Folha de Apoio 08

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
FACULDADE DE DIREITO
HERMENÊUTICA JURÍDICA
PROF. JOSEMAR ARAÚJO - [email protected]
FOLHA DE APOIO 08
Métodos de Interpretação do Direito
Segundo Paulo Nader, Os métodos se diversificam em função da
prioridade que se atribui aos elementos da interpretação e grau de
liberdade conferido aos juízes.
A escola da Exegese
O pensamento predominante da Escola era codicista, de
supervalorização do código. Pensavam os seus adeptos que o
código encerrava todo o Direito. Não haveria qualquer outra fonte
jurídica. Além do código, o intérprete não deveria pesquisar o
Direito na organização social, política ou econômica. A sua função
limitava-se ao estudo das disposições legais. Em seu teor, o código
era considerado absoluto, com regras para qualquer problema
social. Nada havia, no social, que houvesse escapado à previsão
do legislador. O código não apresentava lacunas. Laurent afirmou
que os códigos nada deixavam ao arbítrio do intérprete e o Direito
estava escrito nos textos autênticos. Para Demolombe o lema era
“os textos acima de tudo!”. Aubry sentenciou: “Toda a lei, mas
nada além da lei!” Estas exclamações dão bem a medida do apego
ao código e da rejeição às outras fontes vivas do Direito.
A Vontade do Legislador
O principal objetivo da Exegese era revelar a vontade do
legislador, daquele que planejou e fez a lei. A única interpretação
correta seria a que traduzisse o pensamento de seu autor. Em
resumo, os postulados básicos da Escola da Exegese foram:
Dogmatismo Legal; Subordinação à Vontade do Legislador; O
Estado como Único Autor do Direito.
Método Histórico Evolutivo
Atribuía ao intérprete um papel relevante. Cumpria ao Judiciário
manter o Direito sempre vivo, atual, de acordo com as exigências
sociais. Não era concebível que o Direito ficasse estratificado na
forma e no conteúdo, em velhas fórmulas, úteis no passado. A
nova tese abraçada não visava à subversão no Direito, mas ao
respeito às verdadeiras razões das instituições jurídicas.
Paulo Nader assinala que apesar de sua flagrante vantagem sobre o
método tradicional, não se pode considerar o histórico-evolutivo
isento de falhas. Enquanto orienta os processos de interpretação
atualizada, satisfaz os interesses da Ciência do Direito. A
deficiência dele é não apresentar soluções para o caso de lacunas
da lei. Como se atualizar uma lei inexistente? O método, portanto,
é incompleto.
A Livre Investigação Científica do Direito
com a Livre Investigação Científica do Direito, concepção do
jurista francês François Gény, do final do século XIX, admitia-se
alguns pontos doutrinários da Escola da Exegese e rejeitava-se
outros. Aceitava-se que o intérprete deveria pesquisar a vontade do
legislador; não concordou com a tese de que a lei fosse a única
fonte formal do Direito; não admitia a infalibilidade do código;
reconheceu que as leis apresentavam lacunas e apontou um
processo para preenchimento delas. Por princípio de segurança
jurídica, o intérprete não estaria autorizado a substituir a vontade
do legislador por qualquer outra.
A evolução conceptual dos textos poderia ocorrer em relação a
noções variáveis por natureza, como a de ordem pública e de bons
costumes. Para isso o aplicador do Direito teria que consultar os
fatos da sua época e não os do momento da elaboração da lei.
Gény não concordou com a separação entre a interpretação
gramatical e a lógica, pois uma implicaria necessariamente a outra,
dada a interdependência. A separação que poderia ser feita seria a
da interpretação que utiliza a fórmula do texto e a que emprega
elementos extracódigo.
A Livre Investigação Científica
O método se denomina livre, porque o intérprete não fica
condicionado às fontes formais do Direito e, científico, porque a
solução se funda em critérios objetivos, baseados na organização
social. O Direito possui, na sua versão, duas categorias: o dado e o
construído. O dado corresponde à realidade observada pelo
legislador, às fontes materiais do Direito, como os elementos
econômico, moral, científico, técnico, cultural, histórico, político
etc. O construído é uma operação lógica e artística que,
considerando o dado, subordina os fatos a uma ordem de fins, como
menciona Miguel Reale.
Condições prévias da Livre Investigação
Somente depois de haver esgotado os recursos da lei, analogia e
costume, ficaria o intérprete livre para pesquisar o modelo jurídico
na chamada natureza positiva das coisas, que consiste na
organização econômica, social e política do país. A divisa de Gény
era: “Além do Código Civil, mas através do Código Civil.” O
intérprete não poderia extrair da sua vontade própria as normas
reitoras, mas ler o Direito nos fatos da vida e as regras captadas
deveriam estar conforme os princípios do sistema jurídico. Nesse
momento, a liberdade do intérprete não é igual à do sociólogo; é
uma liberdade que tem o seu limite na índole do sistema jurídico. A
ideia de justiça também é uma base orientadora. Gény afirmou que
“sendo o justo um fim por alcançar, a missão do intérprete se reduz a
descobrir, nas condições dadas, os meios de realização mais
idôneos”.4 Interpretando esse
A Escola do Direito Livre
A corrente do Direito Livre esposou uma doutrina diametralmente
oposta à da Exegese. Enquanto esta mantinha o intérprete
inteiramente dominado pelo texto das leis, impedido de adaptar os
dispositivos às exigências modernas, com flagrante prejuízo para a
justiça, a corrente do Direito Livre concedia ampla liberdade ao
intérprete na aplicação do Direito. A corrente denominou-se livre,
porque assim deixava o intérprete em face da lei. O juiz, ao decidir
uma questão, poderia abandonar o texto legal, se o considerasse
incapaz de fornecer uma solução justa para o caso. Se a lei fosse
justa deveria ser adotada, caso contrário seria colocada de lado e o
intérprete ficaria livre para aplicar a norma que julgasse acorde
com os critérios de justiça.
Na prática a doutrina exposta seguiria esse procedimento: diante
de um caso concreto o juiz daria a melhor solução, de acordo com
o seu sentimento de justiça e, posteriormente, abriria o código para
localizar o embasamento jurídico para a sentença. A divisa seria a
justiça pelo código ou apesar do código. Esta concepção era
avançada e ia muito além das ideias de F. Gény. Por ela o juiz,
além de julgar os fatos, julgava também a lei, em face dos ideais
de justiça. O juiz possuía o poder de marginalizar leis e de criar
normas para casos específicos. Essa doutrina não se estendia ao
campo do Direito Penal, em face do princípio da reserva legal.
Essa corrente formou-se em reação à exegese tradicional e em
apoio às novas ideias que surgiam através de Saleilles e Gény.
Estes, contudo, não desprezavam a lei; apenas não se
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conformavam com a passividade a que era reduzido o juiz, em ter
que aceitar a letra da lei dogmaticamente, abandonando a nova
realidade viva dos fatos.
Direito Alternativo
Manifestação mais recente do Direito Livre é a ideia do uso
alternativo do Direito ou Direito Alternativo. Os alternativistas se
orientam pela ideia de justiça a ser aplicada, sobretudo, nas relações
econômicas, objetivando pelo menos a amenizar o desequilíbrio
entre as classes sociais, impedindo que a lei seja instrumento de
satisfação dos mais fortes.
Jus Positivismo
Mesmo sendo relevante a existência de várias vozes contrárias à
existência de uma linha pós-positivista, a partir dela, torna-se
necessária uma reconstrução da interpretação constitucional.
Luís Roberto Barroso, analisando as transformações sofridas pelo
direito constitucional, afirma existirem três marcos fundamentais: o
histórico, teórico e o filosófico.
O marco histórico na Europa é perceptível pelo término da
Segunda Guerra Mundial que fixou o início do processo de
reconstrução do Direito Constitucional nos países desse continente.
No Brasil, a elaboração da Constituição de 1988 foi importante para
demarcar divisas necessárias ao estabelecimento de uma nova
perspectiva do direito constitucional. No caso brasileiro, o
renascimento do direito constitucional teria se dado, portanto, no
ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão
prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de
1988.
O marco teórico do neoconstitucionalismo estaria diretamente
ligado a três importantes transformações ocorridas no direito
constitucional: o reconhecimento da força normativa da
Constituição; a expansão da jurisdição constitucional e a
reelaboração doutrinária da interpretação constitucional.
O marco filosófico, bastante controverso, seria a chegada do póspositivismo jurídico, caracterizado a partir da convergência entre o
jus naturalismo e o positivismo. As demonstrações trazidas pelo
pensamento jus naturalista, que aproximou a norma da razão, e o
firme propósito de equiparar a lei ao direito, marcada pelo
positivismo jurídico, formaram as bases que se assentaram a terceira
via do pós-positivismo jurídico. Por ser considerado metafísico, o
jus naturalismo perdeu espaço para o positivismo jurídico e esse,
afastando-se da ideia de justiça, sofreu enorme abalo científico após
a Segunda Guerra Mundial. Nas palavras de Luís Roberto Barroso:
“Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do
fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que
promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da
Segunda Guerra, a ética e os valores começaram a retornar ao
Direito, inicialmente sob a forma de um ensaio de retorno ao Direito
natural, depois na roupagem mais sofisticada do pós-positivismo.”
Barroso, destaca o eclipse do positivismo normativista, assinalando
a essência da reconstrução neoconstitucionalista do direito
contemporâneo, qual seja, a superação da racionalidade linguísticosubsuntiva ligada ao texto da norma que cede à racionalidade
discursiva associada à dimensão retórica das decisões judiciais. É
importante perceber que através do pós-positivismo jurídico buscase engrandecer a ideia de justiça, indo além da legalidade estrita,
reaproximando o direito da ética.
Equidade
Explicando o termo, Paulo Nader lembra que Na Ética a Nicômaco,
Aristóteles traçou, com precisão, o conceito de equidade,
considerando-a “uma correção da lei quando ela é deficiente em
razão da sua universalidade” e comparou-a com a “régua de Lesbos”
que, por ser de chumbo, se ajustava às diferentes superfícies:
A sistemática exige do aplicador da lei, juiz ou administrador, uma
adaptação da norma jurídica, que é genérica e abstrata, às condições
do caso concreto. Não fosse assim, a aplicação rígida e automática da
lei poderia fazer do Direito um instrumento da injustiça, conforme o
velho adágio Summum jus, summa injuria.
Algumas normas há que se ajustam inteiramente ao caso prático,
sem a necessidade de qualquer adaptação; outras há, porém, que se
revelam rigorosas para o caso específico. Nesse momento, então,
surge o papel da equidade, que é adaptar a norma jurídica geral e
abstrata às condições do caso concreto. Equidade é a justiça do
caso particular. Não é caridade, nem misericórdia, como
afirmavam os romanos – justitia dulcore misericordiae temperata
(justiça doce, temperada de misericórdia). Não é, via de regra,
fonte criadora do Direito, apenas sábio critério que desenvolve o
espírito das normas jurídicas, projetando-o nos casos concretos.
a equidade se constitui em um modo particular de aplicar a norma
jurídica aos casos concretos; um critério de aplicação, pelo qual se
leva em conta o que há de particular em cada relação. Também
configura a equidade o fato de o juiz, devidamente autorizado por
lei, julgar determinado caso com plena liberdade. Nesta
circunstância não ocorre uma adaptação da norma ao caso
concreto, mas a elaboração da norma e sua aplicação. Tal prática
se enquadra no conceito de que equidade é a justiça do caso
concreto.
A equidade no direito brasileiro
No Direito brasileiro a equidade está prevista no art. 8o da
Consolidação das Leis do Trabalho, que determina a sua aplicação “na
falta de disposições legais ou contratuais”. Enquanto a Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro é omissa, O novo Código
de Processo Civil (Lei 13105, de 16 de março de 2015) estabelece a
vedação de que o juiz decida por equidade quando não houver
previsão legal:
Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou
obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos
em lei.
Paulo Nader menciona, entre outros exemplos de autorização legal, a
previsão dos arts. 6o e 25 da Lei no 9.099, de 26.09.95 (Juizados
Especiais) que permite ao juiz “adotar em cada caso a solução que
reputar mais conveniente ou oportuna”, em se tratando de jurisdição
voluntária, isto é, quando não houver contenda a ser decidida, como
ocorre no divórcio consensual.
Equidade e Direito Penal
Em Direito Penal, dado o caráter peculiar desse ramo, que subordina
inteiramente as decisões do juiz ao texto legal, a possibilidade de
adaptação da norma geral ao caso concreto limita-se ao quantum da
pena. A fixação desta não fica entregue à apreciação subjetiva do
juiz. Os arts. 61 e 65 do Código Penal indicam ao juiz as
circunstâncias que agravam e atenuam a pena, respectivamente.
A Dignidade Humana como Eixo Hermenêutico
Uma proteção jurídica da dignidade reside no dever de
reconhecimento de determinadas possibilidades de prestação,
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nomeadamente à prestação do respeito aos direitos do
desenvolvimento de uma individualidade e do reconhecimento de
um autoenquadramento no processo de integração social.
Da concepção jusnaturalista remanesce, indubitavelmente, a
constatação de que uma ordem constitucional que – de forma
direta ou indireta – consagra a ideia da dignidade da pessoa
humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão
somente de sua condição humana e independentemente de
qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser
reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado.
Considerando a vasta produção científica existente sobre o tema da
dignidade da pessoa humana e ciente da acolhida cada vez maior do
referido princípio, veremos a noção intersubjetiva da dignidade,
esquadrinhada pela situação básica do ser humano em sua relação
com os demais – do ser com os outros.
De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade da pessoa
humana possui dimensão dúplice:
Expressão de autonomia da pessoa humana – autodeterminação em
relação às decisões essenciais a respeito da própria existência.
Necessidade de proteção – assistência por parte da Comunidade e do
Estado.
Por isso, a dignidade da pessoa humana é limite e tarefa dos poderes
estatais, da comunidade geral e de todos.
A fórmula kantiana
Na fórmula kantiana, a dignidade da pessoa humana poderia ser
considerada atingida sempre que a pessoa concreta (o indivíduo)
fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma
coisa, em outras palavras, sempre que a pessoa venha a ser
descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos. O
homem constitui um fim em si mesmo e não pode servir
simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela
vontade. É o respeito pela vida, integridade física e moral do ser
humano em busca de condições mínimas para uma existência digna.
Apesar da grande divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à
dignidade humana, ela possui um duplo sentido: a) como um vetor
interpretativo, que se irradia para os demais ramos do direito e; b)
como um princípio positivado na Constituição, dotado de plena
eficácia. Por se tornar um núcleo fundante de toda ordem jurídica, o
Supremo Tribunal Federal produz uma redefinição hermenêutica da
dignidade humana.
Fontes:
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional.
Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 26. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais.
3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva,
2002.
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