Política comercial europeia Principais orientações A agenda multilateral A agenda comercial multilateral mantém-se uma prioridade para a União. Apesar do impasse relativo que tem caracterizado as negociações da Ronda de Doha (DDA)1 desde junho de 2008, a UE mantém-se empenhada na conclusão destas negociações. A União tem reiteradamente afirmado o seu compromisso para com o sistema de negociação multilateral, pelo incontornável papel central desempenhado pela Organização Mundial de Comércio (OMC) na construção e reforço de um sistema comercial baseado em regras, conferindo-lhe deste modo estabilidade e transparência, tendo sido pedra angular na luta contra o surto de protecionismo verificado na sequência da crise financeira mundial de 2007-2008. O abrandamento dos progressos nas negociações DDA estimulou em particular os países desenvolvidos ao estabelecimento de acordos comerciais a nível bilateral e regional, tendo os últimos dez anos registado uma proliferação destes acordos a um ritmo nunca antes verificado. Em 2010, o número de Acordos Preferenciais era de cerca de 300 e, segundo estimativa da OMC, em 2011, estariam em vigor mais de 400 Acordos de Comércio Livre (ACL)2. Pelas suas repercussões, este fenómeno pode, segundo alguns peritos comerciais, representar uma ameaça ao funcionamento do sistema da OMC, ou seja, à governança multilateral, enquanto segundo outros poderá forçar o ritmo para a conclusão da DDA3. Estratégia Europa Global A política comercial da UE tem vindo desde 2006 a ser conduzida pela Estratégia Europa Global4, a agenda comercial europeia, tida como a agenda externa da Estratégia de Lisboa renovada (2005). 1 A DDA (Doha Development Agenda) foi iniciada em 2001 para o aprofundamento da liberalização das trocas comerciais mundiais de produtos agrícolas e industriais, dando sequência ao Acordo GATT (1994). Esteve prestes a ser concluída em junho de 2008. Neste momento, regista-se manifestação de vontade de alguns membros para que a agenda da próxima Conferência Ministerial (CM9), em dezembro de 2013, possa representar mais um passo no sentido da conclusão da DDA, pela inclusão de alguns temas de “primeira escolha”, como a facilitação do comércio. 2 Cf. OMC, World Trade Report 2011 3 Cf. COM SEC (2012) 87 final 4 “Europa global: competir a nível mundial”, COM (2006) 567 final 1 DSAERI/DRI, 17-01-2013 O comércio é aqui assumido como parte essencial de uma estratégia estimuladora do crescimento e da criação de emprego na Europa, procurando, para além disso, contribuir para diversos objetivos externos, com enfoque especial em matéria de desenvolvimento e de política de vizinhança.5 No quadro da Estratégia Europa Global são, pois, estabelecidos como lemas de atuação a recusa do protecionismo a nível interno e a adoção em paralelo de uma atitude dinâmica relativamente à criação de mercados abertos e de condições equitativas nas trocas com países terceiros. A principal linha de força da política comercial da UE consiste na abertura dos mercados, tanto a nível interno como para o exterior da Europa, assim como na defesa da garantia de mercados abertos ao comércio e investimento em todo o mundo, como forma de manutenção/reforço da nossa competitividade a nível internacional, aumentando a nossa capacidade para explorar os benefícios de um verdadeiro mercado único. A abertura progressiva do comércio a todos os níveis é considerada fonte importante de ganhos de produtividade, crescimento e criação de empregos, e fator essencial na diminuição da pobreza e promoção do desenvolvimento. São estas as linhas de força da nova vaga de Acordos de Comércio Livre (ACL) que a União tem vindo a negociar desde 2006 no âmbito da Estratégia Europa Global, que pôs fim à moratória que existia ao relançamento destes instrumentos comerciais. Na seleção dos parceiros para os novos ACL, para além de países vizinhos e países em desenvolvimento (PED) com risco de fragilização no acesso aos mercados comunitários, foram utilizados os seguintes critérios: potencial de mercado (dimensão e crescimento); alto nível de proteção contra os interesses da UE em matéria de exportação (direitos aduaneiros e barreiras não pautais); negociações em curso com países concorrentes da UE. Emergiram, assim, como prioridades estratégicas, os países e regiões em desenvolvimento mais avançado, nomeadamente os países ASEAN, Coreia do Sul e Mercosul e países cujas negociações estavam já em curso, caso da Índia, Rússia e Conselho de Cooperação do Golfo. Foram já concluídos ACL com a Coreia do Sul, Comunidade Andina (Peru e Colômbia), América Central e Ucrânia. 5 A UE é uma das economias mais abertas, sendo o mercado mais aberto aos países em desenvolvimento, em resultado dos numerosos acordos bilaterais e regionais e sistemas unilaterais, incluindo o sistema de preferências generalizado (SPG) para os países em desenvolvimento. Apenas aplica o regime tarifário Nação Mais Favorecida (NMF, tarifa consolidada a nível da OMC) a nove membros OMC: Austrália, Canadá, Taiwan, Hong-Kong, Japão, Nova Zelândia, Singapura, EUA e China. Cf. “Trade as a driver of prosperity”, COM SEC (2010) 1269 2 DSAERI/DRI, 17-01-2013 A noção de liberalização comercial no século XXI vai para além da redução dos direitos tariEm termos de conteúdo, os novos fários, pois à medida que estes vão sendo reACL, orientados para a competitiduzidos nos diversos tabuleiros negociais bilavidade, são ambiciosos, prevendo a terais e multilaterais, vão ganhando peso as liberalização de praticamente todo barreiras não pautais, nomeadamente, queso comércio, e abrangentes, indo tões regulamentares e procedimentos desnealém das disciplinas OMC, constitucessariamente restritivos das trocas comerciindo assim um trampolim para a ais que importa remover. É assunto de particuliberalização multilateral. Nos calar importância pelos custos comerciais assosos em que os parceiros celebrem ciados (podendo ser superiores aos das barreiACL com países concorrentes da ras tarifárias), de tratamento complexo e enUE, deve ser almejada, no mínimo, volvendo muitos recursos. uma rigorosa paridade. As barreiras não pautais, questões não inteiramente cobertas pela OMC, são abrangidas pelos novos ACL, desempenhando papel cada vez mais importante na tentativa da sua resolução os acordos de reconhecimento mútuo, a normalização internacional e os diálogos reguladores, assim como a assistência técnica a países terceiros. Os novos ACL vão igualmente para além da OMC (aquilo que se designa por OMC plus), em matéria de proteção dos Direitos de Propriedade Intelectual (DPI), incluindo as Indicações Geográficas (IGs). Sob uma perspetiva comercial, a proteção dos DPI constitui o instrumento mais importante da política de inovação e qualidade, essencial para o fomento da competitividade europeia. As Indicações Geográficas são DPI que conferem direito a ser utilizado um sinal distintivo para a identificação de um produto cuja qualidade é atribuída à sua origem geográfica o que tem, em geral, reflexo positivo no preço aos produtores. As principais IGs comunitárias exportadas são de vinhos e espirituosas. Comércio, crescimento e desenvolvimento Assistiu-se na última década a uma alteração profunda da realidade económica mundial, com implicações nas políticas comerciais, de investimento e de desenvolvimento. Pela primeira vez na história recente, os países em desenvolvimento são responsáveis por metade do comércio mundial. A crise económica mundial acelerou a transferência do poder económico dos países desenvolvidos para as economias emergentes, vistas agora como parte da solução para a crise.6 6 Cf. COM(2012) 22 final “Trade, growth and development”. 3 DSAERI/DRI, 17-01-2013 A China, a Índia ou o Brasil souberam tirar partido dum mercado mundial cada vez mais aberto e integrado, encontrando-se entre as economias mais competitivas, enquanto outros países, sobretudo os menos desenvolvidos, particularmente em África, continuam a enfrentar muitas dificuldades, nomeadamente para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Daqui resulta que a noção de países em desenvolvimento, enquanto grupo, está a perder relevância pelo aumento da diversidade entre eles, obrigando a uma diferenciação das políticas de investimento e desenvolvimento, que focalize as preferências nos países com maiores necessidades e afine os instrumentos a utilizar. É isso que pretende fazer na próxima década a UE, ator que desempenha um papel decisivo na promoção do desenvolvimento, enquanto principal parceiro comercial mundial, maior parceiro comercial de muitos países menos avançados e maior doador de assistência ao desenvolvimento (ODA). Para a próxima década, de entre um conjunto alargado de tarefas da UE visando o reforço das sinergias entre as políticas comerciais e de desenvolvimento, destaca-se: A continuação da negociação de ACL abrangentes, respeitando o nível de desenvolvimento dos parceiros, através de ofertas à medida das suas necessidades e capacidades. A reforma efetuada no sistema de preferências generalizadas, SPG 7, reforçando a sua transparência e previsibilidade para melhor corresponder às necessidades dos países em maiores dificuldades. Consultas recentes da COM tiveram como resposta dos países beneficiários o sublinhar da importância deste sistema, como instrumento que tem desempenhado um papel de relevo na expansão e diversificação do seu setor comercial. Uma melhor focalização da Ajuda ao Comércio (AfT)8, cujos fluxos tem vindo a aumentar, representando mais de 1/3 dos fluxos a nível global. A AfT continua uma prioridade da cooperação para o desenvolvimento, facilitando a integração dos países em desenvolvimento no sistema comercial global.9 Embora a capacitação das administrações destes países, a nível nacional e regional, com vista à integração, continue a ser o objeto da ajuda, a melhoria da eficiência da AfT poderá ser conseguida pela focalização em países menos desenvolvidos, em pequenos operadores, ou através de parcerias económicas, diálogos reguladores e cooperação empresarial, passando por uma revisão da abordagem do apoio à integração regional, mais estratégica, sendo que poderão ser desenhados programas regionais específicos AfT para a facilitação do comércio. 7 Cf. COM (2011) 241 final. Após a recomendação da UNCTAD, em 1968, para a criação de um SPG, o primeiro a ser implementado foi o da UE, em 1971, permitindo aos PED o acesso preferencial aos seus mercados. De entre os diversos SPG dos países desenvolvidos, o SPG da UE é o mais utilizado. 8 A AfT (sigla inglesa para Aid for Trade) representou 1/5 da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA) da UE em 2005-2009, sendo que o seu peso na ODA tem vindo a aumentar, de acordo com a Estratégia da AfT 2007. (https://www.wto.org/english/tratop_e/devel_e/a4t_e/iadb_report09_e.pdf) 9 Cf. COM (2011) 218 final 4 DSAERI/DRI, 17-01-2013