UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA ‘LUIZ DE QUEIROZ’ DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA RURAL LER-830- MANEJO DA ÁGUA EM SISTEMAS AGRÍCOLAS PROFESSOR: Dr. MARCOS VINÍCIUS FOLEGATTI Seminário (25/04/2002): O FENÔMENO DA HISTERESE, OBSERVADO NAS CURVAS DE RETENÇÃO DA ÁGUA NO SOLO, E O CONTROLE DA IRRIGAÇÃO (ESQUEMA COM EXEMPLOS). Tales Miler Soares 1 Tonny José Araújo da Silva 1 Márcio Aurélio Lins dos Santos 1 PIRACICABA – SP, 17 de ABRIL de 2002 _________________ 1 . Alunos do Programa de Pós –Graduação em Irrigação e Drenagem da ESALQ/USP. 1. INTRODUÇÃO A utilização de tensiômetros é uma das práticas mais usuais para manejo da irrigação. Para tanto, deve-se associar seu uso à curva característica (curva de retenção) do solo manejado, a qual relaciona valores de potencial matricial (ϕm) com o conteúdo de água no solo (θ), isto porque os tensiômetros permitem determinar o potencial matricial da água no solo e não a umidade diretamente. A relação entre ϕm e θ, entretanto, não é única, dependendo do processo empregado na sua confecção. Deste modo, a curva oriunda do processo de secamento é diferente daquela resultante do processo de umedecimento. Na prática, conforme Marouelli et al. (1996), assume-se a curva característica de secamento. Ao fenômeno que origina a obtenção de distintas curvas características, não superpostas, dá-se o nome de histerese. Quanto maior a discrepância entre as curvas, maior a histerese e, portanto, maiores serão seus efeitos quando se assume apenas um comportamento. Por tratar-se de um fenômeno comum na umidade do solo, a histerese não deve ser negligenciada. No presente trabalho, abordam-se as causas e as implicações do fenômeno da histerese na curva característica do solo, e seus impactos no manejo da agricultura irrigada. 2. REVISÃO DE LITERATURA A curva característica de umidade do solo relaciona o potencial matricial de água com o teor de umidade do solo (Klar, 1984). O potencial matricial é obtido utilizando-se equipamentos de laboratório, por meio de amostras de solo indeformadas ou deformadas, nas quais aplica-se uma tensão de forma a provocar a saída de um volume de água até atingir um equilíbrio, ou seja, até o ponto em que a tensão aplicada não mais consiga retirar a água presente no solo. Este procedimento, indicado por Miranda e Pires (2001), permite a obtenção da curva característica do solo, por secagem. Os mesmos autores citam que para sua determinação podem ser empregadas: a câmara de pressão com placa porosa; o funil de placa porosa e; os tensiômetros. Centurion et al. (1997), indicam também o uso de centrífugas. Mediante os mesmos equipamentos, pode-se graficar também a curva característica, a partir do umedecimento da amostra do solo. Conforme Klar (1984), alterando-se a forma de obtenção da curva, seja por secagem, seja por umedecimento, surgirão curvas diferentes, não superpostas, e aos valores de um mesmo teor de umidade corresponderão potenciais matriciais diferentes, sendo o fenômeno denominado histerese. Histerese, do grego hysteresis (atraso), conforme definição da Grande Enciclopédia Delta Larousse, é o aparecimento de um atraso na evolução de um fenômeno físico em relação a outro. Citando Everett and Whitton (1952), Iwata et al. (1995) apresentam um conceito mais esquemático: supondo-se que um sistema passa de um estado A para um estado B ao longo de determinado caminho, por uma pequena mudança na variável externa independente do sistema (como a tensão matricial). Então, a variável dependente, (umidade do solo) passará por certo conjunto de valores. Se, a variável independente retorna ao longo do mesmo caminho de B para A, a variável dependente pode passar pelo mesmo conjunto de valores como aqueles encontrados na mudança anterior. Este é um processo de equilíbrio ou reversível. Porém, também se encontra uma classe de processos para os quais o caminho tomado por uma variável dependente durante a mudança de B para A é diferente daquela durante a mudança de A para B, enquanto todos os pontos em ambos os caminhos correspondem a valores estáveis e reprodutíveis da variável dependente. Então, a mudança AB é dita por exibir histerese. A histerese, como definida, pode ser encontrada em diversa gama de processos (histerese magnética, histerese elástica, histerese dielétrica etc), tornando sua análise física complicada. Não obstante, o fenômeno pode ter substancial aplicação prática, como na criação de grandes ímãs permanentes a partir da produção de um campo magnetizante muito intenso durante intervalos de tempo extremamente curtos. A histerese, infelizmente, é um fenômeno comum na umidade do solo, devendo ser considerada (Iwata et al., 1995). Segundo Klar (1984), o teor de umidade é mais elevado no secamento que quando o solo é submetido ao umedecimento sob os mesmos valores de potencial matricial. A própria ação física do umedecimento e secagem sobre o solo provoca alterações em outras variáveis do solo, tornando as superposições das curvas mais difícil. Dados de Royer e Vachaud (1975), corroboram com a afirmativa de Klar (1984), demonstrando que a histerese também pode ser determinada nas condições naturais de campo, sendo seu efeito relevante, especialmente nas camadas superficiais, dada sua maior exposição às variações da umidade. Neste sentido, a histerese deve ser menor com o aumento da profundidade. No seu estudo, Royer e Vachaud (1975) observaram efeito importante até a profundidade de 1,50m. Denomina-se região da histerese, aquela compreendida entre a curva principal de secamento e a curva principal de umedecimento. Conforme Klar (1984), se durante uma operação de secamento houver umedecimento surgirão curvas de ligação ou curvas intermediárias conectando as curvas principais. Dados de Royer e Vachaud (1975), mostram que as curvas de ligação primárias também são determinadas em condições de campo. Iwata et al. (1995) explicam que entre as curvas de ligação primárias podem surgir ainda curvas de ligação secundárias. A histerese na relação entre o potencial matricial (ϕm) e o percentual de saturação de água no solo (S) foi primeiro descrita por Hains (1930). Posteriormente, a histerese foi observada por muitos pesquisadores entre a condutividade hidráulica (K) e ϕm ou S. Conforme Iwata et al. (1995), reportando vários trabalhos, as relações entre ϕm (S) e K (ϕm) mostram histerese considerável, enquanto a relação K (S) é quase uma curva única, embora alguns pesquisadores tenham demonstrado significante histerese entre K (S). A despeito dos distintos resultados para a histerese entre K (S), e da necessidade de mais pesquisa, preconizam Iwata et al. que é melhor usar uma função K(S) preferivelmente que uma função K (ϕm). É interessante, também confirmam os autores, que no prejuízo de uma grande histerese na relação entre ϕm (S), a histerese entre K (S) é somente pequena. As razões para que os valore de K mantenham-se constantes sob diferentes potenciais matriciais ainda não foram explicadas. Também tem sido observado histerese entre a condutividade do ar (Kv) e a umidade volumétrica do solo (θ), e entre a Kv e umidade total, não sendo demonstrada efeito significativo. Conforme Iwata et al. (1995), a histerese entre a umidade do solo e o potencial mátrico ϕm(θ) pode ser considerada resultado de três mecanismos específicos: tamanho variável dos poros; água adsorvida nas superfícies argilosa e; ângulo de contato. Tamanho variável de poros. Um poro de seção contínua não mostra histerese, enquanto outro de seção variável mostra. Para explicar a histerese, foram desenvolvidas teorias baseadas no conceito de domínio. Compendiando as informações de Iwata et al. (1995): na teoria do domínio independente, um sistema exibindo histerese foi dividido dentro de domínios, onde cada domínio existe dentro de um dos dois estados, e os domínios vizinhos não se influenciam. A conversão de um estado para outro é conduzida aumentando ou diminuindo uma variável externa independente. A histerese, segundo a teoria do domínio independente, pode ser encontrada somente quando uma pequena parcela das mudanças de estado ocorre irreversivelmente, mesmo que apenas em alguns domínios. Representando cada domínio num plano cartesiano, torna-se possível esquematizar as mudanças de estado e as características de distribuição de cada domínio, permitindo expressar a histerese numericamente a partir de somatórios de integrais de áreas. A partir da definição de uma função de distribuição, F, é possível estimar curvas intermediárias de um caminho A-B (secamento) a partir do conhecimento das curvas intermediárias de um caminho B-A (umedecimento). Mediante essa possibilidade de testar a teoria, muitos pesquisadores validaram-na. Entretanto, outros pesquisadores reportaram discrepâncias consideráveis entre as curvas observadas e as estimadas pela teoria. Coube então aos pesquisadores melhorarem a teoria, incluindo uma parte reversível ao modelo, a qual foi incorporada à representação cartesiana do fenômeno. Assim, verificou-se melhor consentimento entre as curvas observadas e as estimadas, sendo ainda simplificado os procedimentos computacionais para prognóstico das curvas intermediárias. Entretanto, também foi relatado que a aproximação da teoria contradiz algumas propriedades muito conhecidas das curvas de retenção de água. Outros pesquisadores propuseram a teoria do domínio dependente, em que a influência dos domínios vizinhos é considerada. Encontrou-se bom consentimento entre os valores observados e estimados, especialmente onde o bloqueio do poro à entrada de ar é grande. Ainda segundo Iwata (1995), atualmente, a aplicação da teoria do domínio é considerada o mais útil método para obter uma representação quantitativa da histerese na umidade do solo, ainda que devam ser considerados dois pontos fracos em suas premissas: Na teoria do domínio, cada domínio é requerido para existir em dos dois estados. Conseqüentemente, o solo é considerado um sistema formado por poros vazios ou completos. Nas condições naturais, isso não ocorre, e os poros já atravessam parcialmente cheios no processo de umedecimento, e estão em parte cheios quando a mudança ocorre; Na teoria do domínio, não se considera as complicadas seqüências de poros interconecatdos existentes nas condições naturais. Mediante tais considerações, deduz-se que a teoria do domínio é mais esquemática que real.