Tema: Mandado de segurança

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Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
1. Mandado de segurança – análise pontual da Lei 12.016/09
Este diploma recém publicado veio substituir todas as normas que versavam
especificamente sobre o mandado de segurança, concentrando em si toda a
regulamentação desta ação constitucional. É importante, portanto, proceder a uma
análise breve de todas as alterações e possíveis repercussões desta nova lei, revendo os
artigos pontualmente.
O artigo 1º já apresenta inovações:
“Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que,
ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que
categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
§ 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes
ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas,
bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no
exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a
essas atribuições.
§ 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial
praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de
economia mista e de concessionárias de serviço público.
§ 3º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer
delas poderá requerer o mandado de segurança.”
O caput contempla expressamente a pessoa jurídica como legitimada ao
mandamus, pondo fim a uma controvérsia sobre o tema, pois havia corrente, já
minoritária, que defendia que, como garantia constitucional individual, o mandado de
segurança não importava à pessoa jurídica, mas somente aos indivíduos, pessoas
naturais. A corrente que defendia a legitimação da pessoa jurídica alegava, com acerto,
que a CRFB prevê um rol mínimo de garantias, e a legislação ampliativa de tais
garantias é sempre bem vinda, pelo que a legitimação da pessoa jurídica é possível. A
novel norma acompanhou a melhor orientação.
O § 1º do artigo supra considera equiparados a autoridades públicas os
representantes de órgãos ou partidos políticos, para fins de impetração do mandamus.
Originalmente, a Lei 1.533/51 já previa assim, tendo sido excluída esta equiparação em
alteração posterior, e agora, na novel legislação, veio novamente ao elenco de
autoridades.
O § 2º deste artigo exclui cabimento do mandado de segurança para reclamar
dos atos de gestão comercial. Esta previsão seria até mesmo dispensável, porque por
definição só pode ser considerado ato de autoridade, alvejável por mandado, aquele em
que o Estado, ou equiparado, atua com as prerrogativas do Poder Público, coativa e
compulsoriamente – o que não ocorre nos atos de gestão comercial, por óbvio.
O § 3º do artigo 1º determina que quando várias pessoas detiverem o mesmo
direito, qualquer uma delas tem legitimidade ativa para impetrar o mandado de
segurança. É uma outra previsão que seria dispensável, eis que a própria natureza da
definição de legitimação ordinária permitiria concluir o que ali está escrito.
Avançando para o artigo 4º da Lei 12.016/09, vê-se, aí sim, uma boa inovação:
Michell Nunes Midlej Maron
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“Art. 4º Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos legais,
impetrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio
eletrônico de autenticidade comprovada.
§ 1º Poderá o juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama,
radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a
imediata ciência pela autoridade.
§ 2º O texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis
seguintes.
§ 3º Para os fins deste artigo, em se tratando de documento eletrônico, serão
observadas as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICPBrasil.”
Vê-se uma tendência a minimizar as formalidades no rito do mandado de
segurança, a exemplo do que se passa desde sempre no habeas corpus.
O artigo 5º da lei em estudo é bastante criticado:
“Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:
I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,
independentemente de caução;
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
III - de decisão judicial transitada em julgado.
Parágrafo único. (VETADO)”
O entendimento majoritário acerca deste dispositivo, que já era rechaçado na
vigência da Lei 1.533/51, é de que é claramente inconstitucional, eis que se trata de
redução de garantia constitucional, o que não é dado ao legislador infraconstitucional
fazer. Se a CRFB não limita o cabimento nos casos ali expressos, a lei não pode fazê-lo.
Debalde esta crítica, ao menos o inciso II do artigo supra é louvável, desde que
interpretado corretamente. Ali, consagrou-se o entendimento judicial de que se a
decisão é irrecorrível, o mandamus é cabível – devendo ser ignorada a limitação
referente ao efeito do recurso. Cabendo qualquer recurso, a decisão não pode ser
atacada por mandado de segurança.
O artigo 6º da Lei 12.016/09 apresenta os requisitos da peça inicial do mandado
de segurança, no caput, e ali traz uma outra previsão redundante: a parte final do caput
estabelece que será indicada a autoridade coatora e a pessoa jurídica que esta integra, é
vinculada ou representa. Ora, a pessoa jurídica é quem deve ser apontada como ré do
processo do writ, pelo que é uma indicação absolutamente necessária. E mais: a
autoridade é supostamente coatora, porque somente ao final será esta confirmada como
coatora, se for procedente o mandamus, ou não será coatora, se for improcedente. Veja:
“Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos
pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que
instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade
coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual
exerce atribuições.
§ 1º No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em
repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse
a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por
ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e
marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão
extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição.
§ 2º Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a
ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação.
§ 3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato
impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.
§ 4º (VETADO)
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§ 5º Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da
Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 6º O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo
decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.”
O § 3º do artigo supra também consagra entendimento que já vigorava, trazendoo expresso, quando identifica a autoridade coatora como aquela que tenha praticado o
ato diretamente, ou ordenado sua prática.
O § 5º estabelece que a segurança deve ser denegada quando da incursão em
hipóteses de extinção sem resolução do mérito. Se empregado este termo, há que se ter
cautela, eis que deverá ser adstrito às hipóteses de extinção sem resolução do mérito.
O § 6º, novamente, positiva o óbvio: se há denegação da ordem, é porque há
extinção sem resolução do mérito, e sempre que há este tipo de decisão, há coisa julgada
formal, permitindo a renovação da ação.
O artigo 7º da Lei 12.016/09 repete erro terminológico que vem desde sempre
presente: utiliza-se do termo notificação para identificar a comunicação inicial entre
autor e réu, quando deveria se valer do termo citação. Além disso, determina a
notificação à autoridade coatora, quando deveria, tecnicamente, determinar a citação do
réu,que no mandamus não é a autoridade coatora, e sim a pessoa jurídica de que ele faz
parte, como visto. Veja:
“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a
segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no
prazo de 10 (dez) dias, preste as informações;
II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa
jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que,
querendo, ingresse no feito;
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver
fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da
medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante
caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à
pessoa jurídica.
§ 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar
caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação
de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do
exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão
de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
§ 3º Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão
até a prolação da sentença.
§ 4º Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento.
§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste
artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da
Lei no 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”
Outra estranheza constante deste dispositivo é a previsão do inciso II: ali se
determina que seja dada ciência ao órgão de representação judicial do impetrado.
Tomemos como exemplo a representação do Estado, que é da Procuradoria-Geral do
Estado: a sua cientificação deveria ser incumbência do Estado, quando notificado, e não
do Judiciário; e mais: ali se diz que o órgão de representação judicial poderá ingressar
no feito, mas não há qualquer sentido nesta expressão, porque quem já é parte no feito é
o ente representado, e não o representante judicial: o Estado já ingressou no feito
quando notificado, não havendo ingresso da PGE quando se manifestar. É um
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dispositivo bastante atécnico, dando a entender algo como se o advogado de uma parte
citada fosse igualmente citado para ingressar no feito, compor o pólo passivo – o que é
uma impropriedade tremenda. Na prática, portanto, consiste apenas em um ofício
enviado ao representante da pessoa jurídica impetrada, noticiando do feito, sem mais.
O inciso III deste artigo 7º também demanda críticas. Ali se vê presente a
exigência dos requisitos ordinários para antecipação de tutela, especialmente a
probabilidade do direito, mas principalmente a frustrabilidade do provimento
jurisdicional final: exige o dispositivo que a liminar seja concedida somente se, não o
sendo, a medida final se torne inútil.
A parte final deste inciso III, que trata da possível exigência de caução como
contracautela, tem sido muito criticada pela OAB, que inclusive requereu que tal parte
fosse vetada no projeto desta Lei 12.016/09. Argumenta, a OAB, que este dispositivo é
deveras elitista, na medida em que quem possa caucionar poderá obter a liminar, e quem
não dispuser de recursos não poderá obter a decisão de urgência. Todavia, não procede
tal crítica, porque além da contracautela ser facultativa, como dispõe o texto, o juiz é
quem definirá sua extensão e intensidade, podendo adequá-la ao caso concreto.
O § 1º do artigo supra determina o cabimento do agravo de instrumento contra
qualquer decisão sobre a liminar, concessiva ou negatória. Apesar de ser esta a lógica –
pois que qualquer decisão interlocutória desafia agravo, por natureza –, o dispositivo
põe fim a discussão antiga sobre a decisão denegatória da liminar, o que já foi até objeto
de súmula que estabelecia o descabimento do agravo. Hoje, o cabimento é expresso.
O § 3º apresenta uma questão conturbada: a validade da liminar. Em que pese ali
estar expresso que esta tem efeitos até a prolação da sentença, o entendimento mais
correto deve ser o de que persistem seus efeitos até o trânsito em julgado da decisão
final, porque não é difícil se conceber que haja, entre a sentença e a decisão final, a
demora do processo, e se o direito acautelado pela liminar estiver desamparado, poderá
perecer entrementes. O artigo 807 do CPC já daria esta nota, servindo como reforço
argumentativo em prol desta tese da validade até o trânsito:
“Art. 807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo
antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer
tempo, ser revogadas ou modificadas.
Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar
conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.”
O artigo 8º da lei em comento traz uma pequena impropriedade, ao reduzir a
perempção ou caducidade à constatação ex officio ou a requerimento do MP. Ora, se a
matéria é cognoscível de ofício, qualquer um poderá propugná-la, inclusive o réu, a
pessoa jurídica da qual a autoridade participa, e não apenas o MP. Veja:
“Art. 8º Será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex
officio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o
impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de
promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe
cumprirem.”
O artigo 10 da Lei 12.016/09 fala do indeferimento da inicial:
“Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando
não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos
legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração.
§ 1º Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e,
quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber
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originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o
órgão competente do tribunal que integre.
§ 2º O ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da
petição inicial.”
O caput deste artigo supra expressa, novamente, o óbvio: faltando interesseadequação, qualquer inicial é indeferida, e estando caduca, pela perda do prazo, idem. O
§ 1º apenas se presta a tornar claro o cabimento de recursos que seriam mesmo os
cabíveis, mesmo se não fosse expresso neste dispositivo.
O § 2º do artigo supra fala de forma similar ao que é previsto no artigo 264 do
CPC, mas estabelece a imutabilidade do pólo ativo em momento aquém do que o CPC
estipula. Veja:
“Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de
pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as
substituições permitidas por lei.(Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma
hipótese será permitida após o saneamento do processo. (Redação dada pela
Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”
Assim, o ingresso de litisconsortes é possível somente até o despacho da inicial,
e não até a citação efetiva, como na regra geral. Isto impede que sejam aproveitadas
liminares já concedidas por co-impetrantes tardios.
O caput do artigo 12 da Lei 12.016/09 estabelece que o juiz ouvirá e o MP
opinará no feito. Há uma certa incongruência entre esta redação do caput e o parágrafo
deste artigo, porque os verbos do caput indicam a obrigatoriedade de oitiva do MP e
igualmente a obrigatoriedade de manifestação deste parquet, ao passo que no parágrafo
se nota clara dispensabilidade de efetiva manifestação do MP. Veja:
“Art. 12. Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7º desta Lei,
o juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do
prazo improrrogável de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão
conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida
em 30 (trinta) dias.”
O caput permitiria concluir que o MP deve oficiar, e deve manifestar-se
efetivamente, meritoriamente; contudo, o parágrafo vem e desfaz esta impressão,
fazendo crer que é dispensável o parecer ministerial. Por isso, e pela própria regra de
hermenêutica que considera a técnica legislativa segundo a qual o parágrafo não pode
contrariar o caput, deve ser lido o artigo com a supressão da expressão “ou sem” do teor
do parágrafo único, devendo ser tida por obrigatória, portanto, a oitiva e manifestação
conclusiva do MP.
O caput do artigo 14 deste diploma é realmente inútil, pois de sentença cabe
sempre apelação. Veja:
“Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
§ 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao
duplo grau de jurisdição.
§ 2º Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer.
§ 3º A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada
provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida
liminar.
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§ 4º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em
sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da
administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será
efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do
ajuizamento da inicial.”
Da mesma forma, a previsão do § 1º deste artigo supra é repetitiva, porque a
sentença que concede a segurança é contrária ao Poder Público, e pela regra geral este
tipo de decisão já é submetido ao reexame necessário.
O § 2º causa estranheza: ele contraria o artigo 499 do CPC, porque a autoridade
coatora não é parte, nem terceiro prejudicado, muito menos o MP. Entretanto, esta
subversão não é vedada ao legislador especial, que pode excepcionar a regra geral,
quando houver uma boa justificativa, pelo que é válida esta legitimação recursal
excepcional. Veja o artigo 499 do CPC:
“Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro
prejudicado e pelo Ministério Público.
(...)”
Repare que pode acontecer de a autoridade coatora ter interesse jurídico, como
quando a ilegalidade do ato repercutir em responsabilidade civil para esta autoridade.
Neste caso, estará amoldado ao conceito de terceiro prejudicado, mas se for o caso o
próprio artigo 499 do CPC autorizaria a legitimidade recursal, sendo despicienda a
previsão do artigo 14, § 2º, da Lei 12.016/09. De qualquer forma, a legitimação desta lei
especial não faz diferença, legitimando todas as autoridades, interessadas juridicamente
ou não.
O artigo 17 da lei em tela visa a salvaguardar o direito de demoras causadas pela
tramitação fática do processo: se a publicação da decisão demorar a ocorrer, por mora
na feitura do acórdão ou qualquer motivo extrínseco, as notas taquigráficas serão
publicadas no lugar do próprio acórdão. Veja:
“Art. 17. Nas decisões proferidas em mandado de segurança e nos respectivos
recursos, quando não publicado, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data
do julgamento, o acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas,
independentemente de revisão.”
A intenção do legislador foi boa, mas cogita-se da constitucionalidade deste
dispositivo, eis que já houve casos de normas similares declaradas inconstitucionais
pelo STF, por conta da violação da necessidade de fundamentação expressa do decisum,
pois na nota taquigráfica esta fundamentação não fica explícita como fica no acórdão
lavrado em atenção ao julgamento. Possivelmente este será o entendimento sobre tal
dispositivo.
O artigo 16 do diploma am análise apresenta regra, esta sim, bastante salutar:
“Art. 16. Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator
a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do
julgamento.
Parágrafo único. Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida
liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre.”
Este dispositivo diz exatamente o contrário do que é posto na súmula 622 do
STF:
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“Súmula 622, STF: Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que
concede ou indefere liminar em mandado de segurança.”
A lei revogou, com muito acerto, esta súmula acima, porque qualquer decisão do
relator desafia agravo, no caso o inominado, ou regimental quando a lei nada diz.
O artigo 18 da Lei 12.016/09 é mais uma previsão dispensável, porque se limita
a repetir o cabimento de recursos que já é a regra geral, prevista inclusive na CRFB:
“Art. 18. Das decisões em mandado de segurança proferidas em única
instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos
legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada.”
O artigo 19 do mesmo diploma dispõe que se há denegação da ordem, ou seja, o
processo é extinto sem resolução do mérito, a via própria poderá ser acessada para
resolver o mérito. De fato, assim o é em qualquer ação judicial, porque a coisa julgada
meramente formal não impede o ajuizamento da ação que intente resolver o mérito,
desde que sanada a carência que levou à não-apreciação do mérito. Veja:
“Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem
decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os
seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais.”
O artigo 21 da lei em tela trata do mandamus coletivo, não promovendo
alterações no caput. No parágrafo único, porém, as mudanças são significativas:
“Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido
político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus
interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou
por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de
direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou
associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas
finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.
Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo
podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da
totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.”
Ali se vêem os direitos que podem ser tutelados por mandado de segurança
coletivo, e se percebe que os direitos difusos, outrora tutelados nesta via, não são mais,
restando o mandado coletivo dedicado aos direitos coletivos e aos transindividuais
homogêneos.
Novidade que se vê no mandado de segurança coletivo é a que vem prevista no
caput do artigo 22 desta Lei 12.016/09:
“Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada
limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo
impetrante.
§ 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações
individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a
título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no
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prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da
segurança coletiva.
§ 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida
após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público,
que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”
A limitação que se impõe à coisa julgada, ali, é um tanto redundante. No
mandamus coletivo, o que se passa é a substituição processual, legitimidade
extraordinária, em que o impetrante defende em nome próprio direito que não lhe
pertence, mas sim aos membros do grupo que representa. Na substituição processual, a
coisa julgada atinge o substituído, para qualquer efeito, favorável ou desfavorável, e por
isso se vê que o alcance da coisa julgada já seria exatamente este que o caput positivou,
não sendo nada peculiar em relação à regra geral, portanto.
O artigo 23 da mesma lei repetiu o malfadado artigo 18 da revogada Lei
1.533/51:
“Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á
decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do
ato impugnado.”
Este prazo decadencial para a propositura do mandado de segurança é uma
excrescência jurídica, na medida que uma garantia constitucional não pode sofrer
limitações por parte do legislador infraconstitucional. Perdeu-se, com a nova lei, a
oportunidade de sanar esta absoluta impropriedade, pelo que permanece a limitação
flagrantemente inconstitucional deste prazo decadencial.
O artigo 24 da nova lei chega a ser risível: se a lei geral é sempre aplicável na
omissão da lei especial, os artigos a que aponta já seriam aplicáveis, sendo
absolutamente inútil este dispositivo:
“Art. 24. Aplicam-se ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 da Lei no
5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”
O artigo 25 da Lei 12.016/09 concentra duas regras que são, em verdade,
péssimas opções legislativas:
“Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de
embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários
advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de
má-fé.”
O descabimento dos embargos infringentes só tem uma razão de ser plausível: a
positivação do entendimento que integrava a súmula do STJ, no enunciado 169. Porque,
a rigor, não há qualquer sentido em se refrear o cabimento de um recurso que seria
naturalmente cabível, seguindo-se a regra geral. Ao contrário, seria até mais
recomendável o cabimento de mais uma oportunidade revisional, ante o cunho
garantista do mandamus.
“Súmula 169, STJ: São inadmissíveis embargos infringentes no processo de
mandado de segurança.”
Mas é a manutenção expressa, neste artigo 25 supra, do descabimento dos
honorários advocatícios no rito do writ mandamental que permanece o maior absurdo. O
único argumento que se levantava em favor do descabimento da verba honorária era a
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
ausência de previsão na Lei 1.533/51. Ora, se a lei especial é omissa, aplica-se a geral, e
o CPC é régio em regulamentar os honorários, pelo que não havia qualquer solidez
neste argumento. Agora, porém, infelizmente, a lei veda expressamente o que a
jurisprudência já vedava, sem qualquer razão jurídica.
A vedação aos honorários acaba, na prática, fazendo preferível, aos advogados, a
via ordinária – e também aos próprios impetrantes, que certamente seriam favorecidos
pela possibilidade de obtenção de condenação sucumbencial quando da negociação de
honorários contratuais com seu advogado.
O artigo 26 da nova lei prevê que é crime de desobediência o descumprimento
das ordens emitidas em mandado de segurança. O legislador errou desastrosamente,
aqui: o descumprimento de ordem judicial por agente público não se subsume ao crime
de desobediência, mas sim ao crime de prevaricação, constante do artigo 319 do CP. O
crime de desobediência é dedicado aos particulares que descumpram tal ordem. Veja:
“Art. 26. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das
decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções
administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando
cabíveis.”
“Desobediência
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”
“Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou
praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”
O artigo 29 do novel diploma revogou todas as normas que tratavam do
mandado de segurança, cujos ditames, em verdade, foram praticamente todos
englobados no corpo da nova Lei 12.016/09, e não meramente extirpados do
ordenamento – especialmente no que tratavam da vedação de liminares em mandados de
segurança. Veja:
“Art. 29. Revogam-se as Leis nos 1.533, de 31 de dezembro de 1951, 4.166,
de 4 de dezembro de 1962, 4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de
junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1o
da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de
janeiro de 1982, e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996.”
Feita a análise legal, passemos ao estudo dos pontos de maior indagação sobre o
writ of mandamus.
2. Aspectos peculiares do mandado de segurança
A Constituição autoriza o uso do mandado de segurança contra ato comissivo ou
omissivo que violar direito líquido e certo, ou seja, aquele que possa ser comprovado de
plano, por prova pré-constituída, que tenha sido praticado por autoridade pública ou
quem atue em prerrogativa de autoridade pública. Para definir qual ato seja impugnável,
portanto, é preciso primeiro definir quem o praticou, ou seja, autoridade pública ou
entidade a ela equiparada.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Além disso, o ato precisa ser de autoridade, e não apenas da autoridade: é
preciso que o ato seja praticado na prerrogativa do Poder Público, ou seja, do jus imperii
estatal, coativamente. Não pode, por isso, ser impugnado por mandado de segurança um
ato de gestão comercial, como quando o Estado atua em igualdade formal de condições
perante os particulares – numa contratação paritária, por exemplo.
A omissão estatal pode ser impugnada por mandamus, eis que esta pode violar
direito líquido e certo. Como exemplo, pode o particular ter seu direito de certidão
violado pela inércia do Estado em atender seu pedido – não pela negativa, que seria ato
comissivo, mas pela absoluta inércia, pura omissão. Outro exemplo de omissão a
desafiar mandado de segurança é o direito a haver sentença em prazo razoável, o que
pode ser violado pela inércia do juiz em exarar a decisão.
A autoridade pública pode ser própria ou por equiparação, como já se pôde
antever no artigo 1º do novel diploma.
Como visto, o réu do mandado de segurança, a parte que ocupa o pólo passivo, é
a pessoa jurídica de cujos quadros faz parte a autoridade que produziu o ato, e não a
própria autoridade. Isto levaria a pensar que o aponte da exata autoridade praticante do
ato é irrelevante, porque o réu seria o ente ou entidade pública que ela integra, de
qualquer forma. Contudo, é de fato importante apontar quem é esta autoridade coatora,
não porque passará a ser presente no pólo passivo – não será parte, nunca –, para sim
para definição de um aspecto fundamental: a competência do processo, que é definida
ratione materiae.
Veja: se o aponte da autoridade pelo impetrante indica o Governador do Estado
do Rio de Janeiro, a competência para o mandamus é do Órgão Especial do Tribunal de
Justiça; se aponta um secretário estadual, a competência é de uma Câmara Cível; se a
autoridade apontada é um fiscal de rendas, a competência é de uma vara da Fazenda
Pública – e em todos os casos o réu é o mesmo, o Estado do Rio de Janeiro.
O erro do aponte de autoridade coatora já foi apontado como causa para extinção
do processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva. Ora, este entendimento
era um verdadeiro impropério: o réu nunca foi ou será a autoridade coatora, e sim a
entidade que ela presenta. Sendo assim, se a parte é a mesma, como no caso
exemplificado – o Estado do Rio de Janeiro –, não importa quem foi apontado: o réu é
legítimo, quem quer que tenha sido apontado pelo impetrante. O direito do impetrante é
oponível ao réu, à parte do processo, e não à autoridade apontada como coatora1.
Se a autoridade que deveria ter sido apontada como coatora determinaria a
mesma competência que a autoridade que foi efetivamente apontada, não há
conseqüências maiores: o julgador simplesmente determinará a notificação para
solicitação de informações à verdadeira autoridade coatora, dando seguimento ao
processo. Outrossim, se a correção no aponte da autoridade for provocar alteração da
competência, ainda que não haja ilegitimidade, há incompetência, pelo que os autos
deverão ser remetidos ao juízo competente, que é o que dará prosseguimento ao feito,
notificando a correta autoridade para prestação de informações.
É considerada autoridade coatora, nos termos do § 3º do artigo 6º da lei em
estudo, já transcrito, aquela que tenha praticado o ato ou que tenha proferido a ordem
para que o ato tenha sido praticado, quem teve o poder de determinar ou ordenar a
prática do ato. Não se insere neste conceito de autoridade coatora o legislador de lei
1
Diferente será o caso em que se apontar como autoridade coatora pessoa que represente outra entidade,
outra pessoa jurídica, diversa daquela em cujo âmbito se deu a produção do ato coator: neste caso haverá
clara ilegitimidade passiva, por erro teratológico na eleição do pólo passivo, ensejando a extinção sem
resolução do mérito. Por exemplo, se o impetrante ajuíza mandado de segurança em face do Estado,
reclamando de coação ilegal por parte de ato do Prefeito.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
inconstitucional, porque mesmo que ele tenha produzido a norma: é autoridade coatora
aquele que, em função desta norma, praticou ou ordenou determinado ato concreto
atentatório ao direito líquido e certo. Da mesma forma, aquele que emite um parecer
contrário ao direito não é autoridade coatora: somente será assim considerado aquele
que, em razão do parecer, praticou ou ordenou a prática de um ato ilegal.
É por conta dessa lógica que não se admite, como é cediço, a impetração de
mandado de segurança contra lei em tese, pois não há violação concreta por esta lei a
direito líquido e certo algum, ante a abstração e genericidade da lei. D’outrarte, a
chamada lei de efeitos concretos, formalmente lei mas materialmente ato administrativo,
pode impingir violação direta ao direito de alguém, e se o fizer poderá, sim, ser alvejada
por mandamus.
Outra questão que se coloca, ainda pertinente ao aponte da autoridade coatora, é
a definição dos atos complexos e compostos. O ato complexo é aquele que é
decomponível em vários outros: a investidura de alguém em cargo público é um bom
exemplo, eis que a nomeação, a posse, e outros atos prévios, conformam a investidura
como ato completo. Nos atos desta espécie, como são diversas as autoridades que
contribuíram para a formação do ato, determina-se a competência, ou seja, elege-se
como autoridade coatora, aquela autoridade maior que emitiu participação no ato
complexo. Não há hierarquia entre os diversos atos, mas se elege a autoridade maior que
tenha ali atuado.
O ato composto, por seu turno, é aquele que não se decompõe em outros atos
segmentares: é um só ato, mas a sua efetividade, eficácia, depende de aprovação de uma
autoridade superior, e, por esta dinâmica, a autoridade maior será a apontada como
coatora. Como exemplo, se um secretário de Estado emite uma portaria, a qual precisa
ser aprovada pelo Governador, é este último que, aprovando-a, será apontado como
autoridade coatora. Havendo qualquer hierarquia entre as autoridades manifestantes, na
produção do ato, a de maior calibre será eleita como coatora.
Nos órgãos colegiados, há quem ache que se aponte o respectivo presidente
como autoridade coatora, mas esta não deve ser a orientação a ser seguida. Nestes casos,
o ato é do órgão colegiado, e não do presidente, pelo que é o próprio colegiado que deve
ser considerado autoridade coatora.
2.1. Prazo
Voltando ao aspecto do prazo, em que pese a afirmação, mais acertada, de que
seria uma restrição inconstitucional à garantia que é a natureza do mandamus, há até
mesmo súmula do STF amparando esta limitação, como se vê no enunciado 632 desta
Corte:
“Súmula 632, STF: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a
impetração de mandado de segurança.”
Sendo assim, é necessário definir como se conta este prazo. O início do prazo é
da ciência do ato, e não do ato em si, pois a pretensão mandamental só nasce quando o
prejudicado tem ciência do ato. Havendo pedido de reconsideração, diga-se, o prazo
corre mesmo da ciência original do ato, e não da negativa da reconsideração, porque
este pedido não suspende ou interrompe o curso do prazo de cento e vinte dias.
Diferentemente ocorre quando, acompanhando o pedido de reconsideração, há o
chamado recurso hierárquico, como alternativa em caso de negativa da reconsideração
– o reclamante pede que seja reconsiderado, e sucessivamente, se não o for, que receba
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
tal pedido como recurso hierárquico. Recebido o recurso, o ato coator passará a ser a
decisão deste recurso que mantiver a coação, ou seja, tal como no efeito substitutivo dos
recursos judiciais, o primeiro ato, recorrido, deixa de existir, e passa a ser ato coator a
decisão que o substituir. Conseqüentemente, a autoridade revisora, julgadora do recurso,
será agora reconhecida como autoridade coatora naquele ato.
Quando o ato coator for omissivo, simplesmente não se conta o prazo, porque a
coação, consubstanciada na omissão, se renova a todo tempo, enquanto a omissão
perdurar.
2.2. Liminar
Como visto no estudo do artigo 7º da Lei 12.016/09, a concessão da liminar, que
aqui tem natureza de antecipação de tutela (e não cautelar, como entendem
erroneamente alguns autores), conta com dois pressupostos: a relevância do
fundamento, que é a probabilidade da existência do direito, o fumus boni juris; e a
ineficácia da medida concedida somente ao final, se a concessão da ordem for cair no
vazio se não tutelada antecipadamente.
A liminar em mandado de segurança tem natureza de antecipação de tutela, e
não cautelar, porque ela se presta justamente a satisfazer, provisoriamente, exatamente o
que a parte obterá com o provimento final do processo. Como se sabe, a cautelar se
presta a garantir a efetividade do processo, e não a satisfazer provisoriamente a exata
pretensão do impetrante, como é o caso. O pedido cautelar é muito diferente do
antecipatório.
A liminar não pode ser concedida ex officio. Mesmo que a lei não seja expressa
em negar ou autorizar esta atuação de ofício, a regra geral é a inércia do Judiciário, pelo
que somente seria possível a concessão de ofício se a lei expressamente autorizasse.
Neste sentido, sequer a concessão de providência liminar diferente da que foi
especificamente requerida será possível. Isto porque se o juiz conceder medida diversa
da requerida, porque entende que será mais adequada e eficaz, estará atuando de forma
extra petita, o que equivale a um atuar de ofício, restrito à parte que concedeu de forma
a extrapolar o pedido.
A vedação à concessão de liminares, presente de forma esparsa em diversas
normas, e para diversas situações diferentes, casuísticas até, está presente de forma
concentrada na nova lei, como visto. Persiste, no entanto, a seguinte crítica: é
constitucional qualquer vedação à concessão de liminares no mandado de segurança?
O melhor entendimento é de que é, de fato, inconstitucional esta vedação. Isto
porque a lei proibitiva da liminar está, em verdade, impedindo o juiz de dar
cumprimento ao que a própria CRFB exige, quando determina que a proteção ao direito
seja garantida pelo mandado de segurança. Ao impedir que a liminar seja possível, a lei
está impedindo, por vezes, que o mandado de segurança tenha qualquer eficácia,
enquanto garantia contra ato lesivo de direito líquido e certo.
A decisão concessiva ou denegatória da liminar, pelo relator, desafia agravo
inominado, como visto. Isto pôs fim à discussão ferrenha sobre o cabimento do agravo
contra esta decisão, sendo que o descabimento chegou a ser sumulado pelo STF, no
enunciado 622 desta Corte, já transcrito – que está superado, portanto. Da mesma
forma, a decisão liminar do juiz, em qualquer sentido, hoje comporta agravo de
instrumento.
A eficácia da liminar, como visto, encontra limitador temporal na lei: é vigente
até a sentença. Ocorre que este limitador não é a melhor opção, porque a lógica da
dinâmica processual exigiria a necessidade de manutenção dos efeitos da liminar até o
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
trânsito em julgado, e não até a mera prolação da sentença – como o já abordado artigo
807 do CPC indica. Veja a súmula 405 do STF, que acabou sendo a orientação adotada
na lei, tristemente:
“Súmula 405, STF: Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no
julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida,
retroagindo os efeitos da decisão contrária.”
Casos Concretos
Questão 1
Após a conclusão de estudos desenvolvidos pela Secretaria de Transportes, em
que se concluiu que era elevada a tarifa praticada pelas linhas de ônibus municipais, o
Prefeito, mediante Decreto publicado em 27/04/2001, entendeu por reduzir a mesma em
15%, a partir do dia 03/05/2001. Contra tal ato normativo foi impetrado, em
28/10/2001, mandado de segurança pelas empresas de transporte municipal. Para elas,
houve falsa motivação, posto inocorrerem as alegadas distorções tarifárias, sendo o
escopo daquela autoridade apenas conquistar a simpatia popular. Alegou-se, ainda,
que a Administração Pública não obedeceu ao princípio do contraditório ao proceder à
alteração de forma unilateral. Finalmente, pugna pela tempestividade da impetração,
já que o art. 18 da Lei 1533 não fora recepcionado pela Constituição e, ainda que se
entendesse de forma diferente, a hipótese cuida de relação jurídica de trato sucessivo,
tendo a decadência atingido somente as prestações vencidas 120 dias antes da
impetração. Na verdade, por ser aquele ato normativo de efeitos permanentes, é ele
passível de ser alvejado a qualquer momento, enquanto perdurar a lesividade, sob pena
de gerar a perda do direito material afetado pelo ato abusivo do Poder Público. Decida
de forma fundamentada.
Resposta à Questão 1
Em que pese a crítica bastante acertada à constitucionalidade do prazo
decadencial, é fato que este ainda tem vigência, hoje. Por isso, sendo observado, no caso
concreto há a caducidade dos atos praticados há mais de cento e vinte dias da
impetração, mas não há daqueles mais recentes do que isso, se for de trato sucessivo; se
for permanente, sequer teve início a fluência do prazo, eis que a lesão está em curso.
Esta é a solução, mesmo à luz da Lei 12.016/09, e por isso tem razão o impetrante.
Veja o MS 1999.004.00462, do TJ/RJ:
“1999.004.00462. MANDADO DE SEGURANCA. Funcionalismo.
Gratificação Especial de Atividade. Acréscimo ao estipêndio, concedido por
despacho do Exmo. Sr. Governador do Estado, a Procuradores do Estado em
atividade e a aposentados exercentes de cargos comissionados e de
assessoramento superior, no âmbito do Poder Executivo, mediante critérios de
concessão de Gratificação de Encargos Especiais. Negativa da concessão da
vantagem aos Procuradores do Estado inativos e a seus pensionistas. Lei
Complementar nº 6/77. Artigos 93 e 179. Decreto Lei nº 220/75. Artigo 24,
inciso 8º. Redação da Lei nº 720/83. Constituição Federal. Artigo 40, § 8º.
Constituição Estadual. Artigos 82, § 2º e 89,§ 5º. Aplicação. DECADÊNCIA.
Prazo para pedir segurança Atos continuados ou de trato sucessivo. Atos
omissivos. Forma de contagem do prazo decadencial. Lei nº 1.533, de
31.12.51. Artigo 18. Exegese. Se a ofensa a direito líquido e certo resulta de
atos continuados ou de trato sucessivo, a cada nova prática renova-se o prazo
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
para a impetração da segurança. Se a lei ou o regulamento não fixaram o
momento fatal para a prática do ato, o prazo para impetração de Mandado de
Segurança, contra o ato omissivo, não flui. CARÊNCIA DA AÇÃO
MANDAMENTAL. Impossibilidade jurídica do pedido. Alegação de que " o
Judiciário, em sede de controle de constitucionalidade das leis, somente pode
se portar como legislador negativo, jamais como legislador positivo, de modo
que se uma dada lei é atacada por anti-isonómica, não é possível estender sua
aplicabilidade, atas apenas retirar a sua aplicação". Invocação da Súmula nº
339 do Supremo Tribunal Federal, de acordo com a qual, "Não cabe ao Poder
Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob funda-mento de isonomia". Verdadeiro sentido da Súmula,
nos casos em que a causa envolve extensão de vantagens aos inativos,
concedidas aos servidores em atividade. Jurisprudência do Supre-mo Tribunal
Federai. "Considerando que o § 4º ( atual 8º ) do artigo 40 da Constituição
Federal - que determina a extensão aos inativos de quaisquer benefícios ou
vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade - é norma
constitucional de eficácia imediata, o reconhecimento do direito a tal extensão,
por decisão judicial, não ofende o princípio da separação dos poderes, sendo
inaplicável, nessa hipótese, a Súmula nº 339 do Supremo Tribunal Federal" (
Supremo Tribunal Federal, Recurso Especial no 214.724 - RJ - de que foi
relator o Ministro Sepúlveda Pertence, in In-formativo nº126 ) "Não se pode, a
pretexto de alegar indevida interferência na Administração Pública, subtrair-se
da apreciação do Poder Judiciário qualquer reclamo de lesão a direito subjetivo
do cidadão.." ( Órgão Especial, Mandado de Segurança nº 469198, relator
Desembargador Laerson Mauro ) MANDADO DE SEGURANÇA.
Legitimação passiva para a causa. Definição. No mandado de segurança, parte
passiva é a pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade apontada
como coatora, não esta própria que, portanto, em sede mandamental, não pode
ostentar, em caso algum, a qualidade de parte legítima ou ilegítima.
PROCURADORES DO ESTADO. Desempenho de atividades extras,
relacionadas com consultoria jurídica e representação judiciai de sociedades de
economia mis-ta, empresas públicas, fundações e autarquias integrantes da
administração indireta. Vantagens pecuniárias devidas em decorrência do
desempenho dessas atividades suplementares. Natureza jurídica. Efeitos. As
vantagens pecuniárias devidas em decorrência do desempenho, em condições
comuns, de atividades extras, excepcionais ou especiais, que escapam à rotina
administrativa, às quais constituem um acréscimo, ostentam a natureza jurídica
de adicionais - de função ou ex facto oficii - que aderem ao vencimento e se
incluem nos cálculos dos proventos da aposentado-ria e, pois, nos das pensões.
Preliminares rejeitadas. Segurança concedida.” (grifo nosso)
Questão 2
Martinho Martins da Silva, policial militar, foi punido, através do Decreto
XX.YZY de 03/07/2000, como se fora um policial da chamada "banda podre", mesmo
diante do fato de ter o inquérito, que ensejou a punição, sido arquivado a requerimento
do Ministério Público. Irresignado com a situação impetrou mandado de segurança, em
05/06/2003, figurando como autoridade coatora o Exmo. Sr. Governador do Estado de
Sapucaia, com o fim de desconstituir o ato administrativo que o colocou em
disponibilidade, reintegrando-o aos quadros de sua corporação. Liminar indeferida. O
Estado de Sapucaia manifestou-se argüindo litispendência por ter o impetrante
ingressado, no mesmo dia, com dois mandados de segurança, com o mesmo pedido e
causa de pedir, estando um deles tramitando na Vara de Fazenda, requerendo a
extinção do feito. Informações não foram prestadas. Pergunta-se:
1) Quais as hipóteses de decretos em que será cabível o mandado de
segurança? Esclareça sobre as espécies de atos em que é cabível o mandado de
segurança.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
2) É cabível mandado de segurança contra ato jurisdicional do Supremo
Tribunal Federal?
3) Quais os requisitos necessários para concessão de medida liminar em
mandado de segurança?
4) Decida a questão.
Resposta à Questão 2
1) Cabe contra os atos de efeito concreto, que têm destinatário isolado,
determinado, não cabendo contra o chamado decreto autônomo, que
materialmente é uma lei. Basicamente, se resume a um critério genérico: são
atacáveis por mandamus os atos de autoridade.
2) Aqui surge uma certa perplexidade. O STF entende que não é cabível
mandado de segurança contra qualquer ato seu, do pleno ou de fracionários.
Ocorre que a CRFB, no artigo 102, I, “d”, fine, dá competência ao STF para
julgar mandado de segurança contra ato do próprio STF:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
d) o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas
alíneas anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do
Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e
do próprio Supremo Tribunal Federal;
(...)”
É uma posição um tanto estranha, esta do STF, mas é a que vigora.
3) É preciso que haja a probabilidade da existência do direito, e a
frustrabilidade da medida se for concedida somente ao final.
4) Prosseguiu apenas o primeiro mandamus, em razão da litispendência, e neste
será julgado procedente o writ se a ilegalidade foi comprovada.
3. Mandado de segurança
Muito recentemente entrou em vigor a nova lei que disciplina e regulamenta o
mandado de segurança, diploma que revogou a antiga Lei 1.533/51 e de todos os
diplomas que regulamentavam esta ação constitucional. Trata-se da Lei 12.016, de 7 de
agosto de 2009, e, diante desta recente alteração, já se impõe um estudo baseado nesta
novel legislação.
O mandado de segurança deve ser tido como garantia constitucional, e não como
uma mera ação cível. Seu fundamento, cláusula pétrea, vem no artigo 5º, LXIX, da
CRFB:
“(...)
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
(...)”
O writ of mandamus é residual diante do habeas corpus e do habeas data.
Somente quando o direito líquido e certo não for especificamente amparado por estas
outras duas garantias, será cabível o mandado de segurança.
O ato que desafia o mandamus deve promanar de autoridade pública. o artigo 1º,
§ 1º, da Lei 12.016/09, traz um rol de equiparações a esta figura da autoridade pública:
“Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que,
ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que
categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
§ 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes
ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas,
bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no
exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a
essas atribuições.
§ 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial
praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de
economia mista e de concessionárias de serviço público.
§ 3º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer
delas poderá requerer o mandado de segurança.”
Tem legitimidade ativa para o mandado de segurança qualquer pessoa, natural
ou jurídica, que tenha direito líquido e certo violado ou ameaçado. Há algumas
peculiaridades, porém. Os órgãos públicos, por exemplo, se caracterizam justamente por
sua falta de personalidade jurídica própria, o que, em princípio, impede-os de figurarem
no pólo ativo ou passivo de ações judiciais de qualquer natureza. Contudo, a doutrina e
a jurisprudência reconhecem capacidade processual a determinados órgãos públicos
para impetração do mandado de segurança. Basicamente, esta capacidade é reconhecida
aos órgãos independentes, aqueles que representam os Poderes, como as Câmaras
Municipais, os Tribunais de Contas, etc. Certamente, surgirão teses defendendo que esta
legitimação de órgãos não mais persiste, mas parece que ainda é, sim, possível.
Outra peculiaridade sobre a legitimidade para impetração do mandamus decorre
diretamente do caput do artigo 5º da CRFB:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)”
Veja que este dispositivo direciona os direitos arrolados nos incisos para os
brasileiros e para os estrangeiros residentes no Brasil. Esta previsão, porém, não elide a
legitimidade do estrangeiro não residente em solo pátrio para impetrar mandado de
segurança, quando se lhe perceber o avilte ao direito líquido e certo. Afinal, o
estrangeiro aqui não residente pode ter aqui patrimônio, por exemplo, e vir a sofrer
alguma violação contra este seu direito. Por isso, é consenso que o estrangeiro, mesmo
aqui não residindo, é legitimado ao mandamus.
O writ é um instrumento de controle particular da atuação do Estado. Pode,
porém, o próprio Estado precisar desta garantia, ou seja, pode o próprio Estado precisar
impetrar um mandado de segurança contra outro ato estatal. Isto é possível por contada
nossa forma federativa de Estado, em que se pode cogitar facilmente de um direito
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
líquido e certo do Município sendo violado por autoridade estadual, por exemplo,
quando então será necessária a proteção judicial do ente menor.
Pode acontecer caso ainda mais peculiar: pode um órgão público impetrar
mandado de segurança para o controle de ato de autoridade de outro órgão público, de
outro Poder, mas que integre a mesma pessoa jurídica. Por exemplo, pode a Câmara
Municipal, que integra a estrutura do Município, impetrar mandado de segurança contra
ato do Prefeito Municipal, sendo perfeitamente possível esta legitimação ativa e passiva.
A interpretação da legitimidade ativa no mandamus, diga-se, deve ser sempre o mais
ampliativa possível, eis que, como dito, é uma garantia constitucional, mais do que uma
simples ação.
3.1. Direito líquido e certo
Para efeito de impetração do mandado de segurança, direito líquido e certo é
aquele que pode ser comprovado de plano, no momento da impetração. Por isso é que,
no mandamus, a prova é pré-constituída, ou seja, a petição inicial do mandado de
segurança deve ser instruída com todos os documentos comprobatórios do direito do
impetrante.
Há uma definição clássica doutrinária sobre o direito líquido e certo, que diz que
é aquele direito certo quanto a sua existência, delimitado quanto a sua extensão, e apto a
ser exercido no momento da impetração.
A prova pré-constituída dos fatos, portanto, deve ser sempre documental, e não
cabe, jamais, produção de prova qualquer no curso do rito do mandado de segurança.
A única exceção à prova pré-constituída vem estabelecida no § 1º do artigo 6º da
Lei 12.016/09:
“Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos
pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que
instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade
coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual
exerce atribuições.
§ 1º No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em
repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse
a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por
ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e
marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão
extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição.
§ 2º Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a
ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação.
§ 3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato
impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.
§ 4º (VETADO)
§ 5º Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da
Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 6º O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo
decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.”
Se o documental necessário a formar a prova estiver em poder da autoridade ou
de terceiro, não tendo o impetrante acesso a tais documentos, o juiz requisitará a
apresentação de tais provas por quem as detenha.
Dúvida surge quando o juiz percebe que o direito líquido e certo não estava
presente apenas quando no momento de sentenciar: será este caso de extinção sem
resolução do mérito, ou o juiz denegará a segurança com resolução do mérito? O direito
líquido e certo é condição da ação, ou é condição para que o pedido seja procedente?
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
A doutrina diverge, mas de uma forma ou de outra, se o juiz decide
desfavoravelmente ao pleito porque não há a liquidez ou a certeza do direito, está
dizendo que não restaram produzidas as provas necessárias para tanto. Por isso, a parte
interessada pode, se quiser, acionar novamente o Poder Judiciário, em processo no qual
terá a oportunidade de produzir tais provas, e obter seu direito.
3.2. Mandado de segurança preventivo ou repressivo
O mandado de segurança preventivo é aquele impetrado sempre que ficar
caracterizada uma ameaça ao direito do impetrante, e a jurisprudência exige que tal
ameaça seja efetiva, para que enseje a proteção. O mero temor de que a administração
vá praticar determinado ato não justifica a impetração do mandado de segurança
preventivo.
Bom exemplo é o de um mandado preventivo impetrado contra um parecer que
indique opinião desfavorável ao impetrante: não se justifica esta impetração, porque o
parecer, opinativo, não será necessariamente acolhido pela autoridade, ou seja, a ameaça
que representa ao direito do impetrante não é efetiva, sendo no máximo uma
possibilidade.
Outro exemplo de descabimento do mandado de segurança preventivo é a
impetração contra projeto de lei: se há a possibilidade de não ser este projeto aprovado,
não há a ameaça efetiva.
O mandamus repressivo, por sua vez, é bem, simples: consiste no pedido de
segurança contra ato violador do direito líquido e certo que já foi efetivamente praticado
pela autoridade ou equiparado.
3.3. Prazo
O novel diploma manteve o prazo decadencial de cento e vinte dias para a
impetração do mandamus, como se vê no artigo 23 da Lei 12.016/09:
“Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á
decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do
ato impugnado.”
Na vigência da Lei 1.533/51, surgiu entendimento de que este prazo seria
inconstitucional, cerceador do acesso à justiça. O STF, porém, sempre entendeu que era
perfeitamente constitucional.
O pedido de reconsideração do ato violador, em esfera administrativa, não
interfere na contagem do prazo para impetração.
No mandado de segurança preventivo, o direito de requerer a ordem perdura
enquanto houver a ameaça efetiva, não contando-se os cento e vinte dias por simples
ausência de lógica, eis que não há mais prevenção quando se implementa o termo ad
quem da ameaça: se esta cessa sem consumar o avilte, não há interesse no mandado; se
a violação temida se consuma, o mandado será repressivo, e não preventivo.
Nos casos de omissão violadora do direito, o mandado de segurança repressivo
poderá ser impetrado também no prazo de cento e vinte dias, mas o termo a quo é
definido como sendo a data em que o ato deveria ter sido praticado e não o foi, quando
esta data for determinada. Se não há momento definido para a prática do ato, diga-se, o
mandado repressivo da omissão será impetrável a qualquer tempo, eis que não é
possível definir o termo inicial da contagem do prazo.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
A interposição de recurso administrativo do ato constritor influi no termo inicial
do prazo para a impetração: este prazo começará a correr a partir da ciência da decisão
administrativa sobre o recurso, e não da ciência do ato original recorrido. Inclusive, a
autoridade coatora será a que emitiu a decisão, em sede revisora administrativa.
3.4. Autoridade coatora
Deve ser apontada como autoridade coatora, no writ, aquela que determinou a
prática do ato. Em regra, só pode figurar como autoridade coatora aquela que tem
atribuição decisória, e não o mero executor do ato. É claro que se se confundirem na
mesma figura, o executor e o ordenador, ele é quem será apontado no pólo passivo.
Há uma hipótese na qual o executor será equiparado a autoridade coatora,
podendo figurar no pólo passivo do mandamus: quando a ordem superior por ele
executada for manifestamente ilegal. Neste caso, o agente tinha o dever de não cumprir
tal ordem, e se o fez, estará equiparando-se à autoridade ordenadora.
Outra situação peculiar é quando o executor exacerba a atribuição que lhe foi
conferida. Neste caso, será ele a autoridade coatora, mas veja que, em verdade, não
atuou como executor: atuou por ânimo próprio, eis que a ordem por ele recebida não
comandava aquela atuação exacerbada. Por isso, não era, de fato, mero executor,
respondendo como autoridade coatora propriamente dita.
Quando se tratar de órgão colegiado, a autoridade coatora é o próprio órgão
colegiado, e não o seu presidente. O ato é exarado pelo órgão como um todo, em uma só
manifestação, pelo que é este órgão a autoridade que deve ser impetrada. Mesmo que o
órgão seja notificado na pessoa do seu presidente, o ato é do órgão como um todo, e por
isso é a ele que se dirige a impetração.
O § 1º deste artigo 1º equipara a autoridade pública os representantes de partidos
políticos. Esta equiparação já foi muito discutida na jurisprudência, e havia sido
rejeitada, porque a CRFB de 1988 passou a considerar os partidos políticos como
entidades privadas, naturalmente alheadas do Poder Público. Contudo, a lei veio para
alterar o entendimento maciço da jurisprudência e doutrina, reputando cabível o aponte
do dirigente de partido político como autoridade coatora.
Se se tratar de ato complexo, aquele que demanda manifestação de mais de uma
pessoa para que se produza, sem que nenhuma das manifestações seja tida por principal
ou acessória, a autoridade coatora será plural: são postos no pólo passivo todos os
manifestantes no ato, e não apenas aquele que por último manifestou, como entende
parcela menor da doutrina. No ato composto, por seu turno, em que há mais de uma
manifestação, mas uma é principal em relação às demais, é claro que a autoridade
coatora é somente a que praticou o ato principal.
3.5. Mandado de
administrativamente
segurança
contra
decisão
judicial
ou
ato
recorrível
Da decisão judicial recorrível não se admite a impetração de mandado de
segurança. Veja o artigo 5º, II, da Lei 12.016/09:
“Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:
I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,
independentemente de caução;
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
III - de decisão judicial transitada em julgado.
Parágrafo único. (VETADO)”
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
A redação do inciso II acima pode dar a entender que, se a decisão comportar
recurso que não tenha possível efeito suspensivo, será cabível o mandado de segurança,
ou, ainda, que seria cabível mandado de segurança com o único escopo de atribuir efeito
suspensivo a tal recurso.
Ocorre que, na verdade, a interpretação mais correta é a de que, se há cabimento
de qualquer recurso contra a decisão judicial, tenha ele efeito suspensivo possível ou
não, não caberá a impetração de mandado de segurança. Se há previsão de recurso
judicial, esta é a via de revisão da decisão, e não o mandamus. Excepcionalmente,
porém, há quem admita a impetração de mandado de segurança apenas para atribuir o
efeito suspensivo, se a lei que prevê o recurso não prevê este efeito.
A regra, portanto, é o descabimento de mandado de segurança para controlar
decisão judicial recorrível, pois o controle é por via de recurso. Veja a súmula 267 do
STF:
“Súmula 267, STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial
passível de recurso ou correição.”
Quanto à decisão transitada em julgado, por sua vez, a situação é incontroversa:
não cabe mandado de segurança de forma alguma.
Quanto ao ato que desafie recurso administrativo, a situação é também
complexa. O artigo supra diz, no inciso I, que se há cabimento de recurso administrativo
com efeito suspensivo contra determinado ato, não é possível a impetração de mandado
de segurança contra este ato, criando perplexidade similar à da decisão judicial
recorrível, só que com um outro aspecto agravante a ser considerado: a questão do
cerceamento do acesso à justiça.
Da forma que foi redigido, o dispositivo dá a entender que a via recursal
administrativa, se existente, é mandatória. Contudo, a interpretação que se amolda aos
preceitos constitucionais da unicidade de jurisdição e acesso à justiça é a de que, uma
vez pendente de julgamento em recurso administrativo que teve efeito suspensivo, não
cabe, contra aquele mesmo ato, a impetração do mandamus. Ou seja, não basta a
potencialidade do recurso administrativo com efeito suspensivo existir, é necessário que
este tenha sido interposto e esteja em curso com efeito suspensivo.
Vale dizer que este dispositivo foi repetido da revogada Lei 1.533/51, e nesta
vigência o dispositivo equivalente era repetidas vezes declarado inconstitucional. O
legislador quis incentivar a solução em esfera administrativa, mas não pode ser esta via
imposta, como parece ser, na interpretação literal do dispositivo.
3.6. Petição inicial do mandamus
O artigo 6º da Lei 12.016/09, já transcrito, estabelece que a petição deverá ser
apresentada em duas vias, mas é claro que quantas forem as autoridades coatoras, tantas
serão as vias suplementares apresentadas, além da original que comporá os autos
judiciais.
O artigo 7º da mesma lei dispõe sobre as providências iniciais:
“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a
segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no
prazo de 10 (dez) dias, preste as informações;
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa
jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que,
querendo, ingresse no feito;
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver
fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da
medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante
caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à
pessoa jurídica.
§ 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar
caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação
de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do
exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão
de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
§ 3º Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão
até a prolação da sentença.
§ 4º Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento.
§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste
artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da
Lei no 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”
A autoridade coatora é notificada para prestar informações, em prazo de dez
dias, e não é citada para contestar. Ao ser notificada, a autoridade deverá justificar o
motivo da prática do ato apontado como ilegal.
Prestar informações é um ato pessoal da autoridade apontada, que não pode ser
delegado a outrem, nem mesmo a advogado.
Tecnicamente, a notificação é feita por mero ofício, mas na praxe é feita por
oficial de justiça, eis que a burocracia faz com que a chegada do ofício às mãos da
autoridade seja demasiadamente morosa.
A jurisprudência tem admitido que, mesmo que a prestação de informações não
seja uma contestação, possa a autoridade coatora alegar, ali, questões processuais, como
as preliminares de toda sorte.
Se a autoridade coatora não prestar informações, quedando-se inerte, ou prestálas fora do prazo, é claro que não se aplicam efeitos da revelia, mesmo porque o ato
coator será julgado válido ou não com base na prova pré-constituída, não sendo as
informações prestadas fundamentais como uma contestação o é para o contraditório.
Havendo informações prestadas pela autoridade, estas contam, porém, com
presunção de legitimidade, como todo ato praticado pela administração pública. surtindo
dúvida entre o documental do impetrante e as informações, o juiz deve pender para
estas, em função desta presunção.
O órgão de representação jurídica da autoridade coatora será cientificado da
impetração, a fim de ingressar no feito, se reputar necessário, como dispõe o inciso II do
artigo supra. Antes desta previsão, discutia-se quem ia expressamente no pólo passivo,
se a pessoa jurídica (como era o entendimento maior) ou o órgão de representação,
tendo a nova lei, portanto, pacificado a questão: é, de fato, a pessoa jurídica, e não o
órgão de representação. Destarte, o órgão de representação será intimado para,
eventualmente, impugnar o mandado de segurança, mas o pólo passivo, a notificação, é
da pessoa jurídica.
O artigo 4º da Lei 12.016/09 trata da impetração remota do mandado de
segurança:
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
“Art. 4º Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos legais,
impetrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio
eletrônico de autenticidade comprovada.
§ 1º Poderá o juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama,
radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a
imediata ciência pela autoridade.
§ 2º O texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis
seguintes.
§ 3º Para os fins deste artigo, em se tratando de documento eletrônico, serão
observadas as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICPBrasil.”
3.7. Liminar
O inciso III do artigo 7º, supra, estabelece que a liminar pode ser concedida com
ou sem exigência de caução que ampare a sua reversibilidade, em caso de indeferimento
final da ordem.
Da decisão sobre a liminar, deferindo ou denegando-a, cabe agravo de
instrumento, conforme o § 1º do artigo em estudo, o que pôs fim a uma discussão antiga
neste setor: a Lei 1.533/51 não previa recurso da decisão que indeferiu a liminar, pelo
que havia quem sustentasse caber outro mandado de segurança, somente contra esta
decisão denegatória, porque seria irrecorrível. Outra corrente, que era majoritária,
defendia que mesmo não havendo previsão expressa na lei, esta decisão ainda
comportava agravo de instrumento. Esta acabou sendo, de fato, a opção legislativa.
A lei anterior estabelecia prazo de noventa dias, prorrogáveis por mais trinta.
Hoje, a liminar tem vigência até a sentença, como dispõe o artigo 7º, § 3º, supra. Se, na
sentença, o juiz denega a segurança, deverá revogar a liminar, no corpo da própria
sentença.
Ante a natureza garantista do mandamus, há quem sustente que o juiz pode
conceder liminar diversa do pedido expresso pelo impetrante, se a adstrição ao pedido
expresso for insuficiente para resguardar o direito de que se pretende prevenir o
perecimento. Há, mesmo, quem entenda que a liminar possa ser concedida de ofício,
pelo mesmo fundamento.
O mandado de segurança tem prioridade de tramitação, perdendo em ordem
apenas para o habeas corpus. Isto acentua a nota de garantia constitucional do mandado
de segurança.
Sendo deferida a liminar, se o impetrante agir contrariamente ao que dele se
espera, o juiz decretará perempção ou caducidade da liminar, na forma do artigo 8º do
novel diploma:
“Art. 8º Será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex
officio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o
impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de
promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe
cumprirem.
A autoridade coatora recebeu uma obrigação legal adicional, quando notificada
para cumprimento da liminar, prevista no artigo 9º da Lei 12.016/09:
“Art. 9º As autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas
da notificação da medida liminar, remeterão ao Ministério ou órgão a que se
acham subordinadas e ao Advogado-Geral da União ou a quem tiver a
representação judicial da União, do Estado, do Município ou da entidade
apontada como coatora cópia autenticada do mandado notificatório, assim
Michell Nunes Midlej Maron
22
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
como indicações e elementos outros necessários às providências a serem
tomadas para a eventual suspensão da medida e defesa do ato apontado como
ilegal ou abusivo de poder.”
Foi criada a obrigação, mas não a sanção pelo seu descumprimento, pelo que não
se vê qual seja o resultado da desatenção a este comando.
3.8. Suspensão de segurança
Do deferimento da liminar cabe ainda outra forma de controle, além do agravo
de instrumento: o pedido de suspensão de segurança. Veja o artigo 15 da Lei
12.016/09:
“Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público
interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual
couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão
fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá
agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a
julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
§ 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o
caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal
competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.
§ 2º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste
artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a
liminar a que se refere este artigo.
§ 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas
ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem
condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.
§ 4º O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo
liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a
urgência na concessão da medida.
§ 5º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma
única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da
suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido
original.”
Apesar da redação truncada, o pedido de suspensão de segurança é cabível
sempre que a motivação extrajurídica ali prevista – grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança ou à economia pública – for percebida. A atenção ao pedido é do Presidente
do Tribunal respectivo, que poderá suspender a execução da decisão liminar contrária a
tais interesses.
A natureza jurídica desta suspensão é controvertida, mas tende a prevalecer o
entendimento de que se trate de uma providência cautelar atribuída ao Presidente do
Tribunal, e não recurso.
O pedido de suspensão, na vigência da lei anterior, só poderia ser formulado por
pessoa jurídica de direito público, mas hoje pode também o Ministério Público requerer
esta providência.
A Lei 8.437/92 já previa esta medida, com legitimidade do MP, mas agora está
consolidada sua legitimação na lei dedicada ao tema.
Nada impede que o pedido de suspensão corra concomitantemente com o agravo
de instrumento que é cabível contra a mesma decisão. Como dito, têm naturezas e
fundamentos diferentes.
Michell Nunes Midlej Maron
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Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Da manutenção da liminar pelo Presidente do Tribunal, desacolhido o pedido de
suspensão, cabe agravo; do julgamento deste agravo, mantida a liminar, cabe outro
pedido de suspensão de segurança, ao STJ ou STF.
3.9. Intervenção do Ministério Público
Findo o prazo para apresentação de informações, o MP será intimado a se
manifestar, na forma do artigo 12 da Lei 12.016/09:
“Art. 12. Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7o desta Lei,
o juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do
prazo improrrogável de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão
conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida
em 30 (trinta) dias.”
A atuação do MP é imposta por lei, portanto, mas há quem entenda que há casos
em que não haveria interesse a legitimar esta oitiva. Com ou sem parecer, porém, os
autos serão conclusos.
3.10. Recurso
Há um exemplo controvertido: se um mandado de segurança de competência do
tribunal, contendo dois pedidos, for julgado parcialmente procedente, e o impetrante
recorre da parte que não lhe foi deferida, e a autoridade pública não recorre, não poderá
esta aderir ao recurso do impetrante, por dois motivos: primeiro, não há sucumbência
recíproca, porque se a sentença for analisada capítulo a capítulo, cada um triunfou
integralmente em um capítulo, em um pedido; ad argumentandum, se se entender que
há sucumbência recíproca, o óbice é justamente o cruzamento de espécies de recursos:
da decisão do tribunal que concede a segurança, cabe recurso extraordinário ou especial;
da parte que indeferiu a segurança, cabe recurso ordinário – inviabilizando o recurso
adesivo.
Como se sabe, não há escolha na interposição do agravo: se for caso em que se
imponha a forma instrumental, esta é obrigatória, assim como a forma retida, quando
cabível. Mantendo a coerência da reforma, o artigo 527, II, do CPC assim dispõe:
“Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído
incontinenti, o relator: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
I - negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557; (Redação dada
pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se
tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação,
bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em
que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa;
(Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em
antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando
ao juiz sua decisão; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
IV - poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo
de 10 (dez) dias; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
V - mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido
ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda
no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2o), facultando-lhe juntar a
documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de
Michell Nunes Midlej Maron
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Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário
oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial; (Redação
dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
VI - ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste
artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se
pronuncie no prazo de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de
2005)
Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do
caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento
do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar. (Redação dada pela Lei nº
11.187, de 2005)”
Se não é opcional o tipo de agravo, a conversão de uma modalidade em outra,
pelo relator, é necessária. E veja que esta competência é monocrática, entregue apenas
ao relator, e não ao colegiado. Operada a conversão do agravo de instrumento em retido,
os autos serão remetidos ao juízo recorrido, apensando-os aos autos principais, porque
sua análise no tribunal só será feita em momento ulterior. A conversão não pode ser
feita pelo colegiado: se o relator encaminha o agravo de instrumento a julgamento, deve
ser julgado.
O parágrafo único do artigo supra dispõe que, após a conversão do agravo em
retido, não cabe recurso. Só cabe a reconsideração, se assim bem entender o relator. A
doutrina sugere que, se esta decisão de conversão prejudicar o agravante, além do
pedido de reconsideração, ele possa interpor embargos de declaração, com efeitos
infringentes – mas o STF tem reiterado entendimento que das decisões monocráticas do
relator não são cabíveis embargos, mas sim o agravo interno, e se o dispositivo o veda
expressamente, não há o que fazer. Mas há ainda outra sugestão doutrinária para o caso:
a impetração de mandado de segurança contra o ato do relator. Esta é a posição atual do
STJ, que entende cabível este mandamus, no que é acompanhado pelo TJ/RJ e pela
maioria da jurisprudência.
O TRF da Segunda Região veda agravo interno desta decisão de conversão do
agravo. Mas como a impetração de mandado de segurança ganhou freqüência, passaram
a admitir o agravo interno, mesmo contrariando a lei e seu próprio regimento.
Casos Concretos
Questão 1
O juiz, verificando irregularidades na petição inicial, notadamente a fragilidade
da prova pré-constituída, pode determinar a emenda ou complementação da petição,
observando o art. 284/CPC, a magnitude constitucional do mandado de segurança e o
princípio da economia processual?
Resposta à Questão 1
Sim, não só pode, como deve: é exatamente por conta da natureza de garantia
constitucional do mandado de segurança que as formalidades processuais corriqueiras
devem ser relativamente postas de lado.
Questão 2
Em determinado Estado da Federação, por intermédio da Companhia Estadual
de Energia Elétrica - CEEE, sociedade de economia mista, instaurou-se processo
Michell Nunes Midlej Maron
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Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
licitatório para efeito de habilitação de pessoas jurídicas visando à construção de usina
hidrelétrica. Ultimada a primeira etapa do processo licitatório, a diretoria coletiva da
CEEE julgou a fase de habilitação da mencionada concorrência pública. Vislumbrando
a existência de irregularidades no julgamento, algumas empresas construtoras,
participantes do certame, impetraram mandado de segurança. Decida sobre o
cabimento do mandamus, bem como sobre a competência para processo e julgamento,
observando-se a qualidade da pessoa que proferiu o ato.
Resposta à Questão 2
Da decisão alvejada cabe recurso administrativo com efeito suspensivo, pelo que
sequer seria cabível o mandado de segurança, mas há quem entenda que não se pode
tolher o acesso ao Judiciário, pelo que seria possível a impetração.
Sendo considerado cabível, a autoridade coatora é a diretoria da companhia
estadual, e, por isso, a competência é a definida na legislação estadual de organização
judiciária.
Veja o REsp. 84.082:
“REsp 84082 / RS. DJ 01/07/1996 p. 24002. PROCESSUAL CIVIL.
MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO PRATICADO POR
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE
AUTORIDADE - ART. 1. DA LEI N. 1.533/51. O CONCEITO DE
AUTORIDADE PARA JUSTIFICAR A IMPETRAÇÃO DO "MANDAMUS"
E O MAIS AMPLO POSSIVEL E, POR ISSO MESMO, A LEI AJUNTOULHE (AO MESMO CONCEITO), O EXPLETIVO: "SEJA DE QUAL
NATUREZA FOR". OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS A QUE ESTA
SUJEITA A ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA (INCLUIDAS AS
SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA) IMPOEM A SUBMISSÃO DA
CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS PUBLICOS AO
PROCEDIMENTO DA LICITAÇÃO, INSTITUTO JURIDICIZADO COMO
DE DIREITO PUBLICO. OS ATOS DAS ENTIDADES DA
ADMINISTRAÇÃO
(DIRETA
OU
INDIRETA)
CONSTITUEM
ATIVIDADE DE DIREITO PUBLICO, ATOS DE AUTORIDADE
SUJEITOS AO DESAFIO PELA VIA DA AÇÃO DE SEGURANÇA. "IN
CASU", A COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELETRICA - CEEE –
NA MEDIDA EM QUE ASSUMIU O ENCARGO DE REALIZAR A
LICITAÇÃO PUBLICA PARA EFEITO DE SELECIONAR PESSOAS OU
ENTIDADES PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS DO MAIOR
INTERESSE DA SOCIEDADE PRATICOU ATOS ADMINISTRATIVOS,
ATOS DE AUTORIDADE, JA QUE REGIDOS POR NORMAS DE
DIREITO PUBLICO E QUE NÃO PODERÃO PERMANECER FORROS A
IMPUGNAÇÃO ATRAVES DO MANDADO DE SEGURANÇA.
RECURSO PROVIDO. DECISÃO UNANIME.”
Questão 3
CARLOS ROSA impetrou mandado de segurança contra ato omissivo do
magistrado de primeiro grau por não ter prolatado sentença no tempo previsto na lei
processual. O processo estava concluso para sentença há mais de um ano.Nas suas
informações, o impetrado admitiu ter colocado o processo na "pilha para sentença",
onde permaneceu por mais de um ano, sem qualquer decisão.O relator solicitou
diligência à Corregedoria, em que se constatou haver, na mesma pilha, mais de 100
processos conclusos para sentença, alguns há mais de 1 ano. O Ministério Público
opina pela denegação da ordem por ser o writ o meio inidôneo. Pergunta-se: O
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Mandado de Segurança é o remédio constitucional adequado para tutelar o direito do
impetrante? Por quê? Há direito líquido e certo? Em caso de resposta positiva, qual?
Resposta à Questão 3
O TJ/RJ decidiu a questão no MS 2004.004.1439:
“MANDADO DE SEGURANCA. DES. SERGIO CAVALIERI FILHO.
Julgamento: 20/10/2004 - SEGUNDA CAMARA CIVEL.
MAGISTRADO. EXCESSO DE PRAZO PARA SENTENCA. OMISSAO.
IRREGULARIDADE PROCESSUAL.
MANDADO DE SEGURANÇA. Omissão do Magistrado Em Prolatar
Sentença no Prazo Legal. Direito Líquido e Certo da Parte Em Obter a
Decisão. Via Mandamental Idônea. Segurança Concedida. Apurada
administrativamente a ocorrência de irregularidade no andamento do processo,
e até admitido pelo Magistrado ter o processo permanecido na pilha para
sentença por mais de um ano sem qualquer decisão, impõe-se reconhecer a
indevida omissão da autoridade judiciária no cumprimento do seu dever de
julgar. É direito liquido e certo da parte obter a decisão judicial no prazo legal,
caso em que o mandado de segurança se apresenta como via idônea para obter
a tutela desse direito. Segurança concedida.”
4. Mandado de segurança contra atos legislativos
De modo geral, não se admite a impetração de mandado de segurança para
controle de atos legislativos, eis que eles são abstratos e genéricos, desafiando controle
de constitucionalidade.
O que se admite, porém, é a impetração de mandado de segurança para controle
de lei de efeitos concretos, justamente por não ter, esta lei, a abstração e generalidade
típica dos atos legislativos. A lei de efeitos concretos é lei formal, mas materialmente é
um ato administrativo, e por isso desafia mandamus.
Há uma utilização peculiar do mandado de segurança que é perfeitamente
admitida: este pode ser utilizado como instrumento de controle judicial preventivo de
constitucionalidade. O STF entende cabível a impetração de mandado de segurança por
parlamentar que vise a impedir a tramitação de proposta de emenda constitucional
contrária a cláusula pétrea. O que está em alvo de segurança, ali, é o direito líquido e
certo do parlamentar ao devido processo legislativo reformador da Constituição. Não é
possível, porém, a mesma utilização para impedir a tramitação de projeto de lei
inconstitucional, mas apenas emendas inconstitucionais, porque a tramitação de projetos
de lei inconstitucionais não é vedada na CRFB, como o é a de emendas, no artigo 60, §
4º, que impede a deliberação sobre tais matérias:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
(...)”
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
5. Mandado de segurança contra ato disciplinar
A Lei 1.533/51 proibia a utilização do mandamus contra ato administrativo de
natureza disciplinar. A nova Lei 12.016/09, porém, não repetiu esta proibição,
reforçando a tese jurisprudencial que já mitigava este descaimento.
O que a jurisprudência entendia era que não cabia mandado de segurança para
controlar o mérito do ato disciplinar, mas seria cabível para controle da legalidade de tal
ato (como a inobservância do contraditório e ampla defesa, por exemplo). Este é o
entendimento que deve ser mantido, na novel regulamentação.
6. Mandado de segurança coletivo
O inciso LXX do artigo 5º da CRFB é a sede constitucional deste instrumento:
“(...)
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos
interesses de seus membros ou associados;
(...)”
A nova lei regulamentou este dispositivo nos artigos 21 e 22:
“Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido
político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus
interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou
por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de
direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou
associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas
finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.
Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo
podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da
totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.”
“Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada
limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo
impetrante.
§ 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações
individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a
título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no
prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da
segurança coletiva.
§ 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida
após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público,
que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”
Repare que os interesses difusos não estão açambarcados no rol de proteção do
mandamus coletivo, como se vê no parágrafo único do artigo 21, supra.
A legitimidade dos partidos políticos não é muito clara. A redação é um tanto
confusa, não deixando clara qual a margem de interesses que podem por ele serem
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
deduzidos em mandado de segurança coletiva. O problema, em verdade, é na própria
legitimação constitucional dos partidos políticos, que nunca se justificou claramente.
A sentença do mandado de segurança é secundum eventum litis, assim como na
ação civil pública: para se beneficiar da decisão favorável no mandado coletivo, é
preciso ter desistido do individual em trinta dias depois da ciência da impetração do
coletivo que lhe alcance.
7. Honorários advocatícios e embargos infringentes
Confirmando a jurisprudência anterior do STF, a lei 12.016/51 diz claramente
que não são devidos honorários advocatícios de sucumbência no mandado de segurança.
Veja o artigo 25 deste diploma:
“Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de
embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários
advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de
má-fé.”
O artigo supra definiu também o descabimento de embargos infringentes no
mandamus, quando a decisão de tribunal, em tese, desafiasse este recurso.
8. Competência
A competência do mandado de segurança é ratione personae, ou seja, é definida
em razão da qualidade da autoridade coatora.
No âmbito Federal, a CRFB detalha a competência. No âmbito estadual, esta
competência é definida na Constituição Estadual e nas leis de organização judiciária de
cada Estado, sendo que a divisão interna de competência vem prevista nos regimentos
internos dos Tribunais.
A EC 45/04 promoveu uma pequena alteração na competência do mandado de
segurança envolvendo questão trabalhista. Excepcionalmente, é cabível o mandamus
para controle de ato praticado pelo juiz do trabalho. Antes desta emenda, quando o juiz
do trabalho fosse a autoridade coatora, sendo ele um juiz federal, a competência para o
mandado de segurança era do TRF, como visto. Hoje, porém, segundo o inciso IV do
artigo 114, na justiça do trabalho foi eleito o critério ratione materiae para o mandado
de segurança trabalhista, e não a regra geral, ratione personae. Veja:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato
questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
(...)”
O artigo 2º da nova lei é relevante neste tópico:
“Art. 2º Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de
ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser
suportadas pela União ou entidade por ela controlada.”
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Esta previsão cria uma situação estranha: qual será a competência para julgar o
mandado de segurança impetrado contra dirigente de sociedade de economia mista
controlada pela União? O artigo 109, I, da CRFB dispõe que:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,
exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça
Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
(...)
VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de autoridade
federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
(...)”
Ora, a sociedade de economia mista não está no rol do inciso I do artigo supra,
pelo que é dada a competência para suas causas à Justiça Estadual, mas a autoridade
federal está na previsão do inciso VIII, e a redação do artigo 2º da Lei 12.016/09, acima,
considera autoridade federal aquela que represente entidade controlada pela União.
Sendo assim, o mandado de segurança impetrado contra ato de dirigente de sociedade
de economia mista controlada pela União terá a competência sediada na Justiça Federal,
em se observando esta nova previsão do artigo 2º do novel diploma.
A perplexidade se dá pela segmentação procedida: as ações regulares que
envolvam sociedades de economia mista da União são de competência da Justiça
Estadual, enquanto os mandados de segurança contra atos desta mesma sociedade são
de competência da Justiça Federal, porque são atos praticados por autoridade federal,
nos termos da nova lei.
Pelo ensejo, as empresas públicas e sociedades de economia mista integram a
administração pública indireta, mas são pessoas jurídicas de direito privado. Por isso, só
é cabível mandado de segurança para controlar atos praticados por dirigentes destas
empresas quando a natureza do ato se relacionar com alguma atribuição do Poder
Público. Por exemplo, uma ingerência ilegal de um dirigente de um banco público sobre
uma conta-corrente por ele gerenciada não desafia mandado de segurança, mas a
preterição em concurso público para ingresso neste mesmo banco enseja o mandamus,
pois o respeito à ordem do concurso é atribuição de caráter público. Esta dinâmica se
encontra prevista no § 2º do artigo 1º da Lei 12.016/09, já transcrito.
Se o ato coator foi praticado por uma determinada autoridade, mas o seu
superior avocou a competência para o ato antes da impetração do mandado, este passa a
ser a autoridade a ser apontada como coatora. Se a avocação se der após a impetração
do mandamus, porém, não haverá relevância para definição do juízo competente: a
avocação posterior do ato não pode deslocar a competência definida inicialmente.
Mesmo encampado o ato, não se desloca a competência.
Há entendimento de que se o impetrante apontar erroneamente a autoridade
responsável pelo ato, o juiz deve notificar a real autoridade coatora, e se a competência
for outra, deve remeter para lá os autos. Assim o é porque, por vezes, a estrutura da
administração pública torna difícil a identificação, pelo impetrante, de quem seja a
autoridade a ser apontada. Mas há quem defenda que, no erro do aponte da autoridade
pelo impetrante, o processo deveria ser extinto – o que não se coaduna com a natureza
de garantia do mandamus.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
9. Descumprimento de decisões do writ
O artigo 26 da Lei 12.016/09 dispõe que é crime de desobediência o
descumprimento de qualquer decisão do mandado de segurança. Veja:
“Art. 26. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das
decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções
administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando
cabíveis.”
É claro que quando o descumprimento for simplesmente por absoluta
impossibilidade material, não há que se falar em configuração do crime, porque carece
de qualquer ânimo do descumpridor, e a imputação de crime seria atribuição de
responsabilidade penal objetiva, o que é inadmissível.
Casos Concretos
Questão 1
O Partido Integralista impetrou Mandado de Segurança coletivo em face do
Decreto 500/91 do Município de Mananciais, que trata de majoração do IPTU.O
Tribunal de Justiça do Estado concedeu a segurança. Irresignado, o município
recorreu à competente instância suscitando a ilegitimidade do partido político para a
propositura do respectivo mandado de segurança coletivo, uma vez que este não
poderia agir em nome dos contribuintes, mas, somente, em defesa de direito seu ou de
seus filiados. Aduz, ainda, que, para proteção dos interesses dos contribuintes de IPTU,
no presente caso, caberia ação civil pública. Pergunta-se:
1) Partido político tem legitimidade para propositura de mandado de segurança
coletivo, em quais hipóteses?
2) É cabível o mandado de segurança coletivo em favor de pessoas não filiadas
ao partido político?
3) Demonstre semelhanças e diferenças na legitimidade ativa e na passiva entre
o mandado de segurança individual e o coletivo.
Decida a questão, fundamentadamente, não deixando de citar os pressupostos
de cabimento do mandado de segurança coletivo.
Resposta à Questão 1
1) Sim, nas hipóteses expressamente consignadas no artigo 21 da Lei
12.016/09.
2) A redação do dispositivo é um tanto truncada, mas dali se depreende que
somente para defesa de filiadas ou de interesse do partido em si,não de
pessoas alheias aos quadros.
3) Os direitos individuais homogêneos são passíveis de segurança por um ou
outro meio, sendo poucas as outras semelhanças.
Veja o RE 196.184:
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
“RE 196184 / AM – AMAZONAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 27/10/2004. Órgão Julgador:
Primeira Turma.
Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE
SEGURANÇA COLETIVO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE
PARTIDO POLÍTICO. IMPUGNAÇÃO DE EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA.
IPTU. 1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de
pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou
coletiva. Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/04/2000. 2.
O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de
segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses
individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário
conhecido e provido.”
Questão 2
JOÃO CARLOS, candidato ao concurso de Analista Judiciário do Tribunal de
Justiça, impetra mandado de segurança em que impugna o conteúdo de determinadas
questões, bem como o contraste delas com normas do edital. Aponta o Presidente do
Tribunal como autoridade impetrada. A Procuradoria do Estado requer a extinção do
feito sem resolução do mérito por que o fato de ser aquela autoridade presidente da
comissão de concurso, não o qualifica como autoridade coatora, já que o certame fora
terceirizado, cabendo a uma outra instituição privada a elaboração das questões.
Manifeste-se acerca do cabimento do respectivo writ.
Resposta à Questão 2
A questão é bastante controvertida, mas o STJ reputa autoridade coatora quem
organizou o certame. Veja o Ag. Rg. no RMS 24.116:
“AgRg no RMS 24116 / AM. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. DJe 02/06/2008.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO
DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. TEORIA DA
ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO
HIERÁRQUICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AGRAVO DESPROVIDO.
I – No caso, cabe ao Centro de Seleção e Promoção de Eventos (CESPE)
elaborar as questões da prova do concurso e julgar os respectivos recursos
administrativos.
II – Insurgindo-se o mandado de segurança contra ato de atribuição do
CESPE/FUB (conteúdo de questão de concurso em contraste com normas do
edital), o e. Desembargador Presidente da Comissão do Concurso não deve
figurar como autoridade coatora.
III – Além da manifestação acerca do mérito do mandamus por parte da
autoridade apontada coatora, exige-se, para fins de aplicação da “teoria da
encampação”, vínculo hierárquico imediato entre aquela autoridade e a que
deveria, efetivamente, ter figurado no feito.
IV – In casu, não existe relação de hierarquia entre o e. Desembargador
Presidente da Comissão do Concurso e o CESPE/FUB.
Agravo regimental desprovido.”
10. Relativização da coisa julgada – perspectiva moderna
A doutrina fala sobre a flexibilização da coisa julgada em duas posições:
Barbosa Moreira e Nelson Nery Júnior entendem que a coisa julgada não é suscetível de
flexibilização, mitigação ou relativização. Há dois fundamentos: a ação rescisória só
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
cabe em hipóteses taxativamente descritas no artigo 485 do CPC. Também não se pode
esquecer que a rescisória é utilizada para hipóteses de error in procedendo, e não de
error in judicando. Para eles, a coisa julgada é um dogma. É uma posição conservadora.
Em perspectiva mais moderna, outrossim, há autores que admitem a
flexibilização, a mitigação e a relativização da coisa julgada, desde que haja ponderação
entre dois princípios constitucionais: o da justiça das decisões judiciais, que é
cristalizado pelo princípio do acesso à justiça, e a segurança nas relações jurídicas,
corporificada na garantia da proteção à coisa julgada material – a coisa julgada não é
absoluta.
Sobre a fundamentação teórica desta segunda corrente, há quatro posições: a
teoria do direito alternativo, de Amílton Bueno de Carvalho, para quem o direito não se
confunde com a justiça, ou seja, nem tudo o que legal é justo. Seria ilegal a mitigação da
coisa julgada. O ato viola o direito, mas atende à justiça.
Há também a teoria da impossibilidade jurídica dos efeitos da decisão, de
Cândido Rangel Dinamarco. Coisa julgada é o caráter imutável dos efeitos substanciais
das decisões de mérito. Só são suscetíveis os efeitos que sejam juridicamente possíveis.
Por exemplo, não poderia ser possível que um servidor público tivesse decisão num
sentido e outro servidor em outro sentido. Significaria, tal hipótese, a inexistência de
coisa julgada material.
Ainda há a teoria da joisa julgada inconstitucional, que hoje é a posição mais
difundida, sendo reputada ao Ministro José Augusto Delgado, do STJ.
Inconstitucionalidade é um vício que alcança todos os atos do Poder Público
(legislativos, executivos e judiciais). Neste caso, há invalidade da coisa julgada, ou
seja, ela existe, mas é inconstitucional.
Por fim, há a teoria da cedência recíproca entre os princípios constitucionais,
de Maria Cristina Almeida. Cedência recíproca implica na necessidade de ponderação
com outros princípios constitucionais, entre coisa julgada e outros princípios. Por
exemplo, a coisa julgada cede em ponderação com o princípio da verdade biológica, ou
com o princípio da tutela do meio ambiente sadio, ou ainda com o princípio da tutela do
patrimônio público.
10.1. Instrumentos processuais
Há quatro posições doutrinárias sobre o tema. Para Humberto Theodoro Júnior,
devem ser utilizadas as ações autônomas de impugnação ordinárias, quais sejam, a
ação rescisória e os embargos à execução. Se houver coisa julgada, não há prazo nem
para a rescisória e nem para os embargos.
Pontes de Miranda, por seu lado, entende que a coisa julgada deve ser
relativizada através de nova demanda. Deve ser oferecida nova demanda com o mesmo
objeto. Deve-se desconsiderar a primeira coisa julgada formada e entrar com uma nova
ação igual. Há precedentes do STF adotando esta posição.
Para Wilson Marques, seria cabível o mandado de segurança, e também se deve
desconsiderar o prazo de cento e vinte dias.
E há ainda quem aponte a ação declaratória de nulidade absoluta, a querella
nullitatis insanabilis: declara que existe no caso concreto uma nulidade absoluta. Essa
ação não tem prazo e se entende hoje que não está restrita à inexistência de citação.
Entende-se que é cabível em qualquer nulidade. É a posição mais seguida,
principalmente por Ada Pellegrini Grinover.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Alguns julgados demandam transcrição, os primeiros, enquanto a matéria era
dada ao STF, e em seguida aqueles julgados pelo STJ, quando encampou a matéria,
após a CRFB de 1988:
“RE 97589 / SC - SANTA CATARINA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
Relator(a): Min. MOREIRA ALVES. Julgamento: 17/11/1982. Órgão
Julgador: TRIBUNAL PLENO.
Ementa: AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE DE SENTENÇA POR
SER NULA A CITAÇÃO DO RÉU REVEL NA AÇÃO EM QUE ELA FOI
PROFERIDA. 1.PARA A HIPÓTESE PREVISTA NO ARTIGO 741, I, DO
ATUAL CPC - QUE E A DA FALTA OU NULIDADE DE CITAÇÃO,
HAVENDO REVELIA - PERSISTE, NO DIREITO POSITIVO
BRASILEIRO - A "QUERELA NULLITATIS", O QUE IMPLICA DIZER
QUE A NULIDADE DA SENTENÇA, NESSE CASO, PODE SER
DECLARADA EM AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE,
INDEPENDENTEMENTE DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA
AÇÃO RESCISÓRIA, QUE, EM RIGOR, NÃO E A CABIVEL PARA ESSA
HIPÓTESE. 2.RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, NEGANDOSE-LHE, POREM, PROVIMENTO.”
“REsp 240712 / SP. DJ 24/04/2000 p. 38.
PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. EFEITOS. COISA
JULGADA.
1. Efeitos da tutela antecipada concedidos para que sejam suspensos
pagamentos de parcelas acordados em cumprimento a precatório expedido.
2. Alegação, em sede de Ação Declaratória de Nulidade, de que a área
reconhecida como desapropriada, por via de Ação Desapropriatória Indireta,
pertence ao vencido, não obstante sentença trânsito em julgado.
3. Efeitos de tutela antecipada que devem permanecer até solução definitiva da
controvérsia.
4. Conceituação dos efeitos da coisa julgada em face dos princípios da
moralidade pública e da segurança jurídica.
5. Direitos da cidadania em face da responsabilidade financeira estatal que
devem ser asseguradas.
6. Inexistência de qualquer pronunciamento prévio sobre o mérito da demanda
e da sua possibilidade jurídica.
7. Posição que visa, unicamente, valorizar, em benefício da estrutura social e
estatal, os direitos das partes litigantes.
8. Recurso provido para garantir os efeitos da tutela antecipada, nos moldes e
nos limites concedidos em primeiro grau.”
“REsp 226436 / PR. DJ 04/02/2002 p. 370.
PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO
DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO
JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA
JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE
FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.
I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação
de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência
de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e
considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo
DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admitese o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma
anterior com sentença julgando improcedente o pedido.
II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização
de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao
julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na
composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria
de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de
investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas
palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se
aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do
processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança
prática das relações jurídicas e
as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima
razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a
Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade".
IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que
atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.”
A posição do TJ-RJ é a de que não há que se falar em coisa julgada
inconstitucional, seguindo, portanto, a posição conservadora de Barbosa Moreira.
Em regra, a decisão de invalidade produz efeitos ex tunc.
11. Honorários
No mandado de segurança, não há condenação a pagamento de honorários
advocatícios, qualquer que seja o resultado do mandamus. A matéria é sumulada, no
STF, no enunciado 512, e no STJ, no enunciado 105:
“Súmula 512, STF: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação
de mandado de segurança”
“Súmula 105, STJ: Na ação de mandado de segurança não se admite
condenação em honorários advocatícios.”
12. Sentenças falsamente terminativas ou falsamente definitivas
Imagine-se que o réu argua ilegitimidade passiva, e o juiz, ao final do processo,
constate que, pelas provas trazidas, realmente nada tem a ver com a ação proposta. Esta
sentença será pela improcedência, ou será extintiva pela falta da condição da ação?
Pela teoria da asserção, a sentença tem que ser definitiva, ou seja, se houve
provas suficientes para demonstrar que o réu não deveria estar no pólo passivo, é porque
o pedido em face dele é improcedente, e deve transitar materialmente em julgado. Só
seria sentença terminativa, por carência de legitimidade passiva, se esta fosse percebida
sem necessidade de provas, ou seja, se fosse um erro teratológico de apontamento do
pólo passivo, por exemplo – quando então faria coisa julgada apenas formal.
Contudo, há quem julgue esta lide, com provas da ilegitimidade, em sentença
terminativa, sem incursão no mérito. É imprecisão que não deve prosperar, porém,
sendo a sentença falsamente terminativa – devendo fazer coisa julgada material,
portanto, mesmo extinguindo pelo artigo 267, VI, do CPC.
Outro exemplo é o do mandado de segurança: se for concedida a segurança, a
sentença é de mérito, fulcrada no artigo 269, I, do CPC. A denegação da segurança, por
sua vez, é mais complexa: pode se dar por causa terminativa, ou por enfrentamento do
mérito, respectivamente fazendo coisa julgada formal e material. Todavia, há um severo
problema a ser abordado: se a denegação da segurança for por ausência de direito
líquido e certo, há que se definir a natureza do direito líquido e certo no mandamus: se
se tratar de condição especial da ação mandamental, a sentença que assim se justifica é
terminativa, pois não enfrentou o mérito – fazendo apenas coisa julgada formal; se se
entender que se trata de prova pré-constituída, pois este rito não conta, em regra, com
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
fase instrutória2, e, por compor o próprio mérito do writ, a sentença que assim se fundar
será definitiva – artigo 269, I, do CPC, improcedência por falta de provas –, e portanto,
fará coisa julgada material. No processo civil, a tese prevalente é a que entende como
prova pré-constituída, pelo que a sentença assim exarada faz coisa julgada material.
Veja que o STF parece adotar tese que a improcedência, para o impetrante, não
faz coisa julgada material, pelo que se depreende da sua súmula 304:
“Súmula 304, STF: Decisão denegatória de mandado de segurança, não
fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.”
13. Mandado de segurança contra ato da administração na licitação
Os participantes da licitação podem impetrar mandado de segurança contra ato
de habilitação ou inabilitação, ao invés do recurso administrativo, ou se o julgamento
dos recursos for insatisfatório, e puder ser considerado ato eivado de ilegalidade. Se
neste mandamus o impetrante conseguir uma liminar para conceder efeito suspensivo, o
procedimento será suspenso.
Se o mandado de segurança for impetrado já existindo recurso administrativo
com concessão de efeito suspensivo do certame, a maior parte da doutrina entende que o
writ carece de interesse processual, interesse-necessidade, e por isso deveria ser extinto.
Outra parte da doutrina, minoritária, privilegia a inafastabilidade do Judiciário, e
defende que o writ seja processado regularmente.
As empresas estatais que desempenham atividade econômica são passíveis de
mandado de segurança, quanto aos aspectos desta empresa que são regidos pelo direito
público. Por exemplo, não há que se falar em mandado de segurança contra ato do
gerente do Banco do Brasil na manutenção da conta-corrente, mas é possível a
impetração de um writ contra a preterição em concurso público realizado para esta
sociedade de economia mista.
14. Direito líquido e certo
O procedimento dos remédios constitucionais deve ser o mais célere e ágil
possível. Afora a ação popular, todos os demais remédios, inclusive, demandam a
existência do chamado direito líquido e certo, apesar desta expressão constar
unicamente do texto do dispositivo do mandado de segurança.
É direito líquido e certo aquele que é certo quanto à sua existência, delimitado
quanto a sua extensão, e que pode ser exercido de plano, ante a prova pré-constituída de
sua delimitação e certeza. Na verdade, o que é líquido e certo é o fato que fundamenta o
direito que se pretende, eis que o fato precisa estar claramente comprovado. Tanto que o
direito ser controvertido, havendo mais de uma tese em debate na doutrina ou
jurisprudência, não impede a impetração de mandado de segurança, por exemplo, como
se vê no enunciado 625 da súmula do STF:
“Súmula 625, STF: Controvérsia sobre matéria de direito não impede a
concessão de mandado de segurança.”
2
A prova pré-constituída é dispensada, realizando-se uma excepcional “mini-fase instrutória”, quando a
prova estiver em poder da autoridade coatora.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Esta lógica, como dito, serve para todas as ações constitucionais: em todas elas
inexiste dilação probatória, à exceção da ação popular. No habeas corpus, por exemplo,
é preciso que haja prova da restrição indevida ao direito de locomoção plenamente
constituída, pois do contrário a impetração será infundada.
O caráter sumário destas ações é perfeitamente compatível, favorável até, à
concessão de liminares nestas ações.
No mandado de segurança, são os detentores dos direitos ameaçados ou violados
que têm a legitimidade ordinária para sua defesa. Excepcionalmente, órgãos, como o
MP ou as assembléias legislativas, por exemplo, poderão receber esta legitimidade, se o
direito que estiver em mira for pertencente ao bojo de prerrogativas destas mesmas
instituições. Assim, é caso excepcional em que um órgão, e não uma pessoa, pode
deduzir lide em juízo.
No mandado de segurança, a tutela destina-se somente a fazer cessar a
ilegalidade aviltante ao direito em questão. Não se pode pretender no mandamus, por
exemplo, a condenação ao pagamento de verba pecuniária.
Seguindo o artigo 8º da revogada Lei 1.533/51, hoje replicado no artigo 10 da
Lei 12.016/09, os juízes mais apegados ao formalismo extinguiam o mandado de
segurança, quando se demonstrasse necessária a produção de provas alheias às
documentais, porque não há dilação probatória no rito do mandamus. Veja os
dispositivos:
“Art. 8º - A inicial será desde logo indeferida quando não for caso de mandado
de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos desta lei.
Parágrafo único. De despacho de indeferimento caberá o recurso previsto no
art. 12.”
“Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando
não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos
legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração.
§ 1º Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e,
quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber
originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o
órgão competente do tribunal que integre.
§ 2º O ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da
petição inicial.”
Ocorre que esta não parece ser a melhor orientação, ante a busca pela efetividade
processual. Inexistindo prejuízo na conversão do rito, a instrumentalidade dos atos
processuais recomenda que seja aproveitado o processo, promovendo a adaptação
necessária. Destarte, o juiz poderá, sim, determinar a emenda à inicial, de forma que se
converta o rito do mandado para o ordinário, permitindo a dilação probatória necessária
à solução do litígio.
15. Mandado de segurança criminal
É perfeitamente admissível o mandado de segurança em matéria penal, nos
mesmos moldes de qualquer mandado de segurança. Quando a impetração for por parte
da acusação, o réu deve ser citado como litisconsorte da autoridade coatora. Veja a
súmula 701 do STF:
“Súmula 701, STF: No mandado de segurança impetrado pelo Ministério
Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do
réu como litisconsorte passivo.”
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Discussão que foi ultrapassada com a edição da nova Lei de Mandado de
Segurança, Lei 12.016/09, é a que deu origem à súmula 267 do STF:
“Súmula 267, STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial
passível de recurso ou correição.”
Sobre este tema, três eram as posições antes da Lei 12.016/09. A primeira
defendia que se há recurso, simplesmente não cabe mandado de segurança,
interpretando literalmente a súmula acima. A segunda entendia que, se o recurso cabível
não tem efeito suspensivo, o mandado é cabível, de forma a prevenir o dano causado
pela vigência da decisão. E a terceira, variante da segunda, dizia que se o recurso não
tem efeito suspensivo, é cabível o mandado, mas ainda assim é necessária a interposição
concomitante do recurso – quando o mandado assumirá efeitos exclusivamente de
conferir efeito suspensivo a este recurso. O que se levava em conta era se o recurso, por
si só, poderia reparar o dano eventual, ou se a impetração era necessária para tanto.
O artigo 5°, II, da Lei 12.016/09, porém, parece ter posto fim à discussão:
“Art. 5° Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:
I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,
independentemente de caução;
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
III - de decisão judicial transitada em julgado.
Parágrafo único. (VETADO)”
Existem hipóteses em que, mesmo havendo efeito suspensivo do recurso cabível,
ainda assim não será, este recurso suspensivo, suficiente para sanar os danos a que a
parte se encontra sujeita. Neste caso, mesmo com o recurso tendo efeito suspensivo, a
doutrina tem admitido a impetração concomitante do mandamus, ainda hoje.
Pode o mandado de segurança ser utilizado para dar efeito suspensivo ao
recurso, quando, por exemplo, alvejar uma decisão que concedeu a liberdade provisória
em caso em que esta era vedada? Veja que esta decisão só desafia recurso em sentido
estrito, que tem somente efeito devolutivo. A jurisprudência tende a negar a
admissibilidade de mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo ao recurso em
sentido estrito, ou recurso similar (como o agravo em execução), sobremaneira quando
em prol da acusação. Veja:
“HC 89308 / SP (STJ – 5ª turma - DJ 19.11.2007 p. 266).
(...)
1. Não é possível, por meio de mandado de segurança, emprestar efeito
suspensivo a recurso de agravo em execução interposto pelo Ministério
Público (...) almejando desconstituir a decisão do juízo das execuções
criminais que assegura ao condenado o direito à progressão carcerária.
(...)
3. Habeas Corpus concedido para, cassando o acórdão proferido nos autos do
MS n.º 1.014.862.3/3-00, assegurar ao ora Paciente o direito de aguardar no
regime semi-aberto a decisão colegiada a ser tomada pelo Tribunal de origem
no julgamento do agravo em execução ao qual a referida ação mandamental
emprestava efeito suspensivo. HC 45830 / SP (STJ – 6ª Turma - DJ
06.02.2006 p. 360).”
“HABEAS CORPUS. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE
LIBERDADE PROVISÓRIA. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ATO JUDICIAL PASSÍVEL DE
RECURSO. INCABIMENTO.
1. É firme o entendimento jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça
no sentido de que é incabível mandado de segurança para atribuir efeito
suspensivo a recurso em sentido estrito de decisão concessiva de liberdade
provisória.
2. Ordem concedida.”
“2007.078.00370 - MANDADO DE SEGURANCA - 1ª Ementa DES. CAIRO
ITALO FRANCA DAVID - Julgamento: 28/02/2008 - SETIMA CAMARA
CRIMINAL.
Mandado de Segurança, através do qual o Ministério Público busca conferir
efeito suspensivo a agravo interposto contra decisão do Juiz da Vara de
Execuções Penais, que deferiu a progressão de regime em crime equiparado
aos hediondos, tomando por base os requisitos objetivos previstos na
legislação anterior, exigindo assim o cumprimento de um sexto (1/6) da pena
corporal. 1 - O artigo 197 da Lei 7.210/84, de forma expressa, dispõe que o
agravo contra as decisões do juiz das execuções não possui efeito suspensivo.
2 - O deferimento desse efeito, além de extrapolar a previsão legal, importaria
em restrição aos direitos do apenado. 3 - O impetrante não demonstrou a
liquidez e certeza do seu direito. 4 - Já em vigor a Lei n° 11.464/07 que
permite a progressão do regime. 5 - Não houve violação da coisa julgada, já
que o Juiz da VEP, no exercício da jurisdição, decidiu dentro dos limites
legais, incidente de execução da reprimenda. 6 Segurança denegada.”
Reitere-se: ainda que o recurso cabível tenha efeito suspensivo, é a
irreparabilidade do dano pela via recursal que torna possível o manejo de mandado de
segurança. Este é o critério nodal de cabimento do remédio.
15.1. Hipóteses casuísticas de cabimento
Contra a não admissão do assistente de acusação, é cabível mandado de
segurança, como se pode ver no julgado abaixo, do TJ/RJ:
“2006.069.00010 - CARTA TESTEMUNHAVEL - 1ª Ementa DES. KATIA
JANGUTTA - Julgamento: 25/10/2007 - SEXTA CAMARA CRIMINAL.
CARTA TESTEMUNHÁVEL - INADMISSÃO DO RECURSO EM
SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO DO INDEFERIMENTO DA
HABILITAÇÃO DO RECORRENTE COMO ASSISTENTE DE
ACUSAÇÃO. Preliminar de intempestividade que se rejeita, uma vez a
presente medida foi manejada dentro do prazo de 48 horas previsto no artigo
640 do Código de Processo Penal, contado da ciência da ora Testemunha da
decisão recorrida, inexistindo prova de que tenha sido ela intimada do
decisum, antes daquele prazo. A par da discussão sobre o legítimo interesse
recursal da ora Testemunhante, na reforma de decisão que inadmite Recurso
em Sentido Estrito interposto de outro decisum que homologa a suspensão
condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/90, reza o artigo
273 do Código de Processo Penal, que do despacho que admite ou não a
habilitação do assistente de acusação, o que é o caso dos autos, no qual sequer
houve, ainda, a homologação da suspensão concedida, não caberá recurso,
devendo constar dos autos o pedido e a decisão, e à ausência de previsão de
recurso específico, incabível se mostra o recurso em sentido estrito, não
podendo servir a carta testemunhável de meio para o juízo de admissibilidade
respectivo, merecendo o indeferimento da habilitação, se assim entender a
parte interessada, ser atacada por via do mandado de segurança, pelo qual
poderá ver satisfeita sua pretensão de garantir a reparação do dano. Rejeição
da preliminar e não conhecimento da Carta Testemunhável.”
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
Para a liberação de arma que fora apreendida, após suspensão ou arquivamento
do processo, tendo havido extinção da punibilidade, se há direito à posse de tal arma, é
também cabível:
“2005.078.00039 - MANDADO DE SEGURANCA - 1ª Ementa DES.
SILVIO TEIXEIRA - Julgamento: 21/06/2005 - QUINTA CAMARA
CRIMINAL
MANDADO DE SEGURANÇA. POSSE DE ARMA REGISTRADA.
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. Tem o direito líquido e
certo de continuar na posse de sua arma de fogo o agente que, embora preso
em flagrante por porte ilegal, comprova tê-la registrado normalmente no órgão
público e não veio a ser condenado, porque declarada extinta a punibilidade
pelo decurso do prazo de suspensão condicional do processo. Concessão.”
Cabe também para obstar a redução de salário em razão de processo criminal:
“RMS 13088 / PR (STJ – 5ª TURMA - DJ 11.02.2008).
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. AFASTAMENTO
DAS FUNÇÕES EM RAZÃO DE DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
POR PRÁTICA DE CRIME FUNCIONAL. REDUÇÃO DE
VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. SUPRESSÃO DAS PARCELAS
QUE CESSAM QUANDO DO NÃO-EXERCÍCIO DO CARGO. NÃOFERIMENTO
AO
PRINCÍPIO
DA IRREDUTIBILIDADE
DE
VENCIMENTOS.
1. É firme o entendimento no âmbito desta Corte Superior de Justiça no
sentido de que é proibida a redução de qualquer parcela do vencimento de
servidores afastados de suas funções, até o trânsito em julgado do processo
criminal pelo qual responde, excetuando-se, contudo, as parcelas estritamente
ligadas ao exercício da atividade. Precedentes.
2. Recurso conhecido e parcialmente provido.”
A questão da competência para impetração de mandado de segurança contra ato
de turma recursal se resolve por analogia à súmula 690 do STF, com as discussões
pertinentes, já travadas no estudo do HC – a posição atual do STF é que compete ao
respectivo tribunal. Veja o julgado abaixo:
“Ato de Turma Recursal de Juizado Especial Criminal: RMS e Competência
do STF.
Não cabe ao STF o conhecimento de recurso ordinário interposto contra
decisão denegatória de mandado de segurança emanada de turma recursal de
juizado especial criminal. Com base nesse entendimento, a Turma negou
provimento a agravo regimental em recurso ordinário em mandado de
segurança em que se alegava o cabimento do recurso. Entendeu-se que a
Constituição é taxativa (art. 102, II, a) quanto à interposição de recurso em
mandado de segurança, o qual só cabe contra acórdão de tribunal superior, e
que, apesar de as turmas recursais funcionarem como segunda instância
recursal, enquadram-se como órgãos colegiados de primeiro grau. Ademais,
afastou-se a pretensão de interpretação, por analogia, com o recurso em habeas
corpus interposto contra órgão colegiado de 1º grau, haja vista tratar-se de
orientação superada em face do que decidido, pelo Plenário, no HC 86834/SP
(j. em 23.8.2006), no sentido de que compete aos tribunais de justiça processar
e julgar habeas corpus impetrado contra ato de turma recursal de juizado
especial criminal. RMS 26058 AgR/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence,
2.3.2007. (RMS-26058).”
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
15.2. Mandado de segurança e efeitos do recurso em sentido estrito
O efeito devolutivo é claro: o tribunal fica limitado ao argumento apontado na
peça de interposição.
Há também efeito regressivo, como visto, que é o que permite a retratação.
Não existe efeito suspensivo neste recurso: a decisão recorrida tem eficácia
imediata. Suponha que o indivíduo tenha sido preso cautelarmente por crime hediondo,
e, contra legem, tenha-lhe sido deferida a liberdade provisória com fiança. O MP
recorrerá, por meio do recurso em sentido estrito, na forma do artigo 581, V, do CPP.
Contudo, como não há efeito suspensivo, o réu terá que ser solto, pois a decisão
liberatória estará vigente – permitindo risco de fuga do réu. Para evitar este risco, a
doutrina tem admitido mandado de segurança ajuizado pelo MP, contra decisão que for
manifestamente ilegal, teratológica, como esta.
Não se pode confundir este cabimento excepcional de mandado de segurança
quando se tratar de decisão injusta: somente a decisão ilegal pode ser passível deste
ataque, e não a injusta. Veja o HC 70.392, do STF, e o MS 2002.004.00045, do TJ/RJ:
“HC 70392 / DF - DISTRITO FEDERAL. HABEAS CORPUS. Relator(a):
Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 31/08/1993. Órgão Julgador:
PRIMEIRA TURMA. Publicação: DJ 01-10-1993 PP-20214.
Ementa: HABEAS CORPUS - CONCESSÃO DE LIBERDADE
PROVISORIA - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (CPP, ART. 581, V) IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA, PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO, OBJETIVANDO A OUTORGA DE EFEITO SUSPENSIVO A
ESSE RECURSO - ORDEM MANDAMENTAL CONCEDIDA - RECURSO
EM SENTIDO ESTRITO QUE VEM A SER JULGADO PREJUDICADO PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO DO MANDADO DE
SEGURANÇA CONCEDIDO - INSUBSISTENCIA DA OUTORGA
AUTONOMA DE EFEITO SUSPENSIVO - ILEGALIDADE DA PRISÃO EXTENSAO DO HABEAS CORPUS AO CO-RÉU - PEDIDO DEFERIDO. A NATUREZA EMINENTEMENTE CIVIL DA AÇÃO DE MANDADO DE
SEGURANÇA NÃO IMPEDE A SUA UTILIZAÇÃO EM SEDE
PROCESSUAL
PENAL,
UMA
VEZ
CONFIGURADOS
OS
PRESSUPOSTOS
DE
IMPETRABILIDADE
DO
"WRIT"
CONSTITUCIONAL.
PRECEDENTES.
REVESTE-SE
DE
LEGITIMIDADE A DECISÃO DO TRIBUNAL QUE, DEFERINDO
MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR PROMOTOR DE
JUSTIÇA, OUTORGA EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO DEDUZIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA ATO
JUDICIAL CONCESSIVO DE LIBERDADE PROVISORIA. - COM A
EXTINÇÃO ANOMALA DA VIA RECURSAL, TORNARAM-SE
INSUBSISTENTES AS CONSEQUENCIAS JURÍDICO-PROCESSUAIS
DERIVADAS DA CONCESSÃO DO "WRIT" MANDAMENTAL,
NOTADAMENTE A OUTORGA DE EFEITO SUSPENSIVO AO
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO QUE VEIO, EM DECISÃO NÃO
IMPUGNADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, A SER JULGADO
PREJUDICADO. EXTINTO O PROCEDIMENTO RECURSAL, NÃO
PODE SUBSISTIR, AUTONOMAMENTE, A EFICACIA SUSPENSIVA
QUE FOI DADA, EM SEDE MANDAMENTAL, AO RECURSO EM
SENTIDO ESTRITO.”
“2002.004.00045. MANDADO DE SEGURANCA. DES. WILSON
MARQUES - Julgamento: 02/09/2002 - ORGAO ESPECIAL.
MANDADO DE SEGURANÇA. Utilização contra lei de efeitos concretos e
contra lei em tese, de natureza proibitiva. Admissibilidade. Superior Tribunal
de Justiça. Súmula 266. Inaplicabilidade. Podem ser atacadas pela via
mandamental, as chamadas leis de efeitos concretos, que são verdadeiros atos
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
administrativos em forma de atos legislativos e as próprias leis em tese, desde
que proibitivas e, desse modo, dotadas de aptidão para lesar direitos com o só
início da sua vigência. Legitimação passiva para a causa. Definição. No
Mandado de Segurança, parte passiva é a pessoa jurídica a cujos quadros
pertence a autoridade apontada como coatora, não esta própria que, portanto,
em sede mandamental, não pode ostentar, em caso algum, a qualidade de parte
legitima ou ilegítima. Ato praticado em execução de ordem do Exmo.
Governador do Estado, por agente subalterno, desprovido de poder para
esquivar-se de cumprir determinação superior. Mandado de Segurança
impetrado contra o ato assim praticado. Competência do órgão Especial.
Regimento Interno. Artigo 3°,1, "e" Aplicação. Se o ato foi praticado em
execução de ordem superior, à qual o agente subalterno não poderia se
esquivar, em razão de vínculos hierárquicos, coatores serão o executor e a
autoridade superior, fixando-se a competência no juiz natural de grau mais
elevado, se um for competente para julgar o mandamus contra ato do primeiro
e outro o for para julgá-lo contra ato do segundo. Teto remuneratório. Decreto
n° 25.168, de 01.01.99. Lei n° 3.548, de 10.04.01. Emendas Constitucionais n°
19 e 20 de 1.998 Artigo 29. Constituição Federal. Artigos 37, XI. 48, XV, 60,
parágrafo 4°, IV e 5°, XXXVI. Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição Federal de 1.988. Artigo 17. São dispositivos de
eficácia contida e, pois, ineficazes, por falta de regulamentação, os artigos 37,
XI e 40, parágrafo 11 da Constituição Federal, na redação que receberam,
respectivamente, das Emendas Constitucionais n° 19 e 20, de 1.998. Quando
os referidos dispositivos constitucionais adquirirem eficácia plena, os limites
remuneratórios decorrentes da Emenda Constitucional n° 19 somente poderão
ser aplicados a partir do início de sua vigência, não podendo retroagir, para
colher atos e efeitos que ocorreram em momento anterior ao da sua
promulgação e, pois, com ofensa ao direito adquirido, assegurado em cláusula
pétrea constante do artigo 60, § 4°, IV, da Constituição Federl Preliminares (3)
rejeitadas. Segurança concedida.”
Repare que anteriormente, o STF entendia que era cabível mandado de
segurança contra a negativa de vista dos autos, porque seria direito do advogado em
discussão. Contudo, viu-se que esta ilegalidade é, de fato, uma medida de constrição ao
investigado, e por isso é cabível o HC, preventivo.
Veja a ementa do HC do STF, e trecho de seu teor:
“HC 93767 MC/DF. Persecução penal - Sigilo - Direito de acesso do
advogado, quando constituído (Transcrições).
EMENTA: PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA EM JUÍZO OU FORA
DELE. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO
CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE
DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA.
GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO
ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS
ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO
NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O
EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR
PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL OU
ACUSAÇÃO CRIMINAL EM JUÍZO. CONSEQÜENTE ACESSO AOS
ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E
FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO
PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL).
POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA.
PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- A pessoa que sofre persecução penal, em juízo ou fora dele, é sujeito de
direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ
168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se
desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente
constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução
estatal), o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que
sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente
excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já
produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório,
excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias
ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio
inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.
(...)
‘A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia
constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando
preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do
advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos
do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.’”
Questão
O juiz, diante do pedido do réu e seu defensor, concede ao réu a suspensão
condicional do processo, tal como estipulado no artigo 89 da Lei 9.099/95. Após tomar
ciência da decisão, o Ministério Público impetrou mandado de segurança, em que
pleiteia liminar para fins de suspensão imediata da decisão atacada, bem como seja ao
final concedida a segurança para anular a decisão. Indeferida a liminar e prestadas as
informações pelo Juízo, opina a Procuradoria, por sua vez, favoravelmente ao pedido,
ressaltando, todavia, que à luz do princípio da fungibilidade, que o mandamus seja
recebido como reclamação, nos exatos termos do artigo 210 e seguintes do RITJRJ e do
artigo 219 e segs. do CODJERJ. Afastada a controvérsia sobre a exata natureza
jurídica da suspensão condicional do processo, explique se a segurança deve ser
concedida, ou se deve ser acolhida a solução processual sugerida pela Procuradoria de
Justiça.
Resposta à Questão
A decisão do juiz contraria a lei, porque a propositura da suspensão é atribuição
do MP. Não há como se falar em fungibilidade entre uma ação e um recurso, como o é a
correição; sequer seria necessária esta fungibilidade, porque o mandado de segurança é
realmente o melhor instrumento para o caso. A ordem deve ser concedida.
16. Mandado de segurança em matéria tributária
O mandado de segurança é ação constitucional dedicada a resguardar direitos
fundamentais, e na seara tributária não é diferente. Os direitos fundamentais do
contribuinte são protegidos por este instrumental, sempre que se virem lesados ou
ameaçados de lesão por alguma ilegalidade cometida em matéria tributária.
A origem do mandado de segurança, no Brasil, remonta à doutrina brasileira do
habeas corpus, pois originalmente não se previa o writ of mandamus no ordenamento, e
por isso o writ of habeas corpus era o instrumento mais amplo a defender os direitos
fundamentais de larga gama (o qual é adstrito, hoje, ao direito de locomoção, como se
sabe). Vale dizer que esta doutrina brasileira do habeas corpus é exceção à tradicional
concepção deste writ, que em ordenamentos alienígenas sempre foi restrito à proteção à
liberdade locomotiva. Somente na Constituição de 1934 o writ of mandamus assumiu a
posição que hoje ocupa nas ações constitucionais de nosso direito.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
O artigo 5º, LXIX, da CRFB, é a sede maior deste instrumento:
“(...)
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
(...)”
O direito é líquido e certo não por ser de pouca complexidade jurídica, de difícil
concepção ou delineação pelo intérprete, mas sim porque os fatos a ele pertinentes estão
comprovados de plano: o que torna o direito líquido e certo é a prova pré-constituída
dos fatos a ele pertinentes. Assim o é porque não há dilação probatória no rito do
mandamus, não sendo possível a existência de controvérsia sobre matéria de fato – não
havendo qualquer óbice à existência de controvérsia sobre matéria de direito. Veja a
súmula 625 do STF:
“Súmula 625, STF: Controvérsia sobre matéria de direito não impede a
concessão do mandado de segurança.”
O mandado de segurança é residual: se o direito a ser protegido for amparável
por habeas corpus ou habeas data, não será cabível o mandamus.
A ilegalidade a que se vê sujeito o contribuinte pode ser efetiva ou potencial, ou
seja, pode á existir a lesão ou ser esta uma ameaça (desde que concreta). Sendo
iminente, o ato coator enseja mandado de segurança preventivo; sendo efetivo, o
mandado de segurança é repressivo. No preventivo, por óbvio, não se exige que o
contribuinte esteja já sob incidência da coação – se exige que a situação fática em que se
encontre leve à incidência da coação. Se a coação vem de uma norma, é preciso que
haja a subsunção clara da situação de fato do contribuinte à norma impugnada, ou não
há interesse no mandamus preventivo (o qual se tornaria uma mera consulta ao Poder
Judiciário).
16.1. Legitimidade passiva
A legitimidade passiva compete a quem tenha a capacidade de exigir o tributo.
Por isso, aquelas entidades meramente arrecadadoras não têm legitimidade passiva: a
discussão de uma contribuição sindical, por exemplo, deve ser travada contra o ente
federativo, a União, e não contra o sindicato em si, que não é quem tem a competência
para exigir coativamente tal tributo.
A legitimidade passiva pertence à entidade pública presentada pela autoridade
emissora do ato coator. Não há litisconsórcio passivo necessário entre o ente e a
autoridade coatora dele pertencente.
Nos atos complexos, é legitimado passivo o ente autor do ato final, aquele que
homologa ou aprova o ato final; nos atos de colegiados, a autoridade apontada é sempre
seu presidente. A impetração contra lançamento deve ser dirigida contra o agente
lançador, ainda que o lançamento tenha sido confirmado pelo Conselho de
Contribuintes. Veja a súmula 59 do TFR:
“Súmula 59, TFR: Autoridade Fiscal de Primeiro Grau - Legitimidade Passiva
- Ação de Segurança - Decisão de Controvérsia - Grau de Recurso
A autoridade fiscal de primeiro grau que expede a notificação para pagamento
do tributo esta legitimada passivamente para a ação de segurança, ainda que
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
sobre a controvérsia haja decisão, em grau de recurso, de conselho de
contribuintes.”
A autoridade coatora deve prestar informações sobre o ato em dez dias (prazo
não sujeito a quadruplicação ou duplicação, eis que já é expresso para a Fazenda).
Indicada erroneamente a autoridade coatora, a jurisprudência já foi majoritária
no sentido de que não poderia o impetrante emendar a inicial, tampouco o juiz corrigi-la
de ofício. Hoje, é perfeitamente possível uma e outra solução, como se vê no REsp.
745.451, ao seguinte argumento: o indivíduo não é obrigado a conhecer a complexidade
da máquina estatal, não podendo ser por isto prejudicado. Veja:
“REsp 745451 / BA. DJ 27/11/2006 p. 247
PROCESSUAL
CIVIL.
CONSTITUCIONAL.
MANDADO
DE
SEGURANÇA. ATO IMPUGNADO. DESCONTOS EM PROVENTOS DE
APOSENTADORIA A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
(FUNPREV). AUTORIDADES APONTADAS COMO COATORAS.
GOVERNADOR DO ESTADO E SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO
ESTADUAL. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA
AD CAUSAM.
1. A nulidade processual que deve conduzir à nulificação do processo com a
sua extinção sem resolução do mérito, deve ser deveras significativa de modo
a sacrificar os fins de justiça do processo. É que o processo é instrumento de
realização de justiça e não um fim em si mesmo, por isso que não se justifica,
em prol da questão meramente formal, sacrificar a questão de fundo e deixar
ao desabrigo da coisa julgada o litígio, fator de abalo da paz e da ordem social.
2. O princípio se exacerba no campo dos remédios heróicos de defesa dos
direitos fundamentais, como soe ser o Mandado de Segurança, no qual a parte
veicula lesão perpetrada por autoridade pública, que a engendra calcada na
premissa da presunção de legitimidade de seus atos.
3. Consectariamente, a análise de questões formais, notadamente a vexata
quaestio referente à pertinência subjetiva passiva da ação, com a descoberta da
autoridade coatora no complexo administrativo, não deve obstar a perquirição
do abuso da autoridade que caracteriza esse remédio extremo.
4. Deveras, a teoria da encampação e a condescendência com a aparência de
correta propositura (error comunis facit ius) adotadas pela jurisprudência do E.
Superior Tribunal de Justiça denotam a necessária flexibilização da aferição
dessa condição da ação, no afã de enfrentar e conjurar o ato abusivo da
autoridade.
5. Sob esse enfoque, tem-se assentado que:
""PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SUPOSTA
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. SECRETÁRIO DE ESTADO
DA
FAZENDA.
SERVIDOR
PÚBLICO
ESTADUAL
QUE
IMPLEMENTOU OS REQUISITOS PARA APOSENTADORIA, MAS
OPTOU PELA PERMANÊNCIA NO SERVIÇO PÚBLICO. DESCONTOS
REFERENTES ÀS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DE 9% (LEI
ESTADUAL 7.672/82) E 2% (LEI ESTADUAL 10.588/95). AUTORIDADE
QUE DEFENDEU O MÉRITO DO ATO IMPUGNADO. LEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APLICAÇÃO.
ISENÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INTELIGÊNCIA
DOS ARTS. 3º E 8º, DA EMENDA CONSTITUCIONAL 20/98, E DO ART.
40, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A essência constitucional do Mandado de Segurança, como singular
garantia, admite que o juiz, nas hipóteses de indicação errônea da autoridade
impetrada, permita sua correção através de emenda à inicial ou, se não restar
configurado erro grosseiro, proceder a pequenas correções de ofício, a fim de
que o writ cumpra efetivamente seu escopo maior.
2. "Não viola os artigos 1º e 6º da Lei n. 1.533/51 a decisão que, reconhecendo
a incompetência do tribunal, em razão da errônea indicação da autoridade
Michell Nunes Midlej Maron
45
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
coatora, determina a remessa dos autos ao juízo competente, ao invés de
proclamar o impetrante carecedor da ação mandamental." (REsp 34317/PR).
3. Destarte, considerando a finalidade precípua do mandado de segurança que
é a proteção de direito líquido e certo, que se mostre configurado de plano,
bem como da garantia individual perante o Estado, sua finalidade assume vital
importância, o que significa dizer que as questões de forma não devem, em
princípio, inviabilizar a questão de fundo gravitante sobre ato abusivo da
autoridade. Conseqüentemente, o Juiz, ao deparar-se, em sede de mandado de
segurança, com a errônea indicação da autoridade coatora, deve determinar a
emenda da inicial ou, na hipótese de erro escusável, corrigi-lo de ofício, e não
extinguir o processo sem julgamento do mérito.
4. A errônea indicação da autoridade coatora não implica ilegitimidade ad
causam passiva se aquela pertence à mesma pessoa jurídica de direito público;
porquanto, nesse caso não se altera a polarização processual, o que preserva a
condição da ação.
5. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos administrativos, como sói ocorrer
com os fazendários, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na
identificação da autoridade coatora, revelando, a priori, aparência de
propositura correta.
6. Aplica-se a teoria da encampação quando a autoridade apontada como
coatora, ao prestar suas informações, não se limita a alegar sua ilegitimidade,
mas defende o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da
segurança, assumindo a legitimatio ad causam passiva.
7. Precedentes da Corte: AGA 538820/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJ de 12/04/2004; RESP 574981/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de
25/02/2004; ROMS 15262/TO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de
02/02/2004; AIMS 4993/DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 19/02/2001.
(...)
12. Sob pena de supressão de grau de jurisdição, não pode o Superior Tribunal
de Justiça avançar no exame meritório, uma vez que o Tribunal a quo limitouse a extinguir o feito com base na ilegitimidade das autoridades apontadas
como coatoras.
13. Recurso ordinário provido para reconhecer a legitimidade passiva do
Secretário de Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, o que implica na
anulação do aresto recorrido e conseqüente retorno dos autos à origem para
julgamento do mérito." (RMS 19324/RS, desta relatoria, Primeira Turma, DJ
de 03.04.2006)
6. Deveras, in casu, os benefícios foram auferidos por órgão do próprio Estado,
mercê de convocada também a Secretaria de Fazenda, sendo certo que ambos
encamparam o ato acoimado de ilegal e abusivo e assim reconhecido na
instância a quo, com fulcro em fundamentos constitucionais, impassíveis de
cognição pelo E. Superior Tribunal de Justiça, sob pena de usurpação das
funções da Corte Maior.
7. Recurso especial a que se nega provimento.”
Esta é uma manifestação da teoria da encampação, que é amparo para a
alteração do aponte da pessoa posta no pólo passivo do mandamus. Quatro são os
requisitos para a aplicação desta teoria da encampação, porém: é necessário o vínculo
hierárquico entre a autoridade que seria correta e aquela que encampou o ato, que deve
ser superior à emissora do ato; a manutenção de competência constitucional, sendo a
autoridade encampadora do mesmo foro da que deveria ter sido apontada; deve existir
uma dúvida razoável na titularidade do ato coator, não podendo ser o erro do aponte da
autoridade muito aberrante, teratológico; e a autoridade encampadora deve ser capaz de
realizar a defesa efetiva do ato, vindo a juízo defender seu mérito.
Michell Nunes Midlej Maron
46
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
16.2. Matérias questionáveis
As matérias tributárias questionáveis em mandado de segurança são diversas.
Pode o contribuinte discutir a validade do lançamento, se não há matéria fática a ser
resolvida, quando então o mandado de segurança desempenhará papel similar à ação
anulatória, desconstitutivo do crédito tributário. Pode questionar a validade do processo
administrativo, uma passagem ou ato qualquer do processo administrativo – caso em
que a prejudicialidade da via administrativa e judicial inexiste, como já se anteviu, pois
a via judicial é justamente servível a efetivar a administrativa.
O mandado de segurança pode se prestar ao afastamento das chamadas sanções
políticas. Estas sanções são atos do fisco destinados a compelir o contribuinte a
adimplir o crédito tributário, sendo que não são, estas medidas de coerção indireta,
previstas expressamente na lei. Como exemplo, a retenção de mercadorias para
pagamento de ICMS, em hipótese não prevista em lei. As sanções que são autorizadas,
porém, não são afastáveis por mandado de segurança – como a inscrição em cadastros
restritivos de crédito. Um exemplo corriqueiro de sanção política autorizado é o regime
especial de fiscalização, implementado pelo fisco contra devedores tributários
contumazes, que é admitido desde que não haja abusos.
Outro uso comum do mandado de segurança em matéria tributária é a sua
impetração para a obtenção de certidões negativas, quando houver restrição indevida a
esta obtenção.
Ato normativo não é ato coator. Veja o REsp. 110.714:
“REsp 110714 / BA. DJ 06/10/1997 p. 49932.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTARIO. MANDADO DE SEGURANÇA
PREVENTIVO.
PRAZO
DECADENCIAL:
NÃO-OCORRENCIA.
PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
I- O NOSSO ORDENAMENTO JURIDICO AGASALHOU O MANDADO
DE SEGURANÇA PREVENTIVO COMO FORMA DE POR COBRO A
AMEAÇAS OBJETIVAS E ATUAIS DAS AUTORIDADES PUBLICAS.
II- NÃO E POSSIVEL UTILIZAR-SE, COMO TERMO A QUO DO PRAZO
DECADENCIAL, A DATA DA OCORRENCIA DO FATO GERADOR DO
TRIBUTO OU A DA PUBLICAÇÃO DA LEI REPUTADA
INCONSTITUCIONAL PELO IMPETRANTE. A LUZ DO ART. 18 DA LEI
DO MANDADO DE SEGURANÇA, O PRAZO DE 120 DIAS SO PODE
SER CONTADO A PARTIR DA CIENCIA DO ATO DE AUTORIDADE, O
QUAL NEM SEQUER EXISTE NA IMPETRAÇÕES PREVENTIVAS, AS
QUAIS SÃO FORMULADAS APENAS COM BASE EM AMEAÇA.
III- PRECEDENTES DO STJ: RESP N. 76.217/PE, RESP N. 90.966/BA E
RESP N. 93.282/RS.
IVRECURSO
ESPECIAL
CONHECIDO
E
PROVIDO.”
16.3. Peculiaridades formais
O prazo de impetração do mandamus repressivo é de cento e vinte dias,
decadencial; o preventivo não conta com prazo, porque o ato ainda não aconteceu. A
fixação do prazo por lei é perfeitamente constitucional, como já dispôs o STF na súmula
632:
“Súmula 632, STF: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a
impetração de mandado de segurança.”
Michell Nunes Midlej Maron
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Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
A petição inicial do mandado de segurança deve observar os requisitos do artigo
282 do CPC, exceto o constante do inciso VI deste artigo, porque não há provas a serem
produzidas:
“Art. 282. A petição inicial indicará:
I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;
II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do
autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido, com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos
alegados;
VII - o requerimento para a citação do réu.”
É também desnecessário pedido de oitiva do Ministério Público. A contrafé deve
ser instruída com todos os documentos pertinentes ao ato coator.
16.4. Liminar
O mandado de segurança com pedido liminar de suspensão da exigibilidade
sempre foi medida judicial bastante comum, de largo uso em matéria tributária (e ainda
o é3), e igualmente comum era, antigamente, a exigência, pelo magistrado, de depósito
integral do tributo como condição para deferimento desta liminar.
Ocorre que esta concepção estava tremendamente errônea. Isto porque as
hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas na lei são
alternativas, e ao assim dispor, o juiz estaria fazendo necessária a cumulação de duas
hipóteses. A liminar é ela mesma uma causa autônoma da suspensão, baseada apenas no
fumus boni juris e no periculum in mora – e não no depósito, que assumiria natureza de
contra-cautela, inadmissível neste caso.
Veja que há caso em que o depósito é uma medida que se faz imperativa, mas
não como condição para a liminar. Há casos que, das hipóteses de suspensão, apenas o
depósito se demonstra hábil e segura forma de suspender o crédito. Há um exemplo
peculiar desta possível situação: um navio de carga destinado a outro país, por
problemas técnicos, vem a aportar no Brasil. As mercadorias que transporta não têm a
documentação de entrada no Brasil, pelo que os fiscais aduaneiros suscitam a adequação
de sua estada aqui por meio do regime de admissão temporária, que é dedicado
exatamente à permanência de bens aqui por tempo limitado (não sendo lógico tratá-los
como importação comum). Admitido temporariamente, é estabelecido prazo para saída
do território nacional. Suponha-se, no entanto, que haja algum problema, e este navio
venha a exceder o prazo de autorização, sem que se tenha requerido a prorrogação do
prazo de permanência: o regulamento aduaneiro, neste caso, trata a mercadoria como
importada, e por isso lavra todos os autos de infração possíveis sobre ela.
A empresa proprietária do navio, impetrando mandado de segurança, pede
liminar de suspensão do crédito tributário, ao argumento de que não se tratam de bens
importados, mas de mera irregularidade na prorrogação do prazo. O juiz, neste caso,
verifica que a empresa não tem qualquer vínculo de estabilidade no Brasil – não tem
3
O motivo do writ ser a weapon of choice dos tributaristas é bem mundano: é o meio preferido por não
haver risco em condenação em honorários e custas processuais vultosas, pois como quase sempre há valor
de causa imensurável, as custas são bastante reduzidas. Há, todavia, uma certa tendência das cortes
superiores em restringir o ajuizamento deste instrumento, tendência ainda tênue.
Michell Nunes Midlej Maron
48
Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
registro aqui, nem sequer representante –, e vê-se diante da desconfortável situação de
suspender a exigibilidade de um crédito sem ter qualquer garantia de que a empresa será
adimplente, em eventual improvimento do mandamus. Neste caso, e somente assim, a
exigência do depósito como contra-cautela é possível, mas trata-se de situação
excepcionalíssima.
Há ainda a possibilidade de se ajuizar mandado de segurança como forma de
garantir a compensação tributária, como garante a súmula 213 do STJ:
“Súmula 213, STJ: O mandado de segurança constitui ação adequada para a
declaração do direito à compensação tributária.
16.5. Sentença
A tutela jurisdicional, como se sabe, pode ser declaratória, positiva ou negativa;
constitutiva, também positiva ou negativa; ou condenatória, de dar coisa certa ou
incerta, de fazer ou de não fazer. Esta é a classificação tripartite, tradicional do processo
civil.
Hoje, após a inovação das tutelas específicas de dar, fazer ou não fazer, a
sentença condenatória se subdividiu em sentença executiva e mandamental: a primeira,
dedica-se à condenação em dar coisa certa; a segunda, em obrigações de fazer ou não
fazer.
Destarte, não se pode confundir jamais a tutela mandamental, que é apenas uma
das espécies de sentença, com a tutela perseguida no mandado de segurança: o writ
pode buscar qualquer das tutelas jurisdicionais possíveis, sendo a mandamental apenas
uma das possibilidades. Inclusive, a tutela constitutiva negativa é bem comum, quanto
ao fito de desconstituir o lançamento errôneo.
A única tutela que não se pode pretender em mandado de segurança é a
executiva, por obrigação de dar coisa certa consubstanciada em dinheiro. Não pode, o
mandamus, fazer as vezes de ação de cobrança. Nada impede que seja possível o
provimento do mandamus para impedir a produção de efeitos financeiros futuros, mas
não a obtenção de efeitos financeiros pretéritos. O mandado de segurança não pode ser
um sucedâneo de repetição de indébito. Por isso, a sentença condenatória em mandado
de segurança é a obtenção de tutela mandamental – fazer ou não fazer. Veja a súmula
271 do STF:
“Súmula 271, STF: Concessão de mandado de segurança não produz efeitos
patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados
administrativamente ou pela via judicial própria.”
No mandado de segurança não são devidos honorários advocatícios de
sucumbência. Veja a súmula 512, do STF, e a 105, do STJ:
“Súmula 512, STF: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação
de mandado de segurança.”
“Súmula 105, STJ: Na ação de mandado de segurança não se admite
condenação em honorários advocatícios.”
A sentença concessiva da ordem é sujeita ao reexame necessário, mas a remessa
ou a própria apelação não produzem efeito suspensivo da concessão.
Não são cabíveis embargos infringentes no rito do mandamus. Veja a súmula
169 do STJ:
Michell Nunes Midlej Maron
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Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
“Súmula 169, STJ: São inadmissíveis embargos infringentes no processo de
mandado de segurança.”
A coisa julgada alcançada no mandado de segurança pode ser material, caso o
julgado enfrente o mérito, ou formal, se a questão decisiva for de cunho estritamente
processual.
16.6. Mandado de segurança e compensação
Muito já se discutiu se a compensação devida poderia ser exigida pelo
contribuinte em mandado de segurança, porque envolveria questionamento de fato
muito complexo, descabido no writ por escapar ao critério de liquidez e certeza do
direito.
O STJ enfrentou bem a matéria, e fez a seguinte diferenciação: há cabimento de
mandado de segurança para declarar que o direito à compensação existe, mas não é
possível a efetivação concreta da compensação neste rito. É cabível a declaração
genérica, mas não a condenação a fazer a compensação. Veja a súmula 213 do STJ:
“Súmula 213, STJ: O mandado de segurança constitui ação adequada para a
declaração do direito à compensação tributária.”
A súmula 212 desta Corte tem também uma previsão bastante razoável sobre a
compensação: este direito a compensação, em mandado de segurança, não pode ser
concedido em liminar, porque o cunho satisfativo seria absoluto.
“Súmula 212, STJ: A compensação de créditos tributários não pode ser
deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória.(*)
(*) na sessão de 11/05/2005, a Primeira Seção deliberou pela ALTERAÇÃO
da Súmula n. 212. REDAÇÃO ANTERIOR (decisão de 23/09/1998, DJ
02/10/1998):
‘A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida
liminar.’”
O artigo 170-A do CTN, posterior à súmula acima, reproduz esta idéia:
“Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo,
objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em
julgado da respectiva decisão judicial. (Artigo incluído pela Lcp nº 104, de
10.1.2001)”
Casos Concretos
Questão 1
Se um mandado de segurança for extinto sem julgamento do mérito, poderá ser
levantado o depósito que foi efetuado em garantia da liminar, ou deverá o depósito ser
convertido em renda a favor da Fazenda Pública?
Resposta à Questão 1
Michell Nunes Midlej Maron
50
Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
A jurisprudência tem permitido a conversão em renda do depósito, em casos de
extinção sem resolução do mérito, tratando esta decisão como uma improcedência.
Trata-se de um verdadeiro impropério jurídico, mas é como tem prevalecido.
Veja o EREsp. 479.725:
“EREsp 479725 / BA. DJ 26/09/2005 p. 166.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. AFRMM. DEPÓSITO.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
DEPÓSITO. LEVANTAMENTO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO
DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
PROVIDOS.
1. Em exame embargos de divergência opostos para se definir se é ou não
possível o levantamento do depósito efetuado para os fins do artigo 151, II do
Código Tributário Nacional nos casos em que o processo é extinto sem
julgamento de mérito em face da ilegitimidade passiva da autoridade apontada
como coatora. A Fazenda embargante aponta a divergência entre o acórdão
embargado da relatoria do Ministro Francisco Peçanha Martins integrante da 2ª
Turma e acórdão prolatado pelo Ministro Garcia Vieira da 1ª Turma.
Divergência devidamente demonstrada, foram admitidos os embargos para
julgamento de mérito. Sem impugnação.
2. Conforme assinala o aresto paradigma: "O depósito efetuado para suspender
a exigibilidade do crédito tributário é feito também em garantia da Fazenda e
só pode ser levantado após sentença final transitada em julgado se favorável ao
contribuinte". O artigo 32 da Lei n.º 6830 de 22. 09. 1980 estabelece como
requisito para levantamento do depósito judicial o trânsito em julgado da
decisão. O aguardo do trânsito em julgado da decisão para possibilitar o
levantamento do depósito judicial está fulcrado na possibilidade de conversão
em renda em favor da Fazenda Nacional.
3. O cumprimento da obrigação tributária só pode ser excluída por força de lei
ou suspensa de acordo com o que determina o art. 151 do CTN. Fora desse
contexto o contribuinte está obrigado a recolher o tributo. No caso de o
devedor pretender discutir a obrigação tributária em juízo, permite a lei que
faça o depósito integral da quantia devida para que seja suspensa a
exigibilidade. Se a ação intentada, por qualquer motivo, resultar sem êxito,
deve o depósito ser convertido em renda da Fazenda Pública. É essa a
interpretação que deve prevalecer. O depósito é simples garantia impeditiva do
fisco para agilizar a cobrança judicial da dívida, em face da
instauração em juízo de litígio sobre a legalidade da sua exigência. Extinto o
processo sem exame do mérito contra o contribuinte, têm-se uma decisão
desfavorável. O passo seguinte, após o trânsito em julgado, é o recolhimento
do tributo.
4. Embargos de divergência providos.”
Questão 2
CLOTILDE DOS SANTOS e OUTROS impetraram Mandado de Segurança
preventivo contra ato do Diretor da Superintendência Central de Pagamento de
Pessoal da Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais para impedir o desconto
do imposto de renda sobre os valores pagos a título de férias-prêmio.
A quem compete julgar o supramencionado Mandado de Segurança: a Justiça
Estadual ou à Federal? Justifique.
Resposta à Questão 2
O STJ entende que a legitimação da autoridade estadual, no pólo passivo, em
função da capacidade tributária ativa, determina a competência ratione personae para o
Michell Nunes Midlej Maron
51
Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
writ. Mesmo que seja questionável este entendimento – porque o tributo federal apenas
é exigido em esfera estadual numa relação financeira, e não tributária –, é o que tem
prevalecido. A competência é estadual.
Veja o Conflito de Competência 19.300, solvido no STJ:
“CC 19300 / MG. DJ 19/12/1997 p. 67435.
CONFLITO DE COMPETENCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE
AUTORIDADE ESTADUAL. DESCONTO DE IMPOSTO DE RENDA NA
FONTE. DESCONTANDO DA REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES O
IMPOSTO DE RENDA DEVIDO NA FONTE, A AUTORIDADE
ESTADUAL NADA DECIDE, DESINCUMBINDO-SE APENAS DE
ATRIBUIÇÃO CONFERIDA POR LEI - SEM QUALQUER DELEGAÇÃO
DE COMPETENCIA DO ORGÃO ENCARREGADO DE ARRECADAR A
INDIGITADA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PARA A SEGURIDADE
SOCIAL; TRATA-SE DE PROCEDIMENTO COMUM A PESSOAS
JURIDICAS DE DIREITO PUBLICO E A PESSOAS JURIDICAS DE
DIREITO PRIVADO, PREVISTO NO ART. 7, PARAGRAFO 3 DO
CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL. NUM CASO E NOUTRO, A UNIÃO
- SUJEITO ATIVO DA RELAÇÃO JURIDICO-TRIBUTARIA - SO
ESTARA BEM REPRESENTADA NO PROCESSO DE MANDADO DE
SEGURANÇA SE A AUTORIDADE COATORA FOR O ORGÃO
RESPONSAVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DO TRIBUTO. HIPOTESE,
TODAVIA, EM QUE, INDICADA COMO AUTORIDADE COATORA O
DIRETOR DA SUPERINTENDENCIA CENTRAL DE PAGAMENTO DE
PESSOAL DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA DE MINAS
GERAIS, SO O MM. JUIZ DE DIREITO PODERA DECIDI-LO, MESMO
QUE PARA O SO EFEITO DE EXTINGUIR O PROCESSO SEM
JULGAMENTO DE MERITO. RESSALVA DO PONTO DE VISTA
PESSOAL DOS MINISTROS GARCIA VIEIRA, ADHEMAR MACIEL E
JOSE DELGADO, QUE SO ADERIRAM A CONCLUSÃO DO VOTO DO
RELATOR. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE
O MM. JUIZ DE DIREITO DA 7A. VARA DA FAZENDA PUBLICA DE
BELO HORIZONTE.”
Questão 3
MADECOM Indústria de móveis Ltda. impetra um Mandado de Segurança,
tendo em vista a negativa da autoridade tributária em autorizar-lhe compensação, cujo
indébito alegado pela recorrente é a inconstitucionalidade da incidência de 8% do
Imposto de Renda a ser calculado sobre o valor do seu lucro líquido, ajustado pela
exclusão e adição de parcelas, nos termos dos arts. 35 e 36 da Lei nº 7.713/88,
reconhecida pelo STF em controle difuso, intra partes. Responda, fundamentadamente,
se o writ deve ser concedido.
Resposta à Questão 3
A autorização da compensação, a declaração de que esta é devida, é possível,
segundo a súmula 213 do STJ, já abordada. Não há a efetivação da compensação, aqui,
mas somente a declaração de que ela é devida.
Veja o REsp. 778.712:
“REsp 778712 / AL. DJe 14/04/2008.
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA COMPENSAÇÃO - NECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL
SOBRE O INDÉBITO A SER COMPENSADO - AUSÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
1. O indébito alegado pela recorrente para efeito de compensação é a
inconstitucionalidade da incidência de 8% do imposto de renda a ser calculado
sobre o valor do seu lucro líquido, ajustado pela exclusão e adição de parcelas,
nos termos dos arts. 35 e 36 da Lei n. 7.713/88, reconhecida pelo STF em
controle difuso, intra partes.
2. Por se cuidar de mera orientação jurisprudencial do STF sem força
vinculante, necessita-se de seu reconhecimento judicial, mediante declaração
de sua inconstitucionalidade no bojo do próprio mandado de segurança, para,
em seguida, declarar-se o direito à compensação.
3. O mandado de segurança não se presta ao reconhecimento e proteção de
direito que não seja reconhecido de plano, que necessite de investigação
judicial profunda, pois direito líquido e certo é o que "se apresente com todos
os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração.
(...) Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins
de segurança." (Mandado de Segurança, Hely Lopes Meirelles, ed. Malheiros,
29ª edição, p. 37).
4. O direito ao indébito tributário da contribuinte não se encontra comprovado
de plano, necessitando de pronunciamento judicial para lhe conferir liquidez e
certeza, o que é inviável na via estreita do mandado de segurança. Somente
após este reconhecimento é que se poderia declarar o direito à compensação.
Precedente: REsp 848768/MG, Rel. Min. José Delgado, DJ 6.9.2007.
Recurso especial improvido.”
Questão 4
O Sindicato dos Trabalhadores de Bar promove demanda pretendendo a tutela
jurisdicional de direitos individuais homogêneos de titularidade dos seus
sindicalizados. Ao final da fase cognitiva do processo, o magistrado profere sentença
condenatória que transita em julgado. O Sindicato então requer a liquidação da
sentença e a intimação da ré, na pessoa de seu advogado, tudo na forma do artigo 475 A e seu parágrafo primeiro, ambos do CPC. O magistrado profere a seguinte decisão:
"Considerando a natureza dos direitos tutelados entendo faltar ao Sindicato
legitimidade para promover a liquidação, bem como, a execução/cumprimento do
julgado, uma vez que ausente autorização expressa dos sindicalizados (art. 5°, XXI da
CRFB).”
Pergunta-se: correta a decisão? O candidato deverá abordar a mais recente
exegese do artigo 8°, III da CRFB, bem como distinguir substituição de representação
processual.
Reposta à Questão 4
O sindicato não precisa da autorização dos associados, porque esta autorização
já foi dada, presumidamente, quando estes a ele se associaram, anteriormente. Há duas
súmulas do STF, 629 e 630, que dão o tom sobre o tema, eis que tratam do mandado de
segurança coletivo, instrumento integrante do microssistema de tutela coletiva. Veja:
“Súmula 629, STF: A impetração de mandado de segurança coletivo por
entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.”
“Súmula 630, STF: A entidade de classe tem legitimação para o mandado de
segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da
respectiva categoria.”
Neste diapasão, vê-se que o papel dos sindicatos é de substituição processual, e
não representação. Substituição processual, sinônimo de legitimidade extraordinária, dá-
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
se quando o substituto age em nome próprio – é parte –, autorizado por lei, na defesa de
direito alheio, do substituído. Na representação processual, por seu turno, o
representante age em nome de outrem, o representado, não sendo parte. A legitimidade
é do representado.
A respeito, veja o RE 193.503:
“RE 193503 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator:
Min. CARLOS VELLOSO. Relator p/ Acórdão: Min. JOAQUIM
BARBOSA. Julgamento: 12/06/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Publicação: 24-08-2007.
EMENTA: PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART. 8º, III DA
CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
LEGITIMIDADE.
SUBSTITUIÇÃO
PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU
INDIVIDUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O artigo 8º, III da
Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos
para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos
integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é
ampla, abrangendo a liquidação e a execução d os créditos reconhecidos aos
trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é
desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e
provido.”
17. Mandamus nos Juizados Especiais
Não são cabíveis, em regra, procedimentos especiais nos Juizados, à exceção dos
que são ali arrolados, como as possessórias de até quarenta salários. O mandado de
segurança, então, não seria cabível, a rigor, mas diante da irrecorribilidade das decisões
interlocutórias, a súmula 267 do STF, a contrário senso, permite este remédio como
sucedâneo recursal:
“Súmula 267: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de
recurso ou correição.”
O Aviso 23 apresenta no enunciado 14.1.11 adesão a este entendimento:
“14.1 - MANDADO DE SEGURANÇA.
14.1.1 – ADMISSIBILIDADE.
‘É admissível mandado de segurança somente contra ato ilegal e abusivo
praticado por Juiz de Juizado Especial.’”
A competência para este mandamus contra ato de juiz do juizado é da Turma
Recursal, na forma da súmula 376 do STJ, e do enunciado 62 do Fonaje:
“Súmula 376, STJ: Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de
segurança contra ato de juizado especial.”
“Enunciado 62 - Cabe exclusivamente às Turmas Recursais conhecer e julgar
o mandado de segurança e o habeas corpus impetrados em face de atos
judiciais oriundos dos Juizados Especiais.”
Da decisão da Turma Recursal que denega a segurança não cabe recurso algum
(pois não cabe o recurso ordinário constitucional, eis que a Turma não é tribunal). Desta
decisão cabe o recurso extraordinário, apenas, sendo entendimento majoritário que não
cabe outro mandado de segurança, agora alvejando a própria decisão denegatória.
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
O STF, porém, contrariamente a toda esta dinâmica adotada em prol do
cabimento do mandado de segurança contra interlocutória no Juizados, decide que não é
cabível este mandamus, por não se coadunar com o sistema dos Juizados. Veja o RE
abaixo:
“RE 576847 / BA – BAHIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min.
EROS GRAU. Julgamento: 20/05/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Publicação: 07-08-2009.
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL.
REPERCUSSÃO
GERAL
RECONHECIDA.
MANDADO
DE
SEGURANÇA. CABIMENTO. DECISÃO LIMINAR NOS JUIZADOS
ESPECIAIS. LEI N. 9.099/95. ART. 5º, LV DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA.
AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. Não cabe mandado de segurança das
decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei n.
9.099/95. 2. A Lei n. 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no
processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter
consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias,
inarredável. 3. Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária
do Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento, ou o uso
do instituto do mandado de segurança. 4. Não há afronta ao princípio
constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV da CB), vez que decisões
interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição de recurso
inominado. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”
O Conselho Recursal do Rio de Janeiro já aderiu a esta posição do STF, como se
vê na decisão do 2009.700.073443-3
“2009.700.073443-3 - CONSELHO RECURSAL - 1ª Ementa. Juiz JOSE
GUILHERME VASI WERNER - Julgamento: 10/11/2009.
Íntegra da decisão: ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO
CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E
CRIMINAIS COMARCA DA CAPITAL TERCEIRA TURMA RECURSAL
_ Recurso nº 2009.700.073443-3 - Mandado de Segurança Impetrante: Zelina
Lima Carius da Silva Impetrado I JEC Petrópolis Relator: José Guilherme Vasi
Werner _ VOTO Mandado de segurança impetrado contra decisão que
indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela objetivando que o 1º Réu, Banco
Investcred Unibanco S.A., retirasse o nome do Impetrante dos cadastros
restritivos ao crédito. Recurso Extraordinário nº 576.847/BA cujo tema
constitucional teve sua repercussão geral reconhecida (tema: "Mandado de
Segurança. Cabimento. Impetração de mandado de segurança contra decisão
de juiz de juizado especial que defere medida liminar. Cabimento nas Turmas
Recursais"). Reconhecimento da repercussão geral do tema constitucional
veiculado nos recursos extraordinários que tem como principais conseqüências
: (i) a sua admissibilidade para julgamento na Suprema Corte; (ii) o
sobrestamento dos recursos extraordinários sobre o mesmo tema; (iii) a
vinculação da solução de mérito a ser aplicada nesses recursos àquela
proferida no recurso com repercussão geral conhecida. Referida decisão coube
ao Pleno do Supremo Tribunal Federal, sendo sete votos favoráveis e um
contra: " Juizados Especiais e Mandado de Segurança contra Decisão
Interlocutória Não cabe mandado de segurança contra decisão interlocutória
proferida em Juizado Especial. Essa foi a orientação firmada pela maioria do
Tribunal, ao negar provimento a recurso extraordinário interposto contra
acórdão de Turma Recursal Cível e Criminal do Tribunal de Justiça do Estado
da Bahia que indeferiu a petição inicial do mandado de segurança da
recorrente- impetrado contra decisão liminar concedida em primeiro grau, no
âmbito dos Juizados Especiais- extinguindo o feito sem julgamento do mérito.
Asseverou-se que a Lei 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no
processamento e julgamento das causas cíveis de complexidade menor, razão
Michell Nunes Midlej Maron
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Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
peia qual consagrou a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
Não caberia, por isso, nos casos por ela abrangidos, a aplicação subsidiária do
Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento ou a
utilização do instituto do mandado de segurança, cujos prazos para interpor e
impetrar, respectivamente, não se coadunam com os fins pretendidos pela Lei
9.099/95. Aduziu-se ser facultativa a opção pelo rito sumaríssimo, com as
vantagens e limitações que a escolha acarreta. Asseverou-se, ademais, que a
admissão do mandado de segurança ensejaria ampliação da competência dos
Juizados Especiais, o que caberia exclusivamente ao Poder Legislativo. Por
fim, afastou-se a ofensa ao princípio da ampla defesa, haja vista a
possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias quando da
interposição de recurso inominado. Vencido o Min. Marco Aurélio, que provia
o recurso , por considerar estar-se diante de exceção alcançada pela Lei
1.533/5, já que não obstante essa lei revelar como regra o não cabimento de
mandado de segurança contra decisão judicial, tal previsão pressuporia a
possibilidade de ter-se recurso contra decisão, o que, na espécie, não se teria.
Concluía, assim, que o afastamento do mandado de segurança importaria o
afastamento da própria jurisdição." RE 576847/BA, rel. Min. Eros Grau,
20.05.2009 (RE 576847)Mandado de Segurança ( transcrito do informe do
STF em Repercussão Geral) Decisão que deve vincular a solução a ser
aplicada no caso concreto e, conseqüentemente, a solução deste Mandado de
Segurança. ISTO POSTO, Defiro os benefícios da gratuidade de justiça ao
Impetrante. JULGA-SE EXTINTO O FEITO, na forma do artigo 10 da Lei
12.016/2009, sem exame do mérito, indeferindo-se a inicial. Sem honorários
advocatícios na forma da Súmula n.º 512, do STF e da Súmula nº105, do STJ.
Oficie-se ao Juízo Impetrado. Sem ônus sucumbenciais. Intimem-se os
interessados. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2009. José Guilherme Vasi
Werner Juiz Relator.”
Esta posição pelo descabimento do mandamus, diga-se, já era defendida por
Fredie Didier, que entende que as Turmas Recursais, como o próprio nome indica, se
prestam ao julgamento de recursos, e não de sucedâneos recursais; e, além disso, se o
juiz é apontado como autoridade autora de ato ilegal ou abusivo, é o Estado-Juiz sendo
imputado, pelo que haveria interesse público em jogo – escapando do escopo da
competência dos Juizados.
Enfrentando ainda questões que surgem se se admitir o mandado de segurança
contra interlocutórias, como vinha se admitindo, se disse que da decisão da Turma
Recursal denegatória deste mandado não cabe outro mandado, mas isto não significa
que jamais caberá mandamus contra decisões quaisquer das Turmas: é admissível, para
o STJ, o mandado de segurança contra a decisão da Turma Recursal que resolve conflito
de competência, ou seja, para controlar a competência do Juizado é possível o manejo
deste writ. Decisões de mérito da Turma Recursal, no entanto, jamais podem ser
alvejadas por mandado de segurança. Veja os julgados abaixo, do STJ, neste sentido:
“RMS 17524 / BA. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Órgão Julgador:
CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento: 02/08/2006. Data da
Publicação/Fonte: DJ 11/09/2006 p. 211.”
Ementa: Processo civil. Recurso em Mandado de Segurança. Mandamus
impetrado, perante Tribunal de Justiça, visando promover controle de
competência de decisão proferida por Juizado Especial Cível. Possibilidade.
Ausência de confronto com a jurisprudência consolidada do STJ, que veda
apenas a impetração de mandado de segurança para o controle do mérito das
decisões proferidas pelos Juizados Especiais.
- Não se admite, consoante remansosa jurisprudência do STJ, o controle, pela
justiça comum, sobre o mérito das decisões proferidas pelos juizados especiais.
Exceção é feita apenas em relação ao controle de constitucionalidade dessas
Michell Nunes Midlej Maron
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Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012
Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos
decisões, passível de ser promovido mediante a interposição de recurso
extraordinário.
- A autonomia dos juizados especiais, todavia, não pode prevalecer para a
decisão acerca de sua própria competência para conhecer das causas que lhe
são submetidas. É necessário estabelecer um mecanismo de controle da
competência dos Juizados, sob pena de lhes conferir um poder
desproporcional: o de decidir, em caráter definitivo, inclusive as causas para as
quais são absolutamente incompetentes, nos termos da lei civil.
- Não está previsto, de maneira expressa, na Lei nº 9.099/95, um mecanismo
de controle da competência das decisões proferidas pelos Juizados Especiais.
É, portanto, necessário estabelecer esse mecanismo por construção
jurisprudencial.
- Embora haja outras formas de promover referido controle, a forma mais
adequada é a do mandado de segurança, por dois motivos: em primeiro lugar,
porque haveria dificuldade de utilização, em alguns casos, da Reclamação ou
da Querela Nullitatis; em segundo lugar, porque o mandado de segurança tem
historicamente sido utilizado nas hipóteses em que não existe, no ordenamento
jurídico, outra forma de reparar lesão ou prevenir ameaça de lesão a direito.
- O entendimento de que é cabível a impetração de mandado de segurança nas
hipóteses de controle sobre a competência dos juizados especiais não altera o
entendimento anterior deste Tribunal, que veda a utilização do writ para o
controle do mérito das decisões desses juizados.
Recurso conhecido e provido.”
“RMS 26665 / DF. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. Relator Ministro HERMAN BENJAMIN. Órgão Julgador:
SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 26/05/2009. Data da
Publicação/Fonte: DJe 21/08/2009.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO
DE SEGURANÇA. ATO DE MEMBRO DE TURMA RECURSAL
DEFININDO COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE DEMANDA.
CONTROLE PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPETRAÇÃO DO WRIT.
POSSIBILIDADE.
1. A questão posta nos autos cinge-se ao cabimento do Recurso em Mandado
de Segurança para os Tribunais de Justiça controlarem atos praticados pelos
membros ou presidente das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais.
2. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é pacífico no sentido de que
a Turma Recursal dos Juizados Especiais deve julgar Mandados de Segurança
impetrados contra atos de seus próprios membros.
3. Em que pese a jurisprudência iterativa citada, na hipótese sub judice, o
Mandado de Segurança não visa à revisão meritória de decisão proferida pela
Justiça especializada, mas versa sobre a competência dos Juizados Especiais
para conhecer da lide.
4. Inexiste na Lei 9.099/1996 previsão quanto à forma de promover o controle
da competência dos órgãos judicantes ali referidos.
5. As decisões que fixam a competência dos Juizados Especiais – e nada mais
que estas - não podem ficar absolutamente desprovidas de controle, que deve
ser exercido pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais e pelo
Superior Tribunal de Justiça.
6. A Corte Especial do STJ, no julgamento do RMS 17.524/BA, firmou o
posicionamento de que é possível a impetração de Mandado de segurança com
a finalidade de promover controle da competência dos Juizados Especiais.
7. Recurso Ordinário provido.”
Da decisão denegatória deste mandado de segurança contra ato da Turma
referente à competência, que é prolatada pelo Tribunal de Justiça ou TRF, cabe o
recurso ordinário para o STJ, porque agora se trata de uma decisão de tribunal.
Michell Nunes Midlej Maron
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