1 ARQUEOGENEALOGIA DO ENSINO DE FILOSOFIA NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA Tiago Brentam Perencini Rodrigo Pelloso Gelamo Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília [email protected] Filosofia e História da Educação no Brasil Resumo A pesquisa ora proposta ambiciona analisar a seguinte problemática: Como as práticas discursivas e as técnicas formaram o saber filosófico na Universidade brasileira? Enfoco o debate acadêmico produzido nos periódicos das áreas de filosofia e de educação entre os anos de 1968 – ano da Reforma Universitária no país – até 2008 – retorno da disciplina “filosofia” na educação média. Muito embora o debate acerca do ensino de filosofia foi escasso e recente desde a criação da Universidade brasileira, persigo a hipótese de que a sua constituição como saber ocorre quando e no privilégio de transmitir a tradição filosófica para a educação média no país, de modo que a discussão sobre as práticas universitárias foram suprimidas. Nessa concordância, tomo como objetivo geral a investigação do ensino de filosofia universitário, atinente à formação do professor e do pesquisador em filosofia no Brasil. Persigo as finalidades específicas de: (a) mapear o debate acerca da temática, ofício ainda não efetivado no país. (b) analisar como as áreas da “filosofia” e da “pedagogia” contribuíram para ele. (c) verificar a hipótese levantada. Utilizo como procedimento o cruzamento entre a arqueologia e a genealogia em Michel Foucault. A primeira, privilegia os discursos formadores do saber. A segunda, procura por práticas discursivas e não discursivas constitutivas do binômio saber-poder. Nesse esteio, suspendo as categorias tradicionais de sujeito-autor, origem e texto-contexto para visualizar os campos enunciativos nos arquivos encontrados sobre a questão. Espero que o diagnóstico da formação do professor e do pesquisador em filosofia no Brasil ofereça condições para (re)pensar as suas práticas na atualidade. Palavra-chave: Ensino de Filosofia no Brasil; Arqueogenealogia; Michel Foucault. Introdução O presente projeto visa dar seguimento a quatro pesquisas desenvolvidas anteriormente. Tematizo a formação do professor e do pesquisador em filosofia na Universidade brasileira. Amparo-me institucionalmente no Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Filosofia (GEPEF). A presente proposta também se alinha às pesquisas desenvolvidas por Gelamo (2009, 2010, 2012, 2013)1. Considerar a trajetória percorrida até o momento é fundamental para enunciar o problema da investigação ora pretendida. 1 Referências ao doutoramento (2009) e aos três pós-doutorados (2010, UNICAMP; 2012, USP; 2013, Università del Salento). 2 Em março de 2010, fui bolsista PIBIC/CNPq (Edital 2010/11 – Processo 145202/2010-0) da investigação que trouxe por título O “lugar” do conhecimento e da experiência no aprendizado da filosofia. Nela, procuro analisar as produções sobre o ensino de filosofia em 16 periódicos2 especializados em Filosofia, Educação e Educação e Filosofia, que tiveram circulação a partir de 1934, ano da criação do curso de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), até o ano de 2008, com a aprovação da Lei 11.684/2008, que previa a obrigatoriedade da disciplina Filosofia para toda a educação de nível médio no país. O objetivo geral da análise foi conferir como se articularam as noções de “conhecimento” e de “experiência” no aprendizado da filosofia. Dessa pesquisa, verifiquei que o entendimento do ensino de filosofia esteve amplamente embasado em um modo de transmitir um conteúdo da tradição filosófica e no melhor método para fazê-lo, o que restringiu a possibilidade de pensar esse nível de aprendizado como uma experiência de pensamento. Além disso, pude notar a escassa produção sobre o ensino de filosofia por parte dos pesquisadores brasileiros à medida que nem um por cento do todo de artigos e/ou textos analisados nos 16 periódicos dedicou-se a discutir a temática em questão3. Tal percepção encaminhou outra de nossas investigações. Na pesquisa intitulada O Ensino de Filosofia no Brasil: A recepção e o seu debate nos periódicos brasileiros, sob o fomento da FAPESP [Processo 2011/21785-0], na modalidade Iniciação Científica, investiguei a recepção do debate sobre o ensino de Filosofia em mais 10 periódicos brasileiros4. As publicações com o início de circulação Dos 16 periódicos analisados, são os de filosofia: Trans/Form/Ação – UNESP, Discurso – USP, Revista Brasileira de Filosofia – Instituto brasileiro de Filosofia, Kriterion – UFMG, Síntese – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e Manuscrito – CLE Unicamp. Em educação: Educação e Pesquisa – USP, Educação e Realidade – UFRGS, Educação e Sociedade – Unicamp, Pro-posições – Unicamp, Revista Brasileira de Educação – ANPED, Caderno Cedes – Unicamp, Revista da Faculdade de Educação – USP, Educação em Revista – UFMG e Revista de Pedagogia da USP. Por fim, o de educação e filosofia: Educação e Filosofia – UFU. 3 Da revisão dos mais relevantes periódicos de Filosofia, Educação e Educação e Filosofia em circulação no Brasil, que totalizaram 9242 artigos e/ou textos revisitados, apenas 64 textos – 0, 69% da produção geral – traziam por tema o ensino de filosofia com seus diferentes enfoques e destes 64, apenas 40 – 0.43% da produção geral – tratavam-no com vistas às problemáticas brasileiras. 4 Os dez periódicos são divididos entre as áreas de Educação e de Filosofia. São eles da área de Educação: Revista de Educação (São Paulo: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 1927 a 1961); Boletim de Educação Pública (Distrito Federal – RJ: Secretaria Geral de Educação e Cultura, 1930 – 58); Formação: Revista Brasileira de Educação (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938 – 54); Educação (Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação, 1939 – 1967); Revista do Ensino (Porto Alegre: Secretaria de Educação e Cultura do RS, 1951 – 1974). Os periódicos em Filosofia são: Anais da Sociedade Brasileira de Filosofia (Rio de Janeiro: A Sociedade, 1939 – 1955); Organon (Porto Alegre: Faculdade de Filosofia – UFRGS, 1956 – 69); Doxa (Pernambuco: Revista oficial do Departamento de 2 3 nos decênios de 1930, 1940 e 1950 foram enfatizadas, tendo elas continuado posteriormente ou não. A partir dessas investigações, pude constatar a suspeita enunciada Gelamo (2009), de que a discussão sobre o ensino de Filosofia no Brasil foi perspectivado em grande medida sobre três diferentes enfoques: (1) do entendimento da importância do ensino da filosofia para a sociedade, para a cultura e para a formação crítica do homem; (2) da reflexão sobre os temas e conteúdos a serem ensinados e sobre o currículo; (3) da busca do entendimento metodológico do ensino da filosofia. Os documentos mostraram que a academia brasileira restringiu o pensamento acerca do ensino de filosofia tanto pela sua produção quantitativamente irrisória, como pela restrição qualitativa no debate. O curso investigativo de minha iniciação científica foi fundamental para ensejar outra percepção de ausência. Se, por um lado, as produções contemporâneas sobre o ensino de filosofia remetem-se sobremaneira a uma defesa filosófica de seu debate, de maneira diferente, pouco se referem a sua produção histórica no país. Essa dissonância foi fundamental par a justificação minha investigação em nível de mestrado. No mestrado, desenvolvi a pesquisa nomeada O ensino de filosofia no Brasil: A sua formação discursiva no contexto universitário de 1930 a 1968 [FAPESP Processo: 2012/21672-4], onde procuro fazer um resgate da formação discursiva do debate acadêmico do ensino de filosofia nos anos formadores da Universidade brasileira. O material de análise foram 41 periódicos das áreas de Educação e de Filosofia publicados durante o período de 1930 a 19685. Contabilizo aproximadamente a presença de 11.600 Cultura Acadêmica da Faculdade de Filosofia de Pernambuco. 1952 - ?); Verbum (Rio de Janeiro: PUC, 1944 – 1979); Veritas (Porto Alegre: PUC, 1956 -.) 5 Após revisar 18 da área “filosofia”, notei uma insuficiência de arquivos para uma pesquisa em nível de mestrado. Expandi, então, para a área de “educação”, onde encontro mais 23 periódicos de publicação no período. Estes foram os 41 periódicos analisados entre 1930 a 1968: A Lâmpada (Curitiba, PR: Instituto Neo-Pitagórico – 1931); Anais da Sociedade Brasileira de Filosofia (Rio de Janeiro: A Sociedade, 1939 – 1955); Anais / Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Marilia (1955 - ?); Anais da Faculdade de Filosofia do Crato (1959); Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo. (1934-1952); Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae (1943-1955); Anuário da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais. (1939-1954); Anuário / Faculdade de Filosofia do Recife (1941); Anuário da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais (1939); Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Filosofia. (1942-1964); Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (1940); Arquivos da Universidade da Bahia. Faculdade de Filosofia (1942); Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Filosofia (1942); Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, História da filosofia. (1954-1955); Convergência (Rio de Janeiro. 1968 - revista da CRB (1962); Convivium (São Paulo - revista bimestral de investigação e cultural 1962); Delfos (1957); Doxa (Pernambuco: Revista oficial do Departamento de Cultura Acadêmica da Faculdade de Filosofia de Pernambuco. 1952 - ?); Estudos (Fortaleza: filosofia, ciências e artes - 1940); 4 textos em 1240 edições. Deste material, localizo 41 arquivos6 que possibilitaram elementos para pensar o ensino de filosofia, o que configura apenas 0.35 por cento da produção total revisada. Primeiramente, a presente investigação contribuiu para a sistematização das bases de dados acerca da área “ensino de filosofia” no Brasil, especificamente no que diz respeito aos discursos especializados produzidos em periódicos. Ao cabo do mapeamento, notei a ausência de um debate mais conciso acerca da temática em quase três décadas de insurgência da Universidade brasileira. Não encontrei referências satisfatórias entre os autores e as instituições que possibilitasse afirmar a existência de um campo de saber nomeado “ensino de filosofia” como tema ou problema investigativo até 19687. Uma reflexão mais apurada sobre a questão aparece em raríssimos arquivos dentre os sistematizados8. Vale mencionar que me utilizei do procedimento arqueológico de Michel Foucault para a análise dos arquivos. Isso significa que mobilizei o ensino de filosofia como saber para, até mesmo entre os restos produzidos acerca dele, identificar práticas discursivas operantes. Nesse sentido, pude verificar duas continuidades discursivas na produção de arquivos sobre a temática nos anos formadores da Universidade no país: Estudos anglo-hispânicos (1968); Filosofia, ciências e letras (1936); Folhas pedagógicas (1959); Kriterion (Departamento de Filosofia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. 1947 - ?); Logos (Curitiba - 1953); Lucerna (1964); Mimesis (Goiânia -1968); Minerva (Ponta Grossa - 1967); Minerva brasiliense (jornal de ciências, letras e artes - 1843); Paideia (Sorocaba - 1954); Panorama: coletânea mensal do Pensamento Novo (São Paulo: 1936); Organon (Porto Alegre: Faculdade de Filosofia – UFRGS, 1956 – 69); Revista Brasileira de Filosofia (Instituto Brasileiro de Filosofia. 1951 - ?); Revista / Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (1960); Revista da Conferencia dos Religiosos do Brasil (1967); Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento. (19411944); Revista da Faculdade de Filosofia da Paraíba.(1954-1955); Revista FNF (Rio De Janeiro, RJ: Universidade do Brasil, Faculdade Nacional de Filosofia – 1941); Sintese (Belo Horizonte. 1974); Universidade (Londrina - 1964). 6 A dimensão do arquivo não se restringe a artigo ou textos de produções teóricas. Há, entre eles, relatórios, divulgação de Eventos na área, resenhas, etc. Desde já quero desfazer a impressão de que a produção acerca do ensino de filosofia no período foi considerável. Noto, ao invés disso, uma ausência profunda em sua tomada como tema de pensamento/pesquisa nos anos formadores da Universidade brasileira. 7 Evidentemente, é possível identificar figuras relevantes em determinadas instituições, como o exemplo de Jean Maugué na USP. Não à toa, arquivos desta Universidade mostram que o eixo didático de seu ensino se faz à luz das orientações de seu professor. Por outro lado, tendo a minha pesquisa se alargado em termos geográficos, dada a ausência de arquivos, percebo que tanto os autores como as diferentes instituições não dialogam entre si. 8 Refiro-me aos arquivos específicos: VELLOSO, A. V. A filosofia como matéria de ensinança. Kriterion. Nº 15 e 16, p. 22 – 52, 1951; CORBISIER, R. A introdução à filosofia como problema. Revista Brasileira de Filosofia. V. II, nº 4, p. 668 – 678, 1952; MAUGUÉ, Jean. O ensino da filosofia e suas diretrizes. V. 7, nº 27-28, 29-30. Belo Horizonte: Kriterion, 1955; VITA, L. W. A filosofia e seu ensino. Revista de Pedagogia USP. São Paulo, nº 3. p. 89 a 101, 1956; MORAES FILHO, Evaristo de. O ensino de Filosofia no Brasil. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, V. 9, nº 1, p. 18 – 45, 1959. 5 Uma pedagógica e outra filosófica. A justificação da filosofia como disciplina escolar parece imanente tanto à área de saber “filosofia”, como da “pedagogia”. O ensino de filosofia torna-se mais ou menos praticado filosófica ou pedagogicamente conforme concebida a filosofia. Quanto mais científica, mais se justifica o ensino de filosofia no campo disciplinar e escolar. Quanto mais propensa ao filosofar, o ensino parece ganhar em ambientação filosófica, mas se torna também um incômodo para a área da pedagogia. As constatações efetuadas no mestrado articularam duas percepções de ausências, fundamentais para a justificação da sequência da pesquisa como doutoramento. A primeira delas diz respeito à própria maneira como nos relacionamentos com o objeto investigado. Ora, se até 1968, mais de três décadas de institucionalização das principais Universidades brasileiras, não se pode afirmar que o ensino de filosofia foi sistematizado como campo de saber, o que se pensou acerca da docência e da pesquisa em filosofia na esfera universitária do país? Para o caso de pesquisar a produção universitária que caracterizou a formação do professor e do pesquisador em filosofia, parece-me que certo dilatamento do objeto de pesquisa deve ser praticado. Para o doutoramento, pretendo transladar o eixo “ensino e aprendizado” da filosofia para mapear práticas formadoras em filosofia, nos periódicos especializados em Educação e em Filosofia. Essa alteração no eixo de pesquisa provoca um novo modo de olhar. Entendo que as estratégias formativas para com a filosofia podem não se ter restringido as relações entre ensino e aprendizado. A dimensão formativa da filosofia na Universidade não parece se esgotar em uma disciplina escolar e, dessa maneira, estabelece uma proximidade maior a uma educação filosófica. No que diz respeito ao próprio mapeamento de arquivos, acredito que concepções acerca da pesquisa filosófica e sobre a formação dos graduandos em filosofia parecem ir além do binômio “ensino e aprendizado”, ainda que também os pareça enfocar. Há ainda outra consideração fundamental a ser feita, a partir das nossas pesquisas passadas. Noto que a produção acerca do ensino de filosofia no Brasil aumenta na década de 1980 e está alinhavada com a possibilidade do retorno do ensino de filosofia na educação média brasileira. Por outro lado, poucas produções remeteramse ao ensino de filosofia universitário. Essa percepção de ausência abre um solo 6 profícuo para pesquisar a formação em filosofia, compreendendo as figuras do professor e do pesquisador após a Reforma Universitária de 19689, até 2008, dada a ascendente produção discursiva que cerca o ensino de filosofia pelo retorno da disciplina filosofia na educação média brasileira. Ambiciono pensar a problemática em termos arqueogenealógicos, como sugerido por Michel Foucault, a partir da seguinte colocação: Como as práticas discursivas e as técnicas formaram o saber filosófico na Universidade brasileira? A investigação da presente problemática permitirá fazer um diagnóstico da formação do professor e do pesquisador em filosofia no Brasil. As práticas discursivas visam mapear que objetos, enunciações, conceitos e temas povoaram o campo enunciativo do ensino e do aprendizado em filosofia no país. As técnicas transcendem o campo discursivo e permitem cartografar como certos ritos da palavra, sociedades discursivas, grupos doutrinários e apropriações sociais (FOUCAULT, 2009, p. 44) conduziram o “verdadeiro” da filosofia como disciplina universitária. O modo de enunciação do problema sugere a identificação de quando e porque o saber filosófico sobreveio de determinada maneira e não de outra. A emergência do saber requer que se leve em consideração, além das práticas discursivas, as práticas não discursivas – e particularmente o modo com que ambas se entrelaçam. Em resumo, saber e o poder associam-se intimamente (CASTRO, 2009, p. 323). A maneira como a problemática foi posta mobiliza e relaciona três séries10: (a) Delimitação do objeto: O recorte da formação em filosofia no contexto universitário. Tal enfoque existe pelo especial interesse nas práticas de ensino e de aprendizado atinentes à configuração do professor e do pesquisador em filosofia no Brasil. Após revisar os arquivos catalogados em pesquisas passadas, noto que a maior incidência da produção acerca do ensino de filosofia ocorre a partir da década de 1980 e se alinhava ao discurso do retorno da filosofia no segundo grau. Pergunto-me, 9 Neste ano uma série de medidas sobre a Universidade brasileira foram implementadas no país. Refirome a outorga da Lei n° 5.540, de 28/11/68. Como lembra Fávero, “entre as medidas propostas pela Reforma, com o intuito de aumentar a eficiência e a produtividade da universidade, sobressaem: o sistema departamental, o vestibular unificado, o ciclo básico, o sistema de créditos e a matrícula por disciplina, bem como a carreira do magistério e a pós-graduação” (2006, p. 33). Em suma, tais anos possibilitaram arquivar como o ensino de filosofia foi debatido discursivamente entre os anos formadores da Universidade no país. 10 Considero série, neste ponto, em proximidade a corte. Ou seja, pretendo pensar por quais cortes o meu problema incorre. As séries são mobilizadas mais em função de pensar o problema levantado de que sistematizar o período investido. 7 paralelamente a essa primeira impressão, acerca das condições de produção de pensamento sobre o graduando em filosofia, sujeito-professor do ensino para a educação média e objeto-aprendiz da tradição filosófica na Universidade. (b) O corte material: O corte material na pesquisa parte da necessidade em definir um corpus documental tratável por um pesquisador individual que conta com tempo e recursos limitados. A escolha do periódico como série material justifica-se porque nele se reúnem os discursos acadêmicos especializados. Nisso, releva-se a reunião dos periódicos de Educação e de Filosofia, áreas de maior proximidade a formação do professor e pesquisador em filosofia. Lembro que a minha trajetória de pesquisa desde as iniciações científicas reúnem boa parte desse material levantado e fichado. Por isso, visando o tempo e os recursos limitados para o curso de doutoramento, penso em me deter inicialmente neste material, de total acordo às propostas posteriores de arquivos de outra natureza (como decretos ou livros publicados no período). (c) O corte temporal: Tendo já boa parte dos arquivos levantados, e certa escassez sobre a produção especializada das práticas formativas em filosofia, optei pelos anos de 1968 a 2008, período que sequencia a minha pesquisa de mestrado. A primeira data dialoga com a Reforma Universitária no país, fixando uma série de normas e diretrizes de organização para o seu ensino superior e que vigoram até o presente. Já o ano de 2008 refere-se à aprovação da Lei 11.684/2008 que previa a obrigatoriedade da disciplina Filosofia para toda a educação de nível médio no país já a partir de 2009. Faço a nota, obstante, de que delimito este período na pretensão de pensar a problemática anteriormente enunciada, que é o do binômio saber-poder na formação do professor e do pesquisador em filosofia, e não para narrar pormenorizadamente o desenvolvimento da disciplina filosofia na universidade brasileira no decurso de sua recente história. Essas três séries formam-se na tentativa de pensar o meu problema de pesquisa. Mobilizo tanto o objeto, como o material e o período para responder acerca das condições de existência das práticas formativas com a filosofia na Universidade brasileira. Tal postura configura para essa pesquisa um deslocamento em termos de uma ontologia do presente, definida por Foucault, “como uma atitude, um ethos, uma via 8 filosófica em que a crítica do que somos é simultaneamente análise histórica dos limites que nos são colocados e prova de sua ultrapassagem possível” (2008b, p. 351). Uma história acerca do ensino de filosofia no Brasil só adquire sentido de um ponto de vista filosófico e político. A roupagem filosófica assume-se no diagnóstico dos regimes de verdade que possibilitaram individuações e diferenciações nas séries de mudanças dos arquivos pelos quais aconteceram experiências temporal e espacialmente específicas na formação do professor e do pesquisador em filosofia no Brasil. A postura política afirma-se na relação entre o saber e o poder. À medida que determinadas verdades engendraram as práticas formativas com a filosofia no Brasil, também degeneraram que outros espaços pudessem aparecer. A conjectura de minha investigação vincula-se aos arquivos já revisados no curso de minhas iniciações científicas. Muito embora o debate sobre o ensino de filosofia no Brasil seja escasso na comparação às áreas da pedagogia e da filosofia, noto que os poucos arquivos produzidos enfatizam o nível médio, sobretudo a partir da década de 1980, quando se enseja o retorno da disciplina filosofia como componente curricular na educação média brasileira. Ambiciono investigar, na contramão disso, o nível universitário. A hipótese que persigo é a de que o ensino de filosofia brasileiro constitui-se como saber acadêmico quando e no privilégio de transmitir a tradição filosófica para o nível médio, de modo que o nível universitário foi suprimido. A proposta dessa investigação é suspender as verdades e as práticas de formação do professor e do pesquisador em filosofia no Brasil, de enfoque no objetivo de saber como, quando e por que foram (in)existentes. Objetivos O objetivo geral dessa pesquisa é analisar por quais práticas discursivas e não discursivas ocorreu a configuração do saber filosófico na formação do professor e do pesquisador em filosofia na universidade brasileira. Para isso, recorro aos arquivos produzidos entre 1968 a 2008. Disso, extraio três objetivos específicos: (A) O mapeamento de arquivos especializados sobre a docência e a pesquisa em Filosofia na Universidade brasileira. A nossa trajetória de pesquisa mostra que uma sistematização das bases de dados desse campo de saber no país é até o momento inexistente. Com isso, pretendo compreender 9 se a escassez de pensamento sobre o assunto realmente se confirma e de que modo isso ocorreu no percurso das práticas universitárias no país. (B) A continuidade da constatação dos resultados alcançados na pesquisa de mestrado, onde pude aferir que dois campos de saber formaram regularidades discursivas para o ensino de filosofia. (1) Um que esteve ligado à pedagogia (2) e outro relacionado à filosofia. Vale a nota de que a pesquisa ora pretendida destaca-se do mestrado por também pretender uma investigação de práticas não discursivas. (C) A verificação da suspeita de que as práticas formativas do professor e do pesquisador em filosofia vincularam-se eminentemente à transmissão pedagógica da tradição da filosofia europeia para a educação de nível médio e, nesse sentido, inviabilizou a própria problematização filosófica do ensino e do aprendizado em filosofia e até mesmo uma problematização da realidade e temas brasileiros. Tais propósitos elucidarão a que jogos de forças a formação universitária do professor e pesquisador em filosofia no Brasil se engendrou. Cronograma de Execução Período Etapas da Pesquisa 1º ano Material de Pesquisa: (a) Revisão de arquivos encontrados sobre o ensino de filosofia no curso de minhas pesquisas anteriores. (b) Expansão dos periódicos possivelmente não catalogados no período de 1968 a 2008. (etapa parcialmente realizada). (b) Possível ampliação de outras fontes materiais de pesquisas, como livros, leis, planos de ensino, etc. Atividades promovidas pelo Programa de Pós-Graduação: Cumprimento de créditos das disciplinas, além da realização do estágio-docência e demais atividades oferecidas pelo referido Programa e Grupos de Estudos. Aprofundamento teórico e procedimental: Enfoque no pensamento arqueológico e genealógico de Michel Foucault. Na vertente arqueológica, direciono o estudo para as obras História da loucura (1961), Nascimento da clínica (1963), As palavras e as coisas (1966) e, principalmente, na Arqueologia do saber (1969) (Etapa amplamente realizada no curso de mestrado). Na vertente genealógica, focalizo o estudo para as conferências reunidas em A verdade e as formas jurídicas, a aula nomeada A ordem do discurso e, sobretudo, o livro Vigiar e Punir e História da Sexualidade I – A vontade de saber. Atravessam ambos os modos de análise textos específicos produzidos no decorrer dos Ditos e Escritos I, II, III e IV, bem como a relevância dos comentadores (Etapa em andamento). 10 2º Ano 3º Ano 4º Ano Divulgação da pesquisa: Compõem esta etapa tanto a publicação de artigos em periódicos especializados, textos completos, resumos expandidos e resumos em anais, bem como a apresentação da análise e resultados obtidos na pesquisa em congressos especializados. Continuação do aprofundamento teórico e procedimental do pensamento de Michel Foucault. Análise arqueogenealógica de arquivo levantados nos periódicos, verificando a sua possibilidade de ampliação para outras fontes materiais. Escrita do texto e inscrição para a realização do Exame Geral de Qualificação ao final de 24 (vinte e quatro) meses após o início da contagem do prazo no curso. Apresentação dos resultados obtidos na pesquisa em periódicos, anais e congressos especializados. Realização do Exame Geral de Qualificação logo após 24 meses do início da contagem do prazo no curso. Verificação parcial da hipótese de pesquisa e apontamentos sobre o problema de pesquisa levantado no acordo das sugestões da Banca de Qualificação. Apresentação e publicação dos resultados obtidos na pesquisa em periódicos, anais e congressos especializados. Término da escrita do texto após a Banca de Qualificação. Apresentação e publicação dos resultados obtidos na pesquisa em Periódicos, Anais e Congressos Especializados. Defesa da tese. Material e Métodos Desde 2010 as minhas pesquisas caracterizam-se pelo levantamento e análise de fontes referentes ao ensino de filosofia no Brasil (PIBIC/CNPq-IC Processo 145202/2010-0; FAPESP-IC Processo 2011/21785-0; FAPESP-M Processo 2012/21672-4). O meu mestrado ocupou-se da sistematização da base de dados entre 1930 a 1968. Para o curso de doutorado, investigo a continuidade dos decênios de 1968 a 2008. Vale a nota de que o mapeamento de arquivos acerca do ensino de filosofia no Brasil mobiliza um grupo de outros pesquisadores, aos quais os dados são compartilhados11. No que diz respeito ao periódico como base material de pesquisa, as minhas investigações anteriores possibilitam um levantamento parcial de dados. Até 1968, procurei arquivar a máxima produção nos periódicos. Após 1968, tenho a catalogação 11 Refiro-me aos projetos de Gelamo [FAPESP - processo 2011/14755-8], Salvadore [Fapesp-IC Processo 2011/21808-0], Sanabria [FAPESP-M - Processo - 2011/16673-9], 11 completa de 23 periódicos. Em filosofia, revisei 13 periódicos: Trans/Form/Ação – UNESP, Cadernos Seaf – UFRJ, Discurso – USP, Educação e Filosofia – UFU, Organon Porto Alegre: Faculdade de Filosofia – UFRGS, Revista Brasileira de Filosofia – Instituto brasileiro de Filosofia, Kriterion – UFMG, Reflexão – Campinas, Revista de Filosofia – Curitiba, Revista Filosófica Brasileira – Rio de Janeiro, Síntese – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Manuscrito – CLE Unicamp, Verbum - Rio de Janeiro: PUC, Veritas12 - Porto Alegre: PUC. Em educação, cataloguei a publicação completa de 10 periódicos: Educação e Pesquisa – USP, Educação e Realidade – UFRGS, Educação e Sociedade – Unicamp, Pro-posições – Unicamp, Revista do Ensino – Porto Alegre, Secretaria da Educação, Revista Brasileira de Educação – ANPED, Caderno Cedes – Unicamp, Revista da Faculdade de Educação – USP, Educação em Revista – UFMG e Revista de Pedagogia da USP. No tocante da base material de pesquisa, penso que o primeiro movimento a ser feito é vistoriar toda a produção de periódicos em filosofia e em educação entre os anos de 1968 a 2008 para verificar o que encontrarei acerca do ensino de filosofia nos quatro decênios. Caso o total de produção não ofereça elementos suficientes para o curso de doutoramento, acatarei as sugestões do orientador para a expansão da base material de pesquisa (Livros, planos de aula, Diretrizes e Leis, etc.). Uma investigação cujo procedimento é arqueogenealógico cruza-se indistintamente ao material de pesquisa encontrado, a saber, a massa de arquivos. Esse levantamento é fundamental para consolidar, posteriormente, tanto os (re)cortes do objeto, como a hipótese perseguida. Tal procedimento também cobra que se especifique dois outros, diferentes em seu formato de análise com arquivos, mas complementares ao se pretenderem um diagnóstico sobre o tempo presente: A arqueologia e a genealogia no viés de Michel Foucault. Uma arqueologia dedica-se a analisar o saber. Um saber é formado quando em seu entorno criam-se práticas discursivas (PORTOCARRERO, p. 50, 1994). Discursos possibilitam detalhar como os homens disseram, pensaram e agiram em determinada época (VEYNE, 2011). A função do arqueólogo é descrever como discursos passaram 12 Revista com publicação até hoje. Substitui os Anais da Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 1948-1954. 12 por verdadeiros em determinado tempo e espaço. No entender de Paul Veyne: “Os discursos variam ao longo do tempo; mas a cada época eles passam por verdadeiros. De modo que a verdade se reduz a um dizer verdadeiro, a falar de maneira conforme ao que se admite ser verdadeiro e se fará sorrir um século mais tarde” (2011, p. 25). Tais discursos são formados por conjuntos de enunciados. O enunciado é uma função que tem como condição de existência a repetição de um modo muito particular. Não há valor de verdade no enunciado. Ele não obedece à certeza e a falsidade, como as frases e as preposições, mas se articula entre elas, conferindo-lhes condições de existência. Isso o permite deslocar da esfera da pura causalidade, para trata-lo como acontecimento. A especificidade do ofício arqueológico é descrever arquivos como acontecimentos. Cumpre entender que arquivo e acontecimento adquirem uma relação circular para Foucault: “arquivo é a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares” (2008a, p. 152). O enunciado assume um lugar de centro para essa circularidade, pois o seu agregado forma um discurso. E formações discursivas constituem um saber. Nessa direção, uma arqueologia procura pelas formações discursivas que constituíram determinadas práticas de ensino de filosofia na Universidade brasileira como um saber admitidamente verdadeiro. Verdades relativas aos objetos, conceitos e métodos com a finalidade de transmitir e de avaliar a tradição filosófica. Para Foucault, a formação discursiva de um saber é imanente a jogos de poder, que também se faz na esfera da “prática não discursiva”. Não existe um regime de saber sem a imanência das relações de poder. O poder gera saberes e o saber gera poderes. Entretanto, uma analítica do poder extrapola o nível discursivo e requer um procedimento próprio: a genealogia. Uma genealogia dedica-se a analisar o binômio saber-poder. De um ponto de vista foucaultiano, o poder não é uma propriedade (não se pode afirmar que esteja concentrado, centralizado ou totalizado), mas são estratégias (se fazem e se desfazem em focos de relações). Machado bem o caracteriza na seguinte passagem: Rigorosamente falando, o poder não existe; existem práticas ou relações de poder. O que significa dizer que poder é algo que se exerce, que funciona. E funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou 13 exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação. (...) Ele é luta, confronto, relação de força, situação estratégica. Não é um lugar que se ocupa, nem um objeto que se possui. Ele se exerce, se disputa. (2009, p. 171). Sendo o poder a transposição de práticas e forças, implica que ninguém esteja fora dele. Afirmo isso para especificar que qualquer forma de resistência ao poder não pode ser travada de fora, como um lugar exterior que se ocupa. Pelo contrário, ocorre tanto na identificação de seus próprios mecanismos e modos de atuação, como na prática diária. Foucault também mostra como as relações de poder criam uma rede de dispositivos não para reprimir ou censurar os indivíduos, mas e principalmente, para os tornar produtivos. Por isso, o corpo humano torna-se também objeto de aprimoramento e adestramento – de gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos, etc. (MACHADO, 2009, p. 169). A finalidade geral das práticas de poder é controlar ao máximo as ações humanas, de maneira a aperfeiçoar gradual e continuamente as suas capacidades produtivas. Nisso, a filosofia enquanto saber universitário corre o risco de perder a sua dimensão de resistência e de contraposição ao poder, tornando-se um mero dispositivo econômico e político. Estando a filosofia gerida por uma instituição pública ou privada, parece também inserir-se no invólucro que fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e a manutenção da sociedade capitalista. Podem contribuir para isso práticas de ensino e de aprendizado como: a cristalização dos conteúdos a serem transmitidos, a rigidez do método quando inviabiliza outros meios de práticas filosóficas, a maneira de avaliar, a justaposição do tempo e do espaço, as diretrizes para a leitura e para a escrita, etc. Ora, a criação da Universidade, das Faculdades e, particularmente, dos cursos de Filosofia são tributários de uma história. O presente projeto de pesquisa instaura-se no propósito de desnudar a história das práticas do ensino de filosofia para a formação do professor e do pesquisador no Brasil. Somente uma arqueogenealogia conseguirá identificar e analisar as suas redes de saber-poder no país. A presente tarefa, ainda inexistente no meio acadêmico brasileiro, foi iniciada desde as minhas pesquisas em nível de iniciação científica, sempre sob a orientação de 14 Gelamo e ancorada nos Grupos aos quais nos vinculamos. Em meu mestrado, dediqueime entre os anos de 1930 a 1968. Agora, trato de continuar essa pesquisa nos decênios posteriores. Referências13 BRASIL. Decreto de lei n.11.684 de dois de 2008. Disponível em: <http:/ /www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/ L11684.htm>. Acesso em: 01 de junho de 2014. ______. PARECER CNE/CES 492/2001. Três de Abril de 2001. Trata o presente de diversos processos acerca das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia remetidas pela SESu/MEC para apreciação da CES/CNE. 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