Aneurisma De Aorta Abdominal Com Fístula Espontânea Aorto-Cava

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Relato de caso
ANEURISMA DE AORTA ABDOMINAL
COM FÍSTULA ESPONTÂNEA AORTOCAVA
Lannes A. V. Oliveira'
Pedro Puech·Leão"
Heraldo A. Barbatto'"
Fernando D. Malheiros'"
É apresentado um caso de aneurisma de aorta ab dominal IAAA) com fístula espontânea aorto-cava , onde
predominava quadro cardiológico Icardiomegalia, ICC, coronariopatia, dispnéia) , em relação a AAA. Após in vestigação diagnóstica com arteriografia digital,
demonstrou -se fístula aorto-cava inferior. O paciente foi
operado com sucesso, obtendo regressão das
manifestações clínicas e da cardiomegalia com 6 meses de
pós -operatório.
Unitermos : Aneurisma de aorta abdominal, fístula aorto cava, fístula arteriovenosa.
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Trabalho realizado no Setor de Cirurgia Vascular do Instituto Dante
Pazza nesc de Cardiologia de São Paulo - SP.
Médico·Cirurgião Vascular do Setor de Cirurgia Vascular do
IDPC.
" Médico·Chefe do Setor de Cirurgia Vascular do IDPC
'" Residente IR21 do Setor de Cirurgia Vascular do IDPC
CIR. VASC. ANG . 8(3): 15,18, 1992
INTRODUÇÃO
A ruptura de um aneurisma de aorta abdominal
(AAA) com a formação de uma fístula aorto-cava inferior
foi publicada pela primeira vez em 1831 por James Syme.
Em 1955, Boffi, revendo a literatura, encontrou 26 casos,
dos quais nenhum tinha sobrevivid0 5.6. O primeiro
tratamento cirúrgico foi praticado por Lehman em 1935
- uma ligadura quádrupla - tendo o paciente falecido
15 horas depois da operação. Cooley foi quem realizou o
primeiro tratamento cirúrgico com sucesso em 19551.5·6.
Desde então foram publicados na literatura de língua inglesa 140 casos de AAA com fístula aorto-cava , segundo o
trabalho de revisão de Gilling-Smith 6, em abril de 1991 .
A complicação mais freqüente do AAA é a ruptura,
na maioria das vezes para o retroperitôneo, para uma
víscera oca ou para a cavidade peritoneal. A ruptura com
formação de fístula aorto-cava, aorto-veia ilíaca ou para a
veia renal esquerda ocorre em menos de 4% dos casos de
AAA rot0 3.5.
O presente relato tem como objetivo destacar os
aspectos do diagnóstico desta complicação pouco
freqüente e os cuidados necessários no tratamento
cirúrgico.
DESCRIÇÃO DO CASO
J.B.B, 59 anos, branco, masculino, casado, vendedor;
natural de Bebedouro-SP. Queixava-se de inchaço nas pernas e falta de ar aos pequenos esforços há 4 meses.
Relatou que o aparecimento do edema era inicialmente
vespertino e progressivamente aumentou , atingindo a
região escrota I e facial. A dispnéia aparecia inicialmente
aos grandes esforços e depois já se manifestava aos pequenos. Referia dores nos membros inferiores quando
fazia algum esforço físico . Procurou atendimento médico
em Ribeirão Preto, sendo constatada cardiopatia e
suspeita de AAA. Foi submetido a um cateterismo na
Santa Casa de Ribeirão Preto, onde verificou-se lesão de
80% da coronária direita + aneurisma de aorta abdominal a esclarecer; sendo encaminhado ao IDPe.
Tabagista por 40 anos, havia parado há 4 meses. Negava
outras doenças e operações cirúrgicas.
Ao exame físico apresentava bom estado geral,
descorado, acianótico, anictérico, pulso-90 bpm ,
PA-IIO/90; estase jugular + + , edema facial e palpebral
moderado. Pulmões com diminuição do murmúrio
vesicular no HTD e estertores crepitantes na base D. ;
BRNF, FC-90, ausência de sopros valvares. Abdome:
plano, abaulado no mesogastro com massa pulsátil de 12
cm de diâmetro; frêmito e sopro rude, sistólico/diastólico
irradiado para o flanco direito. Fígado aumentado
palpável a 4 cm do RCD . Nos membros superiores: pulsos
presentes e cicatriz de cateterismo no MSD. Edema
bilateral dos MMIIs e escrota I, pulsos palpáveis
diminuídos (Fig. I A). Exames laboratoriais: Hb-II , I g;
HTc-37%, demais exames sem alterações. No Rx de
tórax, aumento global da área cardíaca (Fig 2A). No
ECG: ritmo sinusal. Submetido a novo cateterismo
seguido de angioplastia de coronária direita, com sucesso
em 04/12/91. A arteriografia digital, demonstrava um
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Lannes A. V. Oliveira e cals.
Aneurisma de aorta com fístula aorta-cava
de sangue da cava inferior e também a entrada de
fragmentos de trombos e coágulos para prevenir uma em·
bolia pulmonar (paradoxal). A fístula foi fechada com
pontos separados de pro Iene 3-0, retirando·se a sonda
desinsuflada no último ponto. Daí em diante a operação
correu da forma habitual, com inclusão de prótese de
dacron "knitted", aorto·biilíaca, sem intercorrências. No
pós·operatório evoluiu com regressão total do edema na
primeira semana (Fig. 1B) e com regressão da caro
diomegalia, observada no Rx de tórax, com 6 meses de
pós·operatório (Fig. 2B).
COMENT ÀRIOS
Figura I: Aspecto do paciente no pré·operatório (A) e no pós·operatório (8).
Notar a presença do edema dos MMIIS e escrotal, com regressão após a
cirurgia.
A
B
Figura 2: Rx de Torax pré·operatório com cardiomegalia (A), e no pós·
operatório com regressão da cardiomegalia (8) .
aneurisma de aorta infrarenal com fístula aorto·cava in·
ferior (Fig. 3).
O paciente foi operado em 13/01/92, e através de uma
incisão mediana xifo·pubiana procedeu·se a abordagem
cirúrgica, com dissecção do retroperitônio e da parede
anterior do aneurisma; usou·se heparinização sistêmica;
na seqüência, foi feito clampeamento proximal da sorta e
distai ao nível de ilíacas junto à sua bifurcação. À aber·
tura do saco aneurismático observou·se que era
aterosclerótico, com trombos parietais proeminentes;
identificou·se o orifício da fístula na parede posterior à
direita, medindo cerca de 3-4 cms, no maior eixo
(longitudinal); introduziu·se uma sonda de Foley através
do orifício, no interior da cava inferior, e insuflou·se o
balão para o tamponamento da fístula, evitando o refluxo
Figura 3: Arteriografia Digital do AAA com a fistula aorto·cava.
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A ruptura do AAA com fístula espontânea para a
veia cava inferior ou veia ilíaca é pouco freqüente. Sua in·
cidência situa·se entre 3 e 4% dos casos de ruptura. En·
tretanto, a ruptura de um aneurisma no sistema venoso
adjacente é a qwsa mais comum de fístula A·V envolven·
do a aorta abdominal e artéria ilíaca, cerca de 80% dos
casos publicadosI,2,J. A maioria destes aneurismas são
ateroscleróticos, embora tenham sido relatados casos por
sífilis, micóticos, na S. de Marfan e E. Danlos ou
Takayasu 1,3. Raramente uma neoplasia pode causar
fístula A· Y pela erosão da parede de uma veia ou artéria
adjacente, sendo o hipernefroma o mais freqüentemente
envolvid0 2. A localização mais comum da fístula envolve
o segmento da aorta e cava inferior. A ruptura para a veia
ilíaca é menos freqüente e para a veia renal esquerda é
muito rara 2,3.S.
O quadro clínico clássico com dor abdominal ou 10m·
bar, massa pulsátil com sopro/frêmito em maquinária
(sistólico/diastólico), associado a dispnéia e edema dos
MMIls, em alguns casos acompanhado de hematúria, ou
oligúria, é encontrado em cerca de 50-60% dos casos 2.3.5,6.
No Quadro I estão relacionados os sinais mais
freqüentes 3,4.
SINAL
- dor abdominal/lombar ........... ........................... . ....... ........... ..
- Pulso ampliado ................................... . ................................ .
=::~r(.~~:~~!~ ~:r~~:~~~~::::::::::::::::::::::::::::: :::::::: ::::: ::::::::::::: :
=~~~~~~·~i·~:::::::: :: ::: :: ::::::::: ::::::::::::::::::::::::::::: ::::::::::: ::::::::::::
-
(cardiomegalia, ICC, dispnéia)
manifestações renais ...............................................
edema regional. .................................................................... .
0.0 • • • • • • • • • 0.0 .
sangramento colo·retal.. ........................................................ .
"lo
95
84
73
67
50
42
30
27
8
Quadro 1: Sinais clínicos mais freqüentes na fi slula 3nfto-cava",·7 .
A ausência dos achados caraterísticos, aliada à baixa
freqüência desta complicação, poderá dificultar o
diagnóstico correto e retardar o tratamento da fístula, que
então será detectada somente no momento da operação,
com isso acarretando um aumento da morbi·mortalidade,
em consequencia da falta do diagnóstico no
pré·operatórlo. Em certas situações a fístula poderá estar
parcial ou totalmente obstruída e não apresentar o
sopro/frêmito e as repercussões hemodinâmicas, que
podem estar minimizadas 2.7,8.
A descompensação cardíaca (ICC) devido ao alto
débito pode ser observada em 35% dos casos. Estudos
demonstram que- estes pacientes têm um débito cardíaco
médio de 12,2 IImin, que se reduz para 5,4 IImin após a
CIR. VASC. ANO. 8(3): 15,18, 1992
Lannes A. V. Oliveira e cals.
correção da fístula 3,5,7. A compressão do aneurisma sobre
a veia cava inferior pode provocar hipertensão venosa da
pelve e dos MMIIs, levando ao sangramento colo-retal e à
hematúria, além do edema acentuado dos MMIIs. A insuficiência renal com oligúria/anúria pode ocorrer devido
à diminuição da pressão ao nível da artéria renal causando
a redução da perfusão renaI 3,5,7. As manifestações clínicas
podem às vezes ser confundidas com a trombose venosa
dos MMIIs, embolia pulmonar ou isquerriia dos membros
inferiores 7.
. No caso presente vale ressaltar que, apesar dos sintomas e sinais característicos, onde predominava o quadro
cardiológico em relação ao AAA de grande diâmetro
desde a primeira avaliação (ICC, lesão de 80% da coronária direita, cardiomegalia, dispnéia), o diagnóstico correto foi alcançado posteriormente após a avaliação clínica
e da arteriografia digital, que demonstrava o AAA com
fístula aorto-cava inferior. É importante durante a
avaliação clínica, suspeitar da presença do a~eurisma com
fístula para a melhor indicação do exame complementar,
no caso, a angiografia 2,5 (Fig. 3), preferível à tomografia
ou à ressonância magnética 7.
O tratamento cirúrgico visou corrigir as repercussões
cardio-circulatórias da fístula e o próprio aneurisma. A
téc~ica operatória seguiu em princípio a abordagem
habItuai para o AAA, com atenção para alguns cuidados:
clampeamento proximal da aorta precedendo o distai nas
artérias ilíacas, para evitar um aumento súbito e adicional
do débito cardíaco já elevado através da fístula 4 . mínima
manipulação do aneurisma para prevenir a' embolia
pulmonar (paradoxal) por fragmento de trombo ou
c?águlos do saco aneurismático; o sangramento pela
fIstula, na falta do balão oclusor, foi controlado pelo balão
da sonda de Foley (poderia ser feito pela compressão da
cava inferior acima e abaixo do orifício da fístula).
Procedeu-se ao fechamento da fístula por dentro do saco
aneurismático, o que foi fácil e seguro. No pós-operatório
o paciente apresentou regressão total do edema dos
MMIIs, escrotal e facial, com melhora do quadro cardiológico (Fig. I B), e aos 6 meses de seguimento observouse regressão da cardiomegalia (Fig. 2B).
A mortalidade para o reparo de fístulas aorto'cava é
variável entre 21 e 55 % 1,3,6; para asfístulas da ilíaca situase entre 5 e 10%2,7. Estas altas taxas de mortalidade estão
r~lacionadas a perdas sanguíneas no intra-operatório, que
s~o pouco .toleradas pela condição hemodinâmica dos paCIentes, alem de outros fatores como os decorridos da
idade avançada e coronariopatia associada 3,7.
Aneurisma de aorta com fístula aorta-cava
SUMMARY
ABDOMINAL AORTlC ANEURYSM ASSOCIA TED WITH A
SPONTANEOUS AORTO-CAVAL FISTULA
A case of aorto-caval fistula is reported. The patient had
major cardiac manifestations (cardiomegaly, congestive
heart failure, dyspnea) and an aortic aneurys the fistula
was recoznized with aortography. Successful successful
surgical repair was performed and the patient had improvement of ali cardiac manifestations in 6 months.
Uniterms: Aortic abdominal aneurysm, aorto-cava fistula ,
arteriovenous fistula.
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Lannes A. V. Oliveira e cals.
COMENTÁRIO EDITORIAL
Aneurisma da aorta abdominal com fístula expontânea aorto-cava. Os
autores relatam um caso de aneurisma da aorta abdominal roto na veia
cava inferior (VCI) tratado com sucesso. Embora raras, as fístulas aortocavas e seu tratamento determinam mortalidade elevada (30 a 50%).
Assim, sua descrição e divulgação revestem-se de importância, já que seu
diagnóstico nem sempre é fácil , simulando muitas vezes um quadro de
descompensação hemodinâmica, quase sempre de origem cardíaca. Por
outro lado, o relato vem ratificar a assertiva de que a chave do sucesso
no tratamento dos ANs rotos está sempre no diagnóstico inicial correto.
A presença de massa pulsátil acompanhada de frêmito e sopro sistodiastólico sugerem e comprovam a existência do AN e da fístula arteriovenosa. Um exame físíco em que a ausculta e a palpação abdominais sejam negligenciadas pode retardar o diagnóstico de certeza. Algumas
manifestações podem fazer parte do quadro clínico e confundir o
diagnóstico: hipertensão venosa dos membros inferiores (edema, cianose,
varizes), hipertensão venosa pélvica (hematúria, retorragia), alterações
neurológicas (paraplegias). Via de regra, como no caso presente, a confirmação diagnóstica é realizada através da angiografia. Entretanto, devese ressaltar que a presença da fístula pode ser perfeitamente demonstrada
pelo Eco-Doppler. Também pode ser útil o ca te te rismo da VCI , que
permite as medidas de pressão e saturação de oxigênio_ Com relação ao
procedimento técnico adotado pelos autores, sutura da fístula por dentro
do saco aneurismático, ou seja, intra-aórtica, tem sido unanimemente
preconizada e preferida ' pelos cirurgiões. Porém o controle do
sangramento através do orifício da VCI tem sido objeto de discussão e de
diferentes sugestões. As perdas sanguíneas constituem a maior
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Aneurisma de aorta com fístula aorta-cava
preocupação e a principal causa do insucesso, necessitando grande
volume de reposição quando não se dispõe de equipamento de
autotransfusão. As perdas dependem das condições e do tamanho da
fístula . Creio que cada caso deva ser adaptado às condições anatõmicas.
Quando a dissecção da VCI sub-renal for fácil, deve ser sempre
realizada, facilitando sua oclusão logo após a oclusão da aorta. Ao contrário, a oclusão ao nível da bifurcação íleo-cava deve ser manual ou endovascular, evitando-se dissecção nesse local. Esta conduta diminui sensivelmente as perdas sanguíneas, previne embolias gasosas ou de
material ateromatoso, aumentando as possibilidades de sucesso. No caso
presente, os autores deram preferência para a oclusão endovascular, com
o objetivo de controlar o refluxo sa nguíneo, não fazendo referência ao
controle de fluxo ou perdas sanguíneas. A oclusão endovascular é a
alternativa mais recomendada na literatura, mas não é totalmente ise nta
de complicações (mobilização de fragmentos da luz aneurismática. embolização, dificuldade técnica de manuseio e controle inadequado do
sa ngramento). Nas fístulas pequenas é possível o controle exclusivamente digital, como num caso da nossa série de etiologia
. traumática.
Os autores não relatam complicações pós-operatórias. havendo total
regressão das manifestações clínicas num seguimento de 6 meses. Entretanto, a vigilância no pós-operatório imediato é imperiosa no sen tido
de identificar eventual trombose ileo-cava ou embolia pulmonar. Devese, inclusive, questionar a necessidade de terapêutica anticoagulante pós·
operatória.
A.C. Simi
São Paulo-SP
CIR. V ASC. ANG. 8(3): 15,18, 1992
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