Perspectivas de Comércio Internacional Jogi. H. Oshiai, de Bruxelas (Bélgica)| [email protected] Bem-estar animal - investir hoje para evitar perdas amanhã? A A UE almeja aproveitar todas as oportunidades para exprimir em termos econômicos o valor agregado da política de bem-estar animal Jogi. H. Oshiai, diretor de Relações Públicas da FratiniVergano European Lawyers www.fratinivergano.eu 82 feed&food credito que os leitores desta revista de referência do setor de proteína animal, mesmo os que nunca estiveram na Europa, têm ideia de como é um parque, vale ou uma montanha no velho continente por meio dos tradicionais calendários e cartões postais de alguns países europeus que mostram regiões floridas, animais pastando em áreas verdes e montanhas com florestas em suas encostas e neve nos picos, dignos de imagens de contos de fadas. Com a formação de uma consciência europeia de proteção ao meio ambiente e bem-estar animal os governos, organizações ambientalistas e o público europeu têm dado especial atenção aos temas em questão. Talvez fruto desta consciência ou até mesmo exagero de cuidado típico de países desenvolvidos, foi a atenção dedicada aos animais que também sofreram o recente frio que assolou a Europa em meados de fevereiro. Na Itália de Mario Monti (ex-Comissário Europeu, atual Presidente do Conselho de Ministros e colega europeu de referência de Barack Obama), que está passando por uma profunda crise econômica e financeira, grandes quantidades de feno foram transportadas em helicópteros para alimentar rebanhos, ainda que pequenos comparados com os do Brasil, que se encontravam isolados em função da neve que bloqueava completamente o acesso as propriedades mais distantes. Ao ver as imagens nas TVs italianas, pude constatar a sensibilidade e o cuidado das autoridades competentes daquele país com o tema bem-estar animal e ao mesmo tempo imaginei como seria possível adotar este tipo de medida extravagante sem ter subsídios agrícolas. A consciência do europeu com o meio ambiente, mudanças climáticas e bem-estar animal fez com que nos últimos anos a União Europeia (UE) investisse somente no tema bem-estar animal cerca de 70 milhões de euros por ano. Cerca de 70% foram concedidos aos agricultores sob a forma de pagamentos relacionados com o bem-estar animal no âmbito do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural. As ajudas relativas ao bemestar animal foram, igualmente, dadas em medidas de apoio aos investimentos nas propriedades agrícolas e inclusive à formação e a serviços de consultoria. O percentual restante foi dedicado a pesquisa (21%), estudos econômicos, comunicação, educação, formação, questões internacionais, etc. Segundo a Comissão Europeia, a simples aplicação das regras setoriais específicas ao bem-estar animal nem sempre produziu os resultados desejados em função da diversidade dos sistemas de produção, das condições climáticas e das especificidades dos solos nos diferentes Estados-Membros da UE que têm dificultado consideravelmente a obtenção de consenso sobre regras harmonizadas e, sobretudo, garantia da correta implementação. Além disso, embora se tenham registrado progressos nas questões relacionadas ao bem-estar animal, por meio de adoção de atos legislativos, em certas áreas não há legislação da UE específica e os requisitos gerais existentes são difíceis de implementar. De acordo com as recentes conclusões da avaliação da política de bem-estar animal da UE, as normas impuseram custos adicionais aos setores experimental e da produção animal, estimados em cerca de 2% do valor global desses setores. Não há provas de que o custo adicional tenha, até agora, ameaçado a sustentabilidade econômica. No entanto, a UE almeja aproveitar todas as oportunidades para exprimir em termos econômicos o valor agregado da política de bem-estar animal, a fim de melhorar a competitividade da agricultura, incluindo os pequenos agricultores. À luz do que precede, a UE formulou estratégia de bem-estar animal para o período 2012 - 2015 que tem duas abordagens complementares: a) Ao longo dos anos, a UE adotou, ou adaptou, legislação específica em função de problemas específicos de bem-estar animal. No entanto, a experiência adquirida provou ser necessário o estabelecimento de princípios gerais no âmbito de um quadro legislativo da UE revisto e consolidado para simplificar a legislação sobre bem-estar animal para facilitar a sua implementação; b) Além do quadro legislativo simplificado, a Comissão propôs: 1) o desenvolvimento de instrumentos, incluindo, quando necessário, planos de execução, a fim de reforçar a conformidade por parte dos Estados-Membros; 2) o apoio à cooperação internacional; 3) o fornecimento de informações adequadas aos consumidores e ao público; 4) a otimização dos efeitos sinérgicos da Política Agrícola Comum (PAC) em vigor e 5) a realização de estudos sobre o bem-estar dos peixes de viveiro. A cooperação internacional faz parte da estratégia da UE para ten- tar desenvolver condições equitativas em matéria de bem-estar animal para assegurar a competitividade dos produtores e exportadores comunitários em escala mundial. A UE já desenvolveu um conjunto de atividades bilaterais e multilaterais que buscam ser otimizadas e apoiadas com: a) a inclusão do tema bemestar animal nos acordos comerciais bilaterais ou nos fóruns de cooperação com vistas a aumentar as oportunidades estratégicas de desenvolvimento de uma cooperação mais concreta com os países terceiros; b) a permanência ativa no plano multilateral, em especial na Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e na Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO); c) a organização de grandes eventos internacionais tendo em vista promover a visão da UE sobre bem-estar animal. Vale reiterar que bem-estar animal é também uma questão importante para os consumidores europeus. Os produtos de origem animal são amplamente utilizados na produção de alimentos e os consumidores comunitários preocupam-se com o modo como os animais foram tratados na UE e em países terceiros. Nos Estados-Membros da UE são desenvolvidas muitas atividades de comunicação e educação sobre o tema em apreço. A Comissão Europeia desenvolveu inclusive instrumento denominado Farmland (ht tp://w w w.farmland-thegame. eu/) que permite as crianças e professores do ensino primário ter contato, ainda que digital, com o assunto. A Comissão organiza ainda reuniões periódicas destinadas a garantir uma melhor compreensão e aplicação da legislação da UE com vistas a garantir que sejam respeitadas a saúde e o bem-estar animal. Essas normas têm como base as “Cinco Liberdades” que se concentram nas necessidades dos animais: a) não passar sede, fome e subnutrição; b) não sentir desconforto; c) não ter dores, ferimentos e doenças; d) poder expressar o seu comportamento normal e e) não sentir medo e aflição. O tema bem-estar animal tam- bém está relacionado com a Organização Mundial do Comércio (OMC) e as regras do sistema de comércio internacional podem causar impacto significativo sobre o comércio de animais e produtos animais. O bemestar animal, caso crie obstáculo ao comércio, pode ser considerado como barreira comercial não-tarifária como por exemplo a importação de peles e couros de animais esfolados vivos; a proibição de importação de peles e couros de animais de estimação (mais frequentemente cães e gatos); proibição de importação de peles e peles de animais capturados através de armadilhas, etc. Ainda segundo as regras da OMC, os membros daquela instituição não podem ser autorizados a adotar ou manter barreiras comerciais em nome do bem-estar animal durante o comércio caso não sejam cumpridas um número de princípios fundamentais da OMC. Um país ou bloco econômico que proíbe ou restringe a importação de certos produtos, mesmo que seja para proteger os animais, se defronta com as obrigações dos artigos I, III, e / ou XI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). Portanto, a questão chave é a de determinar se as exceções gerais disponíveis no artigo XX do GATT podem ser aceitas no âmbito da OMC. De acordo com a parte relevante do artigo XX do GATT que menciona “sujeito à exigência de que tais medidas não sejam aplicadas de forma a constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável entre países onde prevalecem as mesmas condições, ou uma restrição dissimulada do comércio internacional”, o sistema da OMC não impedirá que os seus membros adotem ou apliquem medidas que são consideradas “necessárias para proteger a moral pública” ou “necessárias para proteger a saúde humana, animal ou vegetal”. A UE continuará a encaminhar o tema bem-estar animal com vistas a implementar os objetivos da estratégia comunitária para o periodo 2012 – 2015, especialmente por ter conhecimento da forte pressão por parte do consumidor e dos produto- res europeus. Esta política comunitária irá inevitavelmente resultar em distorções ao comércio e em eventuais disputas comerciais ocasionais. À luz do que precede, o bemestar animal é um tema a ser considerado seriamente pelo produtor e exportador brasileiro de proteína animal, mas não deve de maneira alguma prejudicar a produção e expectativas de exportação por meio de medidas da UE ou de terceiros países que venham a impedir acesso aos seus mercados de forma discriminatória com barreiras não tarifárias que possam afetar os direitos comerciais do Brasil. O setor privado deve monitorar cuidadosamente o tema em apreço e o governo brasileiro, se necessário, tem a obrigação de defender os interesses do setor de agronegócios inclusive junto à OMC! feed&food 83