doença de still do adulto: relato de caso e revisão da - BVS SMS-SP

Propaganda
Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
DOENÇA DE STILL DO ADULTO:
RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA
CYBELE MARIA BONFIM SANTOS
São Paulo
2012
1
CYBELE MARIA BONFIM SANTOS
DOENÇA DE STILL DO ADULTO:
RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à Comissão de Residência Médica do
Hospital do Servidor Público Municipal de São
Paulo com o objetivo de obter o título da
Residência Médica
Área: Clínica Médica
Orientadora: Dra. Maria Vitória de Brito
Salgado
São Paulo
2012
2
FICHA CATALOGRÁFICA
SANTOS, Cybele Maria Bonfim
Doença De Still do Adulto – Relato de Caso e Revisão da
Literatura. Cybele Santos – São Paulo 2012.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de
Residência Médica do HSPM-SP, para obter o título de
Residência Médica, na área de Clínica Médica.
Descritores: 1: Doença de Still do Adulto.
3:Hiperferritinemia.
2: Artrite.
3
AUTORIZO A INCLUSÃO INTEGRAL DO TCC DE MINHA
AUTORIA NA BIBLIOTECA VIRTUAL EM SAÚDE DO MUNICÍPIO
DE SÃO PAULO.
______________________________
Cybele Maria Bonfim Santos
Residente de Clínica Médica
4
Cybele Maria Bonfim Santos
Relato de Caso: Doença de Still do Adulto
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Hospital do Servidor Público
Municipal de São Paulo, para obtenção de título de Residência Médica.
Área: Clínica Médica.
Comissão Examinadora
______________________________________________________________________________________________
Dr: Claudio Capuano
Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
______________________________________________________________________________________________
Dr: Carlos Saraiva Martins
Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
______________________________________________________________________________________________
Dr: Artur Antonio Pereira
Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
Data de aprovação: ______/________/_______
5
Resumo
A doença de Still do Adulto (DSA) é uma desordem inflamatória sistêmica rara, de
causa desconhecida, que se apresenta com um quadro de febre, artrite e exantema.
Mesmo mais de um século depois da primeira descrição da doença e apesar dos
avanços no seu estudo, o diagnóstico da DSA continua sendo um desafio para a
medicina, configurando como patologia de exclusão entre infindáveis possibilidades
que cursam com Febre de Origem Indeterminada. Este relato de caso tem por objetivo
apresentar a evolução clínica e laboratorial de um paciente que se apresentou com
quadro de artrite, febre, leucocitose e hiperferritinemia desde a exclusão de outras
patologias até a definição do diagnóstico de Doença de Still do Adulto e a sua resposta
ao tratamento com corticóide sistêmico. É realizada ainda uma revisão da literatura
sobre a caracterização da doença, aspectos do seu diagnóstico e tratamento.
PALAVRAS-CHAVES: Doença de Still do Adulto, Artrite, Hiperferritinemia
6
Abstract
The Adult Still's Disease (ASD) is a rare systemic inflammatory disorder of unknown
origin that presents with fever, rash and arthritis. Even more than a century after the
first description of the disease and despite advances in it study, the diagnosis of ASD
remains a challenge for medicine, configuring as pathology of exclusion among
endless possibilities that occur with fever of unknown origin. This case report aims to
present the clinical and laboratory findings of a patient who presented with signs of
arthritis, fever, leukocytosis and hyperferritinemia since the exclusion of other diseases
until define the diagnosis of Adult Still's Disease, and it response to treatment with
systemic corticosteroids. It is still performed a literature review on the characterization
of the disease, aspects of it diagnosis and treatment.
KEYWORDS: Adult Still's Disease, Arthritis, Hyperferritinemia
7
Sumário
1. Introdução..............................................................................................................p. 8
2. Relato de caso.......................................................................................................p. 11
3. Discussão..............................................................................................................p. 13
4. Conclusão..............................................................................................................p. 15
5. Referências Bibliográficas.....................................................................................p. 16
8
INTRODUÇÃO
A Doença
A Doença de Still foi primeiro descrita em 1897 por George Still como uma
poliartrite crônica soro-negativa em crianças. Entretanto, foi somente em 1971 que
Bywaters descreveu 14 casos da doença com início na fase adulta, reconhecendo a
Doença de Still do Adulto (DSA) como uma entidade clínica distinta da artrite
reumatóide juvenil.3,18
Trata-se de doença rara, com relatos de incidência variando de 0,16 casos por
16
100.000 habitantes em estudo na França a 0,22 e 0,34, respectivamente para
homens e mulheres e prevalência de 0,73 e 1,47 por 100.000 habitantes no Japão.21
A DSA acomete tipicamente adultos jovens, em sua maioria entre 16 e 35 anos
16
embora admita-se outro pico de distribuição entre 36 e 45 anos e casos atípicos
atingindo pacientes idosos.10,11
2,3
Atualmente é considerada uma desordem inflamatória sistêmica, de causa
desconhecida, que se apresenta mais característicamente por um quadro de febre alta
prolongada, artrite e exantema cutâneo.4,20 Pode manifestar-se ainda com faringite,
2,4
hepatomegalia, esplenomegalia, linfadenopatia e anemia.
Manifestações menos
freqüentes incluem pleurite, pericardite, tamponamento cardíaco e miocardite.
Comprometimento renal, hematológico, neurológico e inclusive casos de disfunção de
5,8
múltiplos órgãos já foram descritos, apesar de raros.
O comprometimento hepático na DAS é bastante comum, sendo utilizado
inclusive como um dos critérios classificatórios por muitos autores. Pode estar
presente em virtude da atividade da doença ou ainda como uma complicação do seu
tratamento. Varia desde elevação assintomática de aminotransferases até casos de
hepatite fulminante necessitando de transplante hepático.15
Laboratorialmente, há elevação de VHS e PCR, leucocitose, com neutrofilia e
anemia normocítica normocrômica, agindo como marcadores inflamatórios
4
inespecíficos. O fator reumatóide e o anticorpo antinúcleo tem que ser negativos. A
ferritina está frequentemente elevada, em níveis maiores que em outras desordens
inflamatórias. Tem sido apontada como um possível marcador da doença,
principalmente sua isoforma, a ferritina glicosilada, ajudando na exclusão de
diagnósticos diferenciais.9,18
Estudos de imunopatologia tem demonstrado o papel de citocinas como
Interferon γ e Interleucinas em estimular a diferenciação dos linfócitos T no perfil Th1,
que acredita-se predomine em relação ao perfil Th2 na patogênese da doença. Os
valores de algumas dessas citocinas correlacionam-se inclusive com a atividade da
6,12
doença.
9
A IL18, por exemplo, tem sido implicada na patogênese da injúria hepática na
DSA ao serem encontrados níveis elevados dessa citocina nos casos associados a
hepatite fulminante, prestando-se, inclusive como marcador precoce de disfunção
hepática.15 Esses recentes conhecimentos podem oferecer novas possibilidades de
13
tratamento, como o uso dos agentes biológicos (anti-TNFα, anti-IL1 e anti-IL6).
A evolução da doença pode acontecer com três padrões descritos: episódio
único com evolução de meses; doença intermitente com recidivas intercaladas por
períodos de remissão completa e a forma crônica, que pode cursar com
4,8
comprometimento articular destrutivo. A série de Appenzeller ET AL, 2003 observou
o padrão de doença sistêmica recorrente na maioria dos casos e padrão monocíclico
em 20%.
O Diagnóstico
A DAS mantém-se como um diagnóstico de exclusão entre as inúmeras causas
de Febre de Origem Indeterminada aparecendo como uma das causas mais
2,10
freqüentes nesse grupo.
O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido com 4
grupo de doenças: infecciosas, neoplásicas, doenças do tecido conectivo e doenças
granulomatosas, o que contribui para a dificuldade na definição diagnóstica.22 Essa
dificuldade se reflete nos vários critérios de classificação apresentados até então.
Desde a sua descrição, foram desenvolvidos critérios de classificação por
Cush, Goldman, Calabro, Reginato, Kahn e Yamaguchi. A maioria dos critérios inclue
febre, leucocitose, rash cutâneo e artrite ou artralgia e são divididos entre critérios
maiores e menores. Os critérios de Yamaguchi apresentam a mais elevada
sensibilidade (93.5%) e é o mais utilizado até hoje.7,17,18 Recentemente, em 2002,
Fautrel et AL incluiu a ferritina glicosilada como um dos critérios maiores e em 2005,
7
Crispin et al apresentou um novo conjunto de critérios sob a forma de escala clínica.
Apesar dos esforços em estabelecer critérios diagnósticos, muitas vezes se faz
necessário o acompanhamento longitudinal do paciente para melhor caracterizar o
diagnóstico da doença. [Quadro1]
A ferritina e suas isoformas tem sido cada vez mais estudadas como auxiliar no
diagnóstico da DSA. O aumento significativo da ferritina correlaciona-se bem com a
atividade da doença sendo um bom marcador de resposta terapêutica e especialmente
18
a sua fração glicosilada vem recebendo destaque.
Em indivíduos saudáveis, os valores da fração glicosilada da ferritina situam-se
entre 50 e 80%. Na maioria das doenças inflamatórias, estão entre 20 e 50%, e nos
4,20
pacientes com DSA, menores que 20%.
Valores de fração de ferritina glicosilada
inferiores a 20% associado com uma ferritina total cinco vezes maior que o limite
superior do normal, tem uma sensibilidade de 43% e uma especificidade de 93% para
9
o diagnóstico de DSA.
10
Quadro 1
Yamagushi ET al
Critérios Maiores
Critérios Menores
§ Febre > 39ºC > 1sem. Odinofagia
§ Artralgias > 2 sem.
Adeno ou
§ Rash típico
esplenomegalia
§ Leucocitose >10.000
Atingimento
§ + >80% granulócitos
Hepático
FR < 1:80 e ANA
< 1:100
Fautrell ET AL, 2002
Critérios Maiores
Critérios Menores
Febre c/ picos diários
Rash maculo-papular
Artralgia
Leucocitose > 10.000
Eritema transitório
cél/ml
Faringite
Neutrófilos>80%
Ferritina
Glicosilada<20%
5 critérios (2 ou mais maiores)
+ exclusão de outras causas
4 critérios maiores ou 3 maiores e 2
menores + exclusão de outras causas
O Tratamento
O tratamento é feito inicialmente com antiinflamatórios não-esteroidais (AINE)
mas a maioria dos pacientes requer a associação de um glicocorticóide ou o seu uso
em monoterapia.4 Efthimiou ET AL,2005, relatou que o tratamento com AINE era
efetivo no controle da doença apenas em 7 a 15% dos pacientes, com a maioria
necessitando do uso de corticóides em algum momento do tratamento, com resposta
variando de 76 a 95% dos casos.
Nos casos resistentes ou nos que requerem redução da dose do corticóide,
associa-se um agente antireumático, como metotrexato, hidroxicloroquina, ouro,
azatioprina, leflunomida, tacrolimus, ciclosporina ou ciclofosfamida, ou ainda, utiliza-se
a imunoglobulina venosa. 4
Os avanços no esclarecimento dos mecanismos imunopatológicos que regem a
Doença de Still do Adulto vem oferecendo novas possibilidades de tratamento, como o
uso dos agentes biológicos (anti-TNFα, anti-IL1 e anti-IL6).13
Os anti-TNF, infliximab e etanecerpt aparecem como uma opção aos casos
refratários ao uso de glicocorticóides associados a um antireumático (estudos
8
principalmente com metotrexato). Para os casos refratários, tem-se avaliado o uso
das anti-inteleucinas, como é o caso da recentemente liberada Anakinra, o primeiro
14
agente anti-IL-1 capaz de induzir rápida resposta sustentada nesses casos.
A sequência da introdução das drogas para o tratamento da DAS de acordo
com a ausência de resposta clínica é sugerida por Efthimiou ET AL, 2005 no
algorritmo da figura 1:
11
Metotrexato +
baixas doses de
glicocorticóide
(+/- AINE)
Adicionar Agentes
Biológicos:
anti-IL1 ou anti-TNF
(infliximab>etanercept)
Agentes de 2ª linha
(leflunomida, IVIg,
azatioprina, talidomida,
ouro,ciclofosfamida,
ciclosporina)
Agentes experimentais
(anti-IL6)
Figura 1, Algoritmo Terapêutico para Doença de Still do Adulto
8
CASO CLÍNICO
Paciente RCS, 45anos, sexo masculino, negro, deu entrada no Pronto Socorro
do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM) por febre e artrite de
punho, joelho e tornozelo esquerdos de evolução há 3 semanas. Referia ser
hipertenso e com história de ter feito uso de drogas endovenosas no passado. Negava
episódios anteriores de artralgia ou história familiar.
Ao exame físico apresentava-se consciente e orientado, hipocorado e afebril.
Ausculta cardíaca e respiratória sem alterações. Ausência de alterações ao exame do
abdome e ou de linfonodomegalias palpáveis. Destacava-se a dor articular intensa
com edema, hiperemia e calor em punho, joelho e tornozelo esquerdos. Havia
limitação importante à movimentação em punho esquerdo e parcial em joelho
esquerdo.
Laboratorialmente, apresentava função renal normal, sem distúrbios
hidroeletrolíticos. Anemia (Hb: 9,4) normocítica e normocrômica, leucocitose (13900 e
75% segmentados) e plaquetas: 357000. Dosagem de vit. B12 e ácido fólico dentro da
normalidade. Ferro sérico, transferrina e saturação de transferrina reduzidas. Ferritina
aumentada (2576, VR: 28 a 365). AST: 35 e ALT: 124. Proteina Total: 7,7 e Albumina:
3,1 , Tempo de protrombina: 16,4 e INR:1,3, bilirrubina total: 0,6, Fosfatase Alcalina:
247 (VR: 40-150) e Gama-GT: 486 (VR: 12 a 73).
12
Durante a investigação diagnóstica foram solicitados marcadores tumorais,
reumatológicos e sorologias que foram negativos (tabelas 1 e 2). Os marcadores
inflamatórios mostravam-se elevados (tabela 5)
Tabela 1
Marcadores tumorais
CEA
0,81
αfetoproteína
2,79
CA 15.3
14,6
CA 19.9
3,71
CA 125
15,2
PSA
0,26
Tabela 2
Provas Reumatológicas
FAN
NR
Fator
<11,3
Reumatóide
C3
143
C4
48
Anti-DNA
NR
VR
Até 5
Até 11
Até 31
Até 37
Até 35
VR
90 a 180
10 a 40
Sorologias
Anti-HIV 1 e 2
NR
Anti-HCV
NR
HbsAg
NR
Anti-CMV
IgG+
Anti-Rubéola
IgG+
Anti-Toxoplasma
IgG+
VDRL
NR
Marcadores Inflamatórios
VHS
126
PCR
19
α1glicoproteína ácida
Ferritina
325
2576
VR
Até 14
<0,8
50 a 120
28 a 365
Exames radiológicos do tórax e articulações do joelho e punho esquerdo sem
alteração. USG do joelho esquerdo mostrava derrame articular e espessamento do
tendão do quadríceps; a RMN , lesão do ligamento cruzado anterior proximal e bursite
pré-patelar. A punção do joelho esquerdo apresentou líquido hemático. USG e TC
abdome sem alteração. EDA com gastrite leve de antro e bulboduodenite leve.
Ecocardiograma transesofágico sem vegetações ou outras alterações.
Foi iniciada antibioticoterapia com Ceftriaxone e Doxiciclina (esta última
substituída posteriormente por Clindamicina) pela suspeita diagnóstica de artrite
séptica. Introduzido ainda AINE (cetoprofeno) e depois associado prednisona 20mg/d
a partir do 3º dia mas o paciente mantinha o quadro de artrite. Devido à observação de
níveis elevados das enzimas canaliculares e transaminases hepáticas, o AINE e o
corticóide foram suspensos e mantida analgesia com dipirona, paracetamol e
analgésicos opióides sem que houvesse mudança do quadro clínico.
Após 11 dias de antibioticoterapia, o paciente mantinha a poliartrite importante
com calafrio e febre alta intermitente e então a ceftriaxona e clindamicina foram
substituídas por Vancomicina. Após o 6º dia do início desse antibiótico, apresentou
rash cutâneo pruriginoso morbiliforme que poupava a face associado a insuficiência
renal aguda. A vancomicina foi suspensa devido à possibilidade das intercorrências
serem decorrentes de farmacodermia com Nefrite Intersticial Aguda.
13
A partir do resultado dos exames laboratoriais com as sorologias,
autoanticorpos e culturas negativas, falha terapêutica com antibióticos e a
exacerbação do quadro clínico de poliartrite, febre e aumento da ferritina (elevação
para 4695) foi fortalecida a hipótese de Doença de Still do Adulto e iniciada
pulsoterapia (1g de metilprednisolona) no 21º dia de internação hospitalar por 3 dias
intercalados de prednisona 40mg/dia.
No dia seguinte à pulsoterapia, o paciente apresentava-se afebril e manteve-se
assim até a alta hospitalar. Evoluia com melhora do quadro da artrite até que no
31ºDIH houve retorno das dores em articulações prévias e novo foco em cotovelo
esquerdo. Foi administrada nova pulsoterapia, agora apenas 1 dose de 1g de
metilprednisolona. A partir de então, houve redução progressiva da artrite, das
enzimas canaliculares e da ferritinemia (tabela 3).
O paciente recebeu alta no 39º dia de internação com prednisona 40mg/dia e
orientação para acompanhamento ambulatorial no serviço de Reumatologia do HSPM.
Tabela 3
Hb
Leucócitos
AST/ALT
FA
GGT
DHL
Ferritina
Evolução dos exames laboratoriais
D1
D21
D24
9,4
8,9
7,8
13900
11800
13700
35/124
53/58
149/174
247
289
301
486
535
935
155
382
366
2576
4695
D31
8,3
12600
21/55
180
533
D34
7,8
15400
18/45
157
438
1677
DISCUSSÃO
De acordo com os critérios diagnósticos de Yamaguchi (quadro1), o caso
descrito apresenta 3 critérios maiores (febre superior a 39ºC, artralgias superior a 2
semanas e leucocitose com neutrofilia) e 2 critérios menores (disfunção hepática e
Fator Reumatóide e ANA negativos) apontando na direção do diagnóstico de DSA.
Esse diagnóstico e o início do tratamento ocorreram no 21º dia de internação
hospitalar mas em geral este período é ainda maior. Em série de pacientes analisados
por Appenzeller ET AL, 2003 o diagnóstico foi feito, em média, após 6,9 meses de
doença.
O quadro clínico do paciente iniciou-se com artrite, manifestação que está
presente em 64 a 100% dos pacientes descritos nas séries de casos analisadas por
Efthimiou ET al, 2005. Esta acometia as articulações freqüentemente comprometidas
14
segundo diversos autores, o joelho e punho, embora a articulação do tornozelo e
interfalangeanas também possam ser atingidas.
A febre foi semelhante à descrição de outros autores com caráter intermitente,
elevadas temperaturas, resposta parcial a antipiréticos e duração maior que 2
semanas.2,4,22
Não foi observado o rash cutâneo típico descrito como maculopapular de cor
rosa-salmão, apenas pouco ou não-pruriginoso, evanescente, que se exacerba com os
picos febris. Esta manifestação sugere fortemente o diagnóstico e aparece como
critério maior da maioria dos critérios classificatórios com elevada sensibilidade e
22
especificidade para o diagnóstico de DSA. Entretanto, alguns casos publicados na
literatura alertam para a existência da DSA associada a um rash atípico.21 O rash
cutâneo observado no caso acima foi atribuído a farmacodermia em virtude de sua
característica intensamente pruriginosa, coloração rosa escuro e associação com a
introdução do antibiótico.
A disfunção hepática esteve presente nesse caso com a elevação das
transaminases atingindo valores até 5x o valor de referência. Entretanto, foi mais
pronunciada a elevação das enzimas canaliculares, especialmente a gamaGT, que
chegou a elevar-se até 13x o limite da referência. Este padrão colestático foi descrito
também na série de Andrès ET AL, 2003. Dos 17 pacientes com DSA avaliados por
estes autores, 76% apresentavam disfunção hepática e destes, 65% de forma
moderada (elevação das transaminases entre 2 a 5x), 12% severa (maior que 5x) e
65% com padrão colestático (elevação da GGT e/ou fosfatase alcalina).
Observou-se elevação de marcadores inflamatórios, como VHS e PCR, além
da leucocitose, embora essa mais discreta, e anemia de doença crônica, em
concordância aos aspectos da doença descritos em outros pacientes. A ferritina
esteve expressivamente elevada, chegando a atingir o valor de 4695, ou seja até 12x
8
maior que o valora da normalidade. Segundo o estudo de Fautrel ET AL em 2001, a
elevação da ferritina maior que 5x obteve uma sensibilidade de 40% e especificidade
de 80% para o diagnóstico de DAS. O autor explica que a menor sensibilidade deste
estudo quando comparado a outros como o de Ohta, et al (69%) ou Ushiyama, et al
(74%) possa dever-se ao fato de que cerca de 20% dos pacientes apresentavam
doença controlada.
A boa resposta clínica, a redução da ferritinemia (que chegou a valores de
4695 e na ocasião da alta hospitalar estava em 1667), de outros marcadores
inflamatórios e de disfunção hepática seguidos ao início do tratamento com
glicocorticóide venoso fortalecem ainda mais o diagnóstico. Infelizmente, não pôde ser
dosada a ferritina glicosilada, definida como um dos critérios diagnósticos de Fautrell,
2002, refletindo a atual pouca disponibilidade deste exame na prática clínica.
15
CONCLUSÃO
O caso clínico descrito acima demonstra a dificuldade na definição diagnóstica
da Doença de Still do Adulto. Mesmo mais de um século depois da primeira descrição
da doença, mantém-se dúvidas quanto à sua caracterização diagnóstica por tratar-se
de patologia de exclusão entre infindáveis possibilidades. Isso acarreta longos
períodos de internação hospitalar, com elevados custos e atraso no início do
tratamento, expondo os pacientes a investigações exaustivas, inclusive invasivas até
que se estabeleça o diagnóstico.
Apesar dos avanços no conhecimento das suas apresentações clínicas e
bases imunológicas, das tentativas de se estabelecer critérios diagnósticos acurados e
do progresso no desenvolvimento de drogas cada vez mais direcionadas à sua
patogênese, a Doença de Still do Adulto ainda é um mistério para a medicina, e esta
segue avançando cada vez mais no caminho para desvendá-lo.
16
Referências Bibliográficas
1 – ANDRÈS, E. et al. Retrospective monocentric study of 17 patients with adult Still's
disease, with special focus on liver abnormalities. Hepatogastroenterology. V. 50, n.
49, p. 192-5, jan-fev. 2003.
2 - APPENZELLER, S. et al. Doença de Still do Adulto: Diagnóstico e Evolução.
Revista Brasileira de Reumatologia, v. 43, n. 6, p. 352-7, nov./dez. 2003.
3 – BYWATERS, E.G.L. Still’s disease in the adult. Annals of the Rheumatic Diseases,
v. 30, p. 121-133. 1971.
4 – CARBANELAS, N. et al. Avanços no Conhecimento da Doença de Still do Adulto.
Acta Med Port., v. 24, p. 183-192. 2011.
5 – CHAKR, R. et al. Adult-Onset Still’s Disease Envolving with Multiple Organ Failure:
Case Report and Literature Review. Clinics, v.62, p. 645-6. 2007.
6 – CHEN, D. Y. et al. Predominance of Th1 cytokine in peripheral blood and
pathological tissues of patients with active untreated adult onset Still’s disease. Ann
Rheum Dis. v. 63, p. 1300–1306. 2004.
7 – DIOGO, J. et al. Doença de Still do Adulto como Causa de Síndrome Febril
Indeterminada. Acta Med Port, v. 23, p. 927-930. 2010.
8 – EFTHIMIOU, P.; Paik, P. K.; Bielory, L. Diagnosis and management of adult onset
Still’s disease. Annals of the Rheumatic Diseases, v. 65, p. 564-572. 2006.
9 – FAUTREL, B. et al. Diagnostic value of ferritin and glycosylated ferritin in adult
onset Still's disease. The Journal of Rheumatology. v. 28, p. 322-329. 2001.
10 – FREIRE, M. et al. Doença de Still do Adulto: Um Desafio Diagnóstico na Febre de
Origem Indeterminada. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 45, n. 5, p. 24-25,
set./out. 2005.
11 – HAMIDOU, M. A. et al. Usefulness of glycosylated ferritin in atypical presentations
of adult onset Still’s disease. Ann Rheum Dis. V. 63, p. 605. 2004.
12 – KAWASHIMA, M. et al. Levels of Interleukin-18 and Its Binding Inhibitors in the
Blood Circulation of Patients With Adult-Onset Still’s Disease. Arthritis and
Rheumatism. V. 44, n. 3, p 550-560, march. 2001.
13 – KONTZIAS, A. ; EFTHIMIOU, P. Adult-onset Still's disease: pathogenesis, clinical
manifestations and therapeutic advances. Drugs. v. 68, n. 3, p. 319-37. 2008.
14 – KOTTER, I. et al. Anakinra in patients with treatment-resistant adult-onset Still's
disease: four case reports with serial cytokine measurements and a review of the
literature. Semin Arthritis Rheum. V. 37, n. 3, p. 189-97, dec. 2007.
15 – LIM, K. B. L. ; SCHIANO, T. D. Still Disease and the Liver: An Underappreciated
Association. Gastroenterology & Hepatology. v. 7, n. 12, p. 844-846, dec. 2011.
17
16 – MAGADUR-JOLY, G. et al. Epidemiology of adult Still's disease: estimate of the
incidence by a retrospective study in west France. Annals of the Rheumatic Diseases,
v. 54, p.587-590. 1995.
17 – MASSON, C. et al. Comparative study of 6 types of criteria in adult Still's disease.
J Rheumatol. v. 23, n. 3, p. 495-7, mar. 1996.
18 – MEIJVIS, S.S.A. et al. Extremely high serum ferritin levels as diagnostic tool in
adult-onset Still’s disease. The Netherlands Journal of Medicine, v. 65, n.6, jun. 2007.
19 - MUELLER, R. B.; SHERIFF, A. Scoring Adult-onset Still's Disease. The Journal of
Rheumatology. v. 37, p.2203-2204. 2010.
20 – NETO, N. R. S.; CARVALHO, J. R. The use of inflammatory laboratory tests in
rheumatology. Bras J Rheumatol. v. 49, n. 4, p. 413-30. 2009.
21 – SAITO, A. et al. Two cases of adult Still's disease with atypical rash. Ryumachi. v.
38, n. 3, p. 516-22, jun. 1998.
22 – VALENTE, C. et al. Doença de Still do Adulto: Revisão da literatura a propósito de
dois casos clínicos. Medicina Interna, v. 4, n. 4, p. 245-251. 1997.
23 – WAKAI, K. et al. Estimated prevalence and incidence of adult Still's disease:
findings by a nationwide epidemiological survey in Japan. Journal of Epidemiology /
Japan Epidemiological Association, v.7, n. 4, p. 221-5. 1997.
Download