II Congresso Nacional de Alfabetizaçáo e Educação Ambiental 2008 – FURG Fundação Universidade Federal do Rio Grande – Rio Grande do Sul PROJETOS SOCIAIS: OLHARES SOBRE ATORES E RESULTADOS, COM APOIO DAS TECNOLOGIAS SOCIAIS (TS) Elisete Ferreira – [email protected] - UTFPR-PPGTE e CEFETSC1 Dra.Profa. Maclovia Correa da Silva – [email protected] - UTFPR-PPGTE2 EIXO TEMÁTICO: Educação Ambiental informal e não formal. RESUMO Neste artigo apresentamos considerações desenvolvidas em texto dissertativo3, cujo objetivo é a análise de um projeto social para geração de emprego e renda com famílias de catadores de material reciclável. Na busca de compreensão e assimilação de determinados procedimentos técnicos, por meio de atividades de capacitação, foi idealizado um projeto que abrangesse questões sócio-ambientais em meio urbano. A centralidade do Projeto Papel Social foi a organização de ações que permitissem atender pessoas provindas do mercado informal. Discutimos temas que geram e se articulam com os projetos sociais: políticas públicas, projetos sociais e Organizações Não Governamentais recuperando a história e analisando conceitos e aspectos da legislação brasileira. Em seguida voltamonos para o conceito de Tecnologias Sociais, e seu objetivo de alcançar soluções para transformar práticas. Muito próximo dessas idéias estão as soluções para o meio ambiente, as quais passam, obrigatoriamente, pela Educação Ambiental. O Projeto Papel Social reúne esforços no sentido de associar a reciclagem, e a inclusão no mercado de trabalho de pessoas que trabalham diretamente com o “lixo”. O processo de capacitação buscou desdobrar as atividades cotidianas dos Catadores de Material Reciclado de Curitiba/Paraná/Brasil, no Barracão de Triagem, do Instituto do Lixo e Cidadania (ILIX), com a participação de profissionais de universidades federais e de outros órgãos públicos, com o apoio financeiro do CNPq. Por meio dele previa-se a possibilidade de adição de valor ao principal material coletado: o papel. A intersecção entre as informações e conceitos expostos gerou as discussões presentes na análise do processo de criação do projeto social, caracterizado como outro meio de atuação sócio-ambiental. PALAVRAS-CHAVE: Projeto Social, Projeto Papel Social, Catadores de Material Reciclável, Meio Ambiente, Atividades de Capacitação. INTRODUÇÃO Apresentamos, neste artigo, o processo de capacitação de “trabalhadores do mercado informal” - Catadores de Material Reciclado, que ocorreu por meio de um projeto social - Projeto Papel Social4, cujas características de concepção fundamentam-se em atividade de geração e renda, a qual, dependendo do andamento, pode vir a formar uma organização de produção de objetos 1 Rua Eugênio Portela, 370 – Barreiros – São José/SC – CEP 88.117-010. Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) - Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) - Rua Sete de Setembro, 3165 – Centro - Curitiba/PR – CEP 80.230-901 - Telefone/Fax: (041) 3310-4711 e 3310-4712 3 Dissertação intitulada "Projeto Social para geração de emprego e renda: famílias de catadores de material reciclado", pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, a ser defendida em junho de 2008. 4 Projeto do CNPq - (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), aprovado no Edital n. 18/2005, denominado “Papel artesanal e design como alternativa de renda para a Cooperativa de Catadores da Região Central de Curitiba”, cuja instituição proponente é a Rede Paraná Metrologia e Ensaios; a instituição executora é a ONG, Instituto Lixo & Cidadania (ILIX); e a instituição gestora é a UTFPR - (Universidade Tecnológica Federal do Paraná). E, com o apoio da empresa encubada na UTFPR, DesignÊre. (PROJETO PAPEL SOCIAL, 2005) 2 gerenciada por meio de trabalho cooperativo, com a compreensão e assimilação de determinados procedimentos técnicos. Ao observamos o desenvolvimento das atividades previstas, focamos nosso olhar, sob o viés de um contexto sócio-político-econômico-ambiental, dos projetos sociais, em que este por suas diferentes funções avança para outras áreas disciplinares. Apesar da capacitação ser um veículo de transmissão de conhecimentos para desenvolver uma atividade, esta se “mescla”, por estar imbuída num universo de múltiplas relações sociais, e que durante o seu processo de execução vai construindo e reconstruindo paradigmas e estabelecendo novas situações. Faremos uma discussão sobre o contexto sócio-político em que estão alicerçados os projetos sociais, as Políticas Públicas – em particular, aquelas relacionadas às questões de geração de emprego e renda – e, em seguida, uma breve análise das Organizações Não Governamentais (ONGs), a história e suas definições jurídicas, conceituais e operacionais no tange à legislação brasileira. 1. POLÍTICAS PÚBLICAS, PROJETOS SOCIAIS E ONGs Há situações que geram e articulam projetos sociais no universo das políticas públicas. Segundo os princípios vigentes nas sociedades modernas ocidentais, organizadas a partir da dicotomia entre o público e o privado, é preciso refletir sobre os princípios democráticos e a apropriação dos bens sociais. As políticas públicas representam formas de interferências, visando à manutenção das relações sociais, e ao bem estar do conjunto de uma população. Tem, portanto, mais do que paliativa, uma natureza preventiva e organizativa da sociedade. Mais do que oferecer "serviços" sociais, as políticas públicas, articuladas com as demandas da sociedade, se voltam para a construção de direitos sociais. Nela encontra-se a raiz do esforço de amplos setores da população que lutam pela melhoria de suas condições de vida, exercendo seu poder de participação política, ou seja, exercendo a Democracia. As formas de organização, o poder de pressão e articulação de diferentes grupos sociais no processo de estabelecimento e reivindicação de demandas são fatores fundamentais na conquista e ampliação de direitos sociais, incorporados ao exercício da cidadania. As formas democráticas sofrem interferências pelos males de nosso tempo, como o aumento da pobreza, o agravamento das desigualdades sociais, o aumento de exclusão social, dentre outros. É por meio do gozo dos direitos, que são feitas as intervenções sobre sociedade em ações do Estado, buscando o consenso entre as esferas envolvidas, ou seja, Estado e sociedade civil. A partir do momento em que as políticas públicas retratam o esforço de condução ao interesse geral, esta se transforma em instrumento de mudanças desejadas. Toda política pública é uma forma de intervenção na realidade social, envolvendo diferentes sujeitos, portanto, condicionada por interesses [...] Seu desenvolvimento se expressa por momentos articulados e, muitas vezes, concomitantes e interdependentes, que comportam seqüências de ações em forma de resposta, mais ou menos institucionalizadas, a situações consideradas problemáticas, materializadas mediantes programas, projetos e serviços. (SILVA, 2000, p.67). As políticas públicas escolhem ferramentas de trabalho para atuar no meio social. Uma delas é a idealização de projetos que antecedem as ações, ou seja, “a adoção de políticas de responsabilidade sociais, visando à minimização dos déficits sociais, (que exigem) (...) a implementação de ações substanciadas em empreendimentos organizados e realizados a partir de um cronograma de ações, objetivando a minimização das carências apontadas”. (PAMPOLINI JÚNIOR. 2001, p. 75) A definição de projeto social do autor remete a uma unidade política e a uma estratégia de desenvolvimento social. Corroboramos com o seu ponto de vista quando ele avança a discussão e insere uma problemática que parti de uma ação localizada no tempo e focalizada em seus resultados, ou seja, “um projeto social (...) está substanciado nos objetivos de implementação de políticas que visem solucionar ou atenuar carências sociais identificadas (...)” (PAMPOLONI JÚNIOR, 2001, p. 77). Um dos aspectos dos projetos sociais que contam com a participação das iniciativas públicas e privadas é a criação de programas e ações de geração de emprego e renda. Estes passam por trâmites burocráticos em ministérios, departamentos e secretarias. Por exemplo, a Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão apresentou durante o ano de 2004 o Plano Plurianual 2004-2007 que definiu três mega-objetivos para as atividades de planejamento: No que concerne à política social, o Plano determina o mega-objetivo de Inclusão social e redução das desigualdades sociais. No segmento dedicado para as políticas econômicas, regionais e ambientais, o referido documento estabelece o megaobjetivo de Crescimento com geração de emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regionais. E, no terceiro item relativo à dimensão democrática, o mega-objetivo fixado é o da Promoção e expansão da cidadania e fortalecimento da democracia (CADERNO DE..., 2007) Muitos atores da sociedade civil organizada contribuem de forma significativa, para a elaboração de metas, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL, que tem a função de coordenar políticas, analisar processos de desenvolvimento econômico, fazendo avaliações de políticas públicas com a finalidade de pôr em prática os princípios da democracia. Nos anos 90, despontam os projetos sociais como ferramentas abrangentes, com meios alternativos de implementação das políticas sociais. Como coloca Stephanou et al (2007): Houve uma democratização em aspectos fundamentais da intervenção do Estado na sociedade, tais como eleições livres e diretas, descentralização, formação de mecanismos mais amplos de comunicação e de controle social, implementação de instrumentos de governança com maior visibilidade, além de novas formas de participação na elaboração dos orçamentos e das políticas públicas. Simultaneamente, nos anos 1990, disseminaram-se as Organizações Não Governamentais (ONGs) assistenciais, fruto das políticas sociais brasileiras, como complementares das metas públicas. O objetivo foi afastar a atuação direta do Estado nessas áreas. Este panorama concedeu às ONGs uma aura de combatentes das causas nobres nos campos da educação, saúde, cidadania e profissionalização, dentre tantas outras demandas sociais. O conceito de ONG ou NGO em inglês (Non-Governmental Organizations), designa organizações supranacionais e internacionais que não foram estabelecidas por acordos governamentais. No final da II Guerra Mundial as ONGs foram associadas à criação da ONU. No Brasil, a expressão estava habitualmente relacionada a um universo de organizações que surgiram nos ano 70 e 80, apoiando movimentos populares engajados na promoção da cidadania, defesa e luta pelos direitos políticos e sociais. O nome ONG não é mais revelador ou definidor específico de um segmento dentro das organizações da sociedade civil brasileira. Com essa diversidade o conceito de ONG não é pacífico, entre autores acadêmicos e participantes desses movimentos sociais. Não há coesão no entendimento como decorrência lógica da própria negação que está implícita em sua definição, ou seja, não governamental. Se assim fosse, as instituições privadas, não criadas pelo governo e constituídas sem fins lucrativos, seriam passíveis do conceito de Organização Não Governamental, o que poderia em tese, abarcar, igrejas, sindicatos, partidos políticos, clubes ou associações de bairro. A Constituição Federal de 1988 reconhece e assegura a participação de entidades representativas na formulação, implementação e fiscalização de políticas públicas. Estão inscritas e definidas nos artigos 29, XII; 198, III; 204, I e 206, VI. Juntamente com as constituições estaduais e leis orgânicas municipais, a ela confere a ONG expressivo papel de representação na sociedade. O estudo mais recente sobre o universo associativo brasileiro, do qual as ONGs fazem parte, foi lançado em dezembro de 2004, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG) e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE). As características peculiares das ONGs – Instituições privadas, independentes e autônomas – resultam na inexistência, no âmbito público, de base cadastral dessas entidades. A criação de uma ONG é um ato de vontade não submetido ao controle público. O número de ONGs existentes, assim como sua área de atuação não constituem, portanto, objeto de registro. A dificuldade de se levantar números pelo setor começa a estimular o debate em torno do aperfeiçoamento da legislação, com critérios mais claros para definição jurídica de ONG, auxiliando também na sua fiscalização. 2. PROJETO PAPEL SOCIAL No Projeto Papel Social, a ONG – Instituto Lixo e Cidadania - teve um papel fundamental na medida em que cedeu um espaço físico e divulgou as atividades de capacitação dos catadores material reciclado. Isto foi fruto de acordos estabelecidos em reuniões do Fórum do Lixo e Cidadania. Por essa instituição já passaram projetos de geração de emprego e renda como aqueles voltados para o desenvolvimento de trabalhos manuais e semi-industriais: serigrafia, panificação, refeições, costura e cestaria. O prédio abriga salas, cozinhas, refeitório, e um galpão para armazenar e selecionar o lixo coletado por catadores cadastrados. O Projeto Papel Social nasce logo após a divulgação do Edital do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) – Edital CT-AGRO/CT-HIDRO/MCT/CNPq nº 18/20055. Esse edital, intitulado “Apoio a Projetos de Tecnologias Sociais para Inclusão Social dos Catadores de Materiais Recicláveis”, atinge grupos de extensão das Instituições de Ensino Superior Públicas, Instituições Públicas de Pesquisa e Extensão e Organizações do Terceiro Setor (OTS) que desejaram desenvolver projetos de extensão usando tecnologias sociais para incluírem Catadores de Materiais Recicláveis6. Essa iniciativa contempla as estratégias atuais do Governo Federal para a inclusão social dos catadores, numa perspectiva de emancipação social e produtiva para geração de postos de trabalhos e renda, atentando para os elos da cadeia produtiva de materiais recicláveis, valorizando as potencialidades locais e regionais, com o foco na melhor qualidade de vida dessa população historicamente excluída. (EDITAL 18/CNPq, 2006, p. 1) Os catadores de lixo – como comumente são chamados – são os produtos sociais mais evidentes do processo econômico de reciclagem, e trazem benefícios à sociedade, pois contribuem com a preservação ambiental, evitam que resíduos sejam lançados ao solo e aos rios de forma impactante, e contribuem para reduzir a extração de matéria prima. São colaboradores das indústrias de reciclagem, mesmo estando à margem dos benefícios sociais gerados por elas. Daí a necessidade da presença do governo como articulados de políticas inclusão social. O CNPq, órgão fomentador de projetos acadêmicos, acredita que o catador de material reciclável necessita estar exposto ao conhecimento, através do contato com a extensão universitária: Os fatores históricos da não absorção de mão-de-obra no modelo econômico vigente e seus impactos no processo de reconversão produtiva, faz (sic) com que cada vez mais pessoas não encontrem colocação profissional no mercado formal e muitas delas, sem outra opção, são obrigadas a procurar a sua sobrevivência e de suas famílias nas atividades de catação de resíduos sólidos. Daí a necessidade de apoio às organizações produtivas de catadores de materiais recicláveis, no que diz respeito à disponibilização dos conhecimentos através da extensão universitária pública. (EDITAL 18/CNPQ, 2005, p.1) Quando foi definido o universo de atuação do Projeto, fazendo-se os recortes necessários de definição do público alvo a ser atingido e da localização, a região metropolitana de Curitiba foi avaliada e considerada o nicho ideal para a execução do Projeto: 5 6 Edital cujo objetivo é “estimular a execução de projetos de extensão e disponibilização de tecnologias sociais para os catadores de materiais recicláveis”. Disponível em: <http://www.memoria.cnpq.br/servicos/editais/ct/ 2005/edital_0182005.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2006. O conceito de tecnologias sociais será discutido no próximo item. Esta é a categoria oficial dada aos catadores pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO2002). Disponível em: <(http://www.mtecbo.gov.br./ buscaResultado.asp? tituloavancado=catador+de+material+reciclavel&Submit=+Procurar+&familias=1&ocupacoes=1&sinonimos=1)>. Acesso em: 5 jan. 2008. Curitiba conta com aproximadamente 3500 catadores de lixo informais (dado de 2000), sendo esta uma população considerada de risco, vivendo abaixo da linha da pobreza e sujeita em muitos casos a regimes de trabalho semi-escravo dentro dos assim chamados “depósitos” de lixo, onde os donos atrelam a moradia do catador ao “aluguel" do carrinho de coleta e recebem deste até 50% do valor da sua produção diária. Se o catador não aceitar estas condições ou não produzir o suficiente, é expulso da sua moradia e perde o uso do carrinho. Esta situação é particularmente grave numa das favelas centrais de Curitiba, a Vila das Torres (antiga Vila Pinto) onde se concentra o maior numero de catadores informais de Curitiba. Calcula-se que na vila existam em torno de 90 pequenos depósitos, em cada qual moram de uma a 10 famílias. (PROJETO PAPEL SOCIAL, 2006, p. 1). O Projeto, intitulado “Papel artesanal e design como alternativa de renda para a Cooperativa de Catadores da Região Central de Curitiba”, teve sua denominação reduzida para “Papel Social”, para facilitar a associação entre o nome do projeto e seus objetivos e produtos, por questões de práticas comerciais, quando se usa concomitantemente o nome jurídico e o nome fantasia. A proposta final de trabalho, aprovada pela equipe e encaminhada ao CNPq, foi: [...] uma alternativa de geração de renda para catadores de lixo através da implantação de uma usina de papel artesanal e capacitação para a produção de objetos com design diferenciado no Barracão dos Catadores de Lixo da Região Central de Curitiba, capital do Estado do Paraná. [...] Propõe-se aqui ampliar as atividades desta usina de triagem criando-se a possibilidade de adição de valor ao principal material coletado na região central da cidade, o papel. (PROJETO PAPEL SOCIAL, 2006, p. 2) 3. TECNOLOGIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL Os avanços tecnológicos, muitas vezes representando meios para criar condições especiais para atender necessidades humanas, têm gerado demandas desnecessárias e processos de exclusão social. Assim, crescem na sociedade exigências de se pensar o desenvolvimento tecnológico circunscrito em uma visão crítica e social. Sem deixar de ressaltar as relações entre tecnologia e atividades produtivas, é essencial não compreendê-las como um simples somatório de técnicas, e reprodução de regras, normas e critérios. Bastos (1998) diz que os critérios de racionalidade estão presentes nos contextos produtivos tecnológicos, mas nem sempre eles funcionam conjugados com o sistema social ou as condições históricas da sociedade. Reafirmando essas idéias, e entendendo que as tecnologias não são neutras, pois conflitos e interesses circulam entre os grupos sociais, pode-se inferir que elas são construções sociais. Rocha Neto (2007) incentiva seus leitores a tomarem proveito da realidade, fazendo projeções que direcionem ainda mais os avanços na área: “Isto não implica a adoção de uma atitude radical, de aceitação pacífica ou de oposição ingênua às novas tecnologias, mas a necessidade de realização de um esforço de antecipação das suas implicações, oportunidades e alternativas - tanto para relações sociais e econômicas, quanto para o meio ambiente”.(FALTA O NÚMERO DA PÁGINA) No âmbito da discussão nascem as concepções de Tecnologia Social (TS), resgatando a década de 1970, quando se pensava em “tecnologia apropriada”. Os avanços se disseminaram com as possibilidades das classes menos desfavorecidas também terem acesso à tecnologia, e esta também ser articulada para resolver problemas de exclusão de serviços ofertados por ela. Silva et al (2007) apontam para os aspectos que abrangem a tecnologia social: As tecnologias sociais são inovações simples, de baixo custo, de fácil implantação e de grande impacto social, aplicáveis às mais diversas áreas do conhecimento. Constituem um importante componente das estratégias de desenvolvimento local sustentável, pois podem incidir, favoravelmente, na melhoria das condições de vida das comunidades onde são implementadas. (p. 3) Assim através do uso de Tecnologias Sociais e de políticas públicas é possível planejar ações de redução da pobreza, do analfabetismo, geração de emprego e renda, promoção do desenvolvimento local sustentável e outros desafios. O Projeto Papel Social foi considerado uma Tecnologia Social que contém o conceito de Educação Ambiental (EA) definido na Conferência de Tibilisi, da UNESCO, em 1977. A EA é um processo contínuo no qual todos tomam consciência de seu ambiente e adquirem o conhecimento, os valores, as habilidades, as experiências e a determinação que os tornem aptos a agir e resolver os problemas ambientais presentes e futuros (DIAS7, 2002, p.66 apud FERREIRA, 2006, p.3). Para o NEMA (Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental, do Rio Grande do Sul), “é querer um mundo diferente, com cidadania, paz, alegria, comida, educação, emprego, liberdade,... É buscar ações de transformação para uma vida melhor no presente e no futuro”. 3.1 Pesquisa de campo A pesquisa tem seu ponto de contato com o objeto pesquisado. A fase de Observação Participante8, instrumento principal de investigação desse trabalho, é “uma estratégia de campo que combina simultaneamente a análise documental, a entrevista de respondentes e informantes, a participação e a observação direta e a introspecção” (DENZIN 1978, p. 183). Na análise do Projeto Papel Social foi considerada uma amostra representativa do universo, constituído por cinco grupos, classificados por características mais ou menos homogêneas entre si: 1) GRUPO A: Catadores de Material Reciclável e familiares convidados a participar do processo de capacitação; 2) GRUPO B: pesquisadora-doutora e bolsistas responsáveis pela gestão e condução do processo administrativo do Projeto e do processo de capacitação; e representantes da empresa encubada na UTFPR - DesignÊre; 3) GRUPO C: Capacitadores e bolsistas responsáveis pela transmissão de saberes e conhecimentos, sendo alguns deles inicialmente voluntários e depois contratados de forma temporária por intermédio de instituição de apoio (CNPq); 7 DIAS, Geraldo de Freire. Iniciação à temática Ambiental. São Paulo: Editora Gaia, 2002. OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE: observação participante ou ativa consiste na participação real do observador na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação determinada, assumindo papel de um membro [...], técnica pela qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele mesmo. (GIL, 1994, p. 107 e 108) 8 4) GRUPO D: Instituto Lixo & Cidadania (ILIX) - Organização Não-Governamental (ONG). Instituição oficialmente executora do Projeto, junto à instituição financiadora – CNPq. A amostra estratificada foi a base para a condução de entrevistas com pessoas relacionadas aos grupos A, B, C e D, e a não participação do Grupo E considerando seu trajeto no trâmite das etapas do projeto (ver figura 1). Porcentagem de Pessoas Entrevistadas por Grupo de Formação 13% 37% 19% GRUPO A GRUPO B GRUPO C GRUPO D 31% Figura 1: Gráfico - Porcentagem de Pessoas Entrevistadas por Grupo de Formação. Fonte: Pesquisadora (mestranda da UTFPR) A quantidade de pessoas da “amostra” de cada grupo, na verdade, representa o universo total, ou seja, 100% das pessoas que participaram da etapa de observação das atividades do Projeto Papel Social. Como as atividades programadas sofrem mudanças no decorrer da implantação e do desenvolvimento do Projeto, existe uma dinâmica que convive com a instabilidade no que diz respeito à quantidade de pessoas e de postos. Os quatro aspectos dos fatores de Diamond9 (2005) aparecem nas relações entre o Projeto e o curso de capacitação. Para os entrevistados as vantagens econômicas do curso requereram capital (tempo), e esse foi um item complicador do sucesso. Faltou tempo para se aprender o que se almejava, e faltou tempo para ganhar dinheiro. Na realidade, eles não tinham a noção do tempo necessário para se produzir objetos com qualidade, e com potencialidade de venda. Por isso, a atividade demandava empenho e dedicação acima das condições individuais dos participantes. Os entrevistados não conseguiram apreender o papel da tecnologia nas atividades desenvolvidas no Projeto. As vantagens das novas tecnologias estariam na economia de tempo e de esforço embutida nos equipamentos (fogão, liquidificador, secador, furadeira, estufa), nas ferramentas (tesoura, espátulas, martelo, chaves de fenda, pincel), na estética e no design (moldes, formas, tintas, cola, barbantes, fios). A incorporação de valores pelos entrevistados centrou-se nos relacionamentos sociais. A convivência acrescentou aprendizados, permitiu o desenvolvimento de habilidades e competências, e 9 Os quatro Fatores de Aceitação Social de uma Nova Tecnologia são: Vantagem Econômica, Valor Social e Prestígio, Compatibilidade com o Capital Investido, e Facilidade de Compreender as Vantagens (DIAMOND, 2005, p. 248 e 249). Através das relações entre esses fatores e o desenvolvimento do projeto foram sendo construídas considerações gerais e elaboradas as questões das entrevistas, as quais seguiram uma ordem cronológica, uma ordem de complexidade das perguntas, intercalada por grupos de objetivos. interferiu na visão diante das possibilidades de transformação de objetos. As atividades possibilitaram a redução das tensões e o aumento do prazer de trabalhar. A divisão de tarefas, a descoberta de “talentos” e de tendências definiram as ações solidário do grupo. Fez parte do cotidiano das práticas desenvolvidas pelos capacitadores com o grupo de catadores o desenvolvimento de produtos artesanais, desde a escolha do que fazer, as influências do meio cultural, o material empregado, o desenho, as definições, os tipos de acabamento, a demanda de mercado e os preços. Eles funcionaram como grupo de trabalho, e os capacitadores destacaram a importância desse fato para o aprendizado. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sair do ambiente de trabalho de catador de “lixo”, atividade urbana extremamente importante e complementar da coleta seletiva feita pela Prefeitura Municipal de Curitiba, e passar a trabalhar com a transformação desse lixo, o qual assume a categoria de material reciclável no momento em que ele é selecionado, em um espaço fechado, com obrigações de responder as exigências de um “assalariado”, pode funcionar com um meio de ascensão na escala social. O Projeto Papel Social foi um veículo de repasse de recursos no qual se inseriram profissionais de instituições dispostos a organizar atividades de capacitação de pessoas “desqualificadas” para desenvolver produtos artísticos, que demandam o conhecimento de técnicas e de mercado. Dessa forma, foi possível aproximar duas atividades complementares: a catação e a confecção de objetos. No meio dessa caminhada está o catador e sua capacidade de selecionar o lixo, determinar as formas de fazer, precificar, transportar e vender. Mas, ele não desfruta dos benefícios modernos provindos dos avanços tecnológicos: redes de comunicação, meios de transporte, uso do espaço público, trânsito na escala social, e direitos citadinos. A complexidade dos fatores que envolvem a questão da gestão, dentre eles as relações humanas, o meio ambiente, a forma de apropriação de bens, a disponibilidade de recursos, conduziu a visão dos gestores a desencontros que simplificaram as expectativas. As características assistencialistas podem atrasar o andamento do Projeto. Mas, torna-se difícil a continuidade das atividades sem o apoio do Projeto, pois a principal atividade do catador é a coleta do lixo e a melhor divisão dos lucros. Além do mais, os estudos sobre os temas da reciclagem, do reaproveitamento, do lixo e educação para o meio ambiente estão engatinhando, e busca adeptos. O Projeto significa uma tentativa de avançar na divulgação desse tipo de atividade, franqueando oportunidades de ampliar relações comerciais, e desvelando os trabalhos dos catadores em eventos sócio-ambientais. Há um desconhecimento por parte da sociedade das possibilidades que um projeto social tem para habilitar e capacitar mão de obra “desqualificada”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, João A. S. L. A. Educação e Tecnologia. In: BASTOS, João A. S. L. A. (org.). Revista Educação e Tecnologia, vol., jul. Curitiba: CEFET-PR, 1997. BASTOS, João A. S. L. A. O diálogo da educação com a tecnologia. In: BASTOS, João A. S. L. A. (org.) Revista Tecnologia & Interação, Curitiba: CEFET-PR, 1998, p. 11-30. CADERNO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS – Volume IV. 2006. Trabalho Decente nas Américas: A Consolidação de um Caminho Comum. Disponível em <http://www.mte.gov.br/rel_internacionais/pub_revistaIV.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2007. DENZIN, N. The Research Act. New York, McGraw Hill, 1978. DIAMOND, J. 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