IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil ________________________________________________________ Sustentabilidade dos Programas de Coleta Seletiva com Inclusão Social: Avanços, Desafios e Indicadores Gina Rizpah Besen Psicóloga. Mestre e Doutoranda da Faculdade de Saúde Pública-USP [email protected] Este artigo faz parte da tese de doutorado “Avaliação da Sustentabilidade dos Programas Municipais de Coleta Seletiva” em desenvolvimento na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Enfoca na perspectiva dos movimentos sociais, da política pública e da justiça ambiental, os avanços e desafios que os programas de coleta seletiva desenvolvidos em parceria com organizações de catadores vêm enfrentando para se consolidar enquanto Política Pública de Resíduos Sólidos com Inclusão Social. Analisa pesquisas atuais sobre o tema e recomenda políticas e ações estratégicas visando a sua sustentabilidade socioambiental e econômica e a ampliação de seu potencial de inclusão social. Aplicou-se o método SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities and Threats) de análise. Foram identificadas as fortalezas, as fragilidades, as oportunidades e ameaças às organizações de catadores. Destaca-se o crescente acúmulo de capital social, o fortalecimento das redes de apoio, os esforços de capacitação e modernização, e recomenda-se aproveitar o momento político favorável para consolidar políticas públicas e ampliar os espaços de negociação tanto com o estado quanto com a iniciativa privada. Palavras chave: coleta seletiva, organizações de catadores, sustentabilidade Introdução A partir do acelerado processo de urbanização e concentração populacional nas cidades, e da conseqüente produção desmesurada de resíduos decorrente dos padrões insustentáveis de produção e consumo, a gestão sustentável dos resíduos sólidos desponta como uma questão socioambiental estratégica a ser enfrentada. A coleta seletiva possibilita a economia de matérias primas, energia e recursos naturais. Consiste numa das etapas importantes no gerenciamento dos resíduos sólidos e contribui com a sustentabilidade ambiental, econômica e social urbana. No Brasil, as administrações municipais, enfrentam dificuldades econômicas, técnicas e administrativas para realizar uma gestão adequada e eficiente dos resíduos sólidos urbanos. Dissemina-se no país, desde a década de 1990, o modelo de coleta seletiva desenvolvida por meio de parcerias entre as prefeituras e catadores de materiais recicláveis organizados em associações e cooperativas. Este modelo foi concebido e consolidado a partir de diferentes iniciativas municipais pautadas na inclusão social. Estas iniciativas construíram um caminho inovador de parceria entre o poder público e entidades da sociedade civil articulando três variáveis essenciais para uma política pública; a ambiental, a social e a econômica (JACOBI, 2006) e possibilitaram, ainda, em 2001, a criação do Movimento Nacional dos Catadores-MNCR. O MNCR se consolidou nos últimos anos enquanto um Movimento Social que defende o direito ao trabalho e os catadores como atores da coleta seletiva nas cidades na perspectiva da justiça ambiental e social (MNCR, 2008, ACSELRAD, 2002). Assumiu, dentre muitas outras, como metas: 1) o reconhecimento da categoria de catador de material reciclável, 2) a remuneração dos catadores pelos serviços prestados na coleta seletiva, e 3) a consolidação da coleta seletiva com inclusão social e integração de catadores. A primeira meta foi alcançada em 2002, com o reconhecimento da atividade de catador de material reciclável pelo Ministério do Trabalho, que estabeleceu para a categoria os mesmos direitos e obrigações de um trabalhador autônomo. A segunda avançou em 2007, com a promulgação da Lei da Política Nacional de Saneamento nº 11.445 que possibilitou a contratação de associações ou cooperativas formadas exclusivamente, por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores. A terceira meta representa ainda um grande desafio do MNCR, dos Fóruns Lixo e Cidadania e das entidades de apoio e vários passos foram dados nessa direção. Em 2003, foi criado o Comitê Interministerial para a Inclusão Social e Econômica dos Catadores (decreto federal). Foram alavancados investimentos de significativos recursos da esfera federal no fortalecimento da coleta seletiva com inclusão social. As organizações de catadores estão obtendo recursos para: aquisição de equipamentos, construção de centrais de triagem, cursos de formação, melhorias nas 2 condições sanitárias e de trabalho e fortalecimento de redes entre as organizações visando ampliar as vendas coletivas dos recicláveis para a indústria na lógica do comércio e preços mais justos. Em 2006, o estudo “Análise do Custo de Geração de Postos de Trabalho na Economia Urbana para o Segmento dos Catadores de Materiais Recicláveis” referenciou a criação de uma linha de investimentos para estruturação de cooperativas de catadores no país. Ainda, mostrou que o custo de um posto de trabalho de catadores é baixo em relação a outros setores da economia, podendo-se criar milhares de postos de trabalho com inclusão social na cadeia produtiva da reciclagem. As legislações referentes à Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (Projeto de Lei 203/91), cujo Projeto de Lei do Executivo se encontra em discussão, assim como, a Política de Resíduos Sólidos do Estado de São Paulo, Lei nº 12.300/06, apóiam a inserção das organizações de catadores no sistema de gestão de resíduos sólidos. No âmbito municipal é crescente o número de municípios que aderem a este modelo de programas (SNIS, 2006). Contextualização do problema O tema da gestão de resíduos sólidos urbanos na literatura é abordado a partir de duas preocupações centrais: uma primeira referente às reformas do setor público, incluindo os processos de privatização; e uma segunda relacionada com a problemática da sustentabilidade no contexto urbano (LARDINOIS e KLUNDERT; 1995; GRAFAKOS et al, 2001). O primeiro enfoque destaca o papel do mercado, o impacto do ajuste estrutural na redução do tamanho do estado, os processos de privatização dos serviços públicos e o gerenciamento dos serviços. O segundo enfatiza a relação entre sustentabilidade e desenvolvimento na análise de sistemas de gerenciamento de resíduos sólidos e de abordagens socioambientais nos países em desenvolvimento (HARDOY et al, 2001). No Brasil, ainda existe literatura pouco sistemática sobre esta temática. Os resultados de vários estudos, pesquisas e artigos acadêmicos atuais sobre o tema1 da coleta seletiva têm mostrado que ainda existem problemas de eficiência dos programas municipais e das organizações de catadores que acarretam baixos índices de recuperação dos materiais recicláveis, baixa capacidade de gerar novos postos de trabalho e de integrar um número maior de catadores autônomos aos programas. Alguns resultados da pesquisa COSELIX- 20052 (RIBEIRO et al, 2006) que desenvolveu e aplicou indicadores de sustentabilidade em 11 programas e 32 organizações de catadores na RMSP, na qual 1 RIBEIRO et al, 2006; BESEN, 2006; MNCR, 2006; POLIS, 2006, DEMAJOROVIC e BESEN, 2007. Coordenada pela Faculdade de Saúde Pública em parceria com o PROCAM e a Universidade SENAC, com financiamento da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, em 2005. 2 3 participei como pesquisadora, assim como o estudo do MNCR (2006) dentre outros identificaram grandes desafios a serem enfrentados para a consolidação destes programas. No que se refere à dimensão ambiental verifica-se que as quantidades de materiais recicláveis coletadas e desviadas dos aterros sanitários ainda são baixas se comparadas ao total de resíduos domiciliares produzidos, ou mesmo às quantidades desviadas pelos catadores autônomos. Quanto à variável social verificou-se na RMSP um baixo custo por geração de posto de trabalho (BESEN, 2006) confirmada em nível nacional pelo estudo do MNCR (2006). Apesar do acúmulo de capital social das organizações, os programas ainda têm baixa capacidade de inclusão de catadores avulsos e de promover rendas adequadas e benefícios aos seus membros. Na dimensão econômica, destaca-se que a maioria das prefeituras não sabe o custo dos programas. Enfatiza-se o aumento da vida útil dos aterros, considerando-se a dificuldade de encontrar áreas adequadas para a disposição final de resíduos, e a redução dos custos dos programas para as prefeituras. No entanto, se para as prefeituras a redução do custo viabiliza a coleta seletiva, para as organizações de catadores a ausência de remuneração pelos serviços prestados dificulta a obtenção de capital de giro para investimentos. Entre os principais resultados da pesquisa COSELIX, verificou-se que dos 39 municípios da RMSP, 23 desenvolviam programas de coleta seletiva, 19 em parceria com organizações de catadores, o que mostrou que o modelo já está disseminado. Foram realizadas entrevistas e a partir dos resultados obtidos foi possível desenvolver e aplicar um grupo de 18 indicadores de sustentabilidade, dos quais seis para avaliar os programas e doze as organizações. Com relação à sustentabilidade das organizações, obteve-se que, entre as 32 organizações pesquisadas, apenas 2 (6,25%) atingiram alto grau de sustentabilidade. Grau médio de sustentabilidade foi atingido por 28 organizações (87,50%) e 2 organizações se enquadraram no baixo grau de sustentabilidade (6,25%). Das 28 organizações que atingiram grau médio, 12 encontram-se no médio baixo e 16 organizações estão no médio alto. Nenhum programa municipal atingiu grau alto de sustentabilidade. Além de todas as fragilidades identificadas no âmbito dos programas e das organizações de catadores, soma-se uma questão que vem sendo recentemente debatida em vários países que é a crescente privatização dos serviços de gerenciamento de resíduos sólidos e os impactos sobre as organizações de catadores (RODRIGUEZ, 2002). 4 Hipóteses O MNCR tem viabilizado projetos que buscam o fortalecimento das organizações de catadores. No entanto, apesar dos seus esforços e dos investimentos governamentais, menos de 10% dos catadores do país encontram-se organizados (MNCR, 2006). A situação é agravada pela presença de milhares de catadores ainda em lixões sobrevivendo em condições inaceitáveis do ponto de vista humanitário. A interlocução do MNCR com o atual Presidente da República, aliada a presença no governo de técnicos que apóiam este modelo de gestão configura um momento favorável, porém ainda frágil. Ainda, o modelo de coleta seletiva existente não é sustentável, não se encontra consolidado e está ameaçado pela globalização e pela tendência crescente de privatização dos serviços de limpeza pública. O Movimento Nacional dos Catadores a. Antecedentes históricos No Brasil encontram-se, há mais de 50 anos, catadores nas ruas das cidades, sobrevivendo da coleta e da venda de materiais recicláveis. Estima-se que mais de 500.000 pessoas3 circulam com seus carrinhos no país. A maior parte destes trabalhadores ficou desempregada na mudança do sistema produtivo e sobrevive da catação de recicláveis que vêm agregando valor desde a década de 90. No final da década de 1980 teve início o processo de organização dos catadores em cooperativas e associações, tendo como meta a sua retirada dos lixões, e o estabelecimento de parcerias nos programas municipais de coleta seletiva. Em 2006 encontravam-se atuando, no Brasil, cerca 400 cooperativas de catadores, dentre mais de 4700 empreendimentos solidários (MTE, 2006). A primeira iniciativa de criação de uma organização de apoio aos catadores organizados ocorreu em 1998, em Porto Alegre (RS) com a criação da Federação das Associações de Recicladores do Rio Grande do Sul- FARRGS (MARTINS 2005). Os catadores defendem seu direito ao trabalho e a participação no sistema de gestão compartilhada de resíduos sólidos. Buscam a auto-gestão embasada nos princípios da economia solidária e tem como meta a inclusão social dos catadores que atuam nas ruas. A organização de catadores em cooperativas representa uma alternativa às políticas de emprego convencionais e a busca de práticas de promoção da sustentabilidade ambiental com inclusão social, também expressa a reação de um 5 segmento excluído que foca o reconhecimento do direito ao trabalho como central na conquista da cidadania. (ESCOREL, 2000; SINGER e SOUZA, 2002). Já a construção da política pública de resíduos sólidos no Brasil se dá no âmbito da política ambiental com inclusão social e no contexto da gestão dos serviços urbanos de limpeza pública (BESEN, 2006). Este modelo é defendido desde a década de 90 por organizações da sociedade civil, pelo MNCR, técnicos do poder público e por acadêmicos. O enfrentamento dos desafios socioambientais para o desenvolvimento local exige novos modelos de cooperação e parcerias entre o governo e a sociedade que articulem inclusão social, geração de renda e preservação ambiental (JACOBI, 2006). Os resíduos sólidos são recursos não naturais, oriundos dos recursos naturais, aos quais os catadores sempre tiveram acesso. Nesse sentido os catadores, lutam pelo acesso justo e equitativo, direto e indireto aos recursos ambientais do país, assim como são protagonistas na construção de um modelo alternativo de desenvolvimento pautado na democratização do acesso aos recursos ambientais e na sustentabilidade do seu uso (ACSELRAD, 2002). O processo de organização dos catadores também foi alavancado pela criação dos Fóruns Lixo & Cidadania, nacional em 1998 e posteriormente os estaduais4 e municipais. Constituídos por representantes de diversos segmentos da sociedade civil, poder público e iniciativa privada atuam enquanto instâncias participativas. Apóiam a construção das políticas públicas de resíduos sólidos, os programas de gestão integrada de resíduos sólidos com inclusão dos catadores, a defesa dos direitos dos catadores e as organizações de catadores. Surgiram no contexto do novo espaço público, denominado não estatal juntamente com os conselhos, redes, e articulações da sociedade civil com representantes do poder público. Estas novas formas associativas visavam à transparência da gestão pública e responder às demandas sociais do país por meio da construção de políticas públicas, do controle social da aplicação dos recursos e da luta contra a exclusão social (GOHN, 2004). É importante destacar também o importante papel que uma rede de entidades de apoio nacionais e internacionais5 vem dando ao MNCR, a partir de 2001, no desenvolvimento de linhas de financiamento na captação de recursos, interlocução com as empresas e prestação de serviços de assessoria às redes de organizações de catadores. b. Processo de empoderamento No ano 2000, o MNCR começou a ser organizado a partir de um longo processo de articulação. Em 2001, o 1º Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis reuniu 1.600 catadores, 3 Segundo estimativa do Instituto Pólis, mais de 500.000, 20.000 só na cidade de São Paulo. Cerca de 21 fóruns estaduais e dezenas de fóruns municipais estão instalados por todo o país (ONG Á gua e Vida, 2003). 5 Fundação AVINA, Organização de Auxilio Fraterno- OAF, Pastoral de Rua, Institutos INSEA, Pólis e Ethos. 4 6 técnicos e agentes sociais de dezessete estados brasileiros. Ainda em 2001, foi constituído o MNCR e por decisão democrática dos catadores representados pelo Movimento definiu-se a denominação de catadores de materiais recicláveis para a categoria profissional. Em 2002, houve o reconhecimento da atividade de catador de material reciclável pelo Ministério do Trabalho, oficializada na Classificação Brasileira de Ocupações- CBO com os mesmos direitos e obrigações de um trabalhador autônomo. Nos anos de 2003 e 2005, a cidade de Caxias do Sul (RS), sediou o I e II Congressos Latino Americano de Catadores (as) de Materiais Recicláveis. No I Congresso foram firmados compromissos, contra a privatização do setor de resíduos sólidos e a luta para a implementação dos programas de coleta seletiva em parceria com as organizações de catadores. O II Congresso teve como principal objetivo fortalecer os movimentos de catadores da América Latina, formando uma rede de solidariedade e de troca de informações. Em 2008, foi realizado o III Congresso Latino Americano na Colômbia cujo tema central foi o risco da privatização dos serviços de resíduos sólidos e cuja Carta de Bogota reafirma estas intenções “os participantes do Congresso exigem dos poderes públicos e governos que na contratação de serviços de limpeza, priorizem as organizações de catadores dando as condições para sua efetiva inclusão, mediante o desenvolvimento de ações econômicas, sociais e ambientais que concretizem ações afirmativas”6 . As seis edições dos Festivais Lixo e Cidadania de Belo Horizonte também foram estratégicas para promover a integração e fortalecimento dos catadores e o intercâmbio de experiências. Nos últimos dois anos as organizações de catadores vêm formando redes para a comercialização conjunta e ampliação da capacidade de negociação com as indústrias recicladoras para a venda direta dos materiais recicláveis. Outras redes mais amplas, nacionais e internacionais estão sendo articuladas pelo MNCR. E ainda, o atual Presidente da República abriu um canal de diálogo permanente com o Movimento e tem participado de seus eventos. c. Declaração de princípios e organização A declaração de princípios e objetivos do MNCR 7 configura algumas características peculiares que associam aspectos dos movimentos sociais populares, da década de 70 e 80, de novos movimentos sociais da década de 90 e de movimentos atuais, nos quais a luta pela sobrevivência e pela inclusão social nas políticas públicas está presente. Entre os objetivos e princípios destacam-se; a 'autogestão 6 7 MNCR, 2008. http//www. movimentodoscatadores .org.br . http//www. movimentodoscatadores .org.br . 7 e organização'8, a 'participação' de todos os (as) catadores (as), a democracia direta9, e a 'ação direta popular'10. A democracia direta e participativa era um conceito utilizado pela sociedade civil na década de 70, como o modelo ideal para a construção de uma contra hegemonia ao poder dominante (GOHN, 2004). O MNCR busca a 'independência de classe, 'apoio mútuo' e 'Solidariedade de Classe'. Defende o reconhecimento e valorização do trabalho do catador, a remuneração pelos serviços prestados ao poder público e à iniciativa privada na coleta seletiva, o direito à cidade, moradia digna, educação, saúde, alimentação, transporte e lazer. E ainda, o fim dos lixões, construção de galpões com condições dignas para os catadores e coleta seletiva. O surgimento das organizações de catadores, na década de 1990 no país, se deu num contexto no qual a crise econômica aumentava os índices de desemprego e a quantidade de catadores nas ruas e que na Conferência do Rio -92 o socioambientalismo e as ONGs emergiam e se fortaleciam. Já a organização do MNCR, a partir do ano 2000, diferencia-se do universo das ONGS atuais, e se dá no contra fluxo dos registros históricos dos movimentos sociais populares. Caracteriza-se por interesses específicos de um único grupo de atores sociais, os catadores. O MNCR apresenta similaridades tanto com movimentos populares de contestação e pressão junto ao Estado, tais como o Movimento dos Sem Terra -MST e o Movimento dos Atingidos por BarragensMAB, quanto aos “novos movimentos sociais” que defendiam as minorias ou uma atuação por afinidades de sentido em torno de temas específicos, tais como; os movimentos; feminista, de moradia, negro, homossexuais, deficientes, entre outros (HABERMAS, 1987; LAVALLE et al 2006). A organização do MNCR se dá de forma horizontal a partir das bases e vertical em diversas instâncias de representação integradas por delegados eleitos. A base é constituída por catadores vinculados a associações e cooperativas que se articulam em Comitês Regionais e Coordenações Estaduais. A articulação Nacional é realizada pela Comissão Nacional11. d. Características dos catadores no Brasil O MNCR realizou, em 200612, o estudo mais abrangente do país sobre catadores no país. Foram identificados dentre seus associados, como mostra o Quadro 1, 4 situações de grupos e suas respectivas características: 8 "Auto-gestão" é a prática econômica em que os trabalhadores são os donos das ferramentas de produção.... .. sem patrões. "Democracia direta" é forma de decisão tomada pela participação coletiva e responsável da base. 10 “Ação direta" é um princípio e método que carrega o sentido do protagonismo do povo auto organizado. 11 http://www.movimentodoscatadores.org.br/estruturas_regionais.aspx. 9 12 Financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Social - Coordenação Institucional: OAF /PANGEA – Centro de Estudos Socioambientais Coordenação Técnica: GERI - Grupo de Estudos de Relações Intersetoriais – Faculdade de Ciências Econômicas / FCE –UFBA. 8 Quadro 1: Situação e características dos grupos associados ao MNCR Situação 1- Grupos formalmente organizados em associações ou cooperativas (A) 2- Grupos formalmente organizados em associações ou cooperativas (B) 3- Grupos em organização 4- Grupo desorganizado - em rua ou lixão Características Equipamentos e galpões próprios, e capacidade de implantar unidades de reciclagem Alguns equipamentos próprios e precisam de apoio para a aquisição de equipamentos e/ou galpões. Poucos equipamentos. Precisam de apoio para a aquisição de equipamentos e de galpões próprios. Não possuem equipamentos, trabalham em condições precárias e vendem para atravessadores e depósitos de sucata Fonte: MNCR, 2006. O quadro 2, a seguir mostra a distribuição das cooperativas e cooperados que integram o MNCR por situação em que se encontram. Quadro 2: Distribuição das cooperativas e dos cooperados nas 4 situações Situação N. cooperados % N. cooperativas % N. cooperados por cooperativa 1 2 1.381 2.753 4 8 24 70 7 21 57,5 39,3 3 4 5.720 25.783 16 72 122 115 37 35 46,9 224,2 Total 35.637 331 Fonte: Cadastro Nacional de Grupos de Catadores Associados ao MNCR, 2005 Na situação 1 encontra-se apenas 7% de todas as cooperativas filiadas ao MNCR e reúne 4% dos catadores. Somadas as duas melhores situações (1 e 2), verifica-se que 28% das cooperativas melhor equipadas representam 12% da categoria. Os grupos ainda desorganizados, 35%, se encontram em situação de total precariedade. A partir da proximidade das situações 3 e 4, verifica-se que 88% da categoria não possuem condições e infra-estrutura para desempenhar suas atividades (MNCR, 2006). Constata-se, portanto, que o apoio governamental e privado, às organizações de catadores ainda é necessário e que sem ele as organizações não têm condições de se profissionalizarem e transformarem em empreendimentos sociais. 9 Método e informações utilizadas A partir da revisão da literatura atual sobre o tema, do levantamento e análise de pesquisas acadêmicas e estudos governamentais e não governamentais nacionais e internacionais e da experiência da pesquisadora foi possível aplicar o método SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities and Threats) de análise. A análise SWOT é uma ferramenta utilizada para fazer análise de cenários, sendo usada como base para gestão e planejamento estratégico. Foram identificadas as fortalezas, as fragilidades, as oportunidades e ameaças às organizações de catadores. Isto permitiu formular recomendações. Aplicação do Método SWOT de análise A análise realizada partiu da situação atual dos programas municipais de coleta seletiva em parceria com organizações de catadores enquanto política pública de gestão sustentável de resíduos sólidos. O Quadro 3 apresenta fortalezas e fragilidades identificadas nas organizações de catadores: Quadro 3: Fortalezas e Fragilidades das Organizações de Catadores Aspectos Fortalezas Fragilidades Econômico -Baixo custo dos programas em relação à iniciativa privada -Economias na operação e em áreas de aterros sanitários -Geração de postos de trabalho e renda -Vendas por melhores preços para a indústria -Geração de trabalho e renda -Integração de catadores de rua e lixões -Valorização do catador -Formação de capital social -Garantia dos direitos e benefícios sociais -Melhoria das condições de trabalho e saúde -Inclusão do sexo feminino -Fortalecimento das tecnologias sociais -Aproveitamento de materiais -Economia de recursos naturais -Catadores como agentes de limpeza pública -Favorecimento da educação socioambiental -Melhoria da limpeza pública -Redução do impacto dos resíduos -Ampliação das atividades na cadeia econômica da reciclagem -Interlocução com o poder público -Fortalecimento do MNCR -Fortalecimento do mercado formal da reciclagem -Apoio de entidades da sociedade civil e parcerias -Ausência e/ou baixa remuneração pelos serviços prestados -Competição de outros atores -Queda no preço dos recicláveis -Baixa capacidade de inovação tecnológica Social e Saúde Ambiental Políticoinstitucional -Dificuldades organizacionais e de gestão -Baixa prática cooperativista -Precariedade das condições de trabalho -Alta rotatividade de membros -Falta de empreendedorismo -Precariedade das condições ambientais das centrais de triagem -Pouco envolvimento em campanhas de sensibilização da população. -Dependência das prefeituras e técnicos -Precariedade dos serviços prestados -Ausência de uma PNRS -Ausência de indicadores de sustentabilidade (gestão e monitoramento) 10 O quadro 4 a seguir apresenta as oportunidades e ameaças às organizações de catadores. Quadro 4: Oportunidades e Ameaças às Organizações de Catadores Aspectos Oportunidades Ameaças Econômico -Ampliação da competição pelos recicláveis -Desvalorização do dólar -Crescente internacionalização do mercado de recicláveis -Substituição de matérias primas das embalagens -Mecanismo de Desenvolvimento Limpo estimular a privatização dos serviços Social e Saúde -Ampliação das atividades de beneficiamento e reciclagem -Linhas de financiamento -Ampliação de contratos com empresas -Criação de fundos de gestão e adequação tecnológica -Projetos de Responsabilidade Social Empresarial -Investimentos públicos e privados -Ampliação de parcerias -Fortalecimento das tecnologias sociais -Processos de capacitação Ambiental -Reciclagem e créditos de carbono Político – institucional -Contexto político- administrativo favorável -Interlocução do MNCR com o governo -Logística Reversa incluindo catadores. -Atuação em redes nacionais e internacionais -Autonomia em relação aos técnicos, prefeituras e Ongs -Qualificação de lideranças -Ampliação do n. de programas -Apoio de consórcios intermunicipais -Concentração de poder no MNCR -Precarização das condições de trabalho -Baixa integração de catadores avulsos e de lixões -Novas tecnologias de tratamento de lixo sem coleta seletiva -Ineficiência da coleta seletiva -Prestação de serviços de baixa qualidade -Privatização dos serviços -PNRS sem apoio à inserção dos catadores -Desmobilização do MNCR -Fortalecimento do processo de globalização -Migração de prioridades de ONGs de apoio -Aumento das falsas cooperativas“coopergatos“ Principais Resultados e Recomendações Para vários pesquisadores a construção de uma política nacional de resíduos sólidos que defina a responsabilidade pós – consumo dos vários setores é fundamental para que se estabeleçam condições de inserção dos catadores na cadeia econômica da reciclagem e de promover a sustentabilidade dos programas de coleta seletiva e consequentemente das organizações. A opção do modelo brasileiro pela organização dos catadores em cooperativas enfrenta o desafio de viabilizar empreendimentos solidários, em mercados capitalistas e globalizados, e marcados no presente momento por um contexto de forte resistência do setor industrial e empresarial em assumir a responsabilidade pós-consumo no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos 11 A análise SWOT das organizações de catadores revela uma grande dependência dos catadores de políticas públicas favoráveis e do fortalecimento do MNCR enquanto movimento social. são inúmeras, mas as oportunidades também. As ameaças . Porém é fundamental destacar o crescente acúmulo de capital social, o fortalecimento das redes de apoio, os esforços de capacitação e modernização tecnológica, assim como a necessidade de aproveitar o momento político favorável para consolidar as políticas públicas e os processos de capacitação e ampliar os espaços de negociação tanto com o estado quanto com a iniciativa privada. Para o fortalecimento dos programas recomenda-se: a inserção institucional nos sistemas municipais de limpeza pública e remuneração dos catadores pelos serviços prestados, formulação de políticas públicas de resíduos sólidos que criem instrumentos efetivos de promoção da sustentabilidade e uso de indicadores de sustentabilidade para o seu monitoramento e aprimoramento. Reflexões sobre os resultados, propostas ao debate São inegáveis os avanços que os catadores obtiveram nos últimos 15 anos. A partir das iniciativas de programas municipais de coleta seletiva, e do apoio de entidades da sociedade civil os catadores conseguiram se valorizar, organizar e evoluir de uma situação de marginalidade, exclusão social e trabalho informal e explorado para uma condição de movimento social. Reivindicam justiça social e ambiental. A organização dos catadores em associações e cooperativas no âmbito da economia solidária é um movimento social de resistência que pretende formalizar a coleta seletiva a partir de seus principais atores. Coloca-se, portanto, o desafio de refletir sobre as possibilidades de desenvolver práticas sustentáveis de economia solidária em mercados capitalistas e da capacidade do MNCR se consolidar enquanto movimento social. Apesar dos acúmulos obtidos pelas organizações, os quadros analisados mostram que ainda se configura uma situação de total dependência do apoio governamental e de políticas públicas sem as quais essas não têm condições de se manterem funcionando. No cerne das contradições os catadores defendem a sua autonomia plena e ao mesmo tempo subsídios governamentais temporários que viabilizem seu acesso ao trabalho formal, querem incluir muitos, no entanto, ainda incluem poucos, até porque muitos não querem ser incluídos. 12 Principais referências bibliográficas ACSELRAD, H. Justiça Ambiental e Construção Social do Risco. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Ed. UFPR, Curitiba, v. 5, p. 49-60, 2002. BESEN, GR. Programas municipais de coleta seletiva em parceria com organizações de catadores na Região Metropolitana de São Paulo. 2006. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo. DEMAJOROVIC J, BESEN G.R. Gestão compartilhada de resíduos sólidos: avanços e desafios para a sustentabilidade. Apresentado no XXXI Encontro da ANPAD - EnANPAD - 22 a 26 de setembro de 2007. Rio de Janeiro, 2007. ESCOREL S. Vidas ao Léu – Trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: Fiocruz. GOHN, MG. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais, Saúde e sociedade. 2004:13(2): 20-31. GRAFAKOS, S., BAUD, I. , KLUNDERT, A. Alliances in Urban Environmental Management. A process analysis for indicators and contributions to sustainable development in urban SWM. Working document 14. Netherlands: University of Amsterdam, 2001. HABERMAS, J. A nova intransparência: a crise do estado de bem-estar social e o esgotamento das energias utópicas. Novos Estudos CEBRAP.,1987; (18):103-114. HARDOI, J.E., MITLIN, D. SATTERTHWAITE, D. Environmental Problems in an Urbanizing World, Local Solutions for City Problems in Africa, Asia and LA. London: Earthscan Publications, 2001. INSTITUTO PÓLIS. Documento Encontro Nacional 2006- Construindo Políticas Públicas para a Recuperação e Reciclagem de Resíduos Sólidos com Inclusão dos Catadores. Instituto Pólis, 2006. JACOBI P.R. (Org). Gestão Compartilhada de Resíduos Sólidos no Brasil- inovação com inclusão social. São Paulo: Annablume, 2006. 13 LARDINOIS, I., KLUNDERT A. Community and private (formal and informal) sector involvement in municipal solid waste management in developing countries. Background paper for the UMP workshop in Ittingen, Switzerland, 10-12 April 1995. Gouda: WASTE, 1995. LAVALLE G. A.; CASTELLO G.; BICHIR M. R. “Os Bastidores da Sociedade Civil - Protagonismos, Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro de 2006. MARTINS, CHB. Trabalhadores na Reciclagem do Lixo: dinâmicas econômicas, sócio-ambientais e políticas na perspectiva de empoderamento. Porto Alegre; FEE, 2005. (Teses FEE; n. 5) MNCR - MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAS RECICLÁVEIS. Análise do custo de geração de postos de trabalho na economia urbana para o segmento dos catadores de materiais recicláveis. Relatório Técnico Final. Janeiro de 2006. MTE- MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Atlas da Economia Solidária no Brasil 2005, MTE, SENAES, Brasília, 2006. RIBEIRO, H.; GUNTHER, W. R.; JACOBI, P. R.; DEMAJOROVIC, J; BESEN, G. R. Programas Municipais de coleta seletiva de lixo como fator de sustentabilidade dos sistemas públicos de saneamento ambiental na RMSP. In: III Seminário Internacional de Engenharia de Saúde Pública, 2006, Fortaleza. III Seminário Internacional de Engenharia de Saúde Pública. Brasilia: Fundação Nacional de Saúde, 2006. v. único. p. 123-130. RODRIGUEZ, C. À procura de alternativas econômicas em tempos de globalização: o caso das cooperativas de recicladores de lixo da Colômbia. In; SANTOS, B.S. (org.). Produzir para viver- os caminhos da produção não capitalista, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2002. p.331 - 364 SINGER P; SOUZA A. A Economia Solidária no Brasil. São Paulo: Contexto; 2000. [SNIS] Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Programa de Modernização do Setor de Saneamento: diagnóstico da gestão e manejo de resíduos sólidos urbanos- 2005. Brasília: MCIDADES/SNSA; 2007. 14