Amanda Félix - Coréia do Sul VS Brasil

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1
AMANDA COELHO RODRIGUES FÉLIX
CORÉIA DO SUL VS BRASIL:
Estratégias de inserção internacional
Monografia apresentada ao Centro Universitário de
Belo Horizonte – UNI-BH como requisito parcial
para a obtenção do título de bacharel em Relações
Internacionais do Departamento de Ciências
Jurídicas, Políticas e Gerenciais.
Orientadora: Professora Sylvia Ferreira Marques.
BELO HORIZONTE
2008
2
AMANDA COELHO RODRIGUES FÉLIX
CORÉIA DO SUL VS BRASIL:
Estratégias de inserção internacional
Monografia apresentada ao Centro Universitário
Belo Horizonte – UNI-BH como requisito parcial
para a obtenção do título de bacharel em Relações
Internacionais do Departamento de Ciências
Jurídicas, Políticas e Gerenciais.
Monografia aprovada em: Junho de 2008.
Banca examinadora:
_______________________________________________
Prof. Leonardo César Souza Ramos, Uni-BH
__________________________________________________
Profª. Ronara Cristina Bozi dos Reis, Uni-BH
3
Dedico ao meu pai, pelo incentivo e apoio durante esses quatro anos.
A minha mãe, pelo amor e carinho.
Ao tio Ronaldo pelos conselhos.
A minha querida vovó pelos bolos de fubá e chá.
Aos meus amigos e amigas pela companhia e convivência.
A minha orientadora por confiar em mim e por me orientar.
4
RESUMO
O presente trabalho realiza uma comparação das trajetórias de industrialização
tardia e inserção internacional do Brasil e da Coréia do Sul desde a década de 1950
até 2000. a monografia trabalha em cima de dois conceitos importantíssimos para
compreender essa estratégia de inserção internacional de desenvolvimento dos dois
países: o modelo de Substituição de Importações e o Orientado às Exportações. Por
meio da evolução dos termos de troca, a monografia comprova que houve uma
melhora nas relações de troca da Coréia do Sul e uma piora quando se trata do
Brasil no período de 1990 a 1999. Em contraposição, no período de 1988 a 2000,
ambos os países tiveram uma piora nas relações de troca.
O trabalho conclui que a Coréia do Sul escapou da crise por meio de uma
elaboração de uma estratégia nacional de desenvolvimento diante de sua
competitividade exportadora, e demonstrou um melhor desempenho de crescimento
econômico em comparação ao Brasil na década de 90.
Palavras-chave: Substituição de Importações; Promoção de Exportações; Termos de
troca - Brasil; Termos de troca - Coréia do Sul.
5
ABSTRACT
The present work realizes a comparison of the trajectories of tardier industrialization
and international insertion of Brazil and South Korea since the decade of 1950 until
2000. It emphasizes two main concepts in order to understand this international
insertion strategy of development in both countries: the import substitution
industrialization and the export-oriented industrialization. By the evolution of the
terms of trade, the research confirms that South Korea had a greatly increasing of
terms of trade and Brazil had its terms of trade decreased in the period of 1990 to
1999. On the contrary, in the period of 1988 to 2000, both countries had their terms
of trade decreased.
The works concludes that South Korea recovered its economical growth comparing
to Brazil in the 1990’s due to its national strategy of development and its export
oriented competitiveness.
Key words: Import Substitution, Export-oriented industrialization, terms of trade,
Brazil, South Korea, development, growth.
6
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Pág.
Gráfico 1: Evolução dos Termos de Troca (1988-2000):
Brasil e Coréia do Sul ...................................................................
54
Tabela 1: Evolução dos Termos de Troca (1988-2000):
Brasil e Coréia do Sul ..................................................................
55
7
SUMÁRIO
Pág.
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................
2 O BRASIL E O PROGRAMA DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES
(SI) ...............................................................................................................
2.1 Motivos que levaram o Brasil a optar pelo modelo de
Substituição de Importações ......................................................................
2.2 Características do modelo de Substituição de Importação ........................
2.3 A História econômica brasileira de 1956 a 1984 .......................................
2.3.1 O período 1956 a 1961: o Plano de Metas .............................................
2.3.2 O período de 1963 a 1973: “crise e milagre econômico” ........................
2.3.3 O período de 1974 a 1984: o II PND .......................................................
8
12
13
14
16
16
18
20
3 A CORÉIA DO SUL E O MODELO ORIENTADO ÀS EXPORTAÇÕES
(PE) ..............................................................................................................
3.1 A adoção da estratégia de desenvolvimento para Promoção de
Exportações ...............................................................................................
3.2 O modelo de Promoção de Exportações (PE) ...........................................
3.3 A história econômica sul-coreana de 1950 a 1980 ...................................
24
27
30
4 ESTRATÉGIAS DE INSERÇÃO INTERNACIONAL: BRASIL E CORÉIA
DO SUL APÓS A CRISE DA DÉCADA DE 1980 ........................................
4.1 O Brasil e a Coréia do Sul diante da crise dos anos 1980 ........................
4.1.1 O Brasil nos anos 1980 ..........................................................................
4.1.2 Coréia do Sul nos anos 1980 .................................................................
4.2 A política neoliberal brasileira e sul-coreana dos anos 1990 ....................
4.2.1 O Brasil nos anos 1990 ..........................................................................
4.2.2 A Coréia do Sul nos anos 1990 ..............................................................
4.3 A evolução dos Termos de Troca (TT) ......................................................
34
38
38
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47
50
53
5 CONSIDERAÇÕES ......................................................................................
57
6 REFERÊNCIAS ............................................................................................
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24
8
1 INTRODUÇÃO
Os anos 1950, 60 e 70 foram marcados por grandes crescimentos industriais
nos países caracterizados como países de industrialização recente, especialmente,
Brasil e Coréia do Sul. O avanço tecnológico da Coréia do Sul foi beneficiado pela
ajuda do Japão com uma rápida expansão dos setores industriais e uma penetração
nos mercados internacionais. O Brasil, face a um cenário diferente, também
apresentou ritmos acelerados no crescimento econômico e industrial no período.
As estratégias de desenvolvimento dos países de industrialização recente
podem ser classificadas de duas formas: substituição de importações (orientado
para dentro) e voltado para promoção de exportações, ou também chamadas de
substituição de exportações, orientado para fora. A primeira diz respeito ao aumento
da produção interna e uma diminuição das importações, gerando assim uma
acumulação do capital interno e uma ampliação do bem-estar social. A promoção de
exportações causa um efeito contrário, ou seja, um excesso da produção interna que
favorece a exportação. O Brasil optou pela Substituição de Importações, acreditando
ser esta a melhor estratégia para o crescimento do país. A Coréia do Sul, por sua
vez, iniciou seu crescimento por Substituição de Importações, mas modificou sua
estratégia, optando pela Promoção de Exportação para a mudança estrutural do
país.
Em breves palavras, na década de 1950, o Brasil e a Coréia do Sul adotaram
estratégias de desenvolvimento baseadas na Substituição de Importações, seguindo
até meados de 60 no mesmo caminho. A partir daí, a Coréia adotou uma nova
estratégia de inserção internacional voltada para as exportações, enquanto o Brasil
permaneceu com o programa de Substituição de Importações. Os dois países
seguiram suas estratégias diferentes até se encontrarem novamente na década de
80, período caracterizado pela conclusão do processo de industrialização. Durante
esta década, o Brasil e a Coréia do Sul sofreram várias crises financeiras
decorrentes dos choques do petróleo e dos choques de juros.
Apesar do bom resultado alcançado por ambas as economias durante as três
primeiras décadas da segunda metade do século XX, nos anos 1980, tanto Brasil
quanto Coréia do Sul, defrontaram-se com uma crise da dívida externa ocasionada
pela explosão de juros nos Estados Unidos da América – EUA. As diferentes
9
estratégias adotadas por Brasil e Coréia do Sul moldaram, de forma distinta, a
reação desses países à crise dos anos 80. Na década de 90, ambos adotaram
políticas comerciais neoliberais para escapar da crise. A Coréia do Sul conseguiu
escapar com a ajuda financeira externa do Japão e com fornecimento de tecnologia
avançada. Entretanto, o Brasil viveu um período conturbado rumo à estabilização
econômica, com várias oscilações em sua economia. Assim, enquanto a Coréia do
Sul recuperou-se rapidamente dos desequilíbrios externos, o Brasil demorou mais a
reencontrar o rumo do crescimento.
Segundo Jackson e Sorensen (2003), existem três principais abordagens
teóricas na Economia Política Internacional: o mercantilismo, o liberalismo
econômico e o marxismo.
O mercantilismo afirma que
A economia está subordinada à política. A atividade econômica é vista em
um contexto maior de poder estatal: o interesse nacional domina o mercado.
A riqueza e o poder são complementares, não concorrentes, mas a
excessiva dependência econômica em relação a outros estados deveria ser
evitada (JACKSON; SORENSEN, 2003, p.263).
Já os liberais econômicos argumentam que
A economia de mercado é uma esfera autônoma da sociedade, operando
de acordo com suas próprias leis econômicas. A troca econômica é um jogo
de soma positiva e o mercado tenderá a maximizar benefícios para
indivíduos, famílias e empresas. A economia é uma esfera de cooperação
entre estados, assim como entre indivíduos, voltada para o beneficio mútuo.
(JACKSON; SORENSEN, 2003, p. 263).
Na abordagem marxista,
A economia é um local de exploração e desigualdade entre classes sociais,
em especial a burguesia e o proletariado. A política é em grande parte
determinada pelo contexto socioeconômico. A classe que domina a
economia também controla a política. A EPI se refere a historia da expansão
capitalista global e às conseqüentes lutas entre classes e Estados. O
desenvolvimento capitalista é desigual, produzindo, inevitavelmente, novas
crises e contradições, tanto entre estados quanto entre classes sociais.
(JACKSON; SORENSEN, 2003, p. 263).
Tanto no caso do Brasil quanto no caso da Coréia do Sul, a perspectiva que
representou as estratégias de inserção internacional nas décadas de 50 a 80, foi a
10
mercantilista, pois existiu uma presença ativa do Estado nas tomadas de decisão, ou
seja, a política guiava os rumos da economia. Já na década de 90, a perspectiva
liberal econômica predominou em ambos os países, quando os mesmos adotaram
políticas neoliberais para superar a crise econômica financeira dos anos 1980. Neste
período, prevaleceu a máxima “mais mercado e menos Estado”, a economia com
suas leis de mercado guiavam as demais esferas da sociedade.
Sendo assim, este trabalho tem como objetivo mostrar como se deu a
inserção internacional do Brasil e da Coréia do Sul, contrapondo as experiências de
industrialização das economias em desenvolvimento adotadas de modo geral pelos
países do Leste Asiático e da América Latina, ou seja, mostrar como o Brasil e a
Coréia do Sul saíram do mesmo lugar e optaram por estratégias diferentes e
conseguiram fazer a industrialização. Nos anos 1980, ambos os países enfrentaram
os mesmos problemas e adotaram políticas neoliberais nos anos 90. Por meio da
avaliação da evolução dos termos de troca, foi possível mostrar como os dois países
chegaram no ano 2000.
Para explicitar a ocorrência desses fenômenos chamados Substituição de
Importações e Promoção de Exportações e suas implicações no desenvolvimento e
inserção Internacional do Brasil e da Coréia do Sul, este trabalho se divide em 5
partes: esta primeira parte introdutória, 3 capítulos e as considerações finais. A
segunda parte trabalha com a história do Brasil e é dividida em três itens: o primeiro
item explica os motivos que levaram o Brasil a optar pelo modelo de Substituição de
Importações, o segundo item aborda as características do modelo de Substituição de
Importações e, por fim, o terceiro item analisa a história econômica brasileira desde
1956 até 1984, começando pelo Plano de Metas no governo Juscelino Kubitschek, o
período de 1963 a 1973 com a crise e o Milagre Econômico, e o II PND.
A terceira parte é dividida em três itens: o primeiro desenvolve a adoção da
estratégia de desenvolvimento para a promoção de exportações; o segundo item é
fundamentado no modelo de Promoção de Exportações e no terceiro item são
relatadas as variáveis da economia coreana de 1950 a 1980, passando pelos planos
qüinqüenais e, posteriormente, suas crises econômicas.
Na quarta parte, é feita uma análise comparativa entre os dois países de
industrialização recente nas décadas de 1980-90. Seguindo o padrão analítico desta
monografia, apresenta-se, ao final do capítulo, uma conclusão dos principais pontos
11
discutidos neste estudo com base na avaliação dos termos de troca. Por fim, estão
expostas as conclusões do trabalho.
12
2 BRASIL E O PROGRAMA DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES (SI)
A economia do Brasil até 1930 era definida como uma economia
agroexportadora, na qual a produção era centralizada em alguns produtos de origem
agrícola ou pecuária designadas ao mercado externo. O café era o principal produto
da exportação brasileira e o principal responsável pela geração de renda interna.
(GREMAUD et al, 2006).
Segundo GREMAUD et al (2006), as exportações de produtos primários como o
café, significavam grande parte da composição da renda do país, além de favorecer a
importação de produtos industrializados necessários à população que não eram
produzidos internamente.
Prado Júnior (1978) explica que a abertura dos portos ao livre comércio
exterior aniquilou a rudimentar indústria artesanal que existia no período colonial,
permitindo a entrada de mercadorias estrangeiras que concorriam no mercado
brasileiro em igualdade de condições com a produção interna. Colaborando com
esta situação, aliam-se as precárias condições econômicas e sociais do Brasil que,
diante
da
concorrência
dos
produtos
importados
de
qualidade
superior,
diversificados e de baixo custo, desencorajou o desenvolvimento que a indústria
brasileira poderia ter, visto que esta teria que recomeçar do nada, ou seja, da falta
de condições materiais e dos recursos humanos.
A indústria passou a ganhar importância a partir da movimentação dos
recursos produtivos do setor cafeeiro para o setor industrial. Sempre que o setor
cafeeiro se via em crise de superprodução e queda de preços ou quando choques
externos diminuíam a capacidade para se fazer importações, reduzindo a demanda
pelas exportações e influenciando para a realização de investimentos industriais.
(GREMAUD et al, 2006).
No início dos anos de 1930, a crise do setor cafeeiro gerou um abalo nas
estruturas políticas, econômicas e sociais, que conduziram os destinos do país
durante a primeira república. A crise econômica mundial que enfraqueceu o setor
produtor de café significou a perda do dinamismo econômico, o qual se baseava na
capacidade do setor externo da economia brasileira (GREMAUD et al, 2006). O
autor ainda afirma que
13
Depois da década de 30, o Brasil passou por uma forte industrialização que
vai até pelo menos a década de 70. Essa industrialização se faz em parte,
por meio de um modelo dito de substituição de importações. Esse modelo
dependia ainda das exportações, para poder suprir as necessidades da
industrialização; por um lado, protegia as indústrias nacionais dos
concorrentes externos (GREMAUD et al., 2006, p. 338).
Nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil se caracterizou pelas várias mudanças
ocorridas no cenário econômico e social por meio da adoção de uma política de
industrialização baseada na substituição de importação. Embora tenha sido criada
após a crise de 1930, essa política de desenvolvimento econômico permaneceu por
vários governos. Sendo assim, demonstra-se a importância de se discutir os motivos
que levaram o Brasil a optar pelo modelo de Substituição de Importações.
2.1 Motivos que levaram o Brasil a optar pelo modelo de substituição de
importações (SI)
Tavares (1974, p. 38) define o termo Substituição de Importações pela
“diminuição ou desaparecimento de certas importações que são substituídas pela
produção interna”, sendo então adotado para designar o novo processo de
desenvolvimento dos países subdesenvolvidos que se tornaram, a partir deste
procedimento, um novo objeto para a velha disputa teórica entre liberalismo e
intervenção do Estado (BIELSCHOWSKY, 2000, p.12) Observa-se que o modelo de
Substituição de Importações está fundamentado na teoria cepalina.
Para Prebisch, apud Gremaud (2006), a teoria cepalina consiste na
separação dos países em duas partes: a) centro: especializados na exportação de
produtos manufaturados, mas importadores de matérias-primas; b) periferia:
especializados na importação de bens manufaturados e exportação de matériasprimas. A intenção da Cepal [Comissão Econômica para a América Latina] era
promover a defesa do protecionismo na América Latina, partindo “da premissa
segundo a qual não era mais possível para o conjunto das economias da região
crescer, tal como antes da década de 1930, com base nas exportações de produtos
primários para os centros industriais” (CERQUEIRA, 2003, p. 78).
Ainda de acordo com o autor, uma idéia fundamental da teoria cepalina diz
respeito à mudança de direção do crescimento periférico a partir da I Guerra
14
Mundial, num processo que ganharia um impulso decisivo na depressão dos anos
30. Continuando, Bielschowsky (2000, p. 17) afirma que o crescimento até os anos
30 havia sido “para fora”, dentro do padrão “primário-exportador”.
Autores como Medeiros e Serrano (2003) e Gremaud et al (2006), afirmam
que, com as transformações na economia mundial, surgiu um processo de
industrialização na economia, porém com efeitos negativos de desequilíbrio na
balança de pagamentos1. O novo padrão de desenvolvimento para dentro teria um
significado histórico especial, não apenas para a periferia, mas para todo o mundo.
O protecionismo e outras mudanças estruturais, juntamente com a estratégia
de substituição de importações, permitiram o aparecimento de diferentes ramos
industriais. Não obstante, a rápida aceleração econômica gerou, posteriormente,
crises no balanço de pagamentos e uma acentuada deterioração na qualidade dos
bens consumidos internamente, promovendo discussões sobre essa estratégia de
desenvolvimento. (GREMAUD et al, 2006).
O processo de substituição de importação se caracterizava pela idéia de
“construção nacional”, ou seja, alcançar o desenvolvimento e a autonomia
com base na industrialização, de forma a superar as restrições externas e a
tendência à especialização na exportação de produtos primários
(GREMAUD et al, 2006, p. 373).
2.2 Características do modelo de substituição de importação (SI)
Segundo os autores Gremaud et al (2006, p.370), uma das principais
características dessa industrialização substituidora de importação é de ser uma
“industrialização fechada, ou seja, uma industrialização que visa o atendimento ao
mercado interno; e depende das medidas que protegem a indústria nacional do
concorrente externo”.
Ainda segundo os autores, o processo de substituição de importações como
modelo de desenvolvimento pode ser caracterizado pela seguinte seqüência:
a)
O estrangulamento externo é a primeira conseqüência. Somando-se
à manutenção de parte da demanda interna e mantendo a demanda
por importações, gera-se escassez de divisas;
1
Balança de Pagamentos: ver em Milton Braga Furtado. Síntese da Economia Brasileira.
15
Em economias atrasadas, que não possuem um setor de meios de
produção, torna-se praticamente inevitável que seu crescimento seja “hacia
fuera” tanto pela pouca folga na restrição externa quanto pelo baixo
dinamismo do mercado interno. Expansões sustentadas necessariamente
têm que vir acompanhadas de aumentos na “capacidade de importar”
(MEDEIROS; SERRANO, 2003, p. 332).
b) O controle do governo contra a crise cambial protege a indústria nacional e
aumenta a produtividade e rentabilidade da produção doméstica;
c) Com a substituição dos produtos importados pela produtividade interna,
aumenta a renda nacional e a demanda;
d) Com o aumento da demanda, há um aumento das importações,
ocasionando assim um novo estrangulamento externo.
O sistema de controle das importações teve grande importância para o
crescimento da indústria no pós-guerra.
Mantinha-se a taxa de câmbio sobrevalorizada e progressivamente
impunham-se medidas discriminatórias à importação de bens de consumo
não essenciais e os com similar nacional; daí, resultou um estímulo
considerável à implantação interna de indústrias substitutivas desses bens
de consumo, sobretudo os duráveis, que ainda não eram produzidos dentro
do país e passaram a contar com uma proteção cambial dupla, tanto do lado
da reserva de mercado como do lado do custo de operação. Esta foi
basicamente a fase da implantação das indústrias de aparelhos
eletrodomésticos e outros artefatos de consumo durável (TAVARES, 1974,
p.71).
De acordo com Krugman e Obstfeld (2001), durante o período da Segunda
Guerra Mundial até a década de 70, diversos países buscaram acelerar o
desenvolvimento das suas indústrias a partir da limitação das importações de bens
manufaturados, buscando a promoção do setor industrial que pudesse atender as
necessidades do mercado doméstico.
O Brasil, que vinha adotando estratégias
protecionistas, desde os anos 1930, aderiu ao modelo de substituição de
importações de modo mais veemente a partir dos anos 1950. O Plano de Metas
colocado em prática durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), e os
Planos de Ação Econômica do Governo – PAEG (1964- 1966) - e Nacionais de
Desenvolvimento - IPND e IIPND (1972-1974/ 1975-79) - durante o governo militar,
representaram o período áureo do programa de substituição de importações no
Brasil, pois previam um programa de investimento compatível com a taxa média de
crescimento, além da manutenção da substituição de importações.
16
2.3 A história econômica brasileira de 1956 a 1984
2.3.1 O período 1956 a 1961: o Plano de Metas
O Plano de Metas foi elaborado durante o governo de Juscelino Kubitschek
para estabelecer as bases de uma economia industrial madura no país, motivando
principalmente o setor produtor de bens de consumo duráveis como a indústria
automobilística. Sendo assim, percebe-se a sua complexidade e coerência em
relação ao conjunto de investimentos até então planejados na economia brasileira. A
sua implementação foi bem sucedida alcançando a maioria das metas estabelecidas
tanto para o setor público como para o setor privado, resultando no crescimento
acelerado da economia, com razoável “estabilidade de preços e em um ambiente
político aberto e democrático” (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI. 1990, p.171).
A evolução da economia brasileira na década de 50 e até meados da
década de 60 foi marcada por modificações profundas na política cambial
(...) em 1953, embora tenha apresentado resultados imediatos positivos,
teve seus efeitos amortecidos pela fase depressiva que atingiu o setor
externo brasileiro a partir de 1954, pois os preços internacionais do café
caíram violentamente a partir desse ano, com conseqüente deterioração dos
termos de intercâmbio (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 171).
O Plano de Metas tinha como função “realizar as inversões de capital público
em obras de natureza denominada básica ou infraestrutural e facilitar e estimular as
atividades e investimentos privados” (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p.
176). De acordo com Gremaud et al (2006), o Plano de Metas pode ser dividido em
três pontos principais:
1- investimentos estatais em infra-estrutura;
2- estímulo ao aumento da produção de bens intermediários como o aço,
carvão, cimento, zinco etc;
3- incentivos à introdução dos setores de consumo duráveis e de capital.
Assim como Gremaud et al (2006), Pereira (1985) afirma que a principal
característica do Plano de Metas era o fato de um projeto nacional de
industrialização ser ancorado pelo Estado, tendo como pilar de sustentação o setor
de bens de consumo duráveis, principalmente por parte da indústria automobilística.
17
Para que o Plano de Metas fosse viabilizado, Lacerda et al. (2006, p.91)
explica que o governo, no que se tratava da política econômica,
(...) deu preferência ao capital estrangeiro, “financiava os gastos públicos e
privados, com meios de pagamento e do crédito, via empréstimos do BNDE,
bem como por meio de avais para a tomada de empréstimos no exterior”, e
ainda “aumentava a participação do estado na formação de capital,
estimulando a acumulação privada (...) o crédito privado constituído por
empréstimos de curto prazo voltados para o capital de giro das empresas,
foi estimulado através de repasses públicos do Banco do Brasil” resultando
em pressão adicional sobre o déficit público (LACERDA et al, 2006, p.91).
Os autores Orenstein e Sochaczewski (1990) afirmam que
Uma das principais idéias implícitas na reforma foi acelerar a substituição de
bens de capital, diminuindo-se a ênfase dada em anos anteriores à
substituição de bens de consumo. Essa reorientação tornou a política de
importação coerente com o estágio alcançado pelo processo de substituição
/industrialização. Na verdade, alguns bens de capital foram incluídos na
categoria especial (o que tornou sua importação mais cara) enquanto taxas
favoráveis foram mantidas para a importação (com ou sem cobertura
cambial) dos chamados bens de capital-capital, produtos intermediários,
matérias-primas, todos necessários à produção de equipamentos
(ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 174).
A proposta do Plano de Metas era atacar os pontos de estrangulamento
existentes e impedir o aparecimento de novos. Por outro lado, visava também atacar
os pontos de germinação na qual o investimento causava demandas derivadas que
traziam novos investimentos para o crescimento do país. Dessa maneira, o Plano
ficou composto por 31 metas estabelecidas com ênfase na energia, no transporte,
indústria pesada e alimentação, fazendo de Brasília a síntese das realizações que
envolviam o Brasil.
A rápida industrialização esperada foi alcançada somente a partir de 1958,
visto que as mudanças na estrutura econômica estavam de acordo com a lógica do
processo de substituição de importação. O problema do plano era o financiamento
que gerou inflação e o crescimento da dívida externa (GREMAUD et al., 2006).
Apesar das rápidas transformações provocadas, ampliando e diversificando
a matriz industrial brasileira, o Plano de Metas aprofundou todas as
contradições criadas ao longo do processo de Substituição de Importações,
tornando claros os limites do modelo”. “Por outro lado, a fase do
crescimento industrial brasileiro já representa a superação do próprio
modelo de S.I [Substituição de Importações] (Gremaud et al, 2006 p. 385).
18
O plano resultou em sérias dificuldades não previsíveis ou controláveis.
Segundo ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI (1990),
O que se percebe de imediato na sua elaboração é a total ausência de
definição dos mecanismos de financiamento que seriam utilizados para
viabilizar um conjunto tão ambicioso de objetivos [...] na ausência de um
sistema financeiro [...] a única solução teria sido a elevação da carga fiscal
(ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 181).
Enquanto na década de 1950, a situação econômica brasileira se
apresentava de forma positiva, a década de 1960 passou por uma forte crise. Foi
considerada a primeira grande crise do Brasil em sua fase industrial, devido à queda
dos investimentos e à diminuição da taxa de crescimento da renda. Essa crise se
deve aos desequilíbrios encontrados no plano de metas na década anterior.
(GREMAUD et al., 2006).
2.3.2 O período de 1963 a 1973: “Crise e Milagre Econômico”
A aceleração inflacionária foi um dos aspectos econômicos enfrentados pelo
país decorrida do Plano de Metas. As causas dessa crise da inflação, segundo
Gremaud et al. (2006), podem ser destacadas como: a instabilidade política, a crise
do populismo, a política econômica restritiva e o estagnacionismo.
O golpe militar de 1964 veio para tentar solucionar as crises econômicas e
política. O governo Castelo Branco estabeleceu um Plano de Ação Econômica do
Governo – PAEG, que tinha como objetivo acabar com a inflação e os problemas
que impediam o crescimento econômico. (GREMAUD et al., 2006).
O intuito do PAEG era acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico, conter
o processo inflacionário, atenuar os desequilíbrios setoriais e regionais, aumentar o
investimento e corrigir a tendência ao desequilíbrio externo. Só conseguiria combater
a inflação com reformas institucionais. (LACERDA et al., 2006).
Com a reforma da política externa, buscou-se estimular as exportações
brasileiras com incentivos fiscais. Em relação às importações, a idéia principal era
eliminar os limites quantitativos e utilizar apenas política tarifária como forma de
controle. Todas as reformas do PAEG mudaram o cenário econômico brasileiro,
19
adaptando as necessidades de uma economia industrial, ou seja, “montou-se um
esquema de financiamento que viabilizaria a retomada do crescimento e dotou-se o
Estado de maior capacidade de intervenção na economia” (GREMAUD et al., 2006,
p. 401).
Diante das reformas institucionais ocorridas na década anterior, o período de
1968 até 1973 foi marcado pelas maiores taxas de crescimento do produto brasileiro
com estabilidade de preços. O governo dizia que, para o país retomar seu
crescimento econômico, eram necessários investimentos em setores diferenciados,
com menor participação do Estado, ou seja, deveria basear-se no setor privado. Um
dos fatores que contribuíram para o crescimento da economia nessa época foi o
crescimento das exportações.
Este período foi caracterizado pelo que se convencionou chamar de Milagre
Econômico Brasileiro. De acordo com Lacerda (2006, p.109) “a economia brasileira
beneficiou-se do grande crescimento do comércio mundial e dos fluxos financeiros
internacionais, para aumentar sua abertura comercial e financeira em relação ao
exterior”, sendo possível observar “a predominância dos setores produtores de bens
duráveis e de bens de capital, a partir da estrutura industrial implantada pelo Plano
de Metas”.
Apesar das reformas que colaboraram para o crescimento econômico, a
expansão econômica gerava pressão por importações, causada pela insuficiência de
oferta interna. Para acrescentar, com o primeiro choque do petróleo em setembro de
1973, essas pressões inflacionárias aumentariam mais ainda e causaria um atraso
na produção interna de bens de capital que só foi retomada depois de 1970.
A pressão por importações poderia levar à necessidade de recursos
externos, para cobrir o balanço de pagamentos, não fosse o elevado
crescimento do valor das exportações brasileiras. Além da política cambial e
comercial, o crescimento das exportações foi também beneficiado pela
expansão do comércio mundial, decorrente do excesso de liquidez
internacional, ocasionado pelos déficits público e externo dos EUA,
financiados com expansão monetária. A conjugação desses fatores levou
tanto ao crescimento da quantidade exportada como à melhora dos termos
de troca, redundando numa balança comercial equilibrada no período
(GREMAUD et al., 2006, p. 404).
Embora houvesse um rápido crescimento econômico durante os anos 60, o
mesmo levou ao aparecimento de alguns desequilíbrios, que gerariam pressões
inflacionárias e problemas na balança comercial em 1974.
20
O balanço de pagamentos apresentou déficits no saldo de transações
correntes, provocados não só pelo aumento do valor das importações de
petróleo, mas também em função dos bens de capital e insumos básicos,
necessários para manter o nível de produção corrente do milagre
econômico. Esse déficit não foi totalmente coberto pela entrada de
recursos, levando a uma queima de reservas, o que revelava o elevado
grau de vulnerabilidade externa da economia brasileira (GREMAUD et al,
2006, p. 415).
Para enfrentar os desequilíbrios estruturais da economia, implementou-se o II
Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND).
2.3.3 O período de 1974 a 1984: o II PND
A década de 1970 priorizou o crescimento no setor de bens de consumo
duráveis e bens de capital, o que gerou concentração de renda. Estes constituíam
grandes
pontos
de
estrangulamento
que
impediam
a
continuidade
do
desenvolvimento nacional (LACERDA et al., 2006, p. 118).
A principal função do II PND era tentar manter o crescimento econômico e
industrial. A estrutura brasileira deveria mudar de alguma forma e a melhor maneira
encontrada para o crescimento da economia foi a diminuição das importações e o
aumento das exportações (GREMAUD et al., 2006).
Como afirma Carneiro (1990),
Como forma de ajustar a estrutura econômica à “situação de escassez de
petróleo”, o governo optou por “grande ênfase nas indústrias básicas,
notadamente no setor de bens de capital, e o da eletrônica pesada, assim
como no campo dos insumos básicos, a fim de substituir importações e, se
possível, abrir novas frentes de exportação (CARNEIRO, 1990, p. 310).
O governo optou por não utilizar a desvalorização cambial em fins de
promover o redirecionamento da oferta e da demanda para gerar mais bens
transacionáveis com o exterior e também economizar divisas. O mesmo considerou
estes fatos para tentar corrigir em longo prazo os desequilíbrios comerciais gerados
pelo choque externo.
Tanto para Gremaud et al., (2006) como para Lacerda et al. (2006), o objetivo
do modelo era que as empresas estatais investissem mais no setor de insumos para
21
que houvesse um estímulo maior das empresas privadas para investir no setor de
bens de capital. As taxas de crescimento no período de 1974 a 1979 foram menores
do que no período do Milagre Econômico, porém ocorreram profundas mudanças
estruturais na economia, como o setor metalúrgico, têxtil, material de transportes.
Como ressalta Furtado (1998), a liquidez do sistema financeiro internacional
foi o fator principal para o favorecimento da execução do II PND. O governo captou
recursos suficientes para complementar a poupança doméstica e as taxas de juros
internacionais permaneceram inferiores à taxa de valorização dos preços dos
produtos exportados pelo país naquele período, fator determinante para estimular a
captação de recursos externos.
No plano interno, segundo o autor,
O governo cobriu o déficit público com maior emissão de títulos públicos e
de papel-moeda. O país passou, então, a conviver com altas taxas de
inflação. a maior rentabilidade dos títulos públicos federais pressionou para
cima as taxas de juros internos, elevando os custos financeiros da produção
e dos serviços, com efeitos depressivos sobre a economia, principalmente a
partir de 1979 (FURTADO, 1998, p. 207).
Para implementar o II PND, o Estado foi ostentando como um passivo, para
preservar o crescimento econômico e o funcionamento da economia.
“A onda de investimentos do II PND, porém, refletiu em déficit em
transações correntes e em crescimento da inflação, o que levou as
autoridades econômicas a optar pela diminuição das taxas de crescimento
industrial” (LACERDA et al, 2006, p. 126).
A situação econômica brasileira, no final da década de 70 e início da década
de 80, para Gremaud et al (2006, p. 422), era de “profundas transformações no
cenário internacional, trazendo à tona novamente a vulnerabilidade da economia
brasileira aos condicionantes externos [...] o desequilíbrio externo e os déficits
públicos que gerariam pressões inflacionárias”.
As contas externas do Brasil apresentaram cinco relevantes tendências
adversas: a) déficit persistente e crescente em transações correntes, b) aporte
perverso de recursos externos, em decorrência de se privilegiarem os empréstimos e
financiamentos; c) incorporação do crônico déficit de serviços, sob crescentes
proporções, dos pagamentos de juros incidentes sobre progressiva massa de
22
endividamento externo; d) crescente drenagem de recursos para amortizações de
exigíveis externos; e) expansão do endividamento bruto em termos reais.
Como Rossetti (1983) ressalta
Não surpreende que na década de 80 o Brasil poderia ter mergulhado em
desconfortável situação de insolvência externa. Sob um típico choque de
longo prazo, representado pela composição do aporte complementar de
recursos externos pelo qual o país optou desde o pós-guerra, as contas
cambiais do Brasil passaram a revelar forte propensão à inadimplência,
notadamente quando se esgotaram os reflexos positivos da expansão de
longo prazo que caracterizou a trajetória das economias ocidentais ate o
final da primeira metade da década de 70 (ROSSETTI, 1983, p. 29).
O aumento do endividamento foi acelerado a partir do Milagre Econômico,
supostamente financiado pela entrada de recursos externos. A partir do primeiro
choque do petróleo e durante o período de implantação do II PND, o endividamento
aumentou devido ao financiamento dos déficits em transações correntes do país.
Após o segundo choque do petróleo e dos choques dos juros externos, o
crescimento do endividamento passou a se alimentar do aumento dos custos da
própria dívida e da deterioração dos termos de troca (LACERDA et al., 2006, p. 140).
Para acrescentar com este argumento, o autor ainda argumenta que
O reflexo dos dois choques de oferta do petróleo, da estagflação mundial,
das políticas protecionistas e do aumento da competição nos mercados
externos evidenciaram-se pela deterioração das relações de trocas do
Brasil. Entre 1972 e 1981, houve uma perda de substância das receitas
cambiais de exportações. Os preços das exportações duplicaram. Em
contrapartida, o preço das importações mais do que quadruplicaram, para
um quantum que se manteve praticamente estável ao longo do período.
Consequentemente as relações de trocas do Brasil reduziram-se, caindo de
100 (1977) para 51 (1981), com a conta petróleo incluída (ROSSETTI, 1983,
p. 34).
O endividamento externo substancial ocasionou a crise que abalou a economia
brasileira nos anos de 1981 e 1984. Com o preço do petróleo três vezes maior, as
importações cresciam cada vez mais e, com isso, gerava uma deterioração dos termos
de troca. Devido à esse desequilíbrio externo, juntamente com um enorme déficit em
conta corrente do balanço de pagamentos, e a recusa dos bancos de manterem com o
financiamento diante dessa situação, era necessário um processo de ajustamento para
que, possibilitasse a redução das importações e o aumento das exportações. O
crescimento só é retomado a partir de 1984 (PEREIRA, 1985).
23
Visto o modelo adotado pelo Brasil no período pós II Guerra Mundial, faz-se
agora necessário entender o caminho adotado pela Coréia do Sul na busca pelo
desenvolvimento no mesmo período. Enquanto o Brasil adota um modelo “para dentro”,
a Coréia do Sul opta por um modelo “para fora” como mostra o próximo capítulo.
24
3 A CORÉIA DO SUL E O MODELO ORIENTADO ÀS EXPORTAÇÕES (PE)
No capítulo anterior, foi visto que o Brasil fundamentou seu desenvolvimento
econômico em uma estratégia voltada para a substituição de importações desde a
crise de 1930 até a década de 1980. O crescimento econômico da Coréia do Sul
após a Guerra da Coréia2 foi liderado por uma política de industrialização que
enfatizava a reconstrução do país por meio da Substituição de Importações entre os
anos 1953 e 1960. A partir de 1960, o país adotou uma política voltada para a
Promoção de Exportações. Este capítulo trata das políticas econômicas adotadas
durante as décadas de 1950 a 1980, o conceito e as características do modelo de
desenvolvimento adotado pela Coréia do Sul durante essa época (Promoção de
Exportações) e sua história econômica nesse período que contextualiza os motivos
para chegar à decisão da escolha desse modelo.
3.1 A adoção da estratégia de desenvolvimento para Promoção de Exportações
(PE)
A polarização entre uma modalidade de “crescimento liderado pelas
exportações” e um crescimento liderado pelo mercado interno, como as que
predominaram na Coréia do Sul e no Brasil, respectivamente, revelam interpretações
e mecanismos de causalidade muito distintos e mesmo opostos. O crescimento
liderado pelas exportações enfatiza não propriamente o papel das exportações no
crescimento, mas a importância da neutralidade de incentivos e da abertura externa
para uma alocação eficiente de recursos (MEDEIROS; SERRANO 1999).
2
Desde o estabelecimento da República da Coréia, predominava no país a repressão dos grupos de
esquerda, sendo alguns deles independentes e outros apoiados pela Coréia do Norte. A resistência
da Coréia do Sul levou os norte-coreanos a lançarem um ataque militar em junho de 1950, iniciando,
assim, a Guerra da Coréia. As forças norte-coreanas invadiram a Coréia do Sul e a capital, Seul, foi
destruída em três dias. A intervenção das tropas norte-americanas, do Conselho de Segurança da
ONU e de voluntários chineses foi responsável pela mudança do futuro da guerra, que durou até julho
de 1953, quando o acordo de cessar-fogo foi assinado em P'anmunjom. Um acordo de paz definitivo
ainda não foi assinado entre as duas Coréias. (MASIERO, Gilmar. 2007).
25
As trajetórias estratégicas do Brasil e da Coréia do Sul seguiram caminhos
diferentes. Por um lado o Brasil se manteve na estratégia de Substituição
Secundária de Importações, praticando ainda políticas de promoção de exportações
variadas, sem priorizar setores ou tipos de produtos (1968-1990). Enquanto a Coréia
avançou para a Substituição Secundária de Importações completando a segunda
etapa de sua estratégia de Industrialização Orientada às Exportações: produção e
exportação de manufaturados de alto valor agregado (1973-1990) (TERRA E
WEISS, 2002).
Coutinho (1999) e Masiero (2007) explicam que, após a Segunda Guerra
Mundial, a Coréia do Sul já não era um dos países mais pobres da Ásia, baseado na
agricultura tradicional e nos produtos primários. “O país se transformou [nos anos
1980] numa fortaleza industrial capitaneada por grandes empresas de porte global,
detentoras de tecnologias de ponta e de marcas mundiais” (COUTINHO, 1999, p.
352). A ajuda econômica, naquela época, especialmente dos Estados Unidos da
América – EUA – e, mais tarde, do Japão foi de extrema importância para o
crescimento econômico do país.
Durante a década de 50, baseando-se no desenvolvimento tecnológico do
Japão, e dos exemplos bem sucedidos no ocidente, a Coréia do Sul buscou adquirir
em um curto espaço de tempo o conhecimento cientifico e tecnológico com a
finalidade de acelerar os procedimentos necessários para toda a etapa da
industrialização (MASIERO, 2007). Ainda nos anos 50, o país enfrentava a fase mais
difícil do processo de desenvolvimento industrial. Como ressalta Coutinho (1999), o
regime ditatorial de Rhee administrou esse processo ao longo de toda a década de
50 fundamentado no suporte americano e nas relações privilegiadas com grupos
econômicos que tinham como característica a corrupção. Após a renúncia de Rhee,
um golpe militar colocou no poder o General Park em 1961.
Por meio de sucessivos planos qüinqüenais, o General Park governou o país
para uma industrialização rápida. O desempenho econômico durante o seu governo
foi surpreendente. De acordo com Coutinho (1999, p.353), o PIB cresceu quase que
ininterruptamente a uma taxa média anual de 9,5% ao ano a partir de meados de 60.
A partir daí, a Coréia optou por uma política de industrialização orientada para
exportações de produtos manufaturados intensivos em mão-de-obra. Para Oliveira
(1993),
26
A capacidade industrial do país aumentara significativamente, seu ritmo de
crescimento econômico alcançou índices excepcionais e suas exportações
derramavam-se pelo mundo. Mas a base tecnológica sobre a qual se
apoiava esse progresso continuava deficiente e desequilibrada, e muito
dependia ainda do acesso favorecido ao mercado importador dos EUA
(OLIVEIRA, 1993, p. 83).
Para acabar com a escassez de divisas e a dependência dos EUA, o governo
do General Park desestimulou a presença de empresas coreanas em setores
intensivos de mão-de-obra barata e favoreceu o desenvolvimento de empresas de
capital nacional em setores intensivos em conhecimento (TERRA; WEISS, 2002).
Ao escolher um modelo de desenvolvimento exportador, fundamentado em
produtos de alto valor agregado produzidos por empresas privadas de capital
nacional, fez-se necessário investir no desenvolvimento educacional, cientifico e
tecnológico, objetivando a adequação dos propósitos de desenvolvimento à
produção do conhecimento cientifico. (TERRA; WEISS, 2002).
O alto nível educacional na Coréia contribuiu tremendamente para o seu
desenvolvimento econômico. Para Deok-hong (2005), a Coréia alcançou uma taxa
de alfabetização de 80% nos anos 1960, a maior de qualquer outro país que possui
o mesmo nível de desenvolvimento. Este alto nível educacional facilitou a primeira
decolagem econômica da nação. A oferta abundante de educação e recursos
humanos foi extremamente favorável para o rápido crescimento das exportações e
para o setor de manufaturas em mão-de-obra intensivas.
O autor ainda ressalta que nenhum fator pode ser considerado único para
explicar o sucesso econômico. É geralmente aceito o fato de que o crescimento bem
sucedido e a rápida escalada na economia mundial é devido também a estratégia de
desenvolvimento governamental, o alto nível de educação e as condições
econômicas internacionais favoráveis.
O ambiente econômico internacional favorável é outro fator que pode ser
relacionado com o crescimento econômico da Coréia. O país se beneficiou de um
sistema de mercado relativamente aberto. Além disso, o mercado mundial expandiu
rapidamente, em termos reais, de 8% ao ano entre 1962 e 1975. (DEOK-HONG,
2005).
A Coréia do Sul alcançou seu processo de industrialização pesada no final da
década de 70, demonstrando que o país já se apresentava praticamente preparado
para os desafios da nova época. (COUTINHO, 1999).
27
Porém,
duas
conseqüências
relevantes desse
processo devem
ser
destacadas: 1) a elevação expressiva da dívida externa; 2) aumento significativo da
dependência de petróleo importado, resultante das concessões estabelecidas para o
desenvolvimento da indústria petroquímica e do simultâneo crescimento da frota de
veículos automotores. Por outro lado, as exportações cresceram, em função dos
projetos da indústria pesada, que tinham como principais elementos o de ser um
empreendimento com altas escalas produtivas, tendo por finalidade o mercado
doméstico e externo (COUTINHO, 1999).
O autor ainda explica que esses resultados exigiriam o confronto com novos
desafios no início da década de 80 - diante das dívidas e fragilidades acumuladas –
justamente no período em que a economia mundial passaria por uma recessão
global, resultado de um choque de juros produzido pelo Senhor Paul Volker3 e,
concomitante, com o segundo choque do petróleo. (COUTINHO, 1999).
A tendência voltada para o modelo de desenvolvimento de promoção de
exportações proporcionou à Coréia do Sul o dinamismo à economia, favorecendo
altas taxas de crescimento econômico ao longo de todo o seu processo de
industrialização. O começo desse processo teve por característica a indústria
intensiva em mão-de-obra na manufatura de bens de consumo de massa nãoduráveis e, mais tarde, em 1980, a sua mudança para a indústria da construção
naval, automobilística e produtos eletrônicos. Somente em 1990 é que o país
estabeleceu suas políticas para a produção de tecnologia e produtos de
conhecimento intensivos a serem comercializados no mercado internacional.
(MASIERO, 2007).
3.2 O modelo de Promoção de Exportações (PE)
Toda a análise da economia, em se tratando da comparação entre os países
em desenvolvimento, como o Brasil e a Coréia do Sul, está centrada em duas
3
Paul Volker é o economista que presidiu o Federal Reserve (Banco Central) dos EUA durante os
governos de Reagan e Carter, responsável pelo aumento das taxas de juros norte-americana nos
anos 1980 em reação ao choque de petróleo.
28
categorias: a) substituição de importações – SI e b) substituição de exportações –
SE (CANUTO, 1994a).
De acordo com Canuto (1994a),
Dada a evolução nas estruturas de demanda interna e externa, terá ocorrido
SI nos setores em que o coeficiente de importações sobre a demanda
interna decrescer e SE nos setores onde se elevar a parcela da demanda
mundial atendida pela produção doméstica (...) (CANUTO, 1994a, p.65).
Os anos 50 e 60 foram marcados pelo mito de que países em
desenvolvimento criariam as bases industriais somente pela substituição dos bens
manufaturados importados por domésticos. A resposta veio a partir dos anos 60,
quando a industrialização por meio das exportações de bens manufaturados
apresentou-se positivamente para os países que já utilizavam o modelo de
Promoção de Exportações. (KRUGMAN, 2001).
Chung-in (2001) salienta que a Coréia do Sul passou por duas ondas de
sucesso econômico, sendo que a primeira decorreu de uma transição precisa e
efetiva da industrialização por substituição de importação para a estratégia de
desenvolvimento voltada para as exportações em meados de 1960 e subseqüente
seu crescimento econômico.
Uma definição abrangente de política de promoção de exportações, como a
adotada por Seringhaus e Rosson (1990, p. 27) pode ser explicada como
[...] medidas de políticas públicas que potencialmente ou, na verdade,
melhoram as atividades de exportação nas empresas, indústrias, ou em
nível nacional. O papel da promoção de exportações, portanto, é a criação
da consciência de exportação como um crescimento e opção de expansão
do mercado; a redução ou retirada de barreiras para exportar; e a criação de
incentivos de exportação e varias formas de assistência para exportadores
atuais e potenciais [...].
Para Krugman (2001), um grupo de países denominado EADA’s (Economias
de Alto Desempenho da Ásia) pelo Banco Mundial, incluindo a Coréia do Sul,
apresentaram altas taxas de crescimento econômico a partir dos anos 60 e isso
envolveu um processo de rápido crescimento das exportações ao invés de
substituição das importações da produção doméstica.
No entanto, o autor apresenta diferentes interpretações que mostram a dúvida
de economistas quanto ao sucesso econômico do Leste Asiático baseado no modelo
de promoção das exportações para o crescimento econômico (KRUGMAN, 2001).
29
A primeira interpretação do sucesso das Economias de Alto Desempenho da
Ásia diz que o sucesso dessas economias se deve a uma política econômica
orientada para fora. As altas taxas de exportações e importações são ocasionadas
pelas políticas comerciais. O comércio neste caso é relativamente aberto.
A segunda interpretação diz que a eficácia do crescimento econômico se
deve à intervenção sofisticada do governo com políticas industriais.
“Estas políticas incluem não só tarifas, restrições às importações e
subsídios às exportações, mas também políticas como baixas taxas de juros
nos empréstimos e apoio do governo para pesquisas e desenvolvimento”
(KRUGMAN, 2001, p. 278).
Pesquisadores afirmam que todo o foco na política industrial e comercial do
crescimento econômico das EADA’s é equivocado. Essa terceira interpretação
sugere que essas políticas não passam apenas de parte da história de uma
economia. Outros fatores podem ter ocasionado sucesso sem que essas políticas
prevaleçam (KRUGMAN, 2001).
Segundo o autor, a maioria das Economias de rápido crescimento da Ásia,
Tem altas taxas de poupança, onde são capazes de financiar taxas muito
altas de investimento [...] a maioria delas também fez grandes avanços em
educação pública [...] a combinação de altas taxas de investimento e rápida
melhoria nos níveis educacionais explica grande parte do rápido
crescimento do Leste Asiático [...] (KRUGMAN, 2001, p. 278).
A Coréia do Sul obteve um grande crescimento econômico como dito
anteriormente a partir dos anos 1960. O crescimento rápido das economias asiáticas
como a Coréia do Sul foi muito mais orientado para as exportações que outros
países em desenvolvimento. Por esta razão, a Coréia obteve sucesso adotando a
política comercial orientada para fora ao invés da adoção da política de substituição
de importações.
A partir desses conceitos e interpretações do modelo de desenvolvimento
voltado para as exportações, cabe agora analisar a história econômica da coréia do
Sul a partir de 1953, após a Guerra da Coréia, na qual o país começou a buscar sua
estratégia de inserção internacional.
30
3.3 A história econômica sul coreana de 1950 a 1980
As estratégias de desenvolvimento que foram utilizadas no pós-guerra, tanto
as que se concentraram mais no modelo da substituição de importações como o
modelo utilizado no Brasil a partir de 1950, quanto as que privilegiaram mais a
expansão
das
exportações
como
a
Coréia
do
Sul,
foram
consideradas
intervencionistas, mudando apenas na forma de industrialização tardia comandada
pelo Estado (MEDEIROS, SERRANO, 1999).
As características da estrutura produtiva e o contexto histórico no qual o país
estava inserido é o que difere quando se fala das políticas aplicadas para cada país
e no quanto e como cada país se concentrou mais em um modelo voltado para a
promoção de exportações ou na substituição de importações em um período
especifico. (MEDEIROS, SERRANO, 1999).
Em 1910, a Coréia do Sul foi anexada ao Japão. Os coreanos eram tratados
como povo conquistado no início da ocupação japonesa. Em 1919, o movimento
estudantil para a Proclamação da Independência mudou a situação dos coreanos.
Durante o comando do governo japonês, o desenvolvimento econômico da Coréia
não foi muito beneficiado. Em 1945, o país foi ocupado pelas forças norteamericanas acabando assim com a colonização japonesa (MASIERO, 2007).
Desde 1945, a Península Coreana viveu intensivos conflitos até o
estabelecimento da República da Coréia, em 1948. Os conflitos persistiram
e a Guerra da Coréia - entre o norte e o sul - teve início em 1950. Só
terminou três anos mais tarde com o estabelecimento de uma zona
desmilitarizada entre os dois países. O presidente eleito em 1948, Syngman
Rhee, proclamou-se presidente vitalício em 1954 e foi forçado a se demitir
em 1960 devido a fortes manifestações estudantis contra seu governo
(MASIERO, 2007, p. 1).
Após a guerra da Coréia, este país se dividiu em duas partes econômicas
distintas. Enquanto o norte era beneficiado pelos recursos naturais e indústrias
pesadas, o sul detinha maior parte dos recursos agrícolas e de mão-de-obra,
concentrando seu desenvolvimento na manufatura de bens de consumo de massa
orientada para fora (MASIERO, 2007).
Masiero (2007, p. 88) ainda explica que, “com a fundação da Primeira
República, em 1948, a hiperinflação, o excesso de demanda e a falta de proteção às
31
indústrias domésticas fizeram o governo estabelecer algumas restrições à atividade
privada empreendedora”. Com isso, a política se mostrou fundamental para a
aquisição de licenças de importação. Destaca-se que, em 1950, o volume de
exportações era menor, visto que as importações necessitavam de capital
proveniente dos Estados Unidos da América – EUA – e das Nações Unidas
(MASIERO, 2007).
Na Coréia do Sul, a organização industrial aconteceu a partir da década de
50, tendo a sua constituição baseada em grupos empresariais de grande porte,
apresentando como características o controle familiar, alcançando todos os setores
da economia e crescendo rapidamente em tamanho e número. Estes grupos
apresentavam estreitas relações com o governo, obtinham colaboração norteamericana por meio da aquisição de seus produtos, como também se relacionavam
com os japoneses adquirindo tecnologia (MASIERO, 2007; COUTINHO, 1999).
Em 1960, através de um golpe militar, o General Park constituiu um sistema
presidencial e presidiu o país até seu assassinato em 1979. Durante o seu governo,
a Coréia do Sul apresentou um grande dinamismo econômico, por intermédio de um
modelo fundamentado na promoção das exportações, porém assumindo a
continuidade de uma política de substituição de importações, que teve como
principal representante a indústria pesada e química nos anos 70. De acordo com
Masiero (2007, p. 01), “nesse período, o Produto Interno Bruto coreano cresceu em
média 9% ao ano e atingiu o recorde histórico de 14,5% em 1973”.
Em 1970, foi constituída a industrialização pesada, comandada pelos grandes
conglomerados, denominados chaebols, de propriedade familiar, designando a
indústria coreana na produção e exportação de maquinaria elétrica, automóveis,
navios, produtos químicos, semicondutores etc., em condições de grande
competitividade (MASIERO, 2007; COUTINHO, 1999).
Masiero (2007) complementa ainda que,
Segundo Myung Hun Kang, os grupos coreanos são compostos por firmas
independentes que possuem relações econômicas entre si e, normalmente,
têm sistemas administrativos que coordenam as atividades de seus
membros. Suas principais características são: pertencer somente a uma
família, depender de capital externo, ter controle centralizado, administração
paternalista e forte dependência de modelos de administração estrangeiros
(MASIERO, 2007, p. 85).
32
As duas décadas foram marcadas por grande intervenção governamental nos
negócios privados. Vários planos qüinqüenais de desenvolvimento econômico
seguidos de controles financeiros e creditícios, de controles de capital e licenças de
comercialização de tecnologia e bens e serviços nutriram o crescimento de alguns
poucos conglomerados privados - os chaebols. Nesse sentido, o governo mobilizou
a poupança doméstica e, com o fim da ajuda externa, passou a se utilizar de
empréstimos externos, evitando sempre que possível, o investimento direto
estrangeiro (MASIERO, 2007).
Segundo DEOK-HONG (2005), pode-se dizer que a Coréia passou por várias
fases de desenvolvimento no setor de manufaturas:
1) Nos anos 50, o setor de manufaturas foi desenvolvido baseado na
produção para o mercado doméstico (industrialização por substituição de
importação). Os Estados Unidos da América – EUA – foram importantíssimos
na ajuda financeira diante de um mercado deficitário.
2) Quando os Estados Unidos da América – EUA – reestruturaram a Coréia
em 1960, a ênfase na estratégia de desenvolvimento mudou para a
exportação dos bens manufaturados. Políticas governamentais (incluindo
mercado, taxas de câmbio, finanças e infra-estrutura) ajustaram para
promover o crescimento das empresas industriais nacionais próprias,
baseado nas exportações. Entre 1960 e 1970, a Coréia baseou seu
crescimento em indústrias leves.
3) A crise do petróleo em 1973 resultou numa piora na balança de
pagamentos da Coréia em vista do mercado. Como resultado, o governo
mudou sua estratégia de desenvolvimento. A Coréia recorreu para a
indústriaquímica e pesada.
4) Nos anos 80, a Coréia passou por sérios problemas econômicos. Pela
primeira vez em duas décadas, uma taxa de crescimento negativo do PIB foi
recorde em 1980. Esta caída pode ser atribuída à várias causas, incluindo
instabilidade política na Coréia, estagnação global causada pelo aumento do
preço do petróleo, taxas de juros altas, barreiras impostas pelos países
desenvolvidos contra bens coreanos importados e uma colheita de agricultura
doméstica pobre. Porém, a Coréia recuperou-se rapidamente em meados de
1980. Como o preço do barril do petróleo estabilizou, as condições
econômicas internacionais moveram em favor da Coréia. O governo adotou
33
estratégias liberais para a economia e introduziu uma melhor competição em
todos os setores dependendo mais dos mecanismos de mercado.
As estratégias de desenvolvimento econômicas sul-coreanas implementadas
e lideradas pelo governo podem ser resumidas,
[...] no estabelecimento de uma política industrial exitosa, em um processo
de industrialização guiado pelo governo, nas intervenções governamentais
no sistema de preços, nas relações do governo com os grandes grupos e
principalmente nos diferentes planos qüinqüenais de desenvolvimento
econômico e social. Estes orientaram não só o comportamento da
burocracia estatal, com seus sucessivos presidentes na liderança, como
também o desenvolvimento dos grandes conglomerados sul-coreanos
(MASIERO, 2007, p. 78).
Diante dos fatos ocorridos na história econômica da Coréia do Sul e do Brasil
até meados de 1980, percebe-se que ambos os países tomaram estratégias de
inserção internacional diferentes. A partir da década de 80, com a grande crise
financeira que abalou os dois países economicamente, pode-se observar grande
mudança na estratégia de desenvolvimento industrial. O terceiro capítulo demonstra
como estas estratégias adotadas nas décadas anteriores influenciaram ambos os
países na reação à crise dos anos 1980 e porque a Coréia do Sul conseguiu, de
fato, escapar da crise rapidamente e o Brasil ficou para trás.
34
4 ESTRATÉGIAS DE INSERÇÃO INTERNACIONAL: BRASIL E CORÉIA DO SUL
APÓS A CRISE DA DÉCADA DE 1980.
Nos capítulos anteriores, percebe-se que o Brasil adotou políticas econômicas
diferentes da Coréia do Sul diante das crises ocorridas desde a década de 1950. O
processo de desenvolvimento industrial em ambos os países, inicialmente, exigiram
esforços e ajuda do governo e, mais tarde, de empréstimos externos para que os
mesmos pudessem prosseguir com seus objetivos desenvolvimentistas.
A Coréia do Sul teve que superar muitas dificuldades durante o processo de
industrialização nos anos 50, devido à divisão do país após a Segunda Guerra
Mundial e pelos conflitos militares com a Coréia do Norte. A burguesia era
totalmente dependente do Estado e da ajuda externa dos Estados Unidos da
América - EUA, que, a princípio, apoiou a industrialização de bens de consumo nãoduráveis.
A instabilidade política, resultado da renúncia do presidente autocrático Rhee,
levou ao poder o presidente Park, que governou a Coréia do Sul durante 18 anos.
Seu governo teve por características a implantação contínua de planos qüinqüenais
que tinham por finalidade a aceleração do processo de industrialização. Entre as
medidas adotadas destacam-se: a) programa de investimentos para a expansão da
indústria manufatureira com fortes incentivos à exportação; b) utilização do crédito
bancário e subsídios fiscais com isenção de impostos para aumentar as
exportações, e assim reduzir a dependência de empréstimos e de apoio financeiro
externo; c) implantação da indústria pesada em meados de 70, em função da
estabilidade econômica. (COUTINHO, 1999, p. 353). Este investimento do governo
para a constituição da base pesada da indústria gerou o aumento da dívida externa
e da dependência de petróleo importado, visto o crescimento da frota de veículos
automotores.
Ao final da década de 1970, a Coréia do Sul se caracterizou como uma nação
industrializada, mas após o assassinato do General Park, enfrentou desafios que
surgiram na década de 1980, conseqüência do segundo choque do petróleo e o
choque de juros.
O Brasil, por sua vez, se beneficiou das rivalidades entre os Estados Unidos
da América - EUA e os países europeus, para negociar entrada de investimentos
35
estrangeiros. A economia brasileira, durante o governo de JK, ao investir nas
indústrias de base, favoreceu significativamente a industrialização. Já nos anos de
60 e 70, o Brasil, para sustentar o último ciclo de substituição de importações, iniciou
um processo de contratação de empréstimos, haja vista a crise do petróleo e a crise
do dólar com a expansão do “euromercado4” (COUTINHO, 1999).
De acordo com Coutinho (1999) o endividamento externo foi atingido pela alta
taxa de juros flutuantes externos pós 1979 e pela significativa deterioração da
relação de trocas entre 1980-1983. Mesmo com a crise, o Brasil se apresentou como
um país industrializado de acordo com os padrões da Segunda Revolução Industrial.
A implantação do II PND foi entendida como um avanço para a finalização do
processo de industrialização pesada no Brasil.
Percebe-se que o Estado foi o principal o dirigente do processo de
industrialização tanto na Coréia do Sul quanto no Brasil. As taxas de juros, prazos,
os meios de créditos e capitalização eram fatores determinantes do Estado. Os
elementos referentes ao planejamento, intervenção, escolha e dirigismo estatal
estiveram presentes em todos os casos bem-sucedidos de avanço rápido da
industrialização (COUTINHO, 1999).
[...] Coube ao Estado estruturar e alocar os meios de crédito e de
capitalização com taxas de juros baixas e prazos relativamente longos.
Além do financiamento, um conjunto de instrumentos tributários e tarifários
foram manejados para aumentar as taxas de lucro dos empreendimentos
[...] regulamentos e normas também foram comumente utilizados [...] podese citar ainda o uso de incentivos e créditos fiscais à exportação e, no caso
coreano, às atividades de P&D. (COUTINHO, 1999, p. 357).
Entretanto, o papel do setor privado e na relação deste com o Estado foram
diferentes em ambos os países, inclusive na forma de inserção internacional dos
dois sistemas industriais em questão.
A Coréia do Sul tinha uma relação direta com os Estados Unidos da América
– EUA – em função do conflito com a Coréia do Norte, e aproveitou esta situação
para entrar no mercado americano. Em função da pequena população e poucos
recursos naturais, o país não tinha por característica um mercado interno de grande
4
Mercado "offshore", surgido na Europa na década de 60 como resposta à crescente regulamentação
imposta pelos vários governos europeus aos mercados locais de capitais, sobretudo nos mercados de
renda fixa. O Euromercado oferece às empresas uma oportunidade de emitir títulos de dívida ou obter
empréstimos fora de seus mercados nacionais, com custos inferiores, dada a menor regulamentação
governamental. Disponível em: www.bcb.gov.br/glossario.asp?Id=GLOSSARIO&Definicao=euromercado.
36
escala e nem possuía recursos primários abundantes, que servissem para a
exportação (COUTINHO, 1999).
O autor completa afirmando que a política industrial voltada para as
exportações, portanto, era inevitável, devido ao fato de o mercado interno coreano
ser pequeno em se tratando de setores intensivos em escala de produção, e ainda à
falta de indústrias e agroindústrias extrativas minerais competitivas, quesito muito
importante para a sustentação cambial para o processo de industrialização, ou seja,
a exportação de manufaturas. (COUTINHO, 1999). Portanto, a Coréia do Sul optou
por preparar setores manufatureiros para exportação. Esta trajetória obteve sucesso,
mas, capital estrangeiro tinha pouco interesse por este país, justamente por este
apresentar um mercado interno relativamente estreito.
As políticas governamentais privilegiaram a formação de grupos econômicos,
que mais tarde construíram grandes empresas nacionais - Chaebols - para acelerar
os planos de desenvolvimento da indústria pesada. No Brasil, ao contrário, o
mercado interno tinha por característica o seu grande tamanho e as relações com o
capital estrangeiro atraíam investimentos importantes das empresas americanas e
européias (COUTINHO, 1999).
Não foi implementada no Brasil uma hegemonia do capital nacional sobre o
sistema industrial, ao contrário da Coréia do Sul, onde a etapa de industrialização
pesada se confundiu com a ascensão e consolidação dos grandes Chaebols. O
sistema bancário na Coréia do Sul foi colocado a serviço da acumulação industrial e
o Estado estava presente com suas próprias agências. Já, no Brasil, os bancos
nunca foram estatizados e o sistema bancário privado se colocou relativamente
distante do processo de industrialização, limitando-se ao crédito comercial de curto
prazo para capital de giro, sem oferecer créditos longos e relevantes para os
investimentos de grande escala (COUTINHO; 1999).
A estratégia industrial brasileira voltada para dentro, ao contrário da estratégia
coreana, deveu-se ao fato de o país possuir uma enorme base de recursos naturais
e de extensões de terra agricultáveis de boa qualidade e, sendo assim, a economia
brasileira podia desenvolver novas fronteiras de exploração de produtos primários,
agregando-se à herança dos subsistemas regionais constituídos durante a
colonização mercantil (COUTINHO, 1999).
Segundo Coutinho (1999), a agricultura brasileira sempre teve um papel
relevante como fornecedora de divisas, além de abastecer o mercado doméstico. O
37
ingresso de capitais estrangeiros também auxiliava o financiamento dos déficits
comerciais. A conjugação desses fatores atenuou as pressões para que fosse
priorizada uma política de exportação de manufaturas – ainda que a economia
tivesse tido vários períodos de restrição cambial nas décadas de 1950 e 1960.
“Só na década de 70 o governo brasileiro começaria a se preocupar
seriamente com o estímulo às exportações de manufaturados, buscando
para tanto mobilizar a contribuição das subsidiarias das grandes empresas
estrangeiras” (COUTINHO, 1999, p. 361).
Em contraste com o comércio exterior da Coréia do Sul, marcadamente
voltado para os Estados Unidos da América – EUA – e com o resto da Ásia,
especialmente com o Japão, a estrutura do comércio externo brasileiro sempre foi
bem mais diversificada. Os investimentos diretos de empresas americanas e
européias sempre contribuíram para moldar laços comerciais com os países de
origem das subsidiárias. (COUTINHO, 1999).
O autor ainda alega que, mesmo que o Brasil e a Coréia do Sul tenham
efetivado o processo de industrialização dentro do padrão da segunda revolução
industrial,
ambas
as
economias
obtiveram
um
grande
passivo
externo,
demonstrando tensões nos respectivos sistemas de finanças públicas no final da
década de 1970. “Com a segunda crise do Petróleo em 1979, houve uma ruptura na
oferta de crédito fazendo com que as economias destes países tomassem rumos
diferentes” (COUTINHO, p. 361).
Dessa forma, observa-se que os caminhos diferentes adotados por Brasil e
Coréia do Sul conduziram-os de uma forma ou de outra, para o mesmo lugar nos
anos 1980: ambos conseguiram completar com relativo sucesso o processo de
industrialização. Contudo, a crise dos anos 1980 colocou Brasil e Coréia do Sul
diante uma mesma conjuntura internacional desfavorável. Com desequilíbrios
externos significativos, Brasil e Coréia do Sul enfrentam os anos 1980 de modo
distintos, o que levou as duas economias a, mais uma vez, adotarem caminhos
diferentes na estratégia de desenvolvimento e inserção internacional.
38
4.1 O Brasil e a Coréia do Sul diante da crise dos anos 1980
4.1.1 O Brasil nos anos 1980
Os graves desequilíbrios externos e internos foram marcas da economia
brasileira nos anos 80, enfrentando, no início da década de 1980, uma grave
recessão somente comparada com a Grande Depressão (LACERDA et al., 2006).
Diante deste cenário, em 1982, as autoridades econômicas recorreram ao Fundo
Monetário Internacional – FMI –, em um momento de grande turbulência
internacional causada pela moratória da dívida externa mexicana. “Ao mesmo tempo
em que caía o PIB brasileiro, a inflação começava a alçar um vôo que a
transformaria, no final de 1989, em uma hiperinflação” (LACERDA et al., 2006, p.
142).
Furtado (1998), corroborando com a afirmativa de Lacerda et al. (1998)
ressalta também que a década de 1980 pode ser analisada pelas suas
características de instabilidade da economia brasileira, pelos períodos sucessivos
alternados com curtos períodos de recuperação econômica e elevadas taxas de
inflação. “O produto interno bruto caiu à média de 0,21% ao ano e o emprego
declinou 0,43% no mesmo período. A produtividade registrou um modesto
crescimento de 0,33%” (FURTADO, 1998, p. 222).
O aumento do endividamento foi acelerado a partir do Milagre Econômico,
supostamente financiado pela entrada de recursos externos. A partir do primeiro
choque do petróleo e durante o período de implantação do II PND, o endividamento
aumentou devido ao financiamento dos déficits em transações correntes do país.
Após o segundo choque do petróleo e o choque dos juros externos, a progressão do
endividamento passou a se alimentar da elevação dos custos da própria dívida e da
deterioração dos termos de troca (LACERDA et al, 2006).
A inflação forneceu suporte para as mais variadas tentativas de estabilização,
entre elas o congelamento de preços, salários e câmbio, e ainda outras medidas que
visavam à desindexação da economia, o ajuste fiscal e a contenção da expansão da
moeda e do crédito (FURTADO, 1998). Lacerda et al (2006) explica que a crise da
dívida externa brasileira na década de 1980 foi o resultado do processo de inserção
39
internacional do país. E, mesmo tendo se destacado pela sua magnitude e duração
essa crise, foi tão somente mais uma crise cambial que atingiu a economia
brasileira.
A crise da dívida ocasionada pela elevação da taxa de juros, a séria
desorganização das finanças públicas, a instabilidade inflacionária, o
declínio dos investimentos e as difíceis condições de acesso das
exportações são alguns fatores que desfavoreceram o crescimento da
economia brasileira na década de 80, ao contrário da trajetória histórica do
pós-guerra, onde as oportunidades se abriram de maneira rápida para o
crescimento e desenvolvimento dos países em desenvolvimento, em
especial o Brasil (COUTINHO, 1999, p. 364).
Em um primeiro momento – entre 1981 e 1983 –, a diminuição no ritmo de
crescimento foi atribuída ao esforço de ajustamento imposto pela crise da dívida. Em
um segundo momento – 1984 a 1986 –, a balança comercial foi reequilibrada por
meio da desvalorização cambial, propiciando novamente o crescimento do país
mesmo que alicerçado no aumento do consumo, oferecendo a falsa impressão de
ter sido superada a crise. A partir de 1987, com o fracasso do Plano Cruzado e a
moratória da dívida externa, a crise voltou a se manifestar, mesmo com as tentativas
de ajustes nos anos de 1987 e 1988, e agregado de um crescimento tipicamente
populista, que perdurou de 1989 até o início de 1990 (LACERDA et al., 2006).
Como argumenta Masiero (2007),
No início dos anos 80, houve no Brasil grande campanha governamental
para incentivar os produtores brasileiros a exportarem para auferir as divisas
necessárias para a administração da “crise da dívida”. Por meio de
inúmeros incentivos creditícios, houve considerável expansão da produção
e exportação de grãos, com destaque para a soja, mas o processo perdeu
força nos anos seguintes (MASIERO, 2007, 308).
Devido à escassez de divisas e forçada a transferir recurso para o exterior, a
economia brasileira retraiu-se na década de 1980, no que se relacionava com o
avanço industrial e tecnológico. Mesmo apresentando um razoável superávit
comercial, a ameaça recorrente de hiperinflação, com regressão profunda do
sistema doméstico de financiamento e a acumulação de capitais relativamente
entravadas, desfavoreceu o crescimento da estrutura empresarial concentrando-se
nos grandes grupos privados.
Observa-se que a economia brasileira atravessou, durante os anos 1980, uma
profunda crise, caracterizada por estagnação econômica e altas taxas de inflação. A
40
renda per capita, em 1994, encontrava-se no mesmo nível de 1980. A inflação
alcançou níveis elevadíssimos nesses 15 anos. Na verdade, foi a pior crise por que
passou a economia brasileira desde que o país se tornou independente, sendo muito
mais grave que a crise dos anos 1930 (LACERDA et al., 2006).
A chamada Década Perdida [década de 1980] caracterizou-se pela queda
nos investimentos e no crescimento do PIB, pelo aumento do déficit público,
pelo crescimento das dívidas externa e interna e pela ascensão
inflacionária. O PIB apresentara um crescimento médio de 7% entre 1947 e
1980, caindo para 2% entre 1981 e 1990 em função deste desempenho
medíocre do PIB, a renda per capita manteve-se praticamente constante ao
longo da década de 1980 (LACERDA et al., 2006, p.142).
O autor relata que os dados sobre a evolução da dívida externa do Brasil não
deixam dúvidas quanto à importância dos fatores externos na explicação para a
escalada do endividamento. O crescente aumento das despesas com o serviço da
dívida estava na origem da deterioração das contas internas do país – a chamada
crise fiscal do Estado –, no estancamento de seu crescimento, na queda do nível de
investimentos e na disparada da inflação. A crise da dívida externa desestruturou
profundamente a economia brasileira e conduziu o país à hiperinflação (LACERDA
et al, 2006).
Com o agravamento da crise econômica, as pressões políticas contra o
regime militar se tornaram mais acirradas e, em 1985, deu-se início a nova república,
com um governo civil, eleito pelo Congresso Nacional, e exposto a uma grande
escalada inflacionária, enfrentada por Sarney, que utilizou os choques heterodoxos,
baseados na teoria da inflação inercial. O principal objetivo estava na desindexação
da economia utilizando políticas de rendas apoiadas no congelamento de preços.
“Os vários choques implantados a partir de 1986 não conseguiriam controlar a
inflação e, no final do Governo Sarney em 1989, o país encontrava-se no limiar da
hiperinflação aberta” (LACERDA et al, 2006, p.42).
Segundo Canuto (1994a),
A história da década [1980] foi marcada pela aceleração inflacionária e a
instabilidade cambial quase permanente, com sucessivos tratamentos
ortodoxos e heterodoxos – choques fiscais e financeiros, congelamentos de
preços, moratórias externas, ortodoxia monetária, erosão de salários,
normalização do serviço da dívida externa etc. -, fracassando no intento de
estabilização (CANUTO, 1994a, p. 105).
41
Segundo Furtado (1998) entre 1985 e 1990
As importações aumentaram 25,2% mas as exportações evoluíram apenas
1,8%”. Esse desequilíbrio aconteceu em razão da “redução dos
financiamentos para as vendas ao exterior, queda dos preços dos produtos
primários no mercado internacional, defasagem cambial com a moeda
nacional sobrevalorizada e redução das vendas de manufaturados
brasileiros (FURTADO, 1998, p. 222).
O autor alega também que, além dos fatores internos, a conjuntura
internacional, no final da década de 1980, se apresentava desfavorável à economia
brasileira, bem como à dos países em desenvolvimento, pois existia uma tendência
de desaceleração da atividade econômica nos países desenvolvidos, principalmente
nos Estados Unidos da América - EUA, Japão e Alemanha, visto o ajuste de seus
balanços de pagamentos. Além da instabilidade cambial conseqüência das
incertezas dos mercados, a estagnação das economias das grandes potências,
reduziu crescimento do comércio internacional, aumentou a inflação interna e as
taxas de juros no mercado financeiro internacional.
O desemprego apresentou altos índices na primeira metade da década, mas
foi inferior na segunda metade. O PIB brasileiro, depois de manter uma taxa
média anual de crescimento de 8,7% na década de 70, teve uma medi
menor nos anos 80, enquanto a população aumentou à taxa média anual de
1,93%, o que revela seu empobrecimento no período. (FURTADO, 1998,
p.223).
Mas, ao final dessa década, apesar do quadro de instabilidade da economia,
“o produto industrial brasileiro reagiu, crescendo 3,2% em 1989, o que não ocorria
há três anos. A inflação, no entanto, aumentou aceleradamente no segundo
semestre daquele ano, atingindo 53,55% no final de 1989” (FURTADO, 1998, p.
223). Porém, no Brasil, a crise financeira foi deteriorando o Estado, aliada a
fragmentação política que impossibilitava a sua coordenação, favorecendo assim, a
elevação da inflação. Dessa maneira, “foram preparando o caminho para um ciclo
ainda mais profundo de desarticulação industrial e nacional nos anos 90”
(COUTINHO, 1999, p. 368).
42
4.1.2 Coréia do Sul nos anos 1980
Tanto o Brasil quanto a Coréia haviam incorrido em elevados níveis de
endividamento externo. A recuperação econômica internacional, liderada pelo
crescimento econômico norte-americano na década de 1980, permitiu tanto à Coréia
do Sul como o Brasil, a retomada do dinamismo em suas exportações de
manufaturados. Entretanto, na Coréia do Sul, o desfecho e a saída da crise da
década de 1980 seguiram um caminho diferente, com rápida expansão industrial e
forte elevação de produtividade e salários reais (CANUTO, 1994b). Se desvencilhou
da crise da dívida reciclando os seus passivos externos contando com o apoio dos
bancos japoneses e aproximando a sua articulação produtiva com o sistema japonês
(COUTINHO, 1999). A redução absoluta da dívida externa no país se deu devido à
obtenção de grandes superávits comerciais e sem que a normalidade de seus fluxos
de crédito externo tivessem sido afetadas. Por meio de um ritmo crescente da
economia, as taxas de inflação permaneceram inferiores aos da década anterior. Ao
contrário, o Brasil se viu diante de aceleração inflacionária, baixo crescimento
econômico e permanência da instabilidade nos fluxos monetário-financeiros com o
exterior (CANUTO, 1994b).
Coutinho (1999) ainda ressalta que,
Embora os planos qüinqüenais estabelecidos durante as décadas de 50,60
e 70 fossem de crescente liberalização e de ênfase no livre funcionamento
dos mecanismos de mercado – aliviando-se o grau de dirigismo que
caracterizava a “era Park” – não resta dúvida de que o Estado continuou
determinando os rumos e as prioridades do processo de desenvolvimento. O
grande objetivo era preparar a economia industrial coreana para aproximarse da fronteira tecnológica em pleno movimento (COUTINHO, 1999, p. 366).
O ingresso de tecnologia sob modalidades exteriorizadas, a composição de
passivos externos junto ao sistema bancário privado internacional e, portanto, a
baixa participação de investimentos diretos externos foram características marcantes
para a industrialização pesada na Coréia do Sul, no final da década de 70 e no início
da década de 80, quando comparados ao Brasil. Como ressalta Canuto (1994a, p,
106) “a propriedade local do capital produtivo foi fundamental na indústria pesada”.
O autor ainda afirma que,
43
O investimento direto com posição majoritária de estrangeiros foi
circunscrito às atividades de exportação de produtos manufaturados leves e
de montagem não-qualificada da metal-mecânica, prevalecendo joint
ventures com propriedade externa nunca superior a 50% no caso da
indústria pesada. (CANUTO, 1994a, p. 106).
A crise coreana na virada dos anos 80 é explicada por Balassa e Williamson
(1987 apud CANUTO, 1994a) como,
[...] parte dos “resultados desastrosos” do uso de medidas fortes pelo
presidente Park, compelindo os produtores de bens de consumo não
duráveis a investir na engenharia pesada e na química na segunda metade
dos anos 70. Em 1979, as exportações coreanas declinaram em termos
absolutos. Em 1980, a Coréia sofreu uma queda de 5% do PIB que só pode
parcialmente ser explicada pela safra agrícola ruim daquele ano e pelas
incertezas políticas que se seguiram no assassinato do presidente
(BALASSA; WILLIAMSON,1987, p.13 apud CANUTO, 1994a, p. 54).
Para conseguir sair da crise da dívida, a Coréia buscou novas operações de
captação no mercado financeiro japonês, através de empréstimos bancários (no
Euromercado e junto aos bancos americanos), que deu a possibilidade de substituir
as fontes convencionais de crédito. Aproveitando da situação, a Coréia aprofundou
sua parceria com a indústria japonesa, facilitando a entrada direta na Terceira
Revolução Industrial e Tecnológico (CANUTO, 1994b).
Percebe-se, então, que a parceria com o Japão foi muito importante não só
para escapar da crise da dívida, mas também para viabilizar a tentativa de avançar,
industrial e tecnologicamente, na direção do novo paradigma. Esforço que somente
obteve resultados por ter o Estado permanecido no seu papel diretor e coordenador
do processo de decisões privadas, estabelecendo prioridades e manejando o
conjunto de instrumentos e incentivos na direção pretendida.
Canuto (1994a), corroborando com Coutinho (1999), afirma que,
A vizinhança benigna explica em boa medida o sucesso sul-coreano. Mas
não é só: houve competência do Estado e da grande empresa privada para
aproveitar, com méritos próprios as oportunidades de ingressar diretamente
na Terceira Revolução Industrial (CANUTO, 1994a, p. 10).
Destaca-se que os grandes bancos comerciais mantiveram sua posição de
veículos de intermediação financeira desde a década de 1960 até a privatização na
década de 1980, visto que: a) na metade da década de 1960, a reforma possibilitou
o controle maior dos fluxos financeiros por meio do controle sobre empréstimos,
44
ingressos de capital estrangeiro com a finalidade de direcionar parcelas do
financiamento ao investimento e capital de giro (PACK; WETPHAL, 1986 apud
CANUTO, 1994a, p. 42); b) a manutenção do controle do acesso de divisas e de
monitoria sobre os fluxos comerciais na década de 1970 (CANUTO, 1994a).
Canuto (1994a) relata que o governo sul-coreano controlava 2/3 dos recursos
que tinham por finalidade o investimento em um país que apresentava um
crescimento acelerado, o que lhe conferia poder para direcionar os investimentos de
acordo com as taxas de juros diferenciais e a disponibilização de crédito. Sendo
assim, o autor alega que a estrutura financeira sul-coreana ficou abalada, visto “a
presença daqueles investimentos nas carteiras dos bancos estatais”, como também
mediante do “impacto simultâneo da explosão das taxas de juros internacionais
sobre os passivos externos contraídos pela economia junto ao sistema financeiro
privado no exterior, ao longo dos anos 70” (CANUTO, [s.d.], p. 1).
A política comercial adotada pela Coréia do Sul foi devido ao “uso velado de
restrições quantitativas, tarifas seletivas e gradual incorporação de bens de capital e
intermediários produzidos pela indústria pesada local nas atividades de exportação”,
confirmando dessa maneira o “dirigismo” neste país (CANUTO, 1994a, p. 52).
O dirigismo não se manteve apenas ao manejo setorial de recursos, mas
envolveu as “políticas de estruturação de mercados [...] nos anos 80, tornaram
conhecidos os chaebols coreanos que, constituíram os principais agentes para a
execução do projeto estatal de industrialização pesada” (CANUTO, 1994a, p. 44).
O crescimento industrial coreano fortaleceu sua inserção internacional com
base em uma estrutura de comércio nas quais os termos de troca só evoluíram em
seu favor, após o segundo choque do petróleo.
A vigência de um regime implícito de livre comércio para os exportadores
compensou boa parte das distorções resultantes das medidas protecionistas.
Observando que o “financiamento subsidiado às exportações e a própria
canalização do investimento externo para as atividades exportadoras, ao não
criarem clivagens entre as economias locais e o resto do mundo, teriam exercido
menor efeito desequilibrador” (CANUTO, 1994a, p. 54).
Canuto (1994a) coloca, em relevância ao sucesso da crise do endividamento
externo, dois aspectos específicos da experiência coreana: 1) A Coréia pôde
encontrar alternativas à saída dos bancos norte-americanos e conseguir manter a
elevação do coeficiente dívida/PIB; 2) a disponibilidade dessas duas fontes
45
alternativas de financiamento afigurou-se viável, entre outras razões, em decorrência
da estrutura do débito externo coreano, no tocante à responsabilidade pelos
encargos (CANUTO, 1994a, p. 112).
Ainda segundo o autor, ao contrário da experiência brasileira
[...] a razão dívida/PIB não chegou a patamares próximos a 50%. No caso
de índices como exportações/PIB ou serviço da dívida/Exportações,
observa-se que nada significam sem a consideração dos saldos comerciais,
e enquanto os déficits comerciais coreanos ascendiam vertiginosamente,
superávits brasileiros já emergiam em 1983, sem que, nem por isso, se
estabilizassem suas relações com a comunidade financeira internacional
(CANUTO, 1994a, p. 112).
O mesmo autor afirma que, no Brasil, a participação direta do setor público na
dívida externa total ascendeu de 52% (1973) para 63% (1978) e 76% (Junho de
1984), desdobrando-se a crise do endividamento externo, além da estagnação
decorrente da exaustão fiscal-financeira do Estado ao longo do processo, mas por
outro lado, na Coréia do Sul, “nenhum vínculo estratégico com firmas ou o Estado
teria sido condição suficiente para seu ajuste estrutural, caso tivesse atravessado a
crise com uma estrutura da dívida em que a responsabilidade dos encargos
estivesse, como no Brasil, associada à insolvabilidade” (CANUTO, 1994a, p. 114).
Observa-se que somente houve associação entre o crescimento sul-coreano
e o dinamismo econômico internacional e os elevados índices de exportação/PIB na
década 1980, em razão da continuidade dos investimentos, mesmo em um período
de transição caracterizado pela da crise do endividamento periférico. A inserção
internacional se reforçou devido a um upgrading industrial que teve como alicerce
“uma estrutura de comércio na qual os termos de troca só evoluíram em seu favor,
após o segundo choque do petróleo (CANUTO, 1994a, p. 114).
Outro elemento destacado pelo autor diz respeito ao aprendizado tecnológico
local que se mostrou muito relevante para a industrialização pesada coreana,
efetivando e aprimorando com rapidez a constituição de capacidades tecnológicas
locais de fabricação, além de instaurar processos de aprendizado reverso em
relação às capacidades de investimentos, e ainda, em muitos casos, de inovação.
A partir de 1986, saldos positivos no comércio de bens e serviços e em conta
corrente, com redução no índice dívida externa total/PIB para 29,5% em 1987,
marcaram a economia coreana (CANUTO, 1994a, p. 111).
46
Barroso ([s.d.]) aponta um fator preponderante que denota a diferença entre o
Brasil e a Coréia do Sul: as estratégias de abertura comercial e financeira.
Observando que a Coréia do Sul, a partir da década de 1980, enfrentou pressões
externas com o intuito de fazê-la liberar seus mercados. Ainda nesta mesma década,
o governo coreano adotou as seguintes medidas: a) “desregulamentou o mercado
de taxas de juros, até então, prevalecia um sistema de múltiplas taxas de juros de
modo a incentivar a poupança com taxas altas e fomentar o investimento com taxas
baixas”; b) “retirou algumas restrições sobre o mercado de câmbio deixando a
moeda flutuar mais livremente, não deixando, entretanto o regime coreano ser
classificado como um de flutuação suja” (BARROSO, [s.d.], p. 19).
Apesar das medidas tomadas pela Coréia nos anos 1980, o grau efetivo de
abertura comercial foi discreto no começo da década de 1990. Segundo Coutinho
(1994), embora a criação dos sucessivos planos qüinqüenais fossem para aumentar
a liberalização comercial e dar ênfase no livre funcionamento dos mecanismos de
mercado, o Estado ainda continuou determinando os rumos e as prioridades do
processo de desenvolvimento.
Visto que ambos os países aqui discutidos, Brasil e Coréia do Sul
conseguiram concluir seu o processo de industrialização e enfrentaram uma forte
crise na década de 1980, cabe agora analisar as medidas adotadas pelos países na
década de 1990.
4.2 A política neoliberal brasileira e coreana dos anos 1990
A liberalização dos mercados e a mudança para parâmetros institucionais
mais liberais foram movimentos ocorridos desde o final dos anos 80. Determinou-se
um relativo consenso para que focassem na idéia de limitação da atuação política
dos Estados Nacionais sobre os mercados competitivos. Este é um fato considerado
de extrema importância, na medida em que a época de modernização dessas
economias, desde o pós Segunda Guerra Mundial até meados dos anos 70, foi
caracterizado pelo predomínio seguido de que a política teria um papel principal para
a aceleração de desenvolvimento econômico e social (CUNHA; PRATES, [s.d.]).
Desde esse período, no âmbito latino-americano, têm sido crescentes as orientações
47
neoclássicas de abertura econômica, desregulamentação, liberalização das leis do
trabalho, privatização de empresas estatais, etc. Sob essa orientação, os países
latino-americanos, dentre eles o Brasil, vêm buscando melhorar seu desempenho
econômico e maior inserção econômica regional e internacional (MASIERO, 2007,
303).
Segundo Jackson e Sorensein (2003),
Nos anos 1980, o Banco Mundial e o FMI estavam convencidos de
que o caminho apropriado para o desenvolvimento era “mais
mercado e menos Estado”. (JACKSON; SORENSEIN, 2003, p.288).
A adoção de políticas neoliberais e a realização de ajustes estruturais a partir
da década de 1990, não são exclusividades dos países da América Latina. Essa
adesão ao programa neoliberal também pode ser observado na Ásia, em especial na
Coréia do Sul. Em resposta à crise da dívida dos anos 1980, esses países são
tragados pelo ‘movimento mais mercado’ nos anos 1990.
4.2.1 O Brasil nos anos 1990
O Brasil tem sofrido as pressões e choques vindo dos sistemas monetário e
financeiro internacionais desde o início dos anos 80. Os fatores desestabilizadores
puseram a economia brasileira numa direção de instabilidade que teve início com a
crise da dívida externa em 1982. A situação piorou nos anos 90 devido à abertura
financeira e cambial. (Gonçalves, 2005).
Pode-se afirmar que a reestruturação produtiva, juntamente com a recessão
causados pelos efeitos do plano Collor I e Collor II nos anos 1990, foram
características da economia brasileira. Essa reestruturação sucedeu como
desdobramento do fim do modelo de substituição de importações. Provocou também
a aceleração no processo de privatização de empresas estatais, abertura da
economia e desregulamentação dos mercados (LACERDA et al., 2006).
Depois do fracasso do plano Collor, em 1990, a inflação retornou ao patamar
de 20% ao mês até meados de 1993, quando voltou a crescer. “Às vésperas do
Plano Real, a taxa de inflação mensal estava próxima dos 50%" (LACERDA et al.,
48
2006, p. 169). Em 1994, o Brasil adotou o Plano Real, que foi considerado um dos
mais bem-sucedidos planos de estabilização da economia brasileira. De acordo com
LACERDA et al., (2006), o Plano Real obteve sucesso com relação à desindexação
da economia, reduzindo significativamente os níveis inflacionários, mas os juros
elevados e o câmbio sobrevalorizado, aumentaram a vulnerabilidade externa,
reduzindo o crescimento econômico e agravando o problema da deterioração das
contas públicas.
Observa-se que as várias tentativas para a recuperação do crescimento e a
fragilidade financeira dos sistemas bancários no mundo desenvolvido influenciaram
os bancos centrais, no aumento contínuo das taxas de juros, possibilitando aos
mercados emergentes atrair capitais financeiros em escala crescente. E, ainda, a
experiência de estabilização inaugurada pelo Plano Real também permitiu a
apreciação da taxa de câmbio logo no seu início, resultando na significativa
fragilização da balança comercial, favorecendo o surgimento de um déficit de grande
magnitude nas transações correntes com o exterior (COUTINHO, 1999).
Esse modelo de estabilização, fundamentado na manutenção da taxa de
câmbio valorizada provocou a elevação estrutural do patamar de importações, no
mesmo nível em que o sistema industrial passou a funcionar com crescente
substituição de insumos, partes e componentes, antes produzidos domesticamente,
por similares importados – com os preços muito reduzidos em razão do câmbio
atrasado (COUTINHO, 1999).
A conjugação desses efeitos provocou um deslocamento para cima da
função de importação, de tal forma que o coeficiente de importação sobre o
PIB cresceu “cerca de 4,5% para perto de 9% em 1995”. A participação das
importações na composição da oferta aumentou de forma generalizada e em
muitos casos avançou, substituindo a produção doméstica (COUTINHO,
1999, p. 370).
Diante da liberalização comercial e da apreciação do câmbio ocorrida na
primeira fase do Plano Real, a balança comercial brasileira, tradicionalmente
superavitária, começou a registrar déficits a partir de 1995, situação só revertida
após a mudança na política cambial ocorrida em 1999 em decorrência da crise
financeira enfrentava pelo Brasil no período (CARVALHO; SILVA, [s.d.]).
A crise financeira do Brasil em 1999 foi ocasionada devido à política de
estabilização promovida pelo Plano Real. A partir de 1994, o governo valorizou o
49
câmbio (âncora cambial) para incentivar as importações e aumentar a concorrência
domesticamente no intuito de frear a alta dos preços. Para financiar o déficit na
balança comercial provocado pelo aumento das importações, o governo também
promoveu a política de juros altos para atrair capital externo, especialmente os de
curto prazo. Essa política baseava-se na premissa de que o restante do mundo
continuaria a financiar o país, o que de fato se revelou errado. E, segundo, o custo
interno dessa política, representado pelo efeito que a desvalorização real gradual
anunciada implicava sobre a taxa de juros, pressionando a dívida pública e limitando
a capacidade de crescimento do país. Por outro lado, o benefício alegado na
manutenção da política era óbvio: conservar a estabilização, que o governo julgava
ameaçada em caso de descontinuidade da política cambial (AVERBUG; GIAMBIAGI,
[s.d.], p.37).
De 1994 até 1999, o governo possuía reservas cambiais suficientes para
manter o câmbio valorizado. Porém essas reservas foram diminuindo até chegar a
um ponto crítico onde o governo então se viu obrigado a mudar sua estratégia
determinando que a partir de 1999, o câmbio seria flutuante, ou seja, quem
determinaria o preço seria o mercado e não mais o governo. Sendo assim, a moeda
nacional brasileira foi desvalorizada, influenciando no aumento das exportações
(GIAMBIAGI, 2005).
Na verdade, o Brasil sofreu alguns "ataques especulativos" desde o Plano
Real. Esses ataques se caracterizam pela grande fuga de capital principalmente
estrangeiro do país, que ocorrem em função principalmente de crises econômicas
em outros paises, como a crise mexicana em 1994/95 e asiática de 97, que faz com
que os investidores especulativos busquem moeda "forte", dólar, causando a
desvalorização da moeda local (no caso o real). O último ataque especulativo fez
com que o real desvalorizasse fortemente o que teve um papel muito importante
para a flutuação do câmbio (GIAMBIAGI, 2005).
Segundo Coutinho (1999), as condições conjunturais brasileiras frente à
globalização, no fim da década de 1990, se caracterizam pela fragilidade, visto: a) a
“vulnerabilidade no financiamento de um elevado déficit em transações correntes
com a entrada de capitais de perfil relativamente curto”; b) a “fragilização do
desempenho comercial, expressa no risco de obtenção de superávit em patamar
inexpressivo, mesmo com a economia em recessão”; c) a “dificuldade em retomar o
crescimento econômico acelerado”, além das condições desfavoráveis relacionadas
50
à “natureza estrutural”, que se fixaram no longo período de crise econômica, a saber:
“a fragilidade competitiva da indústria em todos os complexos de alto valor agregado
e conteúdo tecnológico”; a “desnacionalização ampla, debilidade estratégica e o
reduzido tamanho dos grandes grupos empresariais brasileiros”; e ainda “a profunda
regressão da base doméstica de financiamento de longo prazo, o que atrasa a
centralização dos capitais e obriga à dependência de recursos fiscais ou
endividamento externo” (COUTINHO, 1999, p. 361).
A política de juros altos para a atração de fluxos de capital estrangeiro no
cenário da globalização financeira para enfrentar os desequilíbrios externos também
está presente na estratégia sul-coreana de inserção internacional nos anos 1990.
4.2.2 A Coréia do Sul nos anos 1990
Ao avaliar a evolução da Coréia do Sul de acordo com o que já foi dito nos
capítulos anteriores, percebeu-se que, historicamente, a Coréia do Sul apresentou
uma situação diferente. Em função do grande volume de empréstimos externos que
ajudaram a financiar seus planos de desenvolvimento, o país apresentava um alto
déficit em conta corrente. A partir da década de 1980 estes déficits foram revertidos
para resultados mais equilibrados (BARROSO, [s.d.]).
Nos anos de 1990, a Coréia do Sul teve como objetivo principal uma maior
abertura econômica e reformas na rede de relacionamentos entre o governo e os
grandes conglomerados empresariais. A atuação do governo foi pautada pelo
movimento político interno, juntamente com o movimento mundial chamado
globalização. Esse movimento, na Coréia, fundamentou-se não só pela busca de
mudanças internas do país, mas também pelo crescimento da presença das
empresas coreanas no exterior (MASIERO, 2007).
Para obter a atração de capitais, a busca de estabilidade cambial diante do
dólar, mediante ancoragem direta ou via cestas de moedas, era de grande
importância (além de eventualmente servir de instrumento de estabilização antiinflacionária). De acordo com as decisões de Investimentos Direto Externo (IDE), a
âncora diminuía o risco cambial para os investimentos voltados para o mercado
norte-americano (CANUTO, [s.d.], p. 39).
51
Ainda de acordo com o autor, a mesma redução de risco cambial foi favorável
para o ingresso de portfólio e o crédito bancário externo, assim como o crescimento
econômico e o otimismo influenciavam nas avaliações de riscos mínimos de crédito.
“A estabilidade perante o dólar era um dos estímulos à alavancagem financeira
doméstica com base na captação de dívidas externas de curto prazo” (CANUTO,
[s.d.], p. 39).
A liberalização financeira acelerou-se em 1995. Os merchant banks não se
preocupariam mais com a regulação que limitava o excesso de exposição perante
clientes específicos (ITO, 1999: 26) (HAHM; MISHKIN, 2000 apud CANUTO, [s.d.],
p. 44). Desta maneira, os conglomerados coreanos e os bancos aumentaram suas
estruturas patrimoniais em alta alavancagem e cruzamento de riscos (CANUTO,
[s.d.], p. 44).
A valorização cambial associada à alavancagem financeira levaram a Coréia
do Sul, e outros países asiáticos, a enfrentarem uma severa crise financeira em
1997. A crise financeira de 1997 impactaram fortemente a economia sul-coreana
(CANUTO, [s.d.]).
O governo coreano reduziu as taxas reais de juros, ajudado pelo fato de ter
sido baixo o repasse (pass-through) cambial à inflação. As taxas de juros de
curto prazo desceram de 30%, no início de 1998, para abaixo de 5% em
1999. Além disso, absorveu perdas privadas de capital, aceitando déficits
públicos elevados. O superávit de 0,3% do PIB, em 1996, seguido pelo
déficit de 1,5% em 1997, subiu aos patamares em torno de 4% em 1998-99
(HAHM & MISHKIN, 2000, apud CANUTO, [s.d.], p. 52).
Para analisar situação da Coréia do Sul diante da crise financeira que assolou
a Ásia em 1997 e teve seus reflexos no Brasil, faz-se necessário explicar dois
problemas em seu balanço de pagamentos: problema da solvência e de liquidez.
Segundo Barroso ([s.d.]), o primeiro problema afirma que “um país está insolvente
quando não possui moeda forte para honrar seus vencimentos externos, pois não foi
capaz de obtê-la em última instância através de suas exportações”. Este tipo de
problema normalmente termina em desvalorizações cambiais ou recessões ou em
ambos (BARROSO, [s.d.], p. 3).
O segundo problema de balanço de pagamentos é a crise de liquidez que,
segundo Barroso ([s.d.]), ocorre quando credores externos de um país resolvem
subitamente não renovar os empréstimos vincendos nos períodos subseqüentes.
Sendo assim, um país pode então carecer de moeda forte para honrar seus
52
compromissos
embora
apresente
um
passivo
externo
líquido
sustentável
(BARROSO, [s.d.], p.3.).
Nos anos de 1994-1995, o déficit em conta corrente sul-coreano ficou
aproximadamente em 5% de suas exportações. Já no ano seguinte, ano
antecedente à crise asiática, em que este indicador de solvência demonstrou seu
pior desempenho, o déficit atingiu magnitude equivalente a 17% das exportações,
índice quase três vezes menor que o brasileiro para o mesmo ano (BARROSO,
[s.d.]).
O argumento de que a crise asiática de 1997 foi uma crise de solvência do
balanço de pagamentos, segundo Barroso ([s.d.]), não se sustenta. E, na medida em
que se verificam os números para o indicador de liquidez coreano, observa-se que
desde o início da série, os números são altos, acima da razão unitária. Segundo
Barroso ([s.d.]), caso os credores externos de curto prazo resolvessem não renovar
seus empréstimos para a Coréia do Sul simultaneamente, os sul-coreanos não
teriam como pagá-los. “No ano de 1997 estes empréstimos representavam mais de
três vezes o valor das reservas internacionais coreanas” (BARROSO, [s.d.], p. 8).
Chega-se na conclusão de que a Coréia teve uma crise de liquidez a curto prazo, o
que a tornou vulnerável a uma crise “sistêmica” como foi à crise asiática de 1997
(BARROSO, [s.d.], p. 8).
Canuto ([s.d.]) ainda sustenta que,
Depois de cair 6,7% em 1998, o PIB coreano cresceu 10,9% e 8,8%,
respectivamente, em 1999 e 2000. A taxa de investimento interno bruto no
PIB subiu de 21,2% em 1998 para 28,7% em 2000. As exportações
cresceram ao ritmo de 8,6% e 20,1% em 1999 e 2000, respectivamente. O
déficit em conta-corrente no balanço de pagamentos de 1,7% do PIB em
1997 foi convertido em superávits de 12,6% em 1998, 6% em 1999 e 2,4%
em 2000. As reservas externas alcançaram US$ 92,5 bilhões em setembro
de 2000, enquanto seu piso em dezembro de 1997 fora de US$ 20,4 bilhões
(CANUTO, [s.d.], p. 53).
Dois fatores foram indispensáveis para recuperação coreana. Em primeiro
lugar, as exportações, ocasionadas pelo ótimo desempenho de vendas de produtos
eletrônicos, particularmente de semicondutores. A economia coreana tem-se
beneficiado do bom comportamento da economia internacional por ter sua pauta de
exportações composta com produtos de alto conteúdo tecnológico e dinamismo de
mercado acima da média. Nem mesmo com a economia dependente da importação
de petróleo, foi capaz de ofuscar o cenário (CANUTO, [s.d.]).
53
Tendo visto o panorama econômico do Brasil e da Coréia do Sul nos anos
1990, faz-se agora necessário analisar a evolução dos termos de troca das duas
economias ao longo deste período. A análise da evolução dos termos de troca do
Brasil e da Coréia do Sul nos anos 1990 permite comparar a situação em que esses
países chegam aos anos 2000; após adotarem caminhos parecidos – neoliberalismo
– (embora com políticas distintas) para sair da crise dos anos 1980 e após terem
enfrentado as conseqüências das políticas liberalizantes (crises financeiras).
4.3 A evolução dos termos de troca
A teoria da deterioração dos termos de troca desenvolvida por Raúl Prebisch,
que partiu da constatação empírica de que países subdesenvolvidos são
exportadores de produtos primários, de commodities (normalmente de preços
declinantes), e importadores de produtos manufaturados de alto valor agregado,
teve grande influencia na formulação de políticas de desenvolvimento na América
Latina. Ela influenciou o pensamento de gerações de economistas da Comissão
Econômica para a América Latina – CEPAL –, que passaram a preocupar-se mais
com as causas do subdesenvolvimento, em vez de seguir questionando os fatores
que levavam ao desenvolvimento e a recomendar o rompimento do ciclo perverso da
deterioração dos termos de troca (exportação de produtos de baixo valor agregado e
importação de produtos de alto valor agregado ao longo do tempo), dirigindo os
investimentos para a produção e comercialização de bens no mercado doméstico e
não para a exportação (MASIERO, 2007, p. 303).
De acordo com os estudos desenvolvidos no âmbito da Comissão Econômica
para a América Latina - CEPAL, influenciados pela deterioração dos termos de troca,
para formar um mercado doméstico e uma classe empresarial nacional são
necessários: certo grau de proteção e incentivos fiscais e creditícios às indústrias
nascentes. Esse tipo de política, conhecida como substituição de importações, foi
marcante dos processos de industrialização na América Latina até seu esgotamento
da década de 80 (MASIERO, 2007, p. 303).
Haffner ([s.d.]) também coloca que,
54
[...] modificar as estruturas dominantes a fim de diminuir a dependência
externa dos países em desenvolvimento via industrialização, constituía no
grande argumento preconizado pela Comissão Econômica para América
Latina e o Caribe (CEPAL) para atingir o desenvolvimento (HAFFNER,
[s.d.], p. 1).
Além dos termos de troca terem inspirados os pensadores da CEPAL e
sustentado a argumentação a favor da estratégia de substituição de importações,
eles apresentam uma relação direta com a evolução do bem-estar social. É
considerando essa relação termos de troca – bem estar social que os mesmos são
aplicados nesta seção.
Os termos de troca ou termos de intercâmbio é um conceito tradicional da
economia que significa relação entre os preços dos produtos exportados e os preços
dos produtos importados. A partir daí, pode-se concluir se houve uma melhora ou
piora no bem-estar da sociedade. Há uma melhora no bem-estar social quando os
preços das importações forem menores que os preços das exportações. Por outro
lado, haverá uma piora no bem-estar social quando os preços das exportações
forem menores que os preços das importações (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001).
Considerando os termos de troca do Brasil e da Coréia do Sul, a TAB. 1 e o
GRAF. 1 apresentam sua evolução de 1988 a 2000. A análise da evolução dos
termos de troca engloba, de fato, dois períodos: de 1988 a 2000, e de 1990 a 1999.
O primeiro período vai do final da década de 80 até os anos 2000, abrangendo o
final de uma época de crise e ultrapassando a década de 1990. O segundo período
enfatiza somente os anos componentes da década de 1990.
Gráfico 1: Evolução dos Termos de Troca (1988-2000):
Brasil e Coréia do Sul
250,00%
TT-CORÉIA
TT-BRASIL
200,00%
150,00%
100,00%
50,00%
0,00%
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
Fonte: Banco Central do Brasil, 2007; Banco Asiático de Desenvolvimento, 2007.
55
Tabela 1: Evolução dos Termos de Troca (1988-2000): Brasil e Coréia do Sul
ANO
CORÉIA DO SUL
Exportações
em US$
milhões
Importações
em US$
milhões
BRASIL
Termos de
Exportações
Troca (TT) -
em US$
CORÉIA DO
milhões
Importações
em US$
milhões
Termos de
Troca (TT) –
Brasil
SUL
1988
59,973
48,690
1.23
33,789
14,605
1989
61,832
57,487
1.08
34,383
18,263
1990
63,660
66,121
0.96
31,414
20,661
1991
70,546
77,450
0.91
31,620
21,040
1992
76,210
78,117
0.98
35,793
20,554
1993
82,098
79,948
1.03
38,555
25,256
1994
94,983
98,000
0.97
43,545
33,079
1995
124,934
129,298
0.97
46,506
49,972
1996
130,038
145,115
0.90
47,747
53,346
1997
138,731
141,986
0.98
52,994
59,747
1998
132,251
90,586
1.46
51,140
57,714
1999
145,375
116,912
1.24
48,011
49,210
2000
176,221
159,267
1.11
55,086
55,783
Fonte: Banco Central do Brasil, 2007; Banco Asiático de Desenvolvimento, 2007
2.31
1.88
1.52
1.50
1.74
1.53
1.32
0.93
0.90
0.89
0.89
0.98
0.99
A primeira época a ser analisada é de 1988-2000, em que os países estavam
em situação frágil no final da década de 80 ocasionadas pelas crises já discutidas
anteriormente.
Posteriormente
passaram
por
várias
situações
como
o
estabelecimento do Plano Real, a crise asiática de 1997 e a crise financeira em
1999, para então chegar em 2000. De 1988 a 1991, houve uma piora nos termos de
troca da Coréia do Sul, passando de 1.23 em 1988, para 0.91 em 1991. Isso
significa que houve um crescimento maior das importações do que das exportações.
No Brasil, também houve uma piora, passando de 2.31 em 1988 para 1.50 em 1991
(ver Tabela 1).
De 1992 até 1998, observa-se uma queda constante nos termos de troca
brasileiros. Mas uma época marcante para o país, que impactou drasticamente as
relações de troca foi o ano de 1994, estabelecimento do Plano Real. O governo
valorizou “artificialmente” o câmbio a fim de conter a inflação (âncora cambial). Com
isso, houve um incentivo das importações. Essa situação pode ser identificada pela
Tabela 1, em que mostra o aumento das importações de 33.079 milhões de dólares
em 1994 para 49.972 milhões de dólares em 1995. Esse aumento nas importações
brasileiras se traduz numa piora dos termos de troca no período, que cai de 1.32 em
1994 para 0.93 em 1995(ver Tabela 1).
56
A crise asiática de 1997 também mostra uma mudança drástica nas relações
de troca sul-coreanas. Porém, o que ocorreu foi uma melhoria nos termos de troca.
Neste caso houve uma queda maior das importações do que das exportações.
Avaliando numericamente, as importações no ano de 1997 foram de 141,986
milhões de dólares enquanto no ano de 1998, passou para apenas 90,586 milhões
de dólares. Já as exportações diminuíram de 138,731 milhões de dólares em 1997
para 132,251 milhões de dólares em 1998. Considerando resultados das relações,
houve uma melhoria nos termos de troca de 0.98 em 1997 para 1.96 em 1998 (ver
Tabela 1).
A terceira e última situação nas quais revelam mudanças na evolução das
relações de troca encontra-se no ano de 1999 para o Brasil. Diante da crise
financeira internacional e como Real sofrendo ataques especulativos, o governo
brasileiro adotou o regime de câmbio flutuante. Assim houve uma desvalorização da
moeda nacional, incentivando das exportações brasileiras. Observa-se no período
uma melhora nos termos de troca, que em 1999 era de 0.98 e passou para 0.99 em
2000 (ver Tabela 1).
A segunda época analisada considera os anos de 1990 a 1999. A década de
1990 mostra uma melhora nos termos de troca para a Coréia do Sul e uma piora nos
do o Brasil (ver Gráfico 1 e Tabela 1). Levando em conta os dados da Tabela 1,
verifica-se que em 1990 a relação no caso do Brasil era de 1.52 e passou para 0.98
em 1999. Já na Coréia observa-se a mudança de 0.96 em 1990 para 1.24 em 1999.
Portanto, considerando que os termos de troca podem ser usados para
analisar a evolução do bem estar social, pode-se afirmar que a Coréia do Sul chegou
melhor que o Brasil nos anos 2000, em termos de bem estar social (1.11 contra 0.98
nas relações de troca). Mas, se por um lado a década de 1990 (de 1990 a 1999)
mostra uma evolução favorável para a Coréia do Sul em seus termos de troca e uma
deterioração nos termos de troca brasileiros; por outro, quando a análise é
expandida para o período de 1988 a 2000, ambas as economias mostram uma piora
no bem estar social.
57
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, os anos de 1930 e os anos de 1970 foram de extrema importância
para a definição das características da estratégia da industrialização por substituição
de importações. Durante estas cinco décadas, a industrialização expandiu-se e a
economia atravessou por um crescimento acelerado, que teve seu ápice na década
de 1970 e entrou em declínio no início anos 80. Fatos como os choques do petróleo
e o choque dos juros foram determinantes de sérias restrições externas. A
preocupação com a industrialização e com o planejamento econômico foi substituída
por políticas de estabilização econômica e de controle das contas publicas.
No final da década de 1980, a economia brasileira sofria com um crescimento
reduzido e com a inflação. A rotatividade de atividades econômicas exercidas de
forma rápida e radical na década de 80, juntamente com a crise que permanecia na
época da dívida externa e a hiperinflação, causaram uma desilusão profunda com o
padrão de desenvolvimento que predominava desde a década de 1930, onde o
Estado possuía um papel central para influenciar e determinar essas atividades
econômicas. O lento crescimento da produtividade pode-se dizer, portanto, que
justifica a irrelevância de se pensar em estratégia de industrialização via substituição
de importações durante a década de 80, que foi chamada por alguns autores de
“década perdida”.
Já no decorrer da década de 1990, com a adoção de políticas neoliberais, a
abertura econômica pôde ser considerada a principal característica que refletiu
drasticamente nas políticas para o estabelecimento de um conjunto de reformas
voltadas para a criação de uma nova ordem focada no mercado. Em 1994, para
conter a inflação e reduzir a dívida externa que foram conseqüências da década
anterior, o governo estabeleceu o plano Real, que valorizou artificialmente o cambio
da moeda nacional (âncora cambial) para incentivar as importações.
É importante ressaltar alguns dados numéricos para ilustrar a situação. As
exportações cresceram em 17% entre 1994 e 1998 (ver Tabela 1 e Gráfico 1), mas
as importações elevaram-se ainda mais, aumentando 77% no mesmo período.
Entretanto, a desvalorização de 1999 levou a uma queda nas importações, mas por
58
outro lado, incentivou as exportações, que consequentemente melhorou as relações
de troca do país.
O ano 2000, comparado ao ano anterior (1999), foi marcado por um maior
crescimento das exportações do que o crescimento das importações, ou seja, ao
analisar-se proporcionalmente o crescimento das exportações entre 1999-2000 e as
importações de 1999-2000, percebe-se que em termos numéricos (ver Tabela 1)
houve um aumento das exportações maior do que o aumento das importações.
Portanto, houve uma melhora nos termos de troca.
No que diz respeito à Coréia do sul, o crescimento econômico deste país
após a Guerra da Coréia, em 1953, foi liderado por uma política de industrialização
que enfatizava a reconstrução do país por meio da substituição de importações entre
os anos 1953 e 1960. A partir de 1960, o país adotou uma política voltada para a
promoção de exportações, apesar de assumir claramente a continuidade de uma
política substituidora de importações seguida dos planos de desenvolvimento. As
décadas de 1960-70 foram caracterizadas por grande intervenção governamental.
A crise do petróleo em 1973 desestruturou a balança de pagamentos da
Coréia.
Como
resultado,
o
governo
resolveu
mudar
sua
estratégia
de
desenvolvimento. A Coréia recorreu, portanto, para a indústria química e pesada. As
características relevantes para a economia da Coréia neste período foi de
instabilidade política, estagnação global, taxas de juros altas. Porém, em meados de
1980, a Coréia se recuperou rapidamente. O governo adotou estratégias liberais
para a economia e introduziu uma melhor competição em todos os setores
dependendo mais dos mecanismos de mercado. Por meio de uma mudança
crescente da economia, as taxas de inflação permaneceram inferiores aos da
década anterior (1970).
Os anos 1990 foram fundamentados na abertura econômica e reformas na
corrente de relacionamentos entre o governo e os grandes conglomerados
empresariais. Ao analisar as relações de troca durante os anos 1990-1999 (ver
Tabela 1), e comparando com os dados brasileiros na mesma época, pode-se
concluir que na Coréia do Sul houve uma melhora nos termos de troca, passando de
0.96 em 1990, para 1.24 em 1999, enquanto no Brasil houve uma piora nos termos
de troca, que em 1990 estava 1.52 e foi para 0.98 em 1999.
Isso quer dizer que a Coréia do Sul, diante dos reflexos das crises da dívida
de 1980, das diferentes adoções de estratégias de desenvolvimento econômico
59
durante os anos 80, e partindo para as políticas neoliberais em 1990, consegui uma
melhora no bem estar social de sua sociedade. O Brasil, em virtude dos caminhos
adotados antes da crise dos 1970, enfrentaram nos anos 1980 uma situação muito
mais adversa que a Coréia do Sul e apesar de também aderir ao programa
neoliberal nos anos 1990, o faz mais tarde e mais amplamente, sofrendo seriamente
os efeitos das crises financeiras dos anos 90. Assim, a evolução dos termos de troca
brasileiros na década e 1990 mostram uma piora no bem estar social de sua
sociedade. A partir dessa observação, comprova-se que com a estratégia de
desenvolvimento econômico adotada pela Coréia do Sul durante esse período, esta
chegou ao ano 2000 numa situação melhor que o Brasil.
60
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CDD: 327
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária:
Vanuza Bastos Rodrigues – CRB: 1172
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