histórias de tácito: um estudo do poder imperial de vitélio

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HISTÓRIAS DE TÁCITO: UM ESTUDO DO PODER IMPERIAL DE
VITÉLIO
doi: 10.4025/XIIjeam2013.ceola.venturini9
CEOLA, Adriele Andrade1
VENTURINI, Renata Lopes Biazotto2
O Imperium Romanum teve seu início efetivo com o principado, aproximadamente
no ano de 27 a. C. quando Otávio Augusto foi proclamado imperador. O período se
manteve sem maiores tensões até aproximadamente o século III d. C., quando as crises
começam ameaçar as instituições organizadas. No entanto, a palavra Imperium, não possui
um sentido que o defina completamente, pois pode significar tanto as extensões territoriais
e os domínios romanos, quanto o poder de quem o governasse, constituindo uma expressão
utilizada desde o período da res publica.
O historiador francês Pierre Grimal (1999) apresenta uma definição do termo
imperium mostrando sua complexidade; ele possui conotação diferente daquela que
atribuímos atualmente, bem como não está ligado necessariamente à tirania, embora
saibamos que Tácito nos mostrará que essa não esteja ausente no exercício do poder
imperial. Nas palavras de Grimal o termo
Designa uma força transcendente simultaneamente criativa e reguladora,
capaz de agir sobre o real, de o submeter a uma vontade. É assim que o
proprietário de um terreno, que o desbrava e o cultiva para depois colher,
ou poda numa vinha os ramos supérfluos, conservando apenas os
sarmentos nos quais se formarão os cachos, exerce o seu imperium.
Havendo constrangimento, este é criativo. Não é o fim em si. O imperium
nunca é uma tirania gratuita. (GRIMAL, 1999: 09).
Os anos de maior tranquilidade em Roma, conforme Maria Helena da Rocha
Pereira (1984), ficou conhecido como a pax romana, porém essa relativa tranquilidade, não
significa o fim dos conflitos então existentes, pois o Império sempre buscou estender seu
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PIBIC/AF/LEAM/UEM
DHI/PPH/LEAM/UEM
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território, assim como foi maleável em concessão das cidadanias. No entanto, os estudos
abordam que até mesmo os simbolismos tentavam expressar a paz, ocorrendo um grande
investimento na cultura e intelectualidade romana do período.
Por conseguinte, Gèza Alfoldy (1989), abrangendo a pax romana no sentido mais
político e econômico, nos apresenta a informação de que em relação à República, o sistema
econômico permaneceu fortemente agrário, posto que tenha ocorrido um aumento na
produção, bem como as instituições políticas, não se alteraram em sentido radical. Assim,
ele aponta como maiores mudanças à implantação de uma monarquia imperial e também a
concessão de cidadania romana aos provinciais.
Todavia, por mais tranquilidade que o imperium assegurasse, permanecia constante
na mentalidade romana, o desejo de retorno a Res Publica. Dessa forma, Pierre Grimal
(1990), coloca que Roma, teoricamente perdeu sua Libertas, assim que Augusto foi
aclamado imperador. No entanto, isso não significa que o Império foi sinônimo de servidão
profunda, pois o termo “libertas”, tal qual “imperium” é muito difícil de definir, porém o
que permanecia latente era a seguinte visão
O Imperium colocava, pois, os cidadãos numa situação de dependência
total e, se quisesse de escravidão em relação ao rei. Quando exercido em
toda sua plenitude, suprimia toda libertas. O direito de apelação a
restituída, colocando um limite a eventuais excessos, se tudo dependia da
boa ou má vontade de uma única pessoa. (GRIMAL, 1990: 29)
Dessa maneira, o governo ideal seria a República, onde o poder permanecia
dividido entre as magistraturas, a fim de evitar a tirania provocada quando o poder
estivesse confinado a uma só pessoa, a vista que originalmente as leis que regiam sobre a
república eram criadas pelo povo, que eram representados pelos magistrados.
Etimologicamente, Res Publica, significa tudo aquilo que é público, pois de acordo com
Norma Musco Mendes (2006), os romanos não possuíam nomes para definir seu modelo
político.
Após a morte de Caio Júlio César, no ano de 44 a.C., não foi possível o retorno a
tão desejada República. Com o Império, o princeps detinha o cargo político do mais alto
grau entre as magistraturas. Deter o imperium significava possuir tribunicia potestas, para
promulgar qualquer medida que lhe bastasse para proteger os cidadãos romanos, bem
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como o pontificatus maximus, ou seja, mediar os deuses e os homens, sendo o imperador
designado Pater Patriae.
Na qualidade de detentor do imperium proconsulare majus, governava as chamadas
províncias senatoriais em conjunto com os magistrados nomeados pelo senado, através dos
seus legados exercia o comando supremo do exército romano, pois se tornou o principal
chefe militar, comandava todas as legiões e tinha sua tropa sempre ao seu lado (MENDES,
2006: 33).
Poder Imperial em Tácito
As informações a respeito de L. Publius Cornelius Tacitus são escassas, tendo em
vista que as fontes que nos informam a seu respeito são limitadas, com isso os dados que
obtemos são de algumas colocações no interior de suas próprias obras, ou de fontes
indiretas, como no caso de Plínio, o jovem, que faz menções do pensador em seus escritos.
Dessa forma, sua data de nascimento é aceita, pelos estudos atuais, por volta do ano
55 d. C. e de sua morte em torno do ano de 120 d. C.. De origem equestre, acredita-se que
seja proveniente da província da Gália. Logo, Ettore Paratore (1983) faz a seguinte
afirmação para enfatizar a obscuridade da vida de Tácito
De Cornélio Tácito ignoram-se o praenomen, a pátria, as datas de
nascimento e da morte; e continua ainda a discutir-se acerca da
autenticidade da primeira obra a ele atribuída. (PARATORE, 1983:721)
Tácito teve uma vida política ativa, dando início a seu cursus honorum como
advogado, se destacou por sua oratória e exerceu o cargo de tribuno militar. Contudo,
começou a ganhar notoriedade no ano de 78 d. C. devido à influência de seu sogro Cn.
Júlio Agrícola. Sendo assim, no ano de 79 d. C alcançou o posto de questor, ainda no
governo de Vespasiano, no ano de 88 d. C. no principado de Domiciano atingiu a pretura,
no ano de 89 d. C. foi designado para funções na Germânia. Já no ano de 97 d. C., no
governo de Nerva e Trajano se tornou cônsul e procônsul e no ano de 112 d. C. atingiu o
posto de governador da Província da Ásia.
Podemos mencionar que Cornélio Tácito não foi somente um homem político, visto
que escreveu diversas obras, com estilos e assuntos variados. No entanto, suas obras
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sempre se atentaram para as vulnerabilidades de Roma, sendo as principais: Diálogo de
Oradores, Germânia, Vida de Júlio Agrícola, Histórias e Anais.
A obra selecionada para nosso trabalho intitula-se Histórias, tida como continuação
dos escritos de Anais, embora tenha sido produzida anteriormente, entre os anos de 104 –
109 d. C.. Constitui uma das maiores obras de Tácito, sendo atualmente classificada como
“monumental”, devido seu conteúdo ser narrado de maneira lenta, abordando uma análise
dos governos de Galba até ascensão de Trajano. Embora pretendesse uma imparcialidade
deixou transparecer seu julgamento a respeito dos déspotas. Para Arnaldo Momigliano
O que possuímos das Historiae é um quadro de uma guerra civil em que
os líderes não são mais e talvez até menos importantes do que a multidão
– soldados provinciais, plebe romana. Nos Annales, a perspectiva muda.
As personalidades do imperador e de suas mulheres, e de alguns poucos
generais e filósofos dominam o cenário. (MOMIGLIANO, 2004:163)
Dessa maneira, baseado em suas interpretações, Tácito faz uma denúncia ao
despotismo do poder imperial, pois o que designava o bom governante era a boa conduta.
O princeps deveria possuir virtudes, sendo as principais: sapientia, justitia, clementia,
gravitas e pietas. Assim, a autoritas do imperador possuía o mesmo princípio do patronato,
pois por ser detentor das virtudes e por realizar boas obras para os cidadãos e
consequentemente ser o mais rico, os demais ficavam devendo-lhe o officium em sinal de
gratidão (MENDES, 2006: 40).
Portanto, o que percebemos na perspectiva de Tácito acerca do principado, o
homem político ideal estava longe dos modelos dos governos tratados pelo historiador. Sua
narrativa apresenta uma descrição da falsa liberdade que o Imperium demonstrava, e seu
objetivo era desmascarar o governo imperial, que se encontrava com as bases
enfraquecidas, pois se mantinha na corrupção, hipocrisia e crueldade, enquanto os
senadores constituíam uma organização com pouca autoridade, por isso é comum seus
elogios se direcionarem a figuras individuais.
Muito embora possamos identificar um otimismo moderado a respeito do
principado no decorrer da obra, percebemos uma avaliação negativa demonstrando que a
tirania dos imperadores deixou de ser fato isolado, ou seja, a liberdade deu lugar à
adulação, ficando mais distante o retorno à República. Para exemplificar, podemos colocar
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as seguintes palavras de Tácito (Livro I: II): “Empreendo a história de uma época fértil em
desastres: batalhas atrozes, sedições, crueldade até mesmo na paz.”.
Portanto, escolhemos para essa comunicação a análise do Imperium do princeps
Aulus Vitelius, entre os três imperadores que governaram no período anárquico entre os
anos de 68 e 69 d. C.. Vitélio nasceu no ano 15 d. C. e faleceu no ano de 69 d. C.,
provavelmente em Roma. Estabeleceu uma carreira política, alcançando os cargos de
cônsul e governador da província da África, no qual se demonstrou pouco interessado, sua
reputação foi conquistada com os cargos administrativos que exerceu em Roma.
De acordo com o livro I, encontrado nas Histórias, Vitélio não constituiu um bom
governante, sendo caracterizado como cruel e medíocre. A respeito disso, podemos
identificar um grande pessimismo do autor frente à figura do princeps, no qual ele
demonstra constantemente uma imagem negativa. A respeito do imperador, Tácito escreve
[...] Nas guerras civis, a pressa é a melhor das seguranças, porque se tem
necessidade antes de agir, deliberar. Vitélio permanecia no seu torpor e já
antegozava a sua situação de imperador, deixando-se levar pela
indolência e pelos excessos a mesa. Ao meio-dia, já estava ébrio e pesado
de comida. Contudo, o ardor e a energia dos soldados supriam a inação
do chefe e era como se o imperador, com sua presença encorajasse os
bravos e ameaçasse os covardes. Enfileirados e atentos, os soldados
esperavam o sinal da partida. Desde esse momento Vitélio recebeu o
sobrenome de Germânico; mas, mesmo depois da vitória e recusou o de
César [...]. (Tácito. Livro I: LXII)
Em suma, no decorrer das Histórias, é visível o pessimismo e a crítica que Tácito
realiza diante ao despotismo tão comum durante o Império, não fugindo a isso, é notável
essa depreciação na figura de Vitélio. Todavia, não podemos nos esquecer de que o
pensador é contemporâneo aos seus escritos, portanto não era contra o poder imperial, a
vista que fazia apenas denúncias, contudo sua visão, por vezes foi tendenciosa para alguns
imperadores aos quais ele considerou “bom”.
REFERÊNCIAS
Fonte impressa
TÁCITO, Públio Cornélio. As Histórias. Trad. de Berenice Xavier. Rio de Janeiro:
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