Rash cutâneo e IRA Simone Pinheiro Fagundes*; Luiz Clóvis Bittencourt Guimarães**. Campos-RJ. * Pneumologista, TE pela SBPT. ** Reumatologista Feminino, 34 anos, negra, não tabagista. Internada por dispnéia em repouso de início há cinco dias. Referia quadro de cefaléia, mialgia, febre alta e intensa artralgia há 1 semana, com hipótese de dengue. Realizou hemogramanormal. Ao exame físico: obesa, taquipnéia, Tax: 38,8°, ausculta pulmonar normal, lesão cutânea eritematosa pruriginosa em membros superiores e inferiores . Na evolução, contagens leucocitárias elevadas (entre 21 700 a 50 000) com desvio para esquerda, com bastões entre 7% a 34%; Hb=6,8 g/dL; Htc= 24 % . Gasometria arterial (em macronebulização): pH:7,43 PaO2=75 mmHg; PaCO2=41 mmHg; BE=+3,3 Sat=86%. Sorologias para dengue e HIV-negativas. Ecocardiograma-normal. Tratada com ceftriaxona, clindamicina, hidrocortisona e enoxaparina, posteriormente com vancomicina, cefepima e fluconazol . Paciente não apresentou melhora clínica, e evoluiu com infiltrado radiológico alveolar difuso, hipoxemia, DHL =1183 U/dL. Foi prescrito metilprednisolona 1g endovenoso ao dia por 3 dias, com pronta recuperação dos sintomas e melhora radiológica. Questão 1 – Qual a o diagnóstico mais provável? A – Leucemia aguda com acometimento pulmonar B – Polimiosite com dano alveolar difuso C – Pneumonia eosinofílica aguda D- Doença de Still do adulto E – Granulomatose de Wegener Questão 2 – Quais os dados clínicos que corroboram para o diagnóstico? A – Artralgia, rash cutâneo e febre alta B – Febre alta, dispnéia e DHL elevado C – Cefaléia, odinofagia e anemia D – Leucocitose, mialgia e febre E – Obesidade, anemia e leucocitose Questão 3 – Qual o achado laboratorial mais sugestivo do diagnóstico? A – ANCA sérico positivo B – Presença de células blásticas na medula óssea C – Ferritina sérica aumentada D – Desidrogenase lática elevada E – CPK sérica elevada Questão 4-São manifestações pulmonares da doença, todas as abaixo, exceto: A- Hipertensão pulmonar B- Capilarite pulmonar C- BOOP D- Dano Alveolar Difuso E- Síndrome do pulmão encolhido Questão 1-Resposta D Doença de Still do Adulto (DSA) é uma doença inflamatória, de causa desconhecida, tendo como fatores de risco estresse e infecções virais. É considerada uma variante da forma sistêmica da artrite reumatóide juvenil. Em 1897, George Still publicou 22 casos pediátricos da doença. Em 1971, Eric Bywaters descreveu 14 adultos com clínica semelhante. Trata-se de uma doença rara, documentada na literatura médica através de relatos de casos. Incide predominantemente em mulheres, na faixa etária de 16-35 anos, mas pode incidir em qualquer idade. Questão 2 – Resposta A Clinicamente se manifesta como picos diários de febre alta, rash e artralgia e artrite envolvendo joelhos, punhos e tornozelos. Mialgias e odinofagia são comuns. O rash cutâneo é típico, sendo evanescente, rosasalmão, máculo-papular, predominantemente observado na parte proximal dos membros e tronco. Entre as manifestações multissistêmicas se destacam: hepatoesplenomegalia com alteração enzimática (60-80%), insuficiência hepática, pericardite (26%), pleurite (31%), pneumonite (27%). Questão 3 –Resposta C Os alterações laboratoriais são acentuada leucocitose com predomínio neutrofílico, por vezes simulando reação leucemóide e aumento da ferritina sérica, em alguns casos superior a 20 000 ng/ml . Ambas as alterações se correlacionam com a atividade da doença e desaparecem com a remissão. Na maioria dos estudos níveis acima de 1000 ng/ml são considerados sugestivos. No caso descrito a ferritina sérica foi de 943 ng/ml, dosada 3 semanas depois do início do tratamento. A ferritina se eleva por lesão dos hepatócitos ou por ativação dos histiócitos e macrófagos. Fator anti-nuclear e fator reumatóide são negativos. Devido à variedade de manifestações clínicas e a dificuldade em diferenciar a doença de outras de etiologia infecciosa, hematológica e das vasculites, pode haver atraso no diagnóstico. Diferentes autores propuseram critérios diagnósticos, maiores e menores. Em geral são considerados critérios maiores: Febre >39ºC; Artralgias; Rash típico; Leucocitose acima de 15000 (>80% granulócitos); Ferritina elevada. Como critérios menores: Faringite; Envolvimento do sistema retículo-endotelias ou testes de função hepática anormais; FAN e FR negativos. Questão 4. Resposta certa: B Pleurite, pneumonite aguda, e testes anormais de função pulmonar, incluindo redução da DCO, são comuns na doença de Still do adulto. A pleurite e os achados parenquimatosos transitórios são os mais freqüentes e respondem a agentes antiinflamatórios, incluindo corticosteróides; contudo, em alguns pacientes a doença respiratória pode evoluir para IRA; nestes casos a biópsia pode revelar dano alveolar difuso ou BOOP. Capilarite e vasculite pulmonar não foram descritos. Doença pulmonar intersticial crônica é rara. Raros casos de pulmão encolhido, semelhante aos descritos no lupus, com fraqueza muscular, volumes pulmonares pequenos e difusão preservada, foram descritos. Mais recentemente casos de hipertensão pulmonar foram publicados. Não se deve esquecer da possível lesão pulmonar induzida pelo metotrexate, usado em muitos casos de doença de Still. Os corticosteróides permanecem os medicamentos de escolha, mas ciclofosfamida, azatioprina, metotrexate, e imunoglobulina intravenosa podem ser eficazes em casos de falha dos corticosteróides. Nos casos graves, a pulsoterapia com metilprednisolona está indicada. No caso em questão a paciente permanece em uso de prednisona 60 mg/dia e metotrexate 25 mg intramuscular semanalmente. Evoluiu com dispnéia grau leve, ausência de rash, SpO2=99%, embora tenha queda da SpO2 de 10% após caminhada de 6 minutos (distância percorrida=408m) e mantém distúrbio restritivo leve com CVF=61%. Bibliografia consultada 1. Stoica GS, Cohen GI, Rossoff LJ. Adult Still’s disease and respiratory failure in a 74 year old woman. Postgrad Med J 2002; 78:97-98. 2. Iglesias J, Sathiraju S, Marik PE. Severe systemic inflammatory response syndrome with shock and ARDS resulting from Still’s disease. Chest 1999; 115:1738-1740. 3. Efthimiou PK, Bielory L. Diagnosis and management of adult onset Still’s disease. Ann Rheum Dis 2006; 65:564-572. 4. Hirohata, S; Kamoshita H, Taketani T, Maeda S. Adult Still’s disease complicated with adult respiratory distress. Arch Intern Med 1986;146:2409-2410. 5. Mubashir E, Ahmed MM, Hayat S, et al. 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