Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo DOENÇA DE STILL DO ADULTO: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA CYBELE MARIA BONFIM SANTOS São Paulo 2012 1 CYBELE MARIA BONFIM SANTOS DOENÇA DE STILL DO ADULTO: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de Residência Médica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo com o objetivo de obter o título da Residência Médica Área: Clínica Médica Orientadora: Dra. Maria Vitória de Brito Salgado São Paulo 2012 2 FICHA CATALOGRÁFICA SANTOS, Cybele Maria Bonfim Doença De Still do Adulto – Relato de Caso e Revisão da Literatura. Cybele Santos – São Paulo 2012. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de Residência Médica do HSPM-SP, para obter o título de Residência Médica, na área de Clínica Médica. Descritores: 1: Doença de Still do Adulto. 3:Hiperferritinemia. 2: Artrite. 3 AUTORIZO A INCLUSÃO INTEGRAL DO TCC DE MINHA AUTORIA NA BIBLIOTECA VIRTUAL EM SAÚDE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. ______________________________ Cybele Maria Bonfim Santos Residente de Clínica Médica 4 Cybele Maria Bonfim Santos Relato de Caso: Doença de Still do Adulto Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, para obtenção de título de Residência Médica. Área: Clínica Médica. Comissão Examinadora ______________________________________________________________________________________________ Dr: Claudio Capuano Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo ______________________________________________________________________________________________ Dr: Carlos Saraiva Martins Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo ______________________________________________________________________________________________ Dr: Artur Antonio Pereira Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo Data de aprovação: ______/________/_______ 5 Resumo A doença de Still do Adulto (DSA) é uma desordem inflamatória sistêmica rara, de causa desconhecida, que se apresenta com um quadro de febre, artrite e exantema. Mesmo mais de um século depois da primeira descrição da doença e apesar dos avanços no seu estudo, o diagnóstico da DSA continua sendo um desafio para a medicina, configurando como patologia de exclusão entre infindáveis possibilidades que cursam com Febre de Origem Indeterminada. Este relato de caso tem por objetivo apresentar a evolução clínica e laboratorial de um paciente que se apresentou com quadro de artrite, febre, leucocitose e hiperferritinemia desde a exclusão de outras patologias até a definição do diagnóstico de Doença de Still do Adulto e a sua resposta ao tratamento com corticóide sistêmico. É realizada ainda uma revisão da literatura sobre a caracterização da doença, aspectos do seu diagnóstico e tratamento. PALAVRAS-CHAVES: Doença de Still do Adulto, Artrite, Hiperferritinemia 6 Abstract The Adult Still's Disease (ASD) is a rare systemic inflammatory disorder of unknown origin that presents with fever, rash and arthritis. Even more than a century after the first description of the disease and despite advances in it study, the diagnosis of ASD remains a challenge for medicine, configuring as pathology of exclusion among endless possibilities that occur with fever of unknown origin. This case report aims to present the clinical and laboratory findings of a patient who presented with signs of arthritis, fever, leukocytosis and hyperferritinemia since the exclusion of other diseases until define the diagnosis of Adult Still's Disease, and it response to treatment with systemic corticosteroids. It is still performed a literature review on the characterization of the disease, aspects of it diagnosis and treatment. KEYWORDS: Adult Still's Disease, Arthritis, Hyperferritinemia 7 Sumário 1. Introdução..............................................................................................................p. 8 2. Relato de caso.......................................................................................................p. 11 3. Discussão..............................................................................................................p. 13 4. Conclusão..............................................................................................................p. 15 5. Referências Bibliográficas.....................................................................................p. 16 8 INTRODUÇÃO A Doença A Doença de Still foi primeiro descrita em 1897 por George Still como uma poliartrite crônica soro-negativa em crianças. Entretanto, foi somente em 1971 que Bywaters descreveu 14 casos da doença com início na fase adulta, reconhecendo a Doença de Still do Adulto (DSA) como uma entidade clínica distinta da artrite reumatóide juvenil.3,18 Trata-se de doença rara, com relatos de incidência variando de 0,16 casos por 16 100.000 habitantes em estudo na França a 0,22 e 0,34, respectivamente para homens e mulheres e prevalência de 0,73 e 1,47 por 100.000 habitantes no Japão.21 A DSA acomete tipicamente adultos jovens, em sua maioria entre 16 e 35 anos 16 embora admita-se outro pico de distribuição entre 36 e 45 anos e casos atípicos atingindo pacientes idosos.10,11 2,3 Atualmente é considerada uma desordem inflamatória sistêmica, de causa desconhecida, que se apresenta mais característicamente por um quadro de febre alta prolongada, artrite e exantema cutâneo.4,20 Pode manifestar-se ainda com faringite, 2,4 hepatomegalia, esplenomegalia, linfadenopatia e anemia. Manifestações menos freqüentes incluem pleurite, pericardite, tamponamento cardíaco e miocardite. Comprometimento renal, hematológico, neurológico e inclusive casos de disfunção de 5,8 múltiplos órgãos já foram descritos, apesar de raros. O comprometimento hepático na DAS é bastante comum, sendo utilizado inclusive como um dos critérios classificatórios por muitos autores. Pode estar presente em virtude da atividade da doença ou ainda como uma complicação do seu tratamento. Varia desde elevação assintomática de aminotransferases até casos de hepatite fulminante necessitando de transplante hepático.15 Laboratorialmente, há elevação de VHS e PCR, leucocitose, com neutrofilia e anemia normocítica normocrômica, agindo como marcadores inflamatórios 4 inespecíficos. O fator reumatóide e o anticorpo antinúcleo tem que ser negativos. A ferritina está frequentemente elevada, em níveis maiores que em outras desordens inflamatórias. Tem sido apontada como um possível marcador da doença, principalmente sua isoforma, a ferritina glicosilada, ajudando na exclusão de diagnósticos diferenciais.9,18 Estudos de imunopatologia tem demonstrado o papel de citocinas como Interferon γ e Interleucinas em estimular a diferenciação dos linfócitos T no perfil Th1, que acredita-se predomine em relação ao perfil Th2 na patogênese da doença. Os valores de algumas dessas citocinas correlacionam-se inclusive com a atividade da 6,12 doença. 9 A IL18, por exemplo, tem sido implicada na patogênese da injúria hepática na DSA ao serem encontrados níveis elevados dessa citocina nos casos associados a hepatite fulminante, prestando-se, inclusive como marcador precoce de disfunção hepática.15 Esses recentes conhecimentos podem oferecer novas possibilidades de 13 tratamento, como o uso dos agentes biológicos (anti-TNFα, anti-IL1 e anti-IL6). A evolução da doença pode acontecer com três padrões descritos: episódio único com evolução de meses; doença intermitente com recidivas intercaladas por períodos de remissão completa e a forma crônica, que pode cursar com 4,8 comprometimento articular destrutivo. A série de Appenzeller ET AL, 2003 observou o padrão de doença sistêmica recorrente na maioria dos casos e padrão monocíclico em 20%. O Diagnóstico A DAS mantém-se como um diagnóstico de exclusão entre as inúmeras causas de Febre de Origem Indeterminada aparecendo como uma das causas mais 2,10 freqüentes nesse grupo. O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido com 4 grupo de doenças: infecciosas, neoplásicas, doenças do tecido conectivo e doenças granulomatosas, o que contribui para a dificuldade na definição diagnóstica.22 Essa dificuldade se reflete nos vários critérios de classificação apresentados até então. Desde a sua descrição, foram desenvolvidos critérios de classificação por Cush, Goldman, Calabro, Reginato, Kahn e Yamaguchi. A maioria dos critérios inclue febre, leucocitose, rash cutâneo e artrite ou artralgia e são divididos entre critérios maiores e menores. Os critérios de Yamaguchi apresentam a mais elevada sensibilidade (93.5%) e é o mais utilizado até hoje.7,17,18 Recentemente, em 2002, Fautrel et AL incluiu a ferritina glicosilada como um dos critérios maiores e em 2005, 7 Crispin et al apresentou um novo conjunto de critérios sob a forma de escala clínica. Apesar dos esforços em estabelecer critérios diagnósticos, muitas vezes se faz necessário o acompanhamento longitudinal do paciente para melhor caracterizar o diagnóstico da doença. [Quadro1] A ferritina e suas isoformas tem sido cada vez mais estudadas como auxiliar no diagnóstico da DSA. O aumento significativo da ferritina correlaciona-se bem com a atividade da doença sendo um bom marcador de resposta terapêutica e especialmente 18 a sua fração glicosilada vem recebendo destaque. Em indivíduos saudáveis, os valores da fração glicosilada da ferritina situam-se entre 50 e 80%. Na maioria das doenças inflamatórias, estão entre 20 e 50%, e nos 4,20 pacientes com DSA, menores que 20%. Valores de fração de ferritina glicosilada inferiores a 20% associado com uma ferritina total cinco vezes maior que o limite superior do normal, tem uma sensibilidade de 43% e uma especificidade de 93% para 9 o diagnóstico de DSA. 10 Quadro 1 Yamagushi ET al Critérios Maiores Critérios Menores § Febre > 39ºC > 1sem. Odinofagia § Artralgias > 2 sem. Adeno ou § Rash típico esplenomegalia § Leucocitose >10.000 Atingimento § + >80% granulócitos Hepático FR < 1:80 e ANA < 1:100 Fautrell ET AL, 2002 Critérios Maiores Critérios Menores Febre c/ picos diários Rash maculo-papular Artralgia Leucocitose > 10.000 Eritema transitório cél/ml Faringite Neutrófilos>80% Ferritina Glicosilada<20% 5 critérios (2 ou mais maiores) + exclusão de outras causas 4 critérios maiores ou 3 maiores e 2 menores + exclusão de outras causas O Tratamento O tratamento é feito inicialmente com antiinflamatórios não-esteroidais (AINE) mas a maioria dos pacientes requer a associação de um glicocorticóide ou o seu uso em monoterapia.4 Efthimiou ET AL,2005, relatou que o tratamento com AINE era efetivo no controle da doença apenas em 7 a 15% dos pacientes, com a maioria necessitando do uso de corticóides em algum momento do tratamento, com resposta variando de 76 a 95% dos casos. Nos casos resistentes ou nos que requerem redução da dose do corticóide, associa-se um agente antireumático, como metotrexato, hidroxicloroquina, ouro, azatioprina, leflunomida, tacrolimus, ciclosporina ou ciclofosfamida, ou ainda, utiliza-se a imunoglobulina venosa. 4 Os avanços no esclarecimento dos mecanismos imunopatológicos que regem a Doença de Still do Adulto vem oferecendo novas possibilidades de tratamento, como o uso dos agentes biológicos (anti-TNFα, anti-IL1 e anti-IL6).13 Os anti-TNF, infliximab e etanecerpt aparecem como uma opção aos casos refratários ao uso de glicocorticóides associados a um antireumático (estudos 8 principalmente com metotrexato). Para os casos refratários, tem-se avaliado o uso das anti-inteleucinas, como é o caso da recentemente liberada Anakinra, o primeiro 14 agente anti-IL-1 capaz de induzir rápida resposta sustentada nesses casos. A sequência da introdução das drogas para o tratamento da DAS de acordo com a ausência de resposta clínica é sugerida por Efthimiou ET AL, 2005 no algorritmo da figura 1: 11 Metotrexato + baixas doses de glicocorticóide (+/- AINE) Adicionar Agentes Biológicos: anti-IL1 ou anti-TNF (infliximab>etanercept) Agentes de 2ª linha (leflunomida, IVIg, azatioprina, talidomida, ouro,ciclofosfamida, ciclosporina) Agentes experimentais (anti-IL6) Figura 1, Algoritmo Terapêutico para Doença de Still do Adulto 8 CASO CLÍNICO Paciente RCS, 45anos, sexo masculino, negro, deu entrada no Pronto Socorro do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM) por febre e artrite de punho, joelho e tornozelo esquerdos de evolução há 3 semanas. Referia ser hipertenso e com história de ter feito uso de drogas endovenosas no passado. Negava episódios anteriores de artralgia ou história familiar. Ao exame físico apresentava-se consciente e orientado, hipocorado e afebril. Ausculta cardíaca e respiratória sem alterações. Ausência de alterações ao exame do abdome e ou de linfonodomegalias palpáveis. Destacava-se a dor articular intensa com edema, hiperemia e calor em punho, joelho e tornozelo esquerdos. Havia limitação importante à movimentação em punho esquerdo e parcial em joelho esquerdo. Laboratorialmente, apresentava função renal normal, sem distúrbios hidroeletrolíticos. Anemia (Hb: 9,4) normocítica e normocrômica, leucocitose (13900 e 75% segmentados) e plaquetas: 357000. Dosagem de vit. B12 e ácido fólico dentro da normalidade. Ferro sérico, transferrina e saturação de transferrina reduzidas. Ferritina aumentada (2576, VR: 28 a 365). AST: 35 e ALT: 124. Proteina Total: 7,7 e Albumina: 3,1 , Tempo de protrombina: 16,4 e INR:1,3, bilirrubina total: 0,6, Fosfatase Alcalina: 247 (VR: 40-150) e Gama-GT: 486 (VR: 12 a 73). 12 Durante a investigação diagnóstica foram solicitados marcadores tumorais, reumatológicos e sorologias que foram negativos (tabelas 1 e 2). Os marcadores inflamatórios mostravam-se elevados (tabela 5) Tabela 1 Marcadores tumorais CEA 0,81 αfetoproteína 2,79 CA 15.3 14,6 CA 19.9 3,71 CA 125 15,2 PSA 0,26 Tabela 2 Provas Reumatológicas FAN NR Fator <11,3 Reumatóide C3 143 C4 48 Anti-DNA NR VR Até 5 Até 11 Até 31 Até 37 Até 35 VR 90 a 180 10 a 40 Sorologias Anti-HIV 1 e 2 NR Anti-HCV NR HbsAg NR Anti-CMV IgG+ Anti-Rubéola IgG+ Anti-Toxoplasma IgG+ VDRL NR Marcadores Inflamatórios VHS 126 PCR 19 α1glicoproteína ácida Ferritina 325 2576 VR Até 14 <0,8 50 a 120 28 a 365 Exames radiológicos do tórax e articulações do joelho e punho esquerdo sem alteração. USG do joelho esquerdo mostrava derrame articular e espessamento do tendão do quadríceps; a RMN , lesão do ligamento cruzado anterior proximal e bursite pré-patelar. A punção do joelho esquerdo apresentou líquido hemático. USG e TC abdome sem alteração. EDA com gastrite leve de antro e bulboduodenite leve. Ecocardiograma transesofágico sem vegetações ou outras alterações. Foi iniciada antibioticoterapia com Ceftriaxone e Doxiciclina (esta última substituída posteriormente por Clindamicina) pela suspeita diagnóstica de artrite séptica. Introduzido ainda AINE (cetoprofeno) e depois associado prednisona 20mg/d a partir do 3º dia mas o paciente mantinha o quadro de artrite. Devido à observação de níveis elevados das enzimas canaliculares e transaminases hepáticas, o AINE e o corticóide foram suspensos e mantida analgesia com dipirona, paracetamol e analgésicos opióides sem que houvesse mudança do quadro clínico. Após 11 dias de antibioticoterapia, o paciente mantinha a poliartrite importante com calafrio e febre alta intermitente e então a ceftriaxona e clindamicina foram substituídas por Vancomicina. Após o 6º dia do início desse antibiótico, apresentou rash cutâneo pruriginoso morbiliforme que poupava a face associado a insuficiência renal aguda. A vancomicina foi suspensa devido à possibilidade das intercorrências serem decorrentes de farmacodermia com Nefrite Intersticial Aguda. 13 A partir do resultado dos exames laboratoriais com as sorologias, autoanticorpos e culturas negativas, falha terapêutica com antibióticos e a exacerbação do quadro clínico de poliartrite, febre e aumento da ferritina (elevação para 4695) foi fortalecida a hipótese de Doença de Still do Adulto e iniciada pulsoterapia (1g de metilprednisolona) no 21º dia de internação hospitalar por 3 dias intercalados de prednisona 40mg/dia. No dia seguinte à pulsoterapia, o paciente apresentava-se afebril e manteve-se assim até a alta hospitalar. Evoluia com melhora do quadro da artrite até que no 31ºDIH houve retorno das dores em articulações prévias e novo foco em cotovelo esquerdo. Foi administrada nova pulsoterapia, agora apenas 1 dose de 1g de metilprednisolona. A partir de então, houve redução progressiva da artrite, das enzimas canaliculares e da ferritinemia (tabela 3). O paciente recebeu alta no 39º dia de internação com prednisona 40mg/dia e orientação para acompanhamento ambulatorial no serviço de Reumatologia do HSPM. Tabela 3 Hb Leucócitos AST/ALT FA GGT DHL Ferritina Evolução dos exames laboratoriais D1 D21 D24 9,4 8,9 7,8 13900 11800 13700 35/124 53/58 149/174 247 289 301 486 535 935 155 382 366 2576 4695 D31 8,3 12600 21/55 180 533 D34 7,8 15400 18/45 157 438 1677 DISCUSSÃO De acordo com os critérios diagnósticos de Yamaguchi (quadro1), o caso descrito apresenta 3 critérios maiores (febre superior a 39ºC, artralgias superior a 2 semanas e leucocitose com neutrofilia) e 2 critérios menores (disfunção hepática e Fator Reumatóide e ANA negativos) apontando na direção do diagnóstico de DSA. Esse diagnóstico e o início do tratamento ocorreram no 21º dia de internação hospitalar mas em geral este período é ainda maior. Em série de pacientes analisados por Appenzeller ET AL, 2003 o diagnóstico foi feito, em média, após 6,9 meses de doença. O quadro clínico do paciente iniciou-se com artrite, manifestação que está presente em 64 a 100% dos pacientes descritos nas séries de casos analisadas por Efthimiou ET al, 2005. Esta acometia as articulações freqüentemente comprometidas 14 segundo diversos autores, o joelho e punho, embora a articulação do tornozelo e interfalangeanas também possam ser atingidas. A febre foi semelhante à descrição de outros autores com caráter intermitente, elevadas temperaturas, resposta parcial a antipiréticos e duração maior que 2 semanas.2,4,22 Não foi observado o rash cutâneo típico descrito como maculopapular de cor rosa-salmão, apenas pouco ou não-pruriginoso, evanescente, que se exacerba com os picos febris. Esta manifestação sugere fortemente o diagnóstico e aparece como critério maior da maioria dos critérios classificatórios com elevada sensibilidade e 22 especificidade para o diagnóstico de DSA. Entretanto, alguns casos publicados na literatura alertam para a existência da DSA associada a um rash atípico.21 O rash cutâneo observado no caso acima foi atribuído a farmacodermia em virtude de sua característica intensamente pruriginosa, coloração rosa escuro e associação com a introdução do antibiótico. A disfunção hepática esteve presente nesse caso com a elevação das transaminases atingindo valores até 5x o valor de referência. Entretanto, foi mais pronunciada a elevação das enzimas canaliculares, especialmente a gamaGT, que chegou a elevar-se até 13x o limite da referência. Este padrão colestático foi descrito também na série de Andrès ET AL, 2003. Dos 17 pacientes com DSA avaliados por estes autores, 76% apresentavam disfunção hepática e destes, 65% de forma moderada (elevação das transaminases entre 2 a 5x), 12% severa (maior que 5x) e 65% com padrão colestático (elevação da GGT e/ou fosfatase alcalina). Observou-se elevação de marcadores inflamatórios, como VHS e PCR, além da leucocitose, embora essa mais discreta, e anemia de doença crônica, em concordância aos aspectos da doença descritos em outros pacientes. A ferritina esteve expressivamente elevada, chegando a atingir o valor de 4695, ou seja até 12x 8 maior que o valora da normalidade. Segundo o estudo de Fautrel ET AL em 2001, a elevação da ferritina maior que 5x obteve uma sensibilidade de 40% e especificidade de 80% para o diagnóstico de DAS. O autor explica que a menor sensibilidade deste estudo quando comparado a outros como o de Ohta, et al (69%) ou Ushiyama, et al (74%) possa dever-se ao fato de que cerca de 20% dos pacientes apresentavam doença controlada. A boa resposta clínica, a redução da ferritinemia (que chegou a valores de 4695 e na ocasião da alta hospitalar estava em 1667), de outros marcadores inflamatórios e de disfunção hepática seguidos ao início do tratamento com glicocorticóide venoso fortalecem ainda mais o diagnóstico. Infelizmente, não pôde ser dosada a ferritina glicosilada, definida como um dos critérios diagnósticos de Fautrell, 2002, refletindo a atual pouca disponibilidade deste exame na prática clínica. 15 CONCLUSÃO O caso clínico descrito acima demonstra a dificuldade na definição diagnóstica da Doença de Still do Adulto. Mesmo mais de um século depois da primeira descrição da doença, mantém-se dúvidas quanto à sua caracterização diagnóstica por tratar-se de patologia de exclusão entre infindáveis possibilidades. Isso acarreta longos períodos de internação hospitalar, com elevados custos e atraso no início do tratamento, expondo os pacientes a investigações exaustivas, inclusive invasivas até que se estabeleça o diagnóstico. Apesar dos avanços no conhecimento das suas apresentações clínicas e bases imunológicas, das tentativas de se estabelecer critérios diagnósticos acurados e do progresso no desenvolvimento de drogas cada vez mais direcionadas à sua patogênese, a Doença de Still do Adulto ainda é um mistério para a medicina, e esta segue avançando cada vez mais no caminho para desvendá-lo. 16 Referências Bibliográficas 1 – ANDRÈS, E. et al. Retrospective monocentric study of 17 patients with adult Still's disease, with special focus on liver abnormalities. Hepatogastroenterology. V. 50, n. 49, p. 192-5, jan-fev. 2003. 2 - APPENZELLER, S. et al. Doença de Still do Adulto: Diagnóstico e Evolução. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 43, n. 6, p. 352-7, nov./dez. 2003. 3 – BYWATERS, E.G.L. 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