Serviço e Disciplina de Clínica Médica Sessão Clínica- 09 de Março 2015 Auditório Honor de Lemos Sobral- Hospital Escola Álvaro Alvim Orientador: Prof. Dra. Lara Vianna de Barros Lemos Relatora: R2 Dra. Lorena Braga Debatedora: R1 Dra. Nathália Mota Caso clínico Identificação: 23 anos, raça branca, sexo masculino, casado, natural SP, empresário (sorveterias) Queixa principal: diarréia com sangue e dor na barriga HDA: paciente refere surgimento de diarréia há 3 semanas ( ~10 episódios /dia) . Relata, desde o início, presença de muco e sangue vivo nas fezes. Fez uso de mebendazol durante três dias (automedicação), sem melhora. Queixa-se também de dor abdominal de leve/moderada intensidade, tipo cólica, difusa (vários episódios ao dia). Refere emagrecimento (não quantificado) apenas neste período, além de astenia, anorexia e febre baixa ( ~38oC). Previamente apresentava hábito intestinal normal ( 1 evacuação/dia, de consistência normal). Doenças associadas: ø Medicamentos: apenas mebendazol recentemente Etilismo: social(<10g/dia) Tabagismo ø Cirurgias: Ø Hemotransfusão: há 23 anos (ao nascer; não sabe informar o motivo) História social: boas condições de moradia, bom nível socioeconômico História familiar : mãe portadora de HAS; avô paterno falecido aos 70 anos (neoplasia de cólon); avó materna falecida aos ~ 65 anos ( câncer gástrico ). Caso clínico - Exame físico: Estado geral regular. Desidratado (+/4), hipocorado (+/4), acianótico, anictérico. Temperatura axilar: 37,8 oC ACV: RCR 2t BNF PA: 120x70 mmHg AR: MV audível bilateralmente sem RA IMC: 22 FC: 96 bpm FR: 20 ipm Abdome: pouco distendido, doloroso à palpação difusamente (principalmente quadrante inferior direito). Sem sinais de irritação peritoneal. Peristalse pouco aumentada, Traube timpânico (livre). Ausência de visceromegalias. MMII: sem edema. Toque retal: presença de fezes amolecidas e com sangue vivo entremeado as fezes. Sem outras anormalidades. Exame neurológico sumário sem alterações Exames laboratoriais da admissão Ht/Hb VCM admissão 33%- 11,1 Leucócitos 89 14.400 Bastões (%) Neutrofilos(%) 02 70 Plaquetas 39-43% / 12-16g/dL 80 a 100 fL 4000-9000/mm3 435.000 Foram solicitados outros exames adicionais para avaliação diagnóstica 150.000-450.000/mm3 Glicose 92 Até 99 mg/dL U 46 Até 40 mg/dL Cr 0,7 Até 1,4 mg/dL Na+ 135 135-145mEq /L K+ 3,4 3.5 a 5.5 Após 48h evoluiu com piora do quadro clínico sendo instituído tratamento específico concomitante a investigação diagnóstica Hipóteses diagnósticas / conduta Discussão clínica Síndrome consuptiva Síndrome inflamatória Diarréia persistente com muco e sangue Anemia Dor abdominal, principalmente em QID Leucocitose sem desvio Toque retal com fezes e sangue Descompensação clínica Possíveis etiologias 1ª hipótese: Doença Inflamatória intestinal • Doença de Crohn Patologia – Possui incidência bimodal com primeiro pico dos 15 aos 35 anos e segundo pico a partir dos 55 anos. A DC pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal desde a boca até o ânus. Diferentemente da RCU, que acomete quase sempre o reto, este segmento é poupado com frequência na DC. A DC é segmentar com áreas poupadas no meio do intestino doente. Observa-se a presença de granulomas sem caseação nas biópsias de mucosa. Quadro clínico – O local da doença influencia as manifestações clínicas: Ileocolite – O local mais comum de inflamação é o íleo terminal e a manifestação habitual é uma história crônica de dor no QID e diarréia, associado à febrícula e perda de peso. Possíveis etiologias • Doença de Crohn Jejunoileíte – A doença inflamatória extensa está associada à perda da superfície digestiva e absortiva, resultando em má absorção e esteatorréia. Colite e doença perianal – Febrícula, diarréia e dor abdominal em cólica e, às vezes, hematoquezia. O sangramento macroscópico não é tão comum quanto na RCU. A doença perianal manifesta-se por incontinência, grandes dilatações hemorroidárias, estreitamento anal, fístulas anorretais e abscessos perirretais. Doença gastroduodenal – náuseas, vômitos e dor epigástrica. Complicações – Fístulas, abcessos intra-abdominais e pélvicos, megacólon tóxico, obstrução intestinal, hemorragia maciça e má absorção. Diagnóstico – História clínica; elevação dos marcadores de inflamação; hipoalbuminemia, anemia, leucocitose, presença da calprotectina fecal e ASCA, histopatológico. Possíveis etiologias • Retocolite Ulcerativa Patologia – Incidência bimodal com primeiro pico em torno da segunda até quarta década de vida e segundo pico a partir dos 55 anos. A RCU é uma doença mucosa que acomete o reto e se estende proximalmente até atingir o cólon parcialmente ou em sua totalidade. A disseminação proximal ocorre em continuidade sem quaisquer áreas de mucosa normal. O processo fica limitado à mucosa e submucosa superficial, sem acometimento das camadas mais profundas, exceto na doença fulminante. Quadro clínico – Os principais sintomas são a diarréia, sangramento retal, tenesmo, eliminação de muco e dor abdominal em cólica. Outros sintomas na doença moderada a grave incluem anorexia, náuseas, vômitos, febre e redução ponderal Possíveis etiologias • Retocolite Ulcerativa Diagnóstico – Baseia-se na história do paciente; nos sintomas clínicos; no exame de fezes negativo para bactérias; toxina de C. difficile bem como ovos e parasitos; na doença ativa temos elevação dos reagentes de fase aguda, redução da hemoglobina, queda da albumina; presença da calprotectina fecal; aspecto sigmoidoscópico; e histologia dos espécimes de biópsia retal ou colônica. Complicações – Hemorragia maciça, megacólon tóxico, perfuração de alça e estenoses. Possíveis etiologias Leve Moderada Grave Evacuação <4 por dia 4 a 6 por dia >6 por dia Sangue nas fezes Pouco Moderado Grande quantidade Febre Nenhuma Média<37,5⁰C Média>37,5⁰C Taquicardia Nenhuma FC<90 bpm FC>90 bpm Anemia Leve >75% ≤75% VHS <30 mm Aspecto endoscópico Eritema, padrão vascular reduzido, granulosidade delicada >30 mm Eritema acentuado, granulosidade grosseira, sangramento ao contato Sangramento espontâneo, ulcerações Possíveis etiologias 2ª hipótese: Parasitose intestinal • Amebíase É uma infecção causada pelo protozoário intestinal Entamoeba histolytica. Quadro clínico – O tipo mais comum de infecção amebiana é a eliminação assintomática do cisto. A colite amebiana sintomática pode apresenta-se com dor abdominal baixa e diarréia leve evoluindo para dor abdominal difusa e diarréia com muco e sangue. Complicação – Megacólon tóxico. Possíveis etiologias 2ª hipótese: Parasitose intestinal • Estrongiloidíase Infecção causada pelo S. stercoralis. Quadro clínico – Urticária recorrente, dor abdominal, náuseas, diarréia, sangramento gastrointestinal, colite crônica leve e perda ponderal. Complicação – Estrongiloidíase disseminada. Possíveis etiologias 3ª hipótese: Doenças infecciosas • Colite por Cytomegalovirus A colite por CMV geralmente ocorre em pacientes imunocomprometidos. Quadro clínico – Diarréia, geralmente não sanguinolenta; dor abdominal, perda de peso e anorexia. Complicação – Bacteremia secundária. Diagnóstico – Colonoscopia com biópsia. Possíveis etiologias 3ª hipótese: Doenças infecciosas • Tuberculose intestinal Doença causada pelo Mycobacterium tuberculosis, afeta habitualmente os pulmões, embora outros órgãos sejam acometidos em 33% dos casos. A tuberculose intestinal é incomum. Vários mecanismos patogênicos estão envolvidos: deglutição de escarro com disseminação direta, disseminação hematogênica ou ingestão de leite de vaca com tuberculose bovina. Quadro clínico - Qualquer parte do trato gastrointestinal pode ser acometida, porém, o íleo terminal e o ceco são os locais mais afetados. Os achados comuns à apresentação consistem em dor abdominal e tumefação, obstrução, hematoquezia, massa palpável, febre, anorexia, perda de peso e sudorese noturna. Com o comprometimento da parede intestinal, as ulcerações e fístulas podem simular doença de Crohn. Possíveis etiologias 4ª hipótese: Neoplasia do trato gastrintestinal • Câncer colorretal Em geral o câncer colorretal atinge indivíduos com 50 anos ou mais. A maioria dos cânceres colorretais surge de pólipos adenomatosos. Quadro clínico – Os sintomas variam de acordo com a localização anatômica do tumor. As lesões de ceco e cólon ascendente levam a sintomas obstrutivos; tumores de cólon direito costumam ulcerar, causando perda sanguínea crônica; cânceres de retossigmóide estão associados a hematoquezia, tenesmo e diminuição do calibre das fezes. Possíveis etiologias 4ª hipótese: Neoplasia do trato gastrintestinal • Adenocarcinoma de intestino delgado Tipo mais comum de câncer primário do intestino delgado. São mais comuns no duodeno distal e jejuno proximal. Quadro clínico – Tendem a ulcerar e causar hemorragia ou obstrução. Condução do caso 1. Internação hospitalar; 2. Repouso intestinal; 3. Corticoterapia sistêmica; 4. Esquema antiparasitário (albendazol + secnidazol + ivermectina); 5. Investigação diagnóstica: • Hemograma, VHS, PCR, proteínas totais e frações, fosfatase alcalina, LDH, TGO, TGP, GGT; • Mucoproteínas, ASCA, p-ANCA; • Sorologia para HIV, hepatite B e C; • Coprocultura e calprotectina fecal; • TC de abdome; • Colonoscopia com biópsia. Idade Diarréia persistente Eliminação de muco e sangue – diarréia inflamatória Dor abdominal em quadrante inferior – acometimento ileo-cecal Sintomas sistêmicos Doença Inflamatória Intestinal Conduta do caso Diarréia aguda prolongada com características inflamatórias (sangue, muco ou pus) infecciosa Shigella Salmonella E coli (enterohemorragica ou enteropatogênica) Entamoeba histolytica antimicrobiano VS. não-infecciosa Retocolite ulcerativa idiopática Doença de Crohn corticoterapia Isquêmica Exames iniciais Ht 33% 39-43% Hb 11,1 12-15g/dL Leucócitos 14.400 Bastões (%) Neutrofilos(%) 02 70 Plaquetas 4000-9000/mm3 435.000 150.000-450.000/mm3 Glicose 92 Até 99 mg/dL U 46 Até 40 mg/dL Cr 0,7 Até 1,4 mg/dL K+ 3,4 3.5 a 5.5 Na+ 135 135-145mEq /L Albumina 3,5 VHS 98 0 a 20 mm Proteina C reativa 9,0 Até 0,8 Anti-HIV Não reagente Não reagente Anti -HCV não reagente Parasitológico de fezes (PPF): negativo (3 amostras) Coprocultura: em andamento 3,5 a 5,5 mg/dL Solicitada colonoscopia Não reagente Diarréia aguda prolongada com características inflamatórias (sangue, muco ou pus) infecciosa Shigella Salmonella E coli (enterohemorragica ou enteropatogênica) Entamoeba histolytica antimicrobiano VS. não-infecciosa Retocolite ulcerativa idiopática Doença de Crohn corticoterapia Condições clínicas do paciente não permitiam esperar os exames para instituir tratamento Instituído tratamento empírico com metronidazol enquanto prosseguia investigação Isquêmica Exames complementares Ht 33% 39-43% Hb 11,1 12-15g/dL Leucócitos 14.400 Bastões (%) Neutrofilos(%) 02 70 Plaquetas Parasitológico de fezes (PPF): negativo (3 amostras) 4000-9000/mm3 435.000 150.000-450.000/mm3 Glicose 92 Até 99 mg/dL U 46 Até 40 mg/dL Cr 0,7 Até 1,4 mg/dL K+ 3,4 3.5 a 5.5 Na+ 135 135-145mEq /L Albumina 3,5 VHS 98 0 a 20 mm Proteina C reativa 9,0 Até 0,8 Anti-HIV Não reagente Não reagente Anti -HCV não reagente Coprocultura: em andamento Solicitada colonoscopia: postergada 3,5 a 5,5 mg/dL Não reagente Tomografia abdominal: moderada dilatação de alças de cólon, sem identificação de pontos de estenose/obstrução. Espessamento parede colón direito Colonoscopia – após 72 H da admissão Múltiplas úlceras puntiformes (< 1 cm), entremeadas por mucosa aparentemente normal (aspecto em “ botão de camisa ” ) localizadas no ceco, colón ascendente e cólon transverso. Colite amebiana? Realizadas biópsias (regiões centrais das úlceras) Evolução do caso - Recuperação gradual com melhora da diarréia após 3 - 4 dias do início da a antibioticoterapia. - Após 15 dias, resultado da biópsia das úlceras... Fragmento de cólon exibindo solução de continuidade recoberta por material fibrino necrótico leucocitário. Na mucosa , atingindo até muscular da mucosa, observa-se processo inflamatório misto ao redor de trofozóita, que em alguns dos cortes fagocita hemácia ( eritrofagocitose). Diagnóstico: Colite amebiana (Entamoeba histolytica)) Entamoeba histolytica Cistos 2 estágios: cisto e trofozoíta Excistação (ileo terminal e intestino grosso) Trofozoitas Penetração parede colônia Retorno forma cística (encistação) Amebíase Após a infecção: - 90% dos pacientes permanecem assintomáticos - 10%: Forma sintomática não invasiva Colite ( forma disentérica) Colite fulminante (perfuração) Pseudotumoral(ameboma) Extraintestinal (abscesso hepatico, pericardite, abscesso cerebral, pleuropulmonar, genitourinário, peritoneal). Colite amebiana: diagnóstico - Padrão-ouro: colonoscopia com biópsia ( região central da úlcera) Aspecto macroscópico característico: múltiplas úlceras puntiformes (0,2-1 cm) entremeadas por mucosa de aspecto normal Histopatológico: trofozoíta fagocitando hemácia (eritrofagocitose); ulcera em forma de “balão” Outros exames - Parasitológico: sensibilidade 30-60% - Coprocultura: sensibilidade altamente variável ( tempo para inoculação...) - Sorologia: sensibilidade (ELISA) 75-85% na colite amebiana pouco utilizada nas regiões de elevada prevalência de amebíase - PCR Amebíase: tratamento - Amebicidas luminais: tratamento dos 90% assintomáticos * Teclosan (Falmonox ® 500mg/cp) 500mg 12/12h (3 doses 1,5g) - Amebicidas teciduais: Metronidazol 500-750mg IV 8/8h por 10 dias Outros: tinidazol, eritromicina, secnidazol Após tratamento das formas invasivas, usar amebicida luminal ( erradicar portador) Diarréia com características inflamatórias infecciosa Shigella Salmonella E coli (enterohemorragica ou enteropatogênica) Entamoeba histolytica antimicrobiano VS. não-infecciosa Retocolite ulcerativa idiopática Doença de Crohn corticoterapia Isquêmica Referências BRAUNWALD, Fauci.; KASPER, Hauser.; LONGO, Jameson. Harrison Medicina Interna: volumes I e II. 17.ed. Mc Graw Hill, 2008. CINERMAN, S.Tratamento das parasitoses intestinais: o que conhecemos e o que precisamos saber ,RBM Abr 14 V 71 N 4págs.: 95-97.