Margarida Martinho e Anabela Melo 1. INTRODUÇÃO As hemorragias uterinas anormais (HUA) são uma das queixas mais frequentes que motivam a consulta a clínicos gerais e ginecologistas, sendo neste caso responsáveis por cerca de 1/3 de todas as consultas1. Ao longo do tempo têm vindo a ser usadas diferentes nomenclaturas e terminologias para designar situações de hemorragias uterinas. Mais recentemente, na sequência de reuniões de consenso realizadas com a intenção de uniformizar essa terminologia, passaram a designar-se como HUA todas as situações de hemorragia genital com origem intra-uterina que diferem em regularidade, quantidade, frequência, duração e volume, do padrão menstrual habitual de cada mulher2. No caso particular da mulher na pós-menopausa (ausência de menstruação ≥ 1 ano) incluem as hemorragias uterinas recorrentes ou as hemorragias irregulares em mulheres sob terapêutica hormonal de substituição (THS) há pelo menos um ano3. Podem assumir diversas formas (Quadro 1) a que habitualmente correspondem também diferentes designações. As causas responsáveis pelas HUA são múltiplas e variadas, mas podem dividir-se em dois grandes grupos: as hemorragias disfuncionais (ovulatórias e anovulatórias), cuja fisiopatologia se relaciona com uma alteração na fisiologia normal dos ciclos menstruais; e as hemorragias causadas por doenças orgânicas de natureza sistémica ou ginecológica4. Quadro 1. Termos usados para descrever padrões de hemorragia uterina anormal Termos Definições Menorragia Hemorragia uterina regular mas prolongada (> 7 dias) e/ou excessiva (> 80 ml) Metrorragia Hemorragia uterina que ocorre de forma irregular e ou intermenstrual Menometrorragia Hemorragia uterina ocorrendo de forma irregular com menstruações excessivas (> 80 ml) e prolongadas (> 7 dias) Polimenorreia Hemorragia uterina ocorrendo de forma regular com intervalos <21 dias Oligomenorreia Hemorragia uterina ocorrendo de forma regular com intervalos >35 dias Amenorreia Ausência de menstruação por um período ≥ 6 meses numa mulher não-menopáusica Hemorragia na pós-menopausa Hemorragia uterina recorrente em mulher pós-menopáusica (ausência de menstruação ≥ 1 ano) ou hemorragia irregular em mulher sob THS há pelo menos um ano 135 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 8 Hemorragias uterinas anormais O ciclo menstrual, na maioria das mulheres, é caracterizado por uma ovulação regular e uma sequência ordenada de sinais endócrinos que se traduzem na previsibilidade, regularidade e consistência das menstruações5,10. Resumidamente, na fase folicular do ciclo, os estrogénios aumentam progressivamente à medida que o folículo dominante se desenvolve. Em resposta a esse aumento de estrogénios e após o cataménio, o endométrio regenera-se e prolifera a partir da sua camada funcional. Os estrogénios têm a capacidade de induzir o aparecimento de receptores endometriais para os estrogénios mas também para a progesterona. Após a ovulação, que ocorre por acção do pico de Luteinizing Hormone (LH), o corpo amarelo mantém a produção de estradiol, mas inicia a produção de progesterona que se torna preponderante. Por acção destas duas hormonas, e durante a fase luteínica, o endométrio sofre uma transformação secretora e prepara-se para a implantação. Quando não ocorre uma gravidez, o corpo lúteo regride e ocorre uma diminuição abrupta da produção de estrogénios e progesterona, causando a nível endometrial alterações vasculares e hemostáticas que têm as prostaglandinas como um dos principais mediadores e das quais resulta a desagregação e descamação endometrial que se traduz objectivamente na menstruação. Este ciclo de acontecimentos é responsável por um padrão menstrual previsível e consistente em termos de volume, fluxo e intervalo6. Assim, menstruações regulares reflectem a ocorrência regular de ovulação e ao contrário, ciclos menstruais com intervalos irregulares e com uma variação na sua duração de mais de 10 dias entre ciclos são habitualmente anovulatórios. Aumento da sensibilidade e tensão mamária, desconforto e distensão abdominal, alterações do humor e corrimento vaginal mucoso são sinais clínicos sugestivos de ovulação. 136 Nos extremos da idade reprodutiva da mulher podem ocorrer com frequência alterações do ciclo menstrual em função da prevalência dos ciclos anovulatórios. A menarca é geralmente seguida por um período variável de irregularidades menstruais habitualmente com interlúnios longos, que progressivamente se vão encurtando e se tornam mais regulares à medida que o funcionamento do eixo hipotálamo-hipofisário atinge a maturidade5,7,10. No período da perimenopausa, também a regularidade das ovulações sofre alterações e estas tornam-se menos frequentes e os ciclos menstruais mais irregulares, com uma duração média dos ciclos superior a 35 dias8. O ciclo menstrual normal tem uma duração de quatro a seis dias, um intervalo médio de 28 dias (± 7 dias) e a perda de sangue menstrual é em média de 30 ml6. Embora o intervalo intermenstrual médio seja considerado de 28 dias, só cerca de 15% dos ciclos menstruais em mulheres com idade reprodutora têm essa duração e menos de 1% das mulheres referem ciclos menstruais regulares com menos de 21 dias ou mais de 35 dias9,10. Padrões menstruais com fluxos menstruais excessivos (> 80 ml), prolongados (> 7 dias) ou frequentes (< 21 dias) associam-se ao aparecimento de anemia em 66% das mulheres. 3. HEMORRAGIAS DISFUNCIONAIS As hemorragias disfuncionais são um diagnóstico de exclusão e pressupõem a ausência de patologia orgânica sistémica ou ginecológica ou outra causa iatrogénica que justifique as HUA. Classificam-se em anovulatórias ou ovulatórias. As hemorragias disfuncionais anovulatórias surgem num contexto de anovulação crónica. Nestas circunstâncias, ocorre uma produção contínua de estrogénios mas na ausência de ovulação não se forma corpo amarelo e não se produz progesterona4. Os níveis de estrogénios variam em função do crescimento dos folículos recrutados e da sua regressão sem que Capítulo 8 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 2. CICLO MENSTRUAL NORMAL Hemorragias uterinas anormais 23% em função da presença de critérios ecográficos. A incidência das hemorragias disfuncionais nas pacientes com SOP é de 29%14,15. Esta síndrome, assim como as situações associadas à anovulação crónica, pela exposição continuada a um ambiente de hiperestrogenismo sem o efeito complementar da progesterona, condicionam um risco aumentado de aparecimento de hiperplasia do endométrio ou mesmo adenocarcinoma do endométrio. As hemorragias disfuncionais ovulatórias, por vezes também designadas por menorragias ou hemorragias disfuncionais idiopáticas, diferem das anteriores pela regularidade do aparecimento da hemorragia que frequentemente se associa a sintomas prémenstruais sugestivos de ovulação. Esta hemorragia menstrual excessiva não é explicada por doenças orgânicas (ginecológicas ou sistémicas) e não se associa a nenhuma situação iatrogénica nomeadamente relacionada com medicações que aumentam o risco de hemorragia uterina (Quadro 2). O mecanismo fisiopatológico deste tipo de hemorragia uterina anormal não é ainda totalmente conhecido, mas diversos estudos sugerem que podem estar envolvidas alterações dos mecanismos de regulação dos mediadores locais endometriais do ciclo menstrual. Assim, embora histologicamente o endométrio e o miométrio e a concentração de receptores para as hormonas sexuais sejam semelhantes em mulheres com padrão menstrual normal e com hemorragia disfuncional ovulatória16,17, alterações de diversos factores locais, nomeadamente daqueles envolvidos na vasculogénese (como a proliferação das células endoteliais e alterações na composição e estrutura dos vasos sanguíneos endometriais)18, alterações na síntese e produção de prostaglandinas com efeito vasodilatador19, alterações a nível endometrial dos factores endoteliais como a diminuição do Vascular Endothelial Growth Factor-A (VEGF-A) e a redução da expressão da endotelina19,20 e o aumento da expressão do factor associado à hemorragia 137 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 no entanto ocorra ovulação e produção de progesterona. Apesar da variação nos níveis de estrogénios, o resultado final é um aumento do seu valor e deste desequilíbrio hormonal resulta uma proliferação exagerada do endométrio e dilatação das artérias espiraladas sem o correspondente suporte estrutural em termos de vascularização endometrial e fornecimento de nutrientes por acção da progesterona, ocorrendo graus variáveis de necrose7. Em contraste com as situações de ciclo menstrual normal, não ocorre uma descamação uniforme da camada funcional do endométrio, o que condiciona um padrão irregular de hemorragia uterina habitualmente com oligomenorreia ou hemorragia irregular escassa e recorrente5. Eventualmente, em função de um nível de estrogénios continuadamente elevados e por um mecanismo de retrocontrolo negativo hipotalâmico, pode ocorrer uma diminuição da produção de Follicule-Stimulating Hormone (FSH) e LH e de estrogénios11,12. Este facto condiciona uma vasoconstrição e desagregação endometrial com uma hemorragia uterina excessiva. Assim, com um nível continuamente elevado de estrogénios ocorrem intermitentemente hemorragias uterinas excessivas e um nível mais baixo mas contínuo de estrogénios é responsável por hemorragias uterinas intermitentes mas escassas13. As hemorragias uterinas disfuncionais anovulatórias são comuns nos extremos da idade reprodutora e responsáveis pela maioria das situações de HUA na adolescência e na perimenopausa. Situações de hiperandrogenismo, como a síndrome dos ovários poliquísticos (SOP), tumores produtores de androgénios e hiperplasia congénita da supra-renal e as situações de anovulação por falência ovárica prematura e por disfunção hipotalâmica por anorexia são também causa de hemorragias uterinas disfuncionais anovulatórias. A SOP tem uma prevalência de 3% se basearmos o diagnóstico em critérios endocrinológicos e de 17 a — — — — — — — Anticoagulantes Ácido acetilsalicílico Antidepressivos (inibidores selectivos da serotonina, antidepressivos tricíclicos) THS Tamoxifeno Corticosteróides Plantas: ginseng, gingko, derivados da soja endometrial (também conhecido por LEFTY-A), estão presentes nas mulheres com hemorragia disfuncional ovulatória sugerindo uma desregulação dos factores locais endometriais como causa mais provável para este tipo de HUA. ou oligomenorreia), os tumores da hipófise e hipotálamo e a disfunção hipotalâmica por stress ou alterações alimentares ou exercício excessivo, condicionam directa ou indirectamente alterações do equilíbrio hormonal do ciclo menstrual normal e podem também ser responsáveis por quadros de HUA. 4. HEMORRAGIAS DE CAUSA ORGÂNICA 4.2. CAUSAS IATROGÉNICAS 4.1. DOENÇAS SISTÉMICAS Os contraceptivos orais e os implantes subcutâneos associam-se com frequência a perdas intermenstruais tipo spotting por atrofia endometrial associada a carência de estrogénios. O uso de dispositivo intrauterino (DIU) de cobre pode causar menorragias por inflamação local e endometrite crónica27. O aumento do fluxo menstrual é estimado em 18-48 ml por menstruação em três estudos prospectivos28-30. O sistema intra-uterino (SIU) com levonorgestrel reduz as perdas menstruais em cerca de 54-98%27 mas pode causar spotting. As terapêuticas anticoagulantes estão frequentemente associadas a menometrorragias. Van Eijkeren31, numa série prospectiva de 11 doentes, sob terapêutica com anticoagulantes orais, constatou uma perda menstrual superior a 45 ml em 45% das pacientes. Outro estudo prospectivo32 com 90 mulheres encontrou 70,8% de pacientes com menorragias em comparação com 44,2% antes do início da terapêutica anticoagulante. Neste estudo também se constatou um aumento Algumas coagulopatias, como a deficiência e a doença de Von Willebrand, podem manifestar-se inicialmente sob a forma de HUA, e no caso da doença de Von Willebrand, a sua prevalência neste contexto pode variar de 5,3 a 24% segundo diferentes estudos prospectivos e de caso-controlo21-24. As situações que condicionam trombocitopenia como a leucemia, sépsis grave, púrpura trombocitopénica idiopática e hiperesplenismo podem também causar HUA. A insuficiência renal crónica pode causar HUA por alterações da agregação plaquetária25. Nas situações de insuficiência hepática, as alterações hemorrágicas podem surgir por alterações da metabolização dos estrogénios, mas também por alterações da hemostase secundárias a trombocitopenia ou défices de factores da coagulação26. As doenças sistémicas do foro endocrinológico como o hipotiroidismo e mais raramente o hipertiroidismo (que causam mais frequentemente amenorreia, hipomenorreia 138 Capítulo 8 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 Quadro 2. Medicações que podem causar hemorragia uterina anormal 4.3. DOENÇAS DO APARELHO GENITAL Excluindo a patologia da gravidez nas mulheres em idade reprodutora, as causas orgânicas mais frequentes são as anomalias anatómicas, as situações neoplásicas ou pré-neoplásicas do endométrio e mais raramente as infecções genitais altas, tumores produtores de estrogénios e malformações arteriovenosas uterinas. As causas anatómicas como os miomas submucosos, os pólipos endometriais e a adenomiose são com frequência responsáveis por sintomas de perda menstrual excessiva ou prolongada e mais raramente causam perda hemorrágica uterina irregular. Os miomas são a causa principal de menorragia em mulheres antes dos 40 anos33. A perda menstrual seria explicada neste contexto por alterações no desenvolvimento normal do endométrio, pelo aumento da superfície endometrial e por alteração da contractilidade miometrial34. Os pólipos endometriais representam a causa principal de menometrorragias após os 40 anos33. A adenomiose define-se pela presença de glândulas e estroma endometrial na espessura do miométrio em exames histológicos. A sua prevalência exacta na população é desconhecida mas detecta-se em 5-70% das peças de histerectomia35 realizadas em pacientes sintomáticas. Nas pacientes sintomáticas com adenomiose a menorragia é o sintoma mais frequente, afectando cerca de 50% das pacientes. A sintomatologia não se correlaciona com a profundidade de «invasão» do miométrio36,37. As hiperplasias endometriais classificam-se em quatro classes (OMS) em função da sua complexidade arquitectural e da presença de atipias celulares38. Esta classificação correlaciona-se com a probabilidade de evolução para adenocarcinoma do endométrio39,40 (Quadro 3). As hiperplasias endometriais encontram-se em 0,7% de 1.702 biopsias do endométrio realizadas por menometrorragias41 e em 7,2% (80/1.120) das biopsias realizadas por histeroscopia. A prevalência da hiperplasia aumenta com a idade e pode atingir 18,2% das causas de menometrorragias após os 50 anos35. O adenocarcinoma do endométrio é responsável por 0,5% dos casos de menometrorragias em mulheres em idade fértil. O quadro 4 apresenta os factores de risco para adenocarcinoma do endométrio. Os quadros infecciosos do aparelho genital superior, nomeadamente a endometrite, podem ser responsáveis por menometrorragias42 embora a prevalência desta patologia neste contexto seja desconhecida. Os tumores tubários e os tumores ováricos secretores de estrogénios são uma causa rara43-45 de menometrorragias e associam-se ao aparecimento de hiperplasia/adenocarcinoma do endométrio. Quadro 3. Hiperplasias endometriais Classificação das hiperplasias (OMS) Progressão para neoplasia (%) Hiperplasia simples sem atipia 01 Hiperplasia simples com atipia 08 Hiperplasia complexa sem atipia 03 Hiperplasia complexa com atipia 29 Hemorragias uterinas anormais 139 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 significativo da duração da menstruação (5,66,1) com o início do tratamento. Outras medicações podem ser responsáveis por perdas sanguíneas anormais (Quadro 2). — — — — — — Idade > 40 anos Ciclos anovulatórios Nuliparidade Infertilidade Tamoxifeno História familiar de cancro do endométrio e do cólon Adaptado de: Vilos, et al.2 As malformações arteriovenosas uterinas são situações raras mas que podem estar na origem de situações de menorragias graves e potencialmente fatais. Estas malformações podem ser de natureza congénita ou adquiridas. As malformações adquiridas podem ser secundárias a cirurgias uterinas, curetagens uterinas ou infecções46. Surgem geralmente após situações de abortamento ou no pós-parto47. 5. AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DAS HEMORRAGIAS UTERINAS ANORMAIS No estudo das situações de HUA uma história clínica pormenorizada é um passo fundamental e inicial contribuindo de forma determinante para o diagnóstico diferencial e orientando as investigações laboratoriais e de imagem a realizar. 5.1. HISTÓRIA DA DOENÇA ACTUAL E ANTECEDENTES Neste contexto é fundamental: — Caracterizar pormenorizadamente as perdas hemáticas uterinas precisando o seu início, pesquisar sintomas sugestivos de ovulação, identificar factores associados ou precipitantes como por exemplo, traumatismos genitais ou a relação com início de medicação, a associação com hipertermia, dor pélvica abdominal e presença de corrimentos vaginais 140 anormais que sugerem uma infecção genital, ou com sintomas urinários ou gastrointestinais que se associam mais frequentemente a tumefacções pélvicas ou doenças não ginecológicas ou ainda cefaleias, galactorreia, hirsutismo, acne, perda de cabelo, variações no peso, ou outros sintomas gerais sugestivos de doenças do foro endócrino e associação a anovulação. — Pesquisar sinais sugestivos de uma anomalia da hemostase (Quadro 5). A associação de um interrogatório deste tipo à avaliação de pictogramas de perda hemática permitem identificar pacientes com distúrbios da coagulação com uma sensibilidade de 95%48. — Documentar os padrões de hemorragia e avaliar sinais de anemia. O padrão da hemorragia e uma história menstrual detalhada são o instrumento mais útil no diagnóstico diferencial entre hemorragias de causa anovulatória e outras causas de HUA. A avaliação da frequência e duração da perda menstrual pode ser facilmente documentada com o recurso ao registo de calendários menstruais, mais difícil, é a tarefa de quantificar essa perda. A avaliação subjectiva da perda sanguínea menstrual (PSM) é pouco fiável e comporta um risco de subestimação49, mas a avaliação objectiva da PSM realizada com métodos químicos (marcação por radioisótopos Capítulo 8 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 Quadro 4. Factores de risco para adenocarcinoma do endométrio — — — — — — — — — — Antecedentes familiares de doença hemorrágica Hemorragia excessiva após extracção dentária Hemorragia excessiva após cirurgias Hemorragia excessiva após pequeno ferimento Hemorragia excessiva após o pós-parto Antecedentes de tratamento com ferro Antecedentes de transfusões Epistaxes frequentes e prolongadas (> 30 minutos) Gengivorragias frequentes e abundantes (várias por mês) Equimoses > 5 cm espontâneas e frequentes dos glóbulos vermelhos da mulher e a avaliação fotométrica da quantidade de hematina nos pensos higiénicos) é difícil de efectuar por rotina. Finalmente, o recurso ao preenchimento de cartas de registo visual da perda menstrual (pictorial blood loss assesement chart [PBAC]), apesar de ser uma forma simples, reprodutível e objectiva de avaliação das perdas hemáticas, tem uma má correlação com os métodos químicos4. Em função das dificuldades na avaliação das perdas menstruais, na sua prática clínica os clínicos tentam estimar a quantidade da perda hemática recorrendo a um inquérito do tipo apresentado no quadro 6 e valorizam as perdas menstruais em função da interferência das mesmas nas actividades diárias das pacientes realçando-se assim a importância de pesquisar sinais de anemia. — Documentar a história menstrual, a data da última menstruação, método contraceptivo e doenças associadas e medicação habitual. Nas mulheres em idade reprodutora assume particular importância a exclusão de gravidez. As situações de HUA nos extremos da idade reprodutora estão mais frequentemente associadas a situações de anovulação e na pós-menopausa é fundamental exHemorragias uterinas anormais cluir as situações de neoplasias malignas do corpo uterino. — Identificar antecedentes familiares de patologia tiroideia e sobretudo de neoplasia endometrial e cólica (hereditary non polypoid colic cancer [HNPCC]). 5.2. EXAME FÍSICO O exame objectivo geral serve para identificar sinais de doença sistémica como hipertermia, equimoses, aumento de volume da tiróide, sinais de hiperandrogenismo ou presença de galactorreia. No exame ginecológico a avaliação dos genitais externos e internos é crucial para confirmar a origem intra-uterina da perda hemática, excluir lesões cervicais ou vaginais e diagnosticar causas anatómicas de HUA como miomas uterinos ou tumefacções anexiais. 5.3. EXAMES LABORATORIAIS 5.3.1. TESTE DE GRAVIDEZ O teste de gravidez é especialmente importante em mulheres sexualmente activas em função do interrogatório e especialmente nas que apresentam um quadro de início recente e dores pélvicas associadas. 141 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 Quadro 5. Sinais clínicos a pesquisar em situações de hemorragias uterinas anormais O hemograma completo com plaquetas, em função da intensidade das perdas hemáticas, duração e associação a sinais de anemia, é fundamental para avaliar a existência de anemia ou trombocitopenia. No contexto de anemia grave pode ter interesse complementar este exame com determinação da ferritina de forma a confirmar a carência de ferro. 5.3.3. ESTUDO DA COAGULAÇÃO OU TESTES ESPECÍFICOS DE HEMOSTASE O estudo da coagulação ou testes específicos da hemostase (tempo de tromboplastina parcial activado, tempo de protrombina, factor VIII, antigénio e actividade do factor de Von Willebrand) podem ser necessários em mulheres com história sugestiva de defeitos da coagulação (Quadro 6). 5.3.4. ESTUDOS HORMONAIS Estudos hormonais específicos devem realizar-se somente num contexto de anovulação crónica sobretudo na suspeita de SOP e no contexto de suspeita de doença da tiróide ou em presença de galactorreia. Nas situações de anovulação os doseamentos devem incluir a determinação da progesterona na fase luteínica, prolactina, testosterona livre e 17-hidroxiprogesterona50. 5.4. EXAMES DE IMAGEM A ultra-sonografia pélvica, em especial a realizada por via transvaginal (USV), é o exame imagiológico recomendado na avaliação inicial das HUA complementando e exame ginecológico e orientando a realização de outros exames complementares de diagnóstico, nomeadamente a realização de biopsia de endométrio (BE). Esta só deverá ser realizada «às cegas» na ausência de suspeita de lesões intracavitárias de natureza focal. A USV assume particular relevo nas mulheres com HUA depois dos 40 anos, sobretudo naquelas que apresentam factores de risco para carcinoma do endométrio e é um exame mandatório na avaliação das mulheres pós-menopáusicas com hemorragia uterina. No passado, e mesmo actualmente, a maioria dos protocolos clínicos defendiam a realização de BE na avaliação inicial das HUA, mas a Quadro 6. Inquérito a efectuar para quantificar a perda sanguínea menstrual Com que frequência muda de pensos higiénicos/tampões nos dias de fluxo mais abundante? Quantos pensos higiénicos/tampões usa durante em cada período menstrual? Tem necessidade de mudar de penso higiénico durante a noite? De que tamanho são os coágulos eliminados durante o período menstrual? Foi informada por algum médico sobre se tem anemia? Mulheres com uma perda menstrual normal tendem a: Mudar os pensos higiénicos/tampões em intervalos de 3 h Usar < que 21 pensos higiénicos/tampões por ciclo Raramente necessitam de mudar pensos higiénicos durante a noite Referem coágulos com < de 2 cm de diâmetro Nega anemia Adaptado de: Warner PE, Critchley HD, Lumsden MA, et al. Am J Obstet Gynecol. 2004;190:1216. 142 Capítulo 8 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 5.3.2. HEMOGRAMA COMPLETO COM PLAQUETAS 5.5. BIOPSIA ENDOMETRIAL A BE está recomendada nas mulheres >35-40 anos e com factores de risco para cancro do endométrio (Quadro 5) e nas HUA na pós-menopausa. Esta biopsia pode realizar-se «às cegas» ou sob controlo ecográfico ou histeroscópico. Considerando a taxa de 18% de falsos negativos 53 da biopsia não orientada estas só deve realizar-se se não houver suspeita de patologia focal da cavidade uterina e nessas circunstâncias a pippelle é o método mais testado e com uma sensibilidade de 97% e especificidade de 100% nas situações de adenocarcinoma do endométrio52. Nas situações de hiperplasia com atipia a sua sensibilidade pode baixar para os 81%52, pelo que se houver persistência de sintomas e ausência de um diagnóstico é recomendada a realização de histeroscopia e biopsia selectiva. A utilização da biopsia ecoguiada em comparação com a realizada sob controlo histeroscópico não apresenta nenhuma vantagem53. 6. TRATAMENTO O tratamento é individualizado e adaptado a cada situação específica, em especial nas situações de patologia orgânica ginecolóHemorragias uterinas anormais gica ou sistémica. Factores como a idade, hábitos, patologia associada e desejo de fertilidade devem também ser considerados. Nas situações de hemorragia disfuncional a abordagem inicial é o tratamento médico e a abordagem cirúrgica pode justificar-se nas hemorragias disfuncionais ovulatórias no caso de fracasso do tratamento médico. 6.1. HEMORRAGIAS DISFUNCIONAIS ANOVULATÓRIAS Os anticoncepcionais orais estroprogestativos (ACO) são usados para regularizar o ciclo menstrual, controlar as HUA e como contraceptivos se necessário, sendo a terapêutica de 1.a linha. Nas mulheres com anovulação crónica, os ACO servem também para prevenir os riscos endometriais de uma estimulação estrogénica persistente sem oposição da progesterona. Nas situações de contra-indicação dos ACO, o tratamento cíclico com progestativos é também uma alternativa a considerar54 e o SIU com levonorgestrel tem vindo a assumir um papel cada vez mais importante, pela sua eficácia na redução das perdas hemáticas e acção local protectora a nível endometrial. 6.2. HEMORRAGIAS DISFUNCIONAIS OVULATÓRIAS O tratamento médico assume papel preponderante e neste momento a utilização do SIU com levonorgestrel é considerada a abordagem de eleição com resultados superiores aos da utilização de ACO e progestativos cíclicos55,56. A utilização de anti-inflamatórios não-esteróides, nomeadamente o acido mefenâmico, é uma alternativa eficaz e com resultados semelhantes aos dos ACO e danazol. Quando o tratamento médico não é eficaz, a alternativa é a abordagem cirúrgica e a histerectomia é a opção mais eficaz mas também aquela que se associa a maior morbilidade e tempo de recuperação. A ablação 143 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 acuidade diagnóstica dos métodos ecográficos e a possibilidade de avaliação adicional das regiões anexiais permitem recomendar este exame na avaliação inicial 51. A histerossonografia tem vindo a assumir um papel de maior relevo sobretudo ao detectar com maior acuidade lesões focais, em que a histeroscopia se assume como método de eleição possibilitando um diagnóstico mais preciso mas também, em muitas circunstâncias, tratamento imediato em ambulatório, sem necessidade de recurso a anestesia geral e internamento, de forma simples segura e bem tolerada. Nas mulheres pré-menopáusicas o exame deve realizar-se na fase inicial do ciclo (4-6.o dia). 6.3. CASOS PARTICULARES 6.3.1. HEMORRAGIAS UTERINAS ANORMAIS NA ADOLESCÊNCIA As alterações menstruais são frequentes na adolescência em função da maturação lenta do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, que se pode manter por 2-5 anos após a menarca. Nesta faixa etária a anovulação fisiológica é a causa mais frequente de HUA com uma prevalência de 74% no estudo de Claessens57, mas não é uma causa exclusiva e embora menos frequentemente, outras causas de anovulação como o SOP, doenças endócrinas e a disfunção hipotalâmica secundária a distúrbios alimentares e exercício físico excessivo podem estar implicadas. As coagulopatias das quais as mais frequentes são a púrpura trombocitopénica e a doença de Von Willebrand58, têm uma incidência de 12 a 33% nas adolescentes internadas por menorragia e anemia59-61, e devem ser excluídas em adolescentes com menorragias persistentes e graves desde a menarca, com factores de risco para coagulopatias. É considerando estes aspectos particulares que um algoritmo de avaliação deve ser elaborado nas adolescentes com HUA. 6.3.2. HEMORRAGIAS UTERINAS ANORMAIS NA PÓSMENOPAUSA São por definição todas as hemorragias uterinas recorrentes na mulher pós-menopáusica (ausência de menstruação ≥ 1 ano) ou as hemorragias irregulares em mulheres sob THS há pelo menos um ano3. O diagnóstico diferencial nesta faixa etária inclui obrigatoriamente a patologia orgânica gi- 144 necológica, em especial o carcinoma do endométrio que pode ser detectado em 10% desta mulheres61,62. A avaliação inicial do primeiro episódio de metrorragias pós-menopausa envolve a realização de BE, no entanto estudos recentes e envolvendo análise de custo-benefício favorecem a abordagem inicial por USV63,64 e a realização e escolha do método de biopsia em função dos achados, valorizando-se uma espessura endometrial superior a 4-5 mm ou a suspeita de patologia intra-uterina focal63. A histeroscopia está indicada nas mulheres com suspeita de patologia intracavitária focal, na persistência dos sintomas e eventualmente nas mulheres com factores de risco de carcinoma do endométrio52,53. Bibliografia 1. Awwad JT, Toth TL, Schiff I. Abnormal uterine bleeding in the perimenopause. Int J fertile. 1993;38:261-9. 2. O’Connor VM. Heavy menstrual loss. Part 1: Is it really heavy loss? Med Today. 2003;4(4):51-9. 3. Vilos GA, Lefebvre G, Graves GR. Guidelines for the management of abnormal uterine bleeding. J Obstet Gynecol Can. 2001;23:704-9. 4. Katz L. Abnormal uterine bleedin: ovulatory and anovulatory dydfunctional uterine bleeding, management of acute and chronic excessive bleeding. 5.a ed. Mosby: Elsevier; 2007. p. 37. 5. Speroff L, Fritz MA. Dysfunctional uterine bleeding: clinical gynecologic endocrinology and infertility. 7.a ed. Filadélfia: Lippincott; 2005. p. 547-71. 6. Hallberg L, Nilsson L. Constancy of individual menstrual blood loss. 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