Análise da Infraestrutura Urbana do Loteamento Bem-Te-Vi da Cidade de Portão/RS Julian Grub (1); Alcindo Neckel (2); Jéssica Portella (3) (1) Arquiteto, Doutorando em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. E-mail: [email protected] (2) Geógrafo/Gestor Ambiental. Doutor em Geografia. Professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade - IMED, Brasil. E-mail: [email protected] (3) Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo, IMED, bolsista FAPERGS/PROBITI. E-mail: [email protected] Análise da Infraestrutura Urbana do Loteamento Bem-Te-Vi do Município de Portão/RS Resumo: A pesquisa mostra estratégias que são consideradas sustentáveis em um projeto, tendo como base a urbanização de um loteamento de interesse social, colaborando com a infraestrutura urbana nas variadas redes de projeto. Esse estudo é baseado em um loteamento popular de interesse social localizado na cidade de Portão, no estado do Rio Grande do Sul. A estrutura foi construída com verbas estaduais do pró-moradia, do Programa de Subsídio à Habitação, e por recursos municipais. Foi possível observar, na questão física e ambiental do loteamento, deficiências na implementação da infraestrutura, pela falta de planejamento, ausência de critérios de projeto mais humanizados e voltados ao uso do espaço público, influenciando a qualidade de vida dos moradores. Por fim, é apresentado um exemplo de projeto de loteamento de interesse social de forma a colocar em prática os conceitos e as investigações realizadas neste trabalho, lançando sob os aspectos sustentáveis estratégias de desenho urbano. Acredita-se que a pesquisa, aqui apresentada, proporcionará discussões sobre o tema e dará subsídios aos projetos de urbanização referentes a assentamento humano, considerando baixo impacto ambiental e qualidade de vida da população. Palavras-chave: Loteamento; Infraestrutura; Qualidade de Vida. Abstract: Research shows strategies that are considered sustainable in a project, based on the urbanization of a blend of social interest, collaborating with diverse networks in urban infrastructure design. This study is based on a popular social interest housing development located in Gate in the state of Rio Grande do Sul. This structure was built with funds from the State Pro-housing Program, Subsidized Housing and Municipal resources. Observed in the physical and environmental issue of allotment deficiencies in the implementation of infrastructure, lack of planning, lack of design criteria aimed at more humanized and use of public space, influencing the quality of life of residents. Finally an example of project allotment of social interest in order to put into practice the concepts and investigations in this work, launching under the sustainable aspects of urban design strategies is presented. It is believed that the research presented here will provide discussions on the topic and give subsidies to urbanization projects related to human settlement, considering low environmental impact and quality of life. Keywords: Allotment; Infrastructure; Quality of Life. 1. INTRODUÇÃO Um dos principais e mais graves problemas no Brasil é a carência de moradias (OLIVEIRA, 2001). Dessa forma, a demanda por infraestrutura é favorecida pela expansão urbana (ANDRADE, 2005). De acordo com dados do censo brasileiro realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do total de domicílios particulares permanentes e existentes, 91,9% são servidos por abastecimento de água e 75,3% por coleta de esgoto (IBGE, 2010). As residências instalam-se primeiro em áreas periféricas pouco adensadas, mesmo com uma infraestrutura urbana precária. A concentração populacional nessas áreas urbanas aumenta a demanda habitacional e a expansão. Isso faz com que as áreas de reservas naturais sejam prejudicadas (ROMERO, 2003). Desse modo, quais as estratégias de projeto para a infraestrutura, sob parâmetros de sustentabilidade urbana a serem adotadas para a minimização de problemas territoriais de expansão urbana? As preocupações voltadas às questões socioambientais delimitam uma nova forma de adoção de técnicas projetuais para loteamentos de interesse social. O tema desse trabalho científico partiu de questões como assentamento humano, infraestrutura e impacto ambiental. Romero e Vianna (2002) e Azevedo (1982) destacam que a falta de critérios de projeto na implementação da infraestrutura urbana é resultante da diminuição da qualidade de vida dos centros urbanos, criados em espaços deficientes, com a desordenada ocupação e a alteração na paisagem natural. A preocupação urbano-ambiental já era demonstrada pelo Governo Federal, tanto que a Lei n. 6.766, de 1979, no que diz respeito à alteração do quadro das cidades, estabeleceu padrões mínimos de qualidade ambiental e de vida das cidades necessários para a implantação dos loteamentos urbanos, visando ao crescimento da população brasileira. A pesquisa tem como objetivo geral analisar a infraestrutura urbana sob parâmetros de sustentabilidade em um loteamento popular de malha tradicional (grelha), no município de Portão/RS. 2. METODOLOGIA A pesquisa mostra, de forma teórica, os conceitos e os procedimentos metodológicos de avaliação pós-ocupação aplicados em complemento ao levantamento técnico da infraestrutura do loteamento e seu funcionamento e a satisfação dos usuários. Essa pesquisa se trata de forma descritiva, com caráter exploratório e qualitativo. Assim, o processo da pesquisa deu-se por meio de revisão bibliográfica e estudo de caso. No estudo de caso, foi analisado um projeto de loteamento popular de malha tradicional (grelha), no município de Portão RS. Os dados obtidos dos documentos do loteamento foram coletados por pesquisa dos elementos gráficos (mapas, projeto urbano e arquitetônico) junto à Prefeitura Municipal de Portão/RS. Os dados coletados referem-se ao loteamento Bem-Te-Vi, da cidade de Portão/RS. A amostragem é de 297 lotes ocupados por residências unifamiliares do loteamento. Tornou-se fundamental o conhecimento antecipado da realidade do usuário com suas expectativas e a realidade cultural em relação ao projeto. Indicou-se, para isso, em uma avaliação geográfica, algumas características da pós-ocupação. A escolha da área de estudo abrange duas questões: os novos centros urbanos “dormitórios”, em função da proximidade dos grandes centros e o problema com o déficit habitacional. De acordo com o PLHIS (Plano Local de Habitação de Interesse Social) da cidade de Portão (PORTÃO, 2009), serão necessários aproximadamente 23 milhões de reais para extinguir as necessidades habitacionais do município e de infraestrutura urbana. Esse valor é baseado na construção de 687 novas habitações. Isso seria 7,13% do total de moradias que já existem, além das ampliações e melhorias de outras 1.155 moradias e a regularização de 1.883 imóveis. Os dados levantados pelo PLHIS mostram que, até o ano de 2020, novas demandas habitacionais e de infraestrutura urbana da cidade resultarão em investimentos de 108 milhões de reais. A necessidade da criação de novas áreas urbanizadas deve ser repensada prevendo maior qualidade de aspectos físicos e humanos. O município de Portão/RS possui área de 159,94 km² e população de 29.012 habitantes. Localiza-se em Região Metropolitana (Figura 1), limitado pelos seguintes municípios: ao sul com Nova Santa Rita; a leste com Estância Velha e São Leopoldo; ao norte e nordeste com Lindolfo Collor e São José do Hortêncio; ao sudeste com Sapucaia do Sul; e a oeste com São Sebastião do Caí e Capela de Santana. Figura 1: localização da Região Metropolitana e do Município de Portão. Fonte: adaptado de Portão (2010). O abastecimento da água via poço artesiano atinge 76% do município e 67% da sede urbana. O uso da fossa séptica na rede de esgoto sanitário representa 75% dos domicílios, sendo 80% na zona urbana e 49% na zona rural, conforme apontado pelo estudo. O loteamento BemTe-Vi foi escolhido em função da sua importância histórica, tendo em vista que foi o primeiro loteamento de interesse social, e pela importância socioeconômica, por ser o maior loteamento de cunho social de Portão/RS. Ainda, elegeu-se tal loteamento em razão de seu traçado em grelha, por ser um loteamento em um bairro consolidado e pelo período de consolidação dos moradores, tendo-se conhecimento das necessidades, das deficiências e das potencialidades do loteamento. O local onde hoje é o loteamento Bem-Te-Vi, em Portão/RS, foi ocupado a partir de 1997 e concebido em 1993, localiza-se em área de terras urbanas, possui 100.004,37 m² de área e está situado na região sul do Município de Portão/RS (Figuras 2 e 3). É composto por 297 lotes, onde estão localizadas 297 casas. Do total, 184 lotes são regulares e 115 são irregulares. Figura 2: mapa Aéreo – Situação e acesso do loteamento. Fonte: GOOGLEMAPS (2010). Figura 3: mapa Aéreo – Localização do loteamento. Fonte: GOOGLEMAPS (2010). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO O projeto foi implementado de forma a separar a interação dos moradores. Esse modelo de ocupação não valoriza o espaço de uso coletivo, pois se encontra na borda do loteamento. A única via coletora do loteamento, denominada Rua Cabriúva, fica perpendicular às vias locais. Ela se liga ao grande eixo de deslocamento, a Rua Morretinhos, que serve como um elo entre muitos bairros da cidade, e também com a Rodovia RS 240. No entorno imediato, encontra-se, a oeste, o bairro São Jorge, e, a leste, um assentamento irregular, em uma porção mais baixa e com grandes problemas de infraestrutura (Figura 4). Figura 4: mapa Aéreo – Zoneamento Loteamento Bem-Te-Vi. Fonte: adaptado de GOOGLEMAPS (2010). A morfologia adotada de traçado regular é frequentemente utilizada nesse tipo de empreendimento e tem como objetivo facilitar a execução da infraestrutura e reduzir os custos de implantação. O relevo onde se localiza o loteamento é praticamente todo alterado em termos de cobertura vegetal nativa, e levemente ondulado. Analisando a implantação do loteamento com curvas de nível, a cota de nível mais alta no loteamento é 42 de altitude, e a mais baixa é 32 m, proporcionando pontos de alagamento nesse nível. Os lotes foram distribuídos de forma paralela às curvas de nível, minimizando cortes e aterro, conforme Figura 5. Figura 5: Implantação: declividade Loteamento Bem-te-vi. Fonte: adaptado Prefeitura Municipal de Portão. A água tratada que abastece o Loteamento Bem-Te-Vi é fornecida pela Companhia RioGrandense de Saneamento (CORSAN). O traçado utilizado no eixo da via do loteamento é do tipo rede aberta. A rede primária, localizada na Rua Cabriúva, e a secundária, nas demais ruas locais, tornam o sistema de baixo custo de implantação, mas com problemas de manutenção. Como parte significativa da população, 60,9% dos moradores declararam o serviço como bom, enquanto 26,1% se mostraram insatisfeitos na avaliação, atribuindo o grau ruim. Esses dados mostram a irregularidade no abastecimento de água confirmado nas reclamações relatadas nos questionários e por dados fornecidos pela Corsan. Observou-se que, do total dos 297 lotes, 12 ainda são abastecidos pelo sistema de poço artesiano. Baseando-se em estudos referentes ao esgotamento sanitário do Loteamento Bem-TeVi, as ligações existentes nesses domicílios possuem algum tipo de esgotamento sanitário: rede coletora, fossa séptica e outros tipos. Os resultados referentes à avaliação pós-ocupação para o esgotamento sanitário apontaram os seguintes dados: bom - 60,9%, ruim - 21,7%, 13% - ótimo e 4,3% - péssimo. Figura 6: implantação - lotes atendidos por rede de esgoto no Loteamento Bem-Te-Vi. Fonte: adaptado da Prefeitura Municipal de Portão. O Loteamento Bem-Te-Vi segue o sistema convencional de drenagem pluvial, formado por 53 bocas-de-lobo e poços de visitas, condutos de ligação, galerias, meio-fio e sarjetas, somando 3.690 mL. A altura média do meio-fio das vias locais retiradas do eixo da quadra é de 13 cm. A Figura 7 representa as ruas que possuem drenagem pluvial e as que não possuem. Figura 7: implantação - drenagem pluvial do Loteamento Bem-Te-Vi. Fonte: adaptado da Prefeitura Municipal de Portão. Figura 8: implantação - pavimentação do Loteamento Bem-Te-Vi. Fonte: adaptado da Prefeitura Municipal de Portão. A Figura 8 apresenta, na cor verde, as vias que são revestidas com pedras irregulares, somando um total de 1.211,51m lineares do material. Nessas ruas, o passeio público possui revestimento de cobertura vegetal rasteira. Dessa forma, a cobertura de grama é o revestimento mais utilizado, econômico, facilita a permeabilidade das águas da chuva, mas, por não permitir uma homogeneidade de percurso, dificulta a mobilidade, também em função da irregularidade dos níveis e da pouca largura do passeio nas vias locais. A cobertura com grama nos passeios é padronizada no loteamento (Figura 9). Figura 9: passeios “verdes”, opção econômica. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A falta de critérios de projeto na implementação da infraestrutura urbana é significativa no Loteamento de Interesse Social Bem-Te-Vi, da cidade de Portão/RS. Esse aspecto se fez presente quando da análise e da revisão teórica dos sistemas alternativos voltados à rede de infraestrutura. Essa falta de critérios de projeto afeta a qualidade de vida dos moradores do município. Espera-se que as informações obtidas possam contribuir para um maior embasamento no processo projetual de loteamentos urbanos e auxiliar nas pesquisas de infraestrutura, permitindo traçar cenários de urbanização de qualidade voltados à busca de melhores condições econômicas, sociais e ambientais. 5. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Liza Maria Souza. Agenda Verde X Agenda Marrom: Inexistência de princípios ecológicos para o desenho de assentamentos urbanos. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Brasília: Universidade de Brasília, 2005. AZEVEDO, Sergio De. Habitação e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. BRASIL. Lei nº 6.766. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano (modificada pela Lei 9785/99). Brasília, 1979. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao/>. Acesso em: 04 dez. 2014. FUCK JÚNIOR, S. C. F. . As condições desiguais de acesso à moradia em Fortaleza, Brasil. Scripta Nova (Barcelona), Barcelona, Espanha, v. VII, n. 146, p. 146 (086), 2003. Disponível em: <www.ub.es/geocrit/sn/sn-146(086)>. Acesso em: 15 mar. 2009. IBGE. Censo Demográfico 2010: resultados <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 04 abr. 2014. do universo. Disponível em: MOORE, Gary T. Estudos de comportamento ambiental. In: SNYDER, James C.; CATANESE, Anthony (coord.). Introdução à arquitetura. Rio de Janeiro: Campus, 1984. OLIVEIRA, Isabel C. E. Estatuto da Cidade, para compreender. Rio de Janeiro: IBAM/ DUMA, 2001. PORTÃO. Prefeitura Municipal de Portão. Disponível em: <www.portao.rs.gov.br>. 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