PIB: a tragédia consumada

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PIB: a tragédia consumada
07.03.17
Por Cristiano Romero
A contração de 3,6% da economia brasileira em 2016, com recuo de 4,4% da renda per capita
em termos reais (já descontados os efeitos da inflação), é a consumação da tragédia
provocada pela miríade de equívocos da política econômica do governo Dilma Rousseff (20112016).
O péssimo resultado veio depois de uma queda de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em
2015, com redução de 4,6% na renda per capita, e crescimento pífio de 0,5% em 2014. O
triênio 2014-2016, que bem pode ser chamado de a "grande recessão brasileira", é algo que
precisa ser estudado e lembrado com insistência para que ninguém se esqueça do mal que um
único governo pode infringir a um país.
A crise que gerou a "grande recessão" não foi provocada por um evento externo, como
ocorreu praticamente em todas as turbulências atravessadas pelo Brasil. A causa está aqui
dentro. Seu nome, segundo seus próprios autores, é: Nova Matriz Econômica.
Baseados na ideia de que a economia brasileira padecia de um equilíbrio macroeconômico juros altos e câmbio apreciado - que a condenava a baixas taxas de crescimento, os
economistas de Dilma buscaram o equilíbrio oposto - juros baixos e câmbio desvalorizado.
Para chegar a esse equilíbrio, o Banco Central (BC) baixou os juros na marra e o Ministério da
Fazenda adotou uma série de medidas para forçar a alta do dólar. Combater a inflação, claro,
tornou-se um objetivo secundário, por isso, ela foi a quase 11% em 2015. A taxa básica de
juros de fato caiu rapidamente e a taxa real chegou a se aproximar de 2% ao ano. O câmbio
também andou, mas, num dado momento (segundo semestre de 2012), o BC teve que
administrá-lo, tornando-o praticamente estável, dada a dificuldade de mantê-lo desvalorizado.
Todo empresário sonha com juros baixos e real fraco, especialmente o brasileiro, acostumado
com juros altos e real valorizado. Mas todo empresário gosta também de previsibilidade.
Percebe-se - e vai sempre perceber - que a política econômica é inconsistente, desequilibrada
ou insustentável, sua tendência é não investir. Já em 2012, quando a Nova Matriz mostrou sua
inconsistência, o setor produtivo pisou no freio. O então governo, numa reação mais rápida
que a esperada, entrou em modo "pânico" e começou a adotar uma série de medidas
heterodoxas para tentar manter os preceitos básicos da nova política e, assim, mover o PIB congelou os preços dos combustíveis, reduziu artificialmente a tarifa de energia elétrica,
aumentou os subsídios ao crédito e ao consumo etc. Quando constatou que os investimentos
continuavam tímidos, o governo partiu para seu último recurso: a redução drástica do
superávit primário das contas públicas, que não inclui os gastos com juros e é usado para
abater a dívida, diminuindo-a como proporção do PIB. Diante do fato de que isso também não
estava adiantando muito, a equipe econômica de Dilma cometeu um erro brutal ao liberar os
Estados da necessidade de cumprimento do superávit primário, sob a promessa de que a
União aumentaria seu esforço na mesma proporção.
A tese por trás dessa manobra era a de que os governos estaduais incrementariam os gastos
com obras, ajudando a movimentar a atividade. Ora, a pouco mais de um ano da eleição de
2014, os governadores seguiram o manual da tradição política nacional: concederam
generosos reajustes aos salários dos servidores públicos. No caso do Rio de Janeiro, a folha
dobrou de tamanho em pouco tempo.
Os Estados transformaram o superávit primário estrutural de 1% do PIB que eram obrigados a
entregar ao governo central desde 1997, quando suas dívidas foram renegociadas com a
União, em déficit primário. Esta é uma das principais explicações para a crise aguda por que
atravessam Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Mas nada dava
certo. E o governo Dilma, temendo derrota da presidente em 2014, passou a promover
desonerações na folha de pessoal de vários setores empresariais. As desonerações
aumentaram as margens de lucro das companhias, mas o crescimento do PIB não veio. Como
não tinha condições sequer de cumprir a sua meta de superávit primário, o governo também
não entregou a meta dos Estados e, daí, surgiram a contabilidade criativa e as pedaladas
fiscais, artimanha que serviu de justificativa política e jurídica para o impeachment da
presidente em agosto de 2016.
Os pecados de política econômica, é verdade, começaram a ser cometidos nos últimos três
anos da gestão Lula, quando, amparado pela ideia de que a crise mundial de 2008 abriu espaço
para medidas heterodoxas, o governo exagerou nas medidas fiscais anticíclicas e na concessão
de crédito subsidiado - de 2008 a 2015, o Tesouro emprestou mais de R$ 500 bilhões ao
BNDES para que este pudesse bancar essa política; sete anos de , constatou-se que, em vez de
aumentar, o estoque de investimento da economia brasileira recuou quase quatro pontos
percentuais de PIB naquele período.
O indicador que melhor mostra o impacto destruidor da Nova Matriz sobre o "espírito animal"
dos empresários é justamente a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede os
investimentos das empresas em máquinas, equipamentos, construção e inovação. No ano
passado, a FBCF contraiu impressionantes 10,2%, o pior desempenho do PIB calculado pelo
IBGE, depois de recuar 4,2% em 2014 e 13,9% em 2015.
É isso o que tem tornado a retomada mais lenta porque, endividadas e enfrentando recessão
que já dura três anos, muitas empresas entraram em recuperação judicial e outras estão às
voltas com renegociação de débitos e, portanto, sem capacidade de investir. O fracasso
retumbante da Nova Matriz pode ser medido também pelo fato de, em 2015, o Brasil ter
perdido o grau de investimento (o selo de bom pagador) concedido pelas agências de
classificação de risco. Sem esse selo, tanto o governo quanto as empresas nacionais passaram
a pagar juros mais altos para se financiar lá fora. A faceta mais perversa do experimento do
governo Dilma está no mercado de trabalho: o país tem hoje 12,9 milhões de pessoas
desempregadas. Como dizia, com ironia fina, o político pernambucano Marco Maciel, "as
consequências vêm depois".
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras
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