualmente, considerável sobrevida, o fato
deverá se amoldar ao art. 121 do Código Penal, consumado (se a
vítima vier a falecer como consequência da síndrome adquirida) ou
tentado (se, mesmo depois de contaminada, ainda não tiver
morrido)”. 2
Diverso não tem sido o rumo das decisões jurisprudenciais
sobre a matéria:
“Em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada e dirigida
à transmissão do vírus da AIDS é idônea para a caracterização da
tentativa de homicídio” (HC 9378/ RS – 1999/0040314 – 2 – 6ª.
Turma – Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 18.10.1999, DJ em
23.10.2000, p. 186). 3
1
Ver neste sentido: LEAL, João José, LEAL, Rodrigo José. Novo tipo penal de estupro unificado.
Considerações sobre as causas de aumento de pena e a ação penal. Disponível em
www.jusnavigandi.com.br , acesso em 10.09.2009.
2
Curso de Direito Penal.Volume II. 4ª. ed. Niterói: Impetus, 2007, p. 198.
3
Op. Cit., p. 198.
A única hipótese em que a transmissão da AIDS em situação de
estupro configurará normalmente a causa de aumento de pena e não
concurso com tentativa de homicídio, será no caso de conduta
preterdolosa do agente. Se o agente não tem em mira a transmissão
do vírus letal porque, por exemplo, não se sabia infectado e o
transmite com culpa, configura-se o estupro exasperado e afasta-se o
crime de tentativa de homicídio por ausência do necessário elemento
subjetivo deste último.
Frise-se que não será viável a aplicação da causa de aumento
de pena concomitantemente com o crime de tentativa de homicídio
nos casos de transmissão dolosa do vírus da AIDS porque em tal
situação ocorreria “bis in idem”.
Finalmente é interessante salientar que poderá surgir
entendimento de que nos casos de transmissão dolosa da AIDS, em
se configurando a tentativa de homicídio, seria o crime de estupro
absorvido como “crime – meio”. Afinal, o agente teria estuprado a
vítima com o móvel de transmitir-lhe a doença letal e levá-la à
morte. Mesmo ante essa possível argumentação, sustenta-se que a
melhor solução será o concurso formal impróprio entre o estupro e a
tentativa de homicídio. Em primeiro lugar porque haverá nessas
situações a lesão de bens jurídicos diversos (dignidade sexual no
estupro e vida no homicídio). Além disso, é fato que se o agente
quisesse somente atingir o bem jurídico “vida” com sua conduta,
poderia ter optado por transmitir a AIDS de outras formas à vítima,
que não a via sexual. Como já se disse alhures, a AIDS não é doença
venérea, é apenas sexualmente transmissível, mas pode haver
contaminação por outras vias que não apenas o contato sexual (v.g.
injeção de sangue contaminado etc.). Portanto, o agente,
deliberadamente e com autonomia de desígnios, atinge bens jurídicos
diversos, devendo responder pelos crimes respectivos em concurso
formal impróprio e sendo apenado pela regra do cúmulo material.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume II. 4ª. ed. Niterói:
Impetus, 2007.
LEAL, João José, LEAL, Rodrigo José. Novo tipo penal de estupro
unificado. Considerações sobre as causas de aumento de pena e a
ação penal. Disponível em www.jusnavigandi.com.br , acesso em
10.09.2009.
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