O jogo didático na perspectiva de Vygotsky e a inclusão do aluno no processo de ensino e aprendizagem de Química Edinalva Fernandes Alves do Nascimento1* (PG) (FM), Marcelo Duarte Porto2 (PQ) *[email protected] 1Colégio Estadual João XXIII – Ceres GO; Universidade Estadual de Goiás, Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, Campus Anápolis UNUCET. 2Universidade Estadual de Goiás, Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, Campus Anápolis UNUCET Resumo: Este projeto foi desenvolvido no Colégio Estadual João XXIII, na disciplina de Química da 1ª série do Ensino Médio pela professora regente da turma que no momento cursa o Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da UEG. Analisa-se o jogo didático “Memória Química” adaptado do tradicional jogo de “Memória” envolvendo os elementos químicos da tabela periódica com o intuito de facilitar o aprendizado dos alunos com Dificuldades de Aprendizagem. A literatura demonstra que os jogos favorecem o desenvolvimento das Funções Psíquicas Superiores, de acordo com a teoria de Vygotsky. Assim, o desenvolvimento cognitivo se constitui pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura. A escola é o espaço onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo de ensino-aprendizagem. O jogo está entre aqueles materiais construídos por meio de um amálgama dos signos, instrumentos e regras disponíveis em um determinado contexto. Conclui-se constatando o potencial dos jogos didáticos para o desenvolvimento psíquico dos educandos, principalmente para a inclusão daqueles com Dificuldades de Aprendizagem. Por fim, alertamos sobre os riscos das tendências biologizantes e deterministas que em nada acrescentam para a busca de soluções para o grave problema que é o fracasso escolar no Brasil. Palavras-chave: Jogo Didático. Química. Inclusão. Dificuldade de Aprendizagem, Vygotsky. Introdução Incluir o aluno com dificuldade de aprendizagem no processo de ensino de Química é um desafio da escola, professores e pais. Inclusão escolar não atinge apenas os alunos com deficiências e os que apresentam Dificuldades de Aprendizagem (DA), mas todos os alunos envolvidos no processo de ensino (MANTOAN, 2006). A escola, os professores e a família são responsáveis pela construção desse saber, na interação de todos os educandos e no processo de ensino e aprendizagem. Portanto é necessário que todos envolvidos com a educação busquem novas práticas pedagógicas que facilitam o aprendizado dos alunos com dificuldade de aprendizagem (DA) e no desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Oliveira e Porto (2010) enfatizam que, o professor precisa conhecer a teoria que fundamenta o desenvolvimento da aprendizagem do ser humano, suas deficiências e, principalmente, buscar o potencial de cada um, criando e recriando relações de mútua afetividade. O sujeito deve ser visto como um ser integral, social, observando sua idiossincrasia na construção da autonomia e do seu papel dentro da sociedade. Formar um cidadão crítico e participativo, capaz de desenvolver suas potencialidades adormecidas e negligenciadas, passou a ser uma diretriz na construção do sentido a função da instituição escolar nos nossos dias. Atualmente uma das grandes preocupações dos professores é conscientizar o aluno sobre a importância dos conceitos científicos para o seu cotidiano e levá-los a uma aprendizagem efetiva e significativa. Na escola são muitos alunos rotulados com DA, principalmente nas disciplinas das Ciências da Natureza. O Jogo Didático surge como uma forma de motivar e incluir o educando para o estudo da Química. O jogo é uma forma de lúdica de aprendizagem, além de criar um vínculo afetivo entre professor-aluno, aluno-aluno e proporcionar a construção coletiva do conhecimento. De acordo com Soares (2015), só é considerado jogo, quando o ambiente de sala de aula se torna um lugar de prazer, de alegria, de exploração livre do conhecimento com erros e acertos. O erro passa a ser compreendido como uma oportunidade para a construção do conhecimento que está de acordo com o paradigma científico vigente. Cunha (2012) enfatiza que os jogos, de modo geral, sempre estiveram presentes na vida das pessoas, como uma parte fundamental para a diversão, competição ou como forma de aprendizagem. Os jogos estão relacionados com a vivência das pessoas e o saber conviver com os outros. O lúdico, portanto, é uma forma de mediar o conhecimento, possibilitando ao professor oferecer aos seus educandos o conhecimento sistematizado, aproximando-se, gradativamente, do conhecimento químico (MESSEDER NETO, 2016). O aluno tem possibilidade de aprender, mas para isso o professor precisa conhece-lo, dar voz a ele! Dessa forma, criar alternativas pedagógicas capazes de despertar seu interesse com atividades que lhe dê prazer e ao mesmo tempo sejam significativas para a internalização dos novos conceitos químicos. Sendo assim, o jogo é um recurso do qual o educador pode fazer uso para ajudar os educandos que estejam com alguma DA a se tornarem pessoas conscientes, participativas e felizes no processo de ensino (KISHIMOTO, 2011). O jogo tem essa possibilidade de envolvimento e participação de todos, proporcionando o divertimento e um aprendizado contínuo. A escola é um lugar onde a intervenção pedagógica desencadeia o processo de ensino e aprendizagem. A teoria de Vygotsky (2007) propõe para o professor ações que irão mediar a aprendizagem do aluno, possibilitando a apropriação do patrimônio de conhecimentos sócio-culturais. Vygotsky nos orienta a conhecer o aluno desde a sua história, a utilizar de instrumentos e signos como recursos na formação do conhecimento e no desenvolvimento sócio-afetivo e cultural. A partir desse contexto, o presente projeto teve como objetivo desenvolver e aplicar um jogo didático denominado “Memória Química” com a participação de toda a turma na confecção e aplicação do jogo, para mediar o aprendizado de conceitos químicos de alunos da 1ª série do Ensino Médio que estejam com DA relacionada aos Elementos Químicos da Tabela Periódica. Material e Métodos Este projeto foi desenvolvido no Colégio público da cidade de Ceres (GO), com os alunos das 1ª séries do Ensino Médio do turno matutino, onde todas as turmas apresentavam alunos com dificuldades de aprendizagem. É um Colégio que oferece somente Ensino Médio, de porte médio que atende alunos da cidade e da região, nos três turnos. É uma escola reconhecida por sua comunidade como escola inclusiva, pelos seus diversos projetos pedagógicos que visam à política da Educação Inclusiva e o atendimento aos alunos com Necessidades Educativas Especiais. Oliveira e Porto (2010, p. 65) afirmam que: (...) o contexto escolar torna-se um espaço social privilegiado, capaz de promover os relacionamentos interpessoais, favorecendo o desenvolvimento das potencialidades humanas contidas em cada ser. A tarefa da escola consiste em fazer todos os esforços para encaminhar a criança na direção de superar limites e desenvolver, com a intervenção dos processos culturais, aquilo que lhe falta. Nesse sentido, destacamos a atuação do professor como decisiva para o sucesso desse processo. A escola tem possibilidade de receber esse educando com ações e recursos didáticos que venham ao encontro de suas necessidades, sonhos e aspirações. O professor é um mediador que atua na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) do aprendiz, que é definida da seguinte forma: (...) a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível real (da criança) de desenvolvimento determinado pela resolução de problemas independentemente e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela resolução de problemas sob a orientação de adultos ou em colaboração com companheiros mais capacitados (VYGOTSKY, 2007, p. 86). Nesta perspectiva o desenvolvimento cognitivo se constitui pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para dentro. Dessa maneira, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo de ensino- aprendizagem. O jogo, por sua vez, está entre aqueles materiais construídos pela cultura e na cultura por meio de um amálgama dos signos e instrumentos disponíveis em um determinado contexto concreto. O jogo “Memória Química” foi adaptado do tradicional “Jogo de Memória”. No primeiro momento, a professora de Química da turma apresentou aos alunos todos os Elementos Químicos da Tabela Periódica, fazendo a exposição de seus nomes e símbolos, bem como suas características e aplicações para a vida do ser humano, com o uso de um pôster contendo todas suas características. Para um aprendizado gradativo, foram expostos apenas os elementos químicos da Família A. No segundo momento foi confeccionado o jogo em grupos de três alunos utilizando os seguintes materiais: papel cartão, régua, tesoura, pincel atômico, lápis de cor e tabela periódica, utilizando os elementos químicos e suas aplicações. Foram escolhidos pelos próprios alunos 10 elementos da tabela periódica (Família A) e feito um estudo a respeito de todas suas características utilizando livros e sites. Para confecção do jogo foram feitas 20 peças com 10 cm x 10 cm de papel cartão. Em 10 peças foram escritos o símbolo e o nome do elemento químico escolhido pelos alunos. Nas outras peças foram escritas as principais aplicações desses elementos na vida do ser humano e uma pequena ilustração de algum produto que contivesse o elemento químico escolhido para formar os pares de estudo, a fim de facilitar o processo do jogo e seu aprendizado, principalmente para os alunos diagnosticados com dificuldade de aprendizagem. Para aplicação do jogo foram apresentadas as regras que são as mesmas do jogo tradicional de Memória. Cada grupo de três alunos jogava seu próprio jogo e o vencedor era aquele que tivesse o maior número de pares de peças. Após duas rodadas utilizando o jogo, cada grupo teve que trocar de jogo com outro grupo para melhor conhecimento e aprendizado de outros elementos químicos e suas características. Em todos os momentos houve a mediação do professor regente na confecção e aplicação do jogo. Por último, foi realizado um feedback pelo professor regente da turma, com a participação de todos os alunos na contextualização do conteúdo, utilizando das próprias peças confeccionadas pelos alunos para melhor exploração do conteúdo e aprendizado dos conceitos químicos. Resultados e Discussão A execução e a aplicação deste projeto no Colégio Estadual João XXIII nas aulas de Química das 1ª series do Ensino Médio, veio despertar a temática que envolve a ludicidade como um meio capaz de auxiliar o professor no processo de ensino e aprendizagem de química e favorecer o desenvolvimento de novas habilidades que conduzirão para um aprofundamento de conceitos desconhecidos pelos educandos. Cada momento executado do projeto foi bastante significativo, pois houve um envolvimento de todos os alunos da turma de forma voluntária, criativa, alegre e participativa em todas as etapas do jogo, bem como, estimulou a concentração e o raciocínio lógico do educando. Messeder Neto (2016, p. 191) destaca que, “A presença de regras, a liberdade cerceada no jogo e essa relação emocional de divertimento que carrega uma atividade lúdica, permitem que o aluno preste mais atenção a um determinado foco”. O referido projeto apresentou resultados positivos e significativos na confecção e aplicação do jogo, através do trabalho pedagógico de interação do conhecimento, respeitando todas as diferenças e ritmos de aprendizagem dos educandos, principalmente dos alunos que apresentavam dificuldade de aprendizagem. A participação do aluno na construção do jogo proporcionou um maior conhecimento dos conceitos químicos, pois foi necessário um estudo aprofundado do tema e a participação de todos na confecção do mesmo. Cada um contribuiu conforme seu conhecimento sobre o assunto, motivando assim um trabalho em equipe na construção do conhecimento. Incluir o aluno com dificuldade de aprendizagem para ensino e aprendizagem de química, faz do professor o principal mediador desse processo, e o aprendizado de química com certeza, é a garantia de todo sucesso. Figura 1 – Construção do Jogo Figura 2 – Aplicação do Jogo Considerações Finais Esse projeto propôs descrever e analisar o desenvolvimento do jogo “Memória Química” no aprendizado da disciplina de química para os alunos que apresentam dificuldade de aprendizagem. Com a aplicação do jogo podemos observar o quanto o aluno desenvolve várias habilidades, como física, social, afetivo, iniciativa, trabalho em equipe e o desenvolvimento cognitivo de forma lógica e coerente. Não basta apenas o professor prover de recursos lúdicos. É necessário um estudo e planejamento para que todas suas ações possam ter sucesso na aplicação do jogo. Ter objetivos claros, para que o aluno perceba a necessidade voluntária da participação da atividade proposta, sem coerção e discriminação de qualquer aluno que apresenta dificuldade de aprendizagem. Messeder Neto e Moradillo (2013, p. 5) destacam que: (...) na adolescência, além do estudo, outra atividade principal é a comunicação íntima e pessoal entre os jovens. Nessa relação, o jovem reproduzirá com os companheiros as relações existentes entre os adultos, formar-se-á sua visão de mundo e o sentido pessoal para a vida. Nessas relações são evidenciadas os valores morais, éticos dos adolescentes. O jogo ajuda no processo de inclusão de alunos com deficiências ou não, com dificuldades de aprendizagem e outros transtornos a interagir com os demais colegas e principalmente com o conhecimento científico apresentado pelo professor de forma mais prazerosa e divertida. Como é importante o desenvolvimento de atividades pedagógicas lúdicas no ambiente escolar para aprofundamento e melhor aprendizado dos conteúdos de química, para que o aluno possa construir seu conhecimento de forma alegre, prazerosa e criativa. Por fim, chamamos a atenção para o significado da expressão Dificuldades de Aprendizagem, utilizada neste texto. Não utilizamos os termos Distúrbios de Aprendizagem nem Transtorno de Aprendizagem pois esses carregam em demasia o sentido biológico e sua consequente medicalização. O termo DA pretende significar que qualquer pessoa, em um determinado momento, pode apresentar alguma dificuldade no processo de ensino-aprendizagem. Tal dificuldade pode ter uma origem, inclusive, nos meios pedagógicos utilizados. Não se trata de culpar o aluno ou o professor pelo fracasso escolar, pois todos nós, crianças ou adultos temos nossos caminhos próprios de aprendizagem. Neste sentido, a aprendizagem torna-se um processo muito singular. Talvez uma forma mais ponderada de refletir sobre essa questão seja pensarmos em uma responsabilidade compartilhada. Segundo Fernandes (2001), essa forma de compartilhar a responsabilidade por aquilo que não vai bem no processo de ensino-aprendizagem, exime a imposição de culpas excludentes e/ou imobilizadoras. A culpabilização do aluno ou do professor apenas gera angústias que impedem que surja a lucidez necessária para que se faça a passagem de vítimas (de um sistema, de determinantes biológicos, etc) para protagonistas de suas próprias vidas e sentidos. Agradecimentos Ao Colégio Estadual João XXIII e a Universidade Estadual de Goiás, pela parceria e apoio na execução de novas práticas pedagógicas. Referências CUNHA, M. B. Jogos no Ensino de Química: Considerações Teóricas para sua utilização em sala de aula. Revista Química Nova na Escola, vol. 34 n° 2 p. 92-98, maio 2012. Disponível em: www.qnesc.sbq.org.br. Acesso: 15/04/16. FERNANDEZ, A. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed,2001. KISHIMOTO, T. M.(Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação.14. Ed. São Paulo: Cortez Editora, 2011. MANTOAN, M, T. E. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Editora Moderna, 2006. MESSEDER NETO, H. S. O Lúdico no Ensino de Química na Perspectiva Histórico- Cultural: Além do Espetáculo, Além da Aparência. 1.ed. - Curitiba: Editora Prismas, 2016. MESSEDER NETO, H. S.; MORADILLO, E. F. Ludicidade na Perspectiva Cultural: Contribuições para o ensino e aprendizagem dos conceitos científicos. IX Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Águas de Lindóia, SP, 2013. OLIVEIRA, M. D. M.; PORTO, M. D. Educação Inclusiva: concepções e práticas na perspectiva de professores. Brasília: Editora Aplicada, 2010. SOARES, M. H. F. B. Jogos e Atividades Lúdicas para o Ensino de Química. Kelps: Goiânia, 2015. VYGOTSKY, L. S. A Formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007.