UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ERIC MACIEL MACHADO O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL COMO MEIO DE INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA Ijuí (RS) 2016 ERIC MACIEL MACHADO O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL COMO MEIO DE INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito para a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso TCC. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientador: MSc. Luis Paulo Zeifert Ijuí (RS) 2016 Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha vida. AGRADECIMENTOS À minha família, que sempre me incentivou e me deu todo o suporte possível, possibilitando meu ingresso no Curso de Graduação em Direito. Aos colegas e amigos que estiveram comigo durante este interregno singular, e que de alguma forma, colaboraram com meu crescimento moral e intelectual. À minha companheira, que sempre me incentivou e confiou em meu potencial, me dando todo o amparo possível e necessário. Aos docentes que durante esta jornada me ampararam na evolução do saber, no crescimento como sujeito, e principalmente, como cidadão. “o direito deve ser um ativo promotor de mudança social tanto no domínio material como no da cultura e das mentalidades.” Boaventura de Sousa Santos RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise histórica do tema da cidadania, a fim de propiciar um melhor entendimento sobre o assunto. Conceitua a cidadania, demonstrando de que forma a mesma tem relação com a inclusão social. Estuda o chamado Estado de bem-estar social, como modelo de Estado político-econômico caracterizado como provedor de direitos sociais e a sua relação com os temas da cidadania e da inclusão social, destacando as maneiras como tal modelo é meio para as mesmas. O acesso à cidadania e a inclusão social são temas de suma importância quando pretendemos discutir um modelo de Estado ideal para a promoção de direitos sociais. Nessa conjuntura, o Estado de bem-estar social destaca-se como agente regulador e promotor de direitos sociais, sendo um caminho para o alcance da cidadania e da inclusão social. Finaliza concluindo que o Estado de bem-estar social é o modelo de Estado mais adequado na perspectiva de que vivemos em um mundo dominado pelo neoliberalismo, e que o mesmo encontra-se na posição mais benéfica quando falamos em meios para inclusão social e cidadania na sociedade através um Estado provedor. Palavras chave: Estado de bem-estar social. Cidadania. Inclusão social. Estado provedor. ABSTRACT This course conclusion work is a historical analysis of the theme of citizenship in order to provide a better understanding of the subject. Conceptualizes citizenship, demonstrating how the same is related to social inclusion. Studies the Welfare State, as a model of political and economic state characterized as social rights provider and its relationship with the themes of citizenship and social inclusion, highlighting the ways in which such a model is kind to them. Access to citizenship and social inclusion are issues of paramount importance when we want to discuss an ideal state model for the promotion of social rights. At this juncture, the Welfare State stands out as regulator and promoter of social rights, as a way to achieve citizenship and social inclusion. Terminates concluding that the Welfare State is more appropriate state model on the view that we live in a world dominated by neoliberalism, and that it is the most beneficial position when it comes to means of social inclusion and citizenship in society through a state provider. Keywords: Welfare State. Citizenship. Social inclusion. State provider. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9 1 INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA .......................................................................... 12 1.1 O surgimento e a evolução histórica da cidadania ...................................................... 12 1.2 Conceito de cidadania e sua relação com a inclusão social ......................................... 18 2 ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA ........... 21 2.1 O Estado de bem-estar social como modelo político econômico de Estado ................ 23 2.2 O Estado de bem-estar social, políticas públicas e cidadania ..................................... 25 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 32 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 34 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho apresenta um estudo acerca da relação entre o Estado de bem-estar social o acesso à inclusão social e a cidadania, a fim de efetuar uma investigação em busca do modelo de Estado mais adequado a ser adotado. Essa busca é necessária face à crescente importância dada aos direitos sociais, e, por conseguinte, ao acesso à cidadania. Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também o posicionamento doutrinário, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo do tema. Quanto aos objetivos gerais, a pesquisa será do tipo exploratória. Utiliza ainda, no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando a seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para construir um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, respondendo o problema proposto, corroborando as hipóteses levantadas e atingido os objetivos propostos na pesquisa, além da leitura e fichamento do material selecionado, a reflexão crítica sobre o material selecionado e a exposição dos resultados obtidos. A pesquisa estuda o Estado de bem-estar social, Inclusão Social e Cidadania, abordando o tema desde a criação do chamado Estado de bem-estar social até a contemporaneidade, perpassando as extensões da organização político-econômica como meio de inclusão social e as noções conhecidas de cidadania. Dando ênfase ao seu ápice como modelo de Estado. 10 Quanto ao problema a ser abordado, destaca-se que o chamado Estado de bem-estar social vem assumindo diversas formas desde sua criação, no final do século XIX. Assumindo diferentes contornos sempre que adotado por um Estado. Em seus primórdios, o modelo surgiu como uma alternativa ao Socialismo, em oposição ao Estado liberal, demonstrando a procedência da raiz de seu objetivo. Portanto, a adoção deste modelo de Estado, ordinariamente, objetiva um Estado de promoção social com uma política econômica voltada para este fim. Assim, o presente estudo pretende verificar quais são as principais concepções a cerca do chamado Estado de bem-estar social, e de que maneira tal organização pode constituir-se como um elemento gerador de inclusão social e cidadania. Como hipótese, despende-se que as percepções sobre a definição do Estado de bemestar social variam de acordo com sua aplicabilidade em cada Estado. Contudo, a adoção deste modelo de Estado político-econômico, de maneira geral, é muito mais vasta do que a simples adoção de um modelo organizacional. As políticas públicas no Welfare State, são elementos basilares na geração de inclusão social e cidadania, sendo seus impactos sociais, respectivamente proporcionais ao seu nível de aplicabilidade dentro do Estado em ação. Tratando-se do objetivo geral, o presente trabalho visa estudar as possibilidades do Welfare State sob a perspectiva da inclusão social em nossa sociedade, em especial como elemento fundamental de formação de cidadania, dando atenção às compreensões e teorias de políticas publicas no Estado de bem-estar social. Já no que diz respeito aos objetivos específicos, o presente estudo pretende estudar os conceitos de cidadania, compreendendo os momentos presentes na sua construção, conhecer a relação intrínseca entre inclusão social e cidadania, além de verificar e compreender as políticas públicas utilizadas no Estado de bemestar social e a sua relação com o acesso à cidadania. Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma breve abordagem a respeito da evolução da cidadania na história, onde a mesma evoluiu com o passar dos tempos até tornarse um conceito essencial para o desenvolvimento da sociedade contemporânea. Posteriormente, o tema da cidadania é relacionado à inclusão social, sendo apontados os fatores que aproximam e relacionam os mesmos. No segundo capítulo é analisado mais profundamente o chamado Estado de bem-estar social, seu conceito e os modos de aplicação como modelo de Estado. O mesmo também é 11 analisado como modelo de Estado político-econômico. Por fim, a aplicabilidade de políticas públicas sociais de inclusão social e cidadania, aplicáveis no Estado de bem-estar. 12 1 INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA A história da sociedade é marcada por uma série de lutas e questionamentos sobre as medidas mais adequadas e benéficas para o coletivo, durante todo este processo, alguns institutos foram construídos e demarcados como de fundamental existência para a vivência em sociedade, destacando-se dentre todos os problemas já discutidos em algum momento da história. Pode-se afirmar com certeza, que a noção de que existem direitos inerentes ao homem, trouxe um marco na evolução do homem como sociedade. A caminhada pelo alcance da cidadania e, consequentemente, da inclusão social, tem sido tema de longos debates por ser de fundamental importância para a nossa construção e evolução como sociedade. Difícil desenhar a sociedade moderna sem discutir as ideias de cidadania e inclusão social. Tais institutos se concretizaram na sociedade moderna, tornando-se um objetivo constante a ser alcançado, demarcando a evolução concreta do homem como ser social. O acesso à cidadania e a inclusão social são temas de suma importância quando pretendemos discutir um modelo de Estado ideal para a promoção de direitos sociais. Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo analisar o tema teoricamente, ou seja, os conceitos de cidadania e inclusão social e sua contextualização e aplicabilidade na sociedade, a fim de possibilitar a posterior averiguação de sua eficácia na promoção do Estado de bem-estar social, objeto deste estudo. 1.1. O surgimento e a evolução histórica da cidadania O tema da cidadania é ponto de partida quando desejamos tratar sobre assuntos relacionados ao exercício da política e do Estado, estando em debate desde as sociedades antigas até a sociedade moderna. Conforme afirma Corrêa (2010), a cidadania tem a ver essencialmente com a participação na comunidade política na qual o cidadão está inserido pelo vínculo jurídico, ou seja, a participação dentro do Estado, de forma que o mínimo de igualdade neste âmbito, traga a participação política plena, tornando os indivíduos membros da comunidade política. 13 É difícil datar com precisão o aparecimento do conceito de cidadania. Sabemos que o seu significado clássico associava-se à participação política. Visto que o próprio adjetivo “político” remete à ideia de polis. Partindo deste ponto, passamos, portanto, à caracterização da organização do instituto da cidadania, traçando a partir daí, as diretrizes para a sua conceituação. Os primórdios da cidadania nos remetem às antigas polis gregas e romanas, onde apesar da cidadania não ser plena, houve grande evolução nesta conceituação. Nesta fase da história, a cidadania era basicamente associada ao acesso à participação na política. Porém, na Grécia antiga, mesmo com esse pleno direito assegurado e a existência de um regime democrático, a cidadania aparecia de forma tímida, principalmente no que se refere ao efetivo das decisões políticas (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, [s.d.]). A simples garantia de plenos direitos, não assegurava aos cidadãos uma efetiva participação política. Em síntese, a reflexão política grega estava voltada para a criação de um modo de vida socialmente justo, apesar dos conflitos sempre presentes. Embora Aristóteles defenda que os seres humanos são geneticamente diversos e desiguais, “o homem é por natureza um animal político destinado a viver em sociedade”, no sentido de que a melhor forma de vida é alcançada na polis. Na realidade tanto ele quanto Platão tinham muito claro que nenhuma das cidades-Estado gregas de sua época reunia condições concretas para oferecer aos cidadãos a dignidade e a justiça social. Apesar disso, confiavam que, por uma consciência política mais desenvolvida e por uma ação não meramente contemplativa, era possível melhorar o nível de bem-estar material e de satisfação moral da população como um todo. Jutar reflexão (saber filosófico) e ação política (poder com virtude) foi o grande mérito dessas teorias filosófico-políticas. Já em termos de construção de um espaço público acessível a todos, deixaram a desejar, uma vez que o argumento da desigualdade natural dos seres humanos e da própria organização social legitimava, em nome da razão política e da virtude, o modo de produção escravista próprio da civilização grecoromana (CORRÊA, 2010, p. 180). Predominava-se, portanto, a ideia de legitimidade natural da posição social ocupada por cada indivíduo, mesmo que a maior parte da sociedade permanece excluída, conservando o fundamento de que a posição social dos indivíduos é ditada pela ordem natural do mundo. Nota-se, portanto, que “no pensamento clássico da Grécia antiga o conceito de cidadania possui parâmetros muito específicos, de difícil aceitação numa concepção moderna de cidadania” (CORRÊA, 1999, p. 41). 14 Passada a sociedade grega, passamos à romana, posto ainda, que a segunda, assemelhava-se a primeira quanto a sua conjuntura, visto que sociedade romana também se caracterizava como uma sociedade escravagista, balizada nas famílias, e dominada por seletos grupos, sendo os únicos a gozar da cidadania e dos chamados direitos políticos. Apesar de alguns avanços quanto ao acesso à participação política, em geral a ideia de cidadania greco-romana sempre soou deturpada, a essência política do conceito de cidadania na realidade Greco-romana revestia-se de uma discrepância entre democracia real e ideal. “Defendia-se, portanto, uma igualdade de direitos políticos que, de fato, não era praticada” (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, [s.d.], p. 2). Passado as ideias de cidadania nas sociedades greco-romana, considerando a evolução histórica do conceito, insta salientar a evolução de tais ideias na Idade Média. Tal período teve duração média de aproximadamente mil anos, sendo muito lembrado pela estagnação cultural da sociedade, bem como pela ascensão da Igreja Católica. Contudo, ao mesmo passo, o interregno também contou com progressos intelectuais que delinearam e demarcaram a transição para a idade moderna. A Idade Média foi, em termos sociais, econômicos e políticos, um período de transformações e adaptações a uma nova realidade organizacional da sociedade. Assim, durante o processo de formação do feudalismo, muitas mudanças ocorreram nas atitudes mentais e nas relações entre o saber e a política. (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, [s.d.], p. 2). Neste período, o plano da participação política tornou-se secundária, passando a dar-se prioridade ao plano da religiosidade, onde os camponeses eram subordinados à nobreza e ao clero. Inexiste qualquer menção de consulta ao povo, sendo que a origem do poder de seus representantes era considerada divina, e, portanto, inquestionável. Dessa forma, o Clero e a Nobreza eram os únicos portadores de cidadania, sendo este, resultado da inerência do poder que os mesmos possuíam. Neste contexto, conforme Corrêa (1999, p. 44) “o acesso à cidadania muito mais da misericórdia divina, melhor, da misericórdia dos interpretes da suposta vontade divina de Deus, do que de uma construção comunitária com base em um status universal da própria condição do ser humano.” 15 Em análise à Idade Média, até certo ponto, percebe-se um retrocesso quanto à ideia de cidadania, bem como, quanto aos chamados direitos políticos, tornando-se estes, mais frágeis e flexibilizados numa sociedade dominada pelo ruralismo feudal e dominada pelas ideias de dominação justa e divina, disseminadas pelo cristianismo, sem atender às reais necessidades da sociedade da época. Contudo, apesar dos diversos retrocessos e principalmente a estagnação de ideias durante o período médio, o final deste, em vista da crescente urbanização, passou a registrar profundas alterações sociais. Assim, posteriormente, temos o Iluminismo. Uma época de transição para a evolução de um conceito mais moderno de cidadania, caracterizado pelo contraste entre os resquícios da idade média, mantendo o caráter hereditário do poder pelos monarcas, e a busca por poder por parte da burguesia. Assim, este momento, representou essencialmente, um período de transição, contando com mudanças sociais, visto que a ocorrência de diversas revoluções, bem como a transformações política e econômica, sendo marcado principalmente, pela evolução científica, passando a lutar pela liberdade de pensamento, e pelo ideal de igualdade. Passando assim, a idealizar-se uma sociedade igualmente justa. A partir da luta da burguesia pela conquista de poder, passou-se a contar com uma nova concepção de cidadania, onde havia uma grande e representativa parcela da sociedade, disposta a contestar os atos impostos e praticadas pelo clero e pela nobreza. Surgindo assim, uma nova concepção de sociedade e racionalidade, passando a ser desmistificada, e desconsiderada a divindade do poder do clero e da nobreza tão disseminados pelo cristianismo. Surge assim, a partir deste momento histórico, um novo sentido de cidadania, enquanto participação na sociedade, materializada através da conquista de direitos. A nova ordem burguesa de caráter libertário postulou direitos dentro de um projeto político de organização social com base jurídica – todos são igualmente sujeitos jurídicos -, apresentando o direito como substitutivo moderno do privilégio feudal. A cidadania surge como configuração da igualdade dos proprietários de mercadorias na pela liberdade de mercado (CORRÊA, 1999, p. 212). 16 Partindo destas novas ideias, surgiram novos pensamentos que influenciaram toda uma nova geração de revoluções, porém, ainda com uma cidadania falha e limitada sempre beneficiando os detentores do poder e carecendo aos menos favorecidos, tratando-se basicamente de uma limitação da cidadania causada pela diferença de classes. A necessidade de compreender o conceito atual de cidadania à luz dessas questões sociais veio-nos como herança do processo de formação das democracias modernas. Como sabemos, a Independência dos Estados Unidos e o processo revolucionário francês acabaram por delinear um novo tipo de Estado. Os ideais de liberdade e de igualdade, embora tivessem uma origem propriamente burguesa, contribuíram para a inclusão de um maior número de indivíduos no corpus político das sociedades. (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, [s.d.] p. 4). Contudo, apesar de toda a evolução do conceito de cidadania, em regra, as camadas mais pobres da sociedade sempre permaneceram afastadas da cidadania plena, desde o momento em que a mesma tratava do simples acesso à política até os conceitos mais atuais, onde a mesma engloba os mais diversos tipos de direitos considerados fundamentais ao homem, fugindo do campo dos direitos sociais. Observa-se, ainda, no decorrer dos séculos XIX e XX, diversas lutas sociais de caráter reivindicatório de cidadania, sendo que estas influenciaram fortemente o conceito de cidadania que conhecemos hoje, tonando-se a cidadania um anseio primordial da sociedade, como direito fundamental e inerente ao homem. Porém, somente após o terror e a violência provocados pela ocorrência de duas guerras de proporção mundial, que os órgãos internacionais passaram a discutir com a devida primazia, os chamados direitos humanos, passando estes, a serem incluídos no conceito de cidadania contemporânea, visto a magnitude e amplitude que englobam as premissas que envolvem os direitos humanos. Entretanto, o exercício da plena cidadania, mesmo com a sanção de tratados internacionais e de premissas constitucionais do direito interno, não foi exercida, nem implantada de maneira satisfatória aos parâmetros que deveriam ser considerados como necessários, não obstante, sofrendo diversas afrontas, mesmo quando falamos em Estados ditos como democráticos. 17 Acompanhando esta perspectiva, o sociólogo inglês T.H. Marshall mostra-nos como o desenvolvimento da cidadania até o século XIX esteve intimamente submetido à questão das relações entre classes sociais antagônicas. Segundo esse autor, esta diferenciação seria inerente à própria relação entre os direitos e a camada que os teria fomentado. (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, [s.d.], p. 5). Insta ressaltar, que foi a partir deste contexto que as Constituições europeias passaram a abrigar somente um rol de direitos individuais confinados à esfera civil em razão do princípio liberal de não intervenção do Estado na economia (CORRÊA, 2010, p. 429). Resultado da intensa influência do Estado liberal-burguês do século XVIII. O Estado liberal, segundo os escritores mais representativos da escola, não só protegia amplamente os direitos públicos individuais, como também praticava a liberdade na economia, deixando o desenvolvimento econômico à livre competição, e nas relações de trabalho, fazendo deste uma simples mercadoria, oferta às leis naturais do mercado. (FRANCO apud CORRÊA, 2010, p. 429). Porém, importante destacar a decadência e consequente crise do Estado liberal, consolidado durante o século XIX, segundo Corrêa (2010, p. 433). [...] embasado no binômio Estado/indivíduo (com a exclusão do social) entrou em crise em fins do mesmo século e primórdios do século 20, ao se desencadear o processo de politização da sociedade, antes excluída da normatização constitucional resultante da agudização das contradições de classe do modelo capitalista. Com a decadência do Estado liberal, passou a ser construída uma nova de ideia de modelo de Estado afirmativo, mais voltado para a real efetividade da cidadania. Essa nova fase de afirmação de direitos firmou-se com o advento do Estado de bemestar social, também denominado Estado-providência ou welfare state. Tal mudança paradigmática em termos de concepção política efetuou-se num relativamente longo período de preparação cujos inícios remetem à metade do século 19, a partir da qual se acentuaram os conflitos de classe, ao mesmo tempo em que os proletários, espoliados de forma drástica em suas condições de trabalho, foram adquirindo maior consciência a respeito das contribuições do sistema capitalista, tendo como inspiração e incentivo os movimentos socialistas e marxistas. (CORRÊA, 2010, p. 431). Posto isso, chegamos ao objeto do presente estudo, não obstante, sem esgotar a temática da cidadania, visto que a mesma não foi tratada quanto a sua aplicação na contemporaneidade. 18 1.2 Conceito de cidadania e sua relação com a inclusão social Contextualizado historicamente o surgimento e a evolução da ideia de cidadania, precisamos defini-la, ressaltando-se a sua estreita relação com ideia de inclusão social. Conforme se depreende dos ensinamentos de Marshall, a “cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes aos status” (MARSHALL apud CORRÊA, 2010, p. 23). Assim, percebe-se a ideia primordial de que não há uma definição estrita da chamada cidadania, de forma que mesma engloba um conjunto de direitos. No entendimento de Corrêa (2010, p. 23), “embora seja uma instituição em permanente desenvolvimento, a cidadania constitui, portanto, fundamentalmente um princípio de igualdade”. Nessa linha de pensamento, A cidadania, pois, significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida. Isso exige organização e articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente. (CORRÊA, 1999, p. 217). Depreende-se tal relação do próprio conceito, a tendência moderna em direção à igualdade social tem-se demonstrado a mais recente fase de uma evolução da cidadania de que vem ocorrendo continuamente (MARSHALL, 1967, p. 63). Insta salientar, ainda na intenção de relacionar a cidadania à inclusão social, que uma há variedade de atitudes que caracterizam a prática da cidadania. Assim, entendemos que um cidadão deve atuar em benefício da sociedade, bem como esta última deve garantir-lhe os direitos básicos à vida, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, trabalho, entre outros (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, [s.d.], p. 4). Tal conjuntura fica igualmente clara pelas palavras de Corrêa (2010, p. 23), que afirma que o fato de apesar de caracterizar-se como “uma instituição em permanente desenvolvimento, a cidadania constitui, portanto, fundamentalmente um princípio de igualdade”. 19 A cidadania representa essencialmente “[...] uma espécie de igualdade humana básica associada com o conceito de participação integral na comunidade.” (MARSHALL apud CORRÊA, 2010, p. 23). Segundo Corrêa (2010, p. 24), “a cidadania significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada pelos indivíduos e ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida.” Com isso, “Atribuir aos direitos econômico-sociais o status de cidadania significa direcionar a luta por tais direitos no sentido de transformar o padrão total da desigualdade e não apenas diminuir isoladamente desigualdades existentes” (CORRÊA, 2010, p. 24). Nesse sentido, pode-se falar em cidadania como a representação universal do homem emancipado, fazendo emergir a autonomia de cada sujeito histórico, o que significa um processo de luta por espaços políticos na sociedade a partir da identidade de cada sujeito. Dito de outra forma, a cidadania significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada pelos indivíduos a ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida. (CORRÊA, 2010, p. 24). Constata-se, por conseguinte, que: A cidadania é, sob essa ótica, um processo histórico de construção da dignidade humana em seus principais fundamentos, cabendo à polis, por meio da lei (nomos), criar as condições necessárias para que se estabeleça uma ordem igualitária. Passase, com isso, a definir a cidadania como um construído convencional da coletividade a partir de uma decisão conjunta que garante a todos direitos iguais. (CORRÊA, 2010, p. 26). Ainda, conforme afirma Corrêa (1999), a cidadania pode ser definida, fundamentalmente, como um processo de construção do espaço público, fornecendo acesso aos espaços necessários de vivência e de realização de cada indivíduo, em plena igualdade de condições, respeitadas, contudo, as diferenças de cada sujeito, demonstrando-se o referido processo de construção, contudo, extremamente conflitante ao sistema capitalista. Justificando, assim, a proposta objeto do presente trabalho, sugerindo um sistema alternativo em relação ao atual sistema liberal capitalista. 20 Destarte, encerra-se este capítulo, enfatizando-se a relação entre inclusão social e cidadania, com destaque na constante evolução dos conceitos de cidadania, porém, hoje, voltado para os direitos sociais, considerados direitos e garantias fundamentais e inerentes ao homem, por conseguinte, conferindo-lhes o status de cidadania. 21 2 ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL1, INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA O acesso à inclusão social e a cidadania, encontram amparo no Estado de bem- estar social, a partir do momento em que este modelo de Estado, passa a amparar às necessidades e direitos sociais dos pobres, ou economicamente vulneráveis, trazendo uma redistribuição dos serviços estatais de maneira passível de suprir, ou ao menos tentar, corrigir as desigualdades causadas pela má distribuição de renda. Apesar de possuir uma determinada essência, o chamado Estado de bem-estar social já assumiu diversas formas desde sua criação, no final do século XIX. Assumindo diferentes contornos, sempre que adotado por um Estado. Confirmando esta afirmação: O modelo norte-americano tem muito pouco a ver com o modelo nórdico, e este com o da Europa continental, e de todos eles com o do Japão. Para não falar de sua diferença com o welfare que foi sendo construído em algumas periferias capitalistas, em particular no caso latino-americano (FIORI apud MACHADO, 2003, p. 86). Posto isso, vemos a grande pluralidade e as diversas aplicabilidades deste modelo, sendo que nem sempre, será eficaz. Contudo, em seus primórdios, o modelo surgiu como uma alternativa ao Socialismo, em oposição ao Estado liberal, demonstrando a procedência da raiz de seu objetivo de promover igualdade, dentro de um sistema dominado pelo liberalismo. John Maynard Keynes, a inspiração econômica do consenso de welfare no pósguerra, não era um socialista; partilhava, contudo, de algumas ideias que Marx e o socialismo enfatizavam. Como Marx, Keynes encarava o capitalismo como dotado de qualidades irracionais, mas acreditava que seria possível controlá-las para salvar o capitalismo de si mesmo Marx e Keynes tendiam ambos a não ter dúvidas quanto à produtividade do capital (GIDDENS apud MACHADO, 2003, p. 85). Contudo, sob outro ponto de vista, persiste também, a severa crítica de que o Estado de bem-estar social surgiu como uma simples alternativa ao capitalismo, adotada pelos próprios adeptos do sistema capitalista. Visto que os mesmos se viam pressionados pelas reivindicações dos pobres, vendo neste modelo, a chance de conceder o mínimo de direitos aos desafortunados, mantendo, ao mesmo passo, o direito a propriedade e a exploração do capital. 1 Para o presente trabalho, os termos Estado de bem-estar social e Welfare State, serão utilizados sem distinção. 22 Neste sentido: Receosos de o socialismo avançar, pois é a única forma de verdadeira do Estado verdadeiramente público e social estruturalmente, o capitalismo foi cedendo espaços e direitos para os trabalhadores em luta, como é o caso da “mínima renda” como uma forma de acalmar a população e confiná-la nos cantos sociais onde não fosse um estorvo para as atividades lucrativas do capital. Ou seja, os capitalistas estavam assegurados em suas propriedades pela lei do Estado, tratavam então de incluir uma percentagem a mais em suas taxas de lucros e repassá-las pelas forças tributárias para o Estado cuidar da ordem social e das demandas básicas do trabalhador, como previdência, saúde, educação, habitação, etc., que formam os chamados direitos sociais. Fizeram, contudo, com que o povo entendesse isso como uma “providência” e não como um direito. Com isso o capitalismo passou a ideia um sistema humanitário, que não mata os pobres, velhos, doentes, e lhes respeita a vida. Concedendo o mínimo para viver, acreditavam estar garantidos no interesse mais importante para o capitalista: a propriedade e a liberdade para acumulá-la. Ou seja, aos pobres a liberdade de viver com a renda mínima que o capital repassa dos trabalhadores integrados via impostos e ao capital e à liberdade para lucrar com as propriedades. (SILVA, 2014, p. 237). Em síntese, a partir destas premissas, independentemente das reais motivações de sua criação, passamos a entender que o Estado de bem-estar social, surgiu a partir da ausência de intervenção do Estado e abandono quanto aos menos favorecidos, consequência direta da ascensão do Estado liberal. Para uma melhor análise sobre o tema, é necessário discorrer sobre algumas classificações já elaboradas, sendo estas assinaladas por Fiori (apud MACHADO, 2003, p. 86): 1. The residual welfare model of social policy, o padrão ou modelo residual , onde a política social intervém ex-post e possui o caráter temporalmente limitado. Seria o caso contemporâneo dos Estados Unidos. 2. The industrial achievement performance model of social policy, em geral traduzido como modelo ou padrão maritocrático-particularista, onde a política social intervém apenas para corrigir a ação do mercado. O sistema de welfare, nestes casos, é tão somente complementar às instituições de mercado. A Alemanha talvez fosse, hoje, o caso que mais se aproxima deste modelo. 3. The redistributive model of social policy, ou padrão institucional redistributivo, voltado para a produção e distribuição de bens e serviços sociais “extramercado” os quais são garantidos a todos os cidadãos universalmente cobertos e protegidos. Os países nórdicos e a Suécia em particular seriam os países que mais se enquadrariam neste padrão. Segundo Benevides (2011), a implantação do Estado de bem-estar social, sempre sofreu modificações de acordo com as especificidades históricas de cada local, resultando em características diferentes, onde temos alguns destes com políticas sociais mais universais e outros mais focalizados, encontrando também, preponderância do Estado, da família ou do 23 mercado na provisão de bens e serviços, em diferentes níveis de efetividade no combate à pobreza e a desigualdade. Posto isso, vê-se a necessidade de delimitar qual Estado de bem-estar social pretende-se apresentar como modelo ideal para a promoção de uma sociedade igualitária. Assim, destacam-se ao menos duas concepções de bem-estar social aplicadas durante o curso da história. Conforme delimita Kerstenetzky (2012, p. 44): Duas grandes definições de bem-estar social foram identificadas nesse percurso, de acordo com The Handbook of Social Policy. A primeira: “uma condição ou estado do bem-estar humano que existe quando as necessidades das pessoas são satisfeitas, os problemas são administrados e as oportunidades [para que as pessoas satisfaçam seus objetivos de vida] são maximizadas.” A segunda: “um conjunto de serviços providos por caridades e agências de serviços sociais do governo para os pobres, necessitados e vulneráveis.” Portanto, pode-se afirmar que a adoção deste modelo de Estado, ordinariamente, objetiva um Estado de promoção social com políticas voltadas para este fim, abrangendo, contudo, diversas maneiras de aplicabilidade, alguns de uma maneira massiva que são decorrentes de uma política econômica voltada para este fim, enquanto outras são resultados da singela intenção amenizar as desigualdades provocadas pela política econômica liberal. 2.1 O Estado de bem-estar social como modelo político econômico de Estado A teoria de Gunnar Myrdal projeta um modelo político-econômico visando atingir desenvolvimento, desta maneira, para atingir o Estado provedor, deve-se primeiramente propor um modelo de economia para que se possibilite a existência de tal modelo. Segundo Myrdal (1997, p. 25), “a função da ciência econômica é observar e descrever a realidade social empírica, analisar e explicar as relações de causa e efeito entre os fatos econômicos”, sendo que no presente caso, a causa e efeito a serem discutidos serão o alcance das benesses fornecidas pelo bem-estar social. 24 Inegável portando, a influência da economia na busca por um modelo de Estado capaz de atender as necessidades da sociedade. Neste contexto, destaca-se a também a política, que envolve diversas questões, contendo ensejos e planos para as diretrizes a serem adotadas pela sociedade. Nesse sentido, é o entendimento de Myrdal (1997, p. 25) quando aduz: [...] qualquer discussão política subentende determinadas convicções a respeito de fatos e as relações causais entre eles. Os problemas econômicos têm lugar importante na controvérsia política, e os argumentos econômicos são constantemente empregados. Contrastando com os elementos de juízos de valor que também estão presentes nas opiniões políticas, esses argumentos são passíveis de crítica objetiva e podem, por análise científica, ser demonstrados como verdadeiros ou falsos. E todos eles, sem exceção, precisam de suplementação. O princípio básico da discussão, diz respeito aos elementos de juízos de valor presentes nas opiniões políticas de determinada corrente. Tais elementos irão direcionar todas as ações políticas estatais, influenciando de maneira categórica no modelo político econômico a ser adotado. Determinando se o estado será, por exemplo, liberal ou intervencionista. Porém, em tal ponto podemos encontrar a influência dos valores de juízo na escolha da política econômica a ser seguida. Diante disso, A política é uma arte limitada pelo real e pelo possível, e justamente por essa razão pode recorrer à ajuda da ciência econômica. O político pode esperar que o economista explique a situação real e apresente os efeitos de diferentes maneiras possíveis de ação a respeito da mesma situação inicial. Mas o cientista não deve se aventurar além disso. Se pretende ir além, necessita de outra série de premissas que não está à disposição da ciência: um juízo de valor para orientá-lo na escolha dos efeitos que são politicamente desejáveis e os meios possíveis para completá-los. (MYRDAL, 1997, p. 26). A política está inserida no mundo, pairando constantemente em todos os campos de atuação que envolve a sociedade. A economia, neste âmbito, passa a caminhar ao lado da política, tomando forma de acordo com os juízos de valores da corrente política adotada. A partir deste entendimento, de que o modelo de Estado adotado é influenciado pelos valores políticos de juízo, sendo que estes influenciam a política econômica seguida, é que passamos a compreender as razões de um modelo de Estado poder passar a ser meio de inclusão social e provedor de cidadania. 25 Neste âmbito, no tocante à maneira como a política econômica adotada deve comportar-se, Myrdal (1997, p. 165) afirma que: Os meios de satisfazer necessidades são limitados, porém o aumento deles requer esforços adicionais. As necessidades dos homens são ilimitadas e só podem ser satisfeitas de modo incompleto. Assim, a sociedade deve economizar. Como afirma Kerstenetzky (2012, p. 44), “as políticas econômicas são desenhadas primariamente com vistas aos impactos econômicos, mas normalmente têm também impacto social, que pode ou não ser deliberadamente buscado.” Posto isso, pode-se afirmar que o dito bem-estar social, configura-se como um modelo político-econômico de Estado. 2.2. O Estado de bem-estar social, políticas públicas e cidadania Primeiramente, apresenta-se conveniente apresentar uma breve definição a respeito de o que seriam políticas públicas, sendo que estas se caracterizam por ações do Estado, sendo as mesmas, derivadas e motivadas pelas mais diversas necessidades da sociedade: Compreendemos por políticas públicas, em termos ideais, os planos e as ações que nascem do contexto social, mas que passam pela esfera estatal, como uma decisão de intervenção desta numa realidade social, atender demandas, para fazer investimentos ou para cumprir regulamentações administrativas. São as diferentes intervenções do Estado na sociedade, muitas vezes expressas por meio de programas de governo em desenvolvimento ou ação normativa, cujos resultados podem ser medidos tanto pelo ponto de vista do Estado como dos diferentes setores da sociedade. (SILVA, 2014, p. 231). Assim, as políticas públicas desencadeiam-se a partir da execução de atividades estatais, com fim social, que buscam sanar as mais diversas avarias sociais. Neste contexto, o Estado de bem-estar social destaca-se como precursor na promoção de políticas públicas, residindo nestas o cerne das ações deste modelo de Estado. Podemos avaliar, então, que as políticas públicas iniciam-se com o Estado de BemEstar Social, quando foi percebido que era necessário manter um conjunto de ações mais temporárias ligadas às necessidades emergentes da sociedade, e ao mesmo tempo, enquanto não se socializava todas as estruturas do Estado, garantir que certas ações pudessem ser permanentes tanto para aperfeiçoar os aspectos administrativos quanto para garantir um mínimo de distribuição de renda. A luta operária vai forçar a criação de leis que obrigam o Estado a uma intervenção efetiva em diversos setores econômicos, sociais e culturais, de forma a incorporar grupos aos chamados benefícios da sociedade contemporânea. (SILVA, 2014, p. 237). 26 Pode-se afirmar que as políticas públicas, são a materialização das ações de um determinado ente estatal, sendo estas, orientadas pelo seu julgamento de necessidades sociais, assim, o Estado de bem-estar social caracteriza-se como sendo um modelo que utiliza de políticas públicas, através da intervenção estatal, para promover a satisfação dos anseios da sociedade, no que diz respeito às necessidades decorrentes dos direitos sociais inerentes ao homem. Contudo, necessário ter-se em mente os custos sociais para a promoção de tais políticas, bem como, o âmbito em que as mesmas serão aplicadas. Os custos sociais, neste contexto, dizem respeito ao impacto que tais políticas causariam na sociedade, quem seria beneficiado e quem precisa de tal proteção por parte do Estado, ao mesmo passo, incidimos às chamadas necessidades sociais, visando debater o âmbito da aplicabilidade das políticas sociais. As necessidades sociais são tão variáveis quanto às políticas utilizadas para saná-las. Pode-se afirmar que existem necessidades universais, sendo estas, qualquer necessidade que englobe os direitos básicos e inerentes à dignidade da vivência do homem em sociedade. Contudo, em geral, as necessidades sociais, desencadeiam-se a partir da realidade política em que os indivíduos estão inseridos, dependendo, em cada caso, de todas as variáveis possíveis, como o contexto histórico de desenvolvimento da sociedade, bem como a desigualdade econômica. A conclusão a respeito das “necessidades sociais” que um estado do bem-estar deveria satisfazer é que não se trata exclusivamente de prover necessidades materiais, mas de prevê-las por meio de serviços universais que evitem o estigma e contribuam para a construção da identidade das pessoas tendo por referência a comunidade política da qual são membros. Outra implicação é que as intervenções devem ter um caráter principalmente preventivo para contrarrestar as forças de alienação liberadas pela interdependência social e assim facilitar a integração social. Titmuss insiste que é um aspecto distintivo da política social, em comparação com a política econômica, que teria outros propósitos, criar integração e desencorajar a alienação. Em suma, a política social deveria ser administrada como uma ferramenta para a mudança social, não exclusivamente nem principalmente para a adaptação de indivíduos e grupos. (KERSTENETZKY, 2012, p. 24). Assim, podemos concluir que as necessidades sociais abrangidos pelas ações estatais, podem subdividir-se em necessidades materiais e preventivas. A satisfação das necessidades puramente materiais faz com que o Estado deixe de ser provedor, para tornar-se simplesmente assistencialista. 27 Destaca-se ainda, neste âmbito, que a cidadania está diretamente ligada a satisfação das necessidades sociais, as “Necessidades sociais são necessidades oriundas da interdependência social: elas são definidas pela vida em sociedade, como o padrão de vida corrente, e têm sua origem em dependências que são nela criadas” (KERSTENETZKY, 2012, p. 22). Neste sentido, as políticas sociais destacam-se não apenas como um meio de prover cidadania, podendo tornar-se, também, um meio de atingir o desenvolvimento econômico. Portanto, quando falamos que as necessidades sociais devem ser supridas além do âmbito da materialidade, estamos afirmando que as mesmas também devem ser voltadas para a ideia de cidadania, onde a inclusão vai além da posse, mas sim da maneira em que o cidadão está posto dentro daquele conjunto e daquela sociedade. A ideia de que as ações estatais devem suprir mais do que somente as necessidades materiais, mas sim, ser preventivo, demonstra-se demasiadamente superior a qualquer outro meio de política social. As ações de combate às necessidades puramente materiais têm como natureza e efeito, combater apenas as avarias atuais e momentâneas, sem inferir, contudo, na causa dos problemas a serem combatidos. Ou seja, abranger somente as necessidades materiais, colige simplesmente no combate aos efeitos das avarias sociais, enquanto a real efetividade deve dar-se em programas de longo prazo, que combatam a causa dos problemas, impedindo que estes venham a se repetir no futuro. Nesta concepção, entendemos, portanto, que o universalismo das políticas públicas, aparenta ser uma das distribuições mais eficazes, contudo, somente se dada a devida atenção aos grupos mais vulneráveis e que não estão em situação de igualdade em relação ao restante da sociedade, deixando de ser, assim, um universalismo puro, para torna-se um universalismo focalizado. Neste sentido, visando à concepção de que as políticas públicas universais demonstram-se como o meio mais diligente de aplicabilidade de ações, deve levar-se em conta, a importância da focalização destas políticas, visto que o universalismo puro, não cura a desigualdade, mas a mantém. Assim, as políticas públicas devem ter um aspecto seletivo, focalizando os grupos mais vulneráveis e necessitados, visando promover um crescimento 28 uníssono da sociedade, dando mais atenção e assistência, para os mais necessitados, mas sem esquecer, contudo, os demais membros da sociedade. Sobre o tema, discorre Kerstenetzky (2012, p. 27): O desafio não seria escolher entre sistemas universais e focalizados, mas criar uma infraestrutura de serviços universais dentro da qual se possam desenvolver serviços seletivos aceitáveis, como direitos sociais, baseados em critérios de necessidades de categorias, grupos e territórios específicos, e não baseados em testes de meios, portanto, sem promover um “assalto à dignidade humana”, e divisões sociais que gerem dois padrões de serviços para duas nações”. A infraestrutura universal é um pré-requisito para prover um “sistema geral de valores e um sentido da comunidade”, com agências socialmente aprovadas seja como provedoras de serviços, seja como locais de recrutamento, treinamento e disposição de um staff de serviço em todos os níveis, para que a provisão de assistência seja vista como um complemento e uma ferramenta de mudança; e para que serviços seletivos sejam providos como direitos para categorias de pessoas e tipos de necessidades em termos de áreas de prioridade social e outras classificações impessoais. Portanto, defendem-se aqui, não as políticas puramente universais, muito menos as políticas focalizadas, mas sim, políticas universais com um determinado grau de seletividade sempre que houver necessidades mais eminentes, tendo como objetivo a redução da pobreza, e a satisfação das necessidades sociais. Passadas as necessidades e os custos sociais, demonstra-se conveniente a abordagem a respeito dos direitos sociais, elencados e classificados, inclusive, entre os chamados direitos fundamentais: [...] surgidos no início do século passado, por influência da Revolução Russa de 1917 e da Alemã (de Weimar) de 1919, são denominados direitos de crédito, por tornarem os Estados devedores de suas populações, notadamente dos indivíduos trabalhadores e marginalizados, no tocante à obrigação de realizar ações concretas para garantir-lhes um mínimo de igualdade e de bem-estar social (daí a designação de Estado do Bem-Estar Social aos países que adotaram este modelo de Estado) (BESTER, 2005, p. 592). O chamado welfare State demonstra uma relação direta com o acesso à cidadania, sendo o primeiro, um meio de ascensão às determinantes geradas pela segunda. Desta forma, direitos sociais, representam, segundo Marshall (apud KERSTENETZKY, 2012, p. 27), “um direito absoluto a certo padrão de civilização que é condicional apenas à contrapartida de obrigações gerais da cidadania.” 29 Além disso, Para Marshall, o reconhecimento de direitos sociais seria um desdobramento inevitável da ideia de cidadania. O status de cidadania se assenta na noção de igualdade entre os cidadãos. Esta se materializa em direitos civis e políticos iguais. Inexoravelmente, o exercício desses direitos por parte dos cidadãos pressionará pelo “enriquecimento” do conteúdo de cidadania e, portanto, pelo adensamento da noção de igualdade que ela importa. A dinâmica intrinsecamente expansiva da cidadania implicaria ainda incremento numérico daqueles a quem se atribuiria esse status. (KERSTENETZKY, 2012, p. 28). Nesse ponto, visando o acesso pleno à cidadania, deve-se instigar o pensamento a respeito da desigualdade, “Se as desigualdades incomodam porque são injustas, há certa indeterminação a ser resolvida. E aqui parece relevante refletir sobre as desigualdades não tanto como causa de males, mas como consequência de processos e procedimentos.” (KERSTENETZKY, 2012, p. 669). Adiante, pode-se afirmar que o exercício político foi o ponto de ignição para o início das reivindicações por direitos sociais, e consequentemente da efetividade da cidadania plena. Assim, segundo Kerstenetzky (2012), “os compromissos do welfare state são entendidos como compromissos com os cidadãos, a partir de uma concepção principalmente política de cidadania.” Contudo, apesar de todos os benefícios trazidos por este modelo de Estado, também há oposições contra o mesmo. Entretanto, há de ter-se em mente a influência ideológica frente à oposição ao Estado de bem-estar social, visto que ainda predominam diversos pensamentos contrários à intervenção estatal, incidindo na idealização de Estado mínimo, para explicitar esta ideia de influência ideológica, conveniente citar a explanação de Corrêa (1999, p. 27), ao afirmar que “A ideologia, enquanto instrumento de manipulação das massas populares, tem como resultado efetivo a manutenção da ordem social vigente, dentro da qual são defendidos os interesses particulares dos grupos e classe dominantes.” Sobre o tema, a respeito das posições sobre a viabilidade de um estado de bem-estar, Kerstenetzky (2012, p. 27) afirma: Advogados do desenvolvimento econômico que questionam a viabilidade de um estado de bem-estar social normalmente, o fazem a partir da postulação de duas relações de causalidade. De um lado, a proposição de que a introdução de um estado do bem-estar social pressupõe o desenvolvimento econômico: apenas países 30 desenvolvidos podem ter um welfare state. De outro, a afirmação de que a introdução ou incremento de um já existente estado do bem-estar social terá de se haver com o trade of entre crescimento e redistribuição: o gasto público social, sendo economicamente ineficiente, exercerá influência negativa sobre o crescimento econômico. Entretanto, ao mesmo passo em que críticos afirmam a oposição entre o Estado de bem-estar social e o desenvolvimento econômico de uma nação, bem como a aplicabilidade deste modelo de Estado em países economicamente vulneráveis, temos exemplos de sucesso em ambos os quesitos. A exemplo disso, inevitável não fazer menção aos países escandinavos, posto que os mesmos sejam exemplo e modelo, quando falamos na aplicabilidade de políticas sociais universais em um Estado de bem-estar. Em suma, as políticas sociais nórdicas de “redistribuição eficiente” produziram efeitos econômicos, seja da perspectiva da oferta (maior participação no trabalho, investimento precoce na capacidade produtiva do trabalho e incremento da produtividade), ou da demanda (emprego público nos serviços sociais, elevação do consumo agregado, suavização do consumo); seja, ainda do funcionamento dos mercados (redução da incerteza, redução custos de transação) e de sua própria legitimação. E elas o fizeram assegurando direitos sociais universais. Tendo sido introduzidas nos estágios iniciais do desenvolvimento desses países, as políticas sociais beneficiaram o processo ao mesmo tempo em que desfrutam de custos relativamente baixos. Esse resultado é especialmente alvissareiro para países em desenvolvimento, os quais, como nota Martins (op. cit.), poderiam privilegiadamente investir nos serviços sociais intensivos em trabalho, o fator relativamente, barato. (KERSTENETZKY, 2012, p. 47). Todavia, demonstrando-se contrário às afirmações das criticas liberais, as políticas do bem-estar social, confirmam-se eficazes em diversos setores, promovendo a redução da pobreza, da desigualdade, e, inclusive, o desenvolvimento econômico, sendo este o principal ataque daqueles que se opõem ao modelo. Assim, quanto à viabilidade da aplicabilidade do estado de bem-estar, há diversas divergências quanto ao o que seria viável ou possível. Há afirmações de que o mesmo só poderia ser aplicado em países desenvolvidos, contudo, deve levar-se em conta que mesmo os países desenvolvidos, adeptos destas políticas, em algum momento já estiveram em situação de vulnerabilidade econômica, “na realidade, todos os países inovadores em políticas sociais estavam nessa condição.” (KERSTENETZKY, 2012, p. 27). Em realidade, um dos principais objetivos do Welfare State, está na redução da desigualdade de renda e da pobreza, garantindo segurança econômica aos indivíduos e acesso 31 aos serviços estatais. Contudo, um alto nível de desigualdade e pobreza, podem representar, segundo Benevides (2011, p. 54), “um desafio para o Welfare State, pois ocasiona a marginalização de alguns grupos do acesso à provisão de bem-estar, e ainda têm outras consequências para o próprio Estado de Bem-Estar Social”, trazendo à tona, questões como o financiamento das benesses estatais e da legitimidade do modelo de Estado. Contudo, no que diz respeito à legitimidade do Estado de bem-estar social, deve ter-se em vista que a própria população que se beneficia dos serviços oferecidos pelo Estado, manterá o apoio necessário ao sistema, eis a demonstração da importância de políticas sociais universais que compreendam toda a sociedade, visto que, por exemplo, se uma grande parcela da classe média utilizar-se dos serviços públicos, deixando de utilizar os serviços da iniciativa privada, não haverá qualquer motivação aparente para não contribuir com a tributação necessária para a manutenção do sistema em questão. 32 CONCLUSÃO As relações humanas, no âmbito estatal, caracterizam-se de diversas maneiras, sendo influenciadas, muitas vezes, pela exploração do homem pelo sistema criado por ele mesmo. Desta maneira, surge a necessidade da criação de meios para sanar as consequências prejudiciais do aparelho estatal. A desigualdade é um fator estimulante para as mudanças de um modelo de exploração que cria sujeitos economicamente vulneráveis, fazendo com que almejemos uma evolução da sociedade em que vivemos. A evolução da sociedade, neste sentido, deve ser pautada e visar premissas essenciais, destacando-se o acesso pleno à cidadania. Desta forma, o acesso pleno à cidadania deve ser arrolado como um objetivo permanente e inerente à evolução das relações humanas no âmbito estatal. É a humanização das relações do homem que tornam este objetivo tão crucial. Tendo em vista a vivência dentro de um sistema predominantemente neoliberal, dominado pela exploração do capital, e consequentemente da exploração do homem pelo homem, visando simplesmente o acumulo de riquezas, vemos a necessidade de interferência estatal nas relações econômicas e sociais, bem como, a necessidade vital de combater este sistema de exploração. Contudo, há de se considerar a força da dominação e imposição do neoliberalismo, não havendo qualquer perspectiva de mudança, se não pela discussão das premissas impostas por este sistema. O socialismo, como alternativa ao Estado liberal, conforme demonstra a história, se apresentou diversas vezes como instrumento de mudança, restando, contudo, ineficaz. Assim, destaca-se o Estado de bem-estar social, demonstrando-se como o modelo de Estado mais eficaz em alternativa ao modelo neoliberal. 33 O Estado de bem-estar social, conforme demonstrado, desencadeia diversas premissas. A utilização de políticas públicas universais, com um determinado e coerente grau de seletividade aos mais necessitados, bem como a aplicabilidade de serviços públicos universais de qualidade, resulta na eminente eficácia deste sistema, derivando a máxima de que quanto maior a aplicabilidade deste modelo, menor a pobreza e a desigualdade. A partir desse estudo, verifica-se que Estado de bem-estar apresenta características essenciais para a construção de alternativas para o acesso à inclusão social e a cidadania, em razão de utilizar de políticas publicas voltadas para os direitos sociais, qualificando-se, na busca do modelo de Estado mais adequado quando buscamos uma alternativa ao neoliberalismo. A principal justificativa para o tema proposto é o anseio e a necessidade de um Estado provedor de inclusão social e cidadania. Na medida em que evoluímos como sociedade, percebe-se que há direitos inerentes ao homem, devendo estes ser não só resguardados, mas também providos pelo Estado. Em tal contexto, a temática possui fundada importância quando posta perante a sociedade desigual, em que estamos inseridos. Em contrapartida, encontramos no Estado de bem-estar social, um modelo de Estado político-econômico capaz de prover os anseios da sociedade, fazendo com que a promoção social, a partir deste conceito, passe a ser uma função do Estado como agente interventor, à promoção da cidadania. Insta mencionar, ainda, nossa responsabilidade enquanto sociedade, e promotores das mudanças sociais de nosso próprio tempo, defender as mudanças necessárias à evolução e desenvolvimento da sociedade em que estamos inseridos. Assim, concluindo, tendo em vista a incessante busca de um modelo ideal no que diz respeito às ações do Estado, denota-se a eficácia deste sistema, caracterizado pela força de intervenção estatal nas relações humanas quanto à distribuição de renda e prestação de serviços, e consequente acesso à cidadania, como modelo ideal de Estado no mundo contemporâneo, como principal oposição ao modelo liberal e às mazelas sociais provocadas pelo mesmo. 34 REFERÊNCIAS BENEVIDES, Claudia do Valle. Um Estado de bem-estar Social no Brasil?. Dissertação de Mestrado. Faculdade de economia da UFF. 2011. Disponível em: <http://www.proac.uff.br/cede/sites/default/files/EBES_no_Brasil__2_dissertacao_benevides. pdf>. Acesso em: outubro de 2016. BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Editora Manole, 2005, v. 1. CORRÊA, Dacísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas. Ijuí: Editora Unijuí, 1999. ______. Estado, cidadania e espaço público: s contradições da trajetória humana. Ijuí: Editora Unijuí, 2010. KERSTENETZKY, Celia Lessa. Por que se importar com a desigualdade. Dados – Revista de Ciências Sociais, v. 45, n. 4, p. 649 m-675, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/dados/v45n4/a04v45n4.pdf>. Acesso em: agosto de 2016. ______. O Estado do bem-estar social na idade da razão. São Paulo: Elsevier Editora, 2012. MACHADO, Aquidaban F. Políticas públicas no estado do bem-estar social e no neoliberalismo. In: Direito em debate. 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