Analfabetismo: até quando? Artigo publicado em 2008. *Timothy D. Ireland Apesar dos esforços que vêm sendo empreendidos mundialmente para superar o problema do analfabetismo e da exclusão na educação, muitos países, entre eles o Brasil, ainda registram uma situação preocupante com enormes desafios a enfrentar. Embora índices quantitativos tendam a reduzir a dimensão humana das questões que representam, é fundamental lembrar que mundialmente são mais de 774 milhões de pessoas adultas (a maioria mulheres) que não sabem ler e escrever. Na América Latina, o contingente é da ordem de 34 milhões e, no Brasil, 14,4 milhões de jovens e adultos continuam analfabetos e excluídos. Essa verdadeira população de excluídos é assim chamada porque a eles é negado o direito à educação, considerado um direito humano básico e premissa para acesso a outros direitos igualmente fundamentais. A negação desse direito os exclui de outras conquistas e bens civilizatórios que já poderiam estar incorporados e democratizados. É preciso frisar ainda a importância primordial da alfabetização para a democracia, para a liberdade individual e coletiva e para o desenvolvimento socioeconômico e sustentável das nossas sociedades. Por isso a UNESCO não se cansa de chamar a atenção para o fato de que a educação é um dos melhores investimentos, tanto para a melhoria e dignificação da vida quanto para a sociedade. O cenário econômico e social da América Latina nos últimos anos demonstra um crescimento do PIB acima de 3% acompanhado por melhora nos indicadores do mercado (ocupação e emprego). As taxas de pobreza e indigência têm diminuído, porém, em 2007, ainda havia 190 milhões de pobres, dos quais 70 milhões de indigentes. Existe sem dúvida uma forte relação entre pobreza e analfabetismo para os jovens e adultos que compõem esses 190 milhões no continente. No Brasil, em 2006, além dos 14,4 milhões de jovens e adultos, cujo direito constitucional à educação não tinha sido respeitado, havia mais 16 milhões que não concluíram o primeiro segmento (1ª a 4ª série) do ensino fundamental – os chamados analfabetos funcionais. Apesar do crescimento nos últimos três anos, o cenário internacional tem demonstrado recentemente mudanças retratadas por uma volatilidade financeira e uma desaceleração do ritmo de crescimento mundial bem como uma nova aceleração inflacionária. Sinais de recessão são normalmente acompanhados por cortes nos investimentos sociais em áreas mais vulneráveis como educação e saúde e em programas de assistência aos segmentos mais pobres. Se esses gastos já eram pequenos na maioria dos paises da América Latina, corremos o risco de cortes que colocam em perigo os modestos avanços dos últimos anos. Há que se investir mais em políticas sociais de longo prazo destinadas a aumentar a eqüidade e a inclusão. Entre essas políticas sociais evidentemente incluímos a educação no sentido amplo – educação básica, alfabetização e educação continuada para jovens e adultos. Qualquer corte nos orçamentos da educação de adultos, que na maioria dos países não chega a representar 1% do orçamento da educação, seria um retrocesso e um novo ato de exclusão. Mais do que isso, o analfabetismo representa um custo alto e um poderoso obstáculo para o Brasil inserir-se no mundo como nação democrática e cidadã. No campo da educação de jovens e adultos, a questão do direito à educação e aprendizagem ao longo da vida e ao desenvolvimento sustentável eqüitativo e justo fará parte da agenda da VI Conferência Internacional de Educação de Adultos, evento que ocorre no mundo a cada 12 anos e que, em 2009, será realizado em Belém do Pará. Será a primeira vez que um país do hemisfério sul sedia a conferência, que se constitui em um espaço privilegiado de diálogo e discussão e um momento ímpar para estabelecer novas diretrizes para a educação de adultos para os próximos anos. A despeito dos avanços nos últimos anos, para a maioria dos paises em desenvolvimento a alfabetização se impõe como questão prioritária. Para o Brasil, a Conferência oferecerá a chance de mostrar para o resto do mundo o seu compromisso com uma alfabetização de qualidade e uma política que garante acesso à educação, e a sua continuidade para todos os jovens e adultos até então excluídos – uma verdadeira educação de qualidade para todos na perspectiva da aprendizagem ao longo da vida. Esperamos que, a partir da Conferência de Belém, possam os países redobrar seus esforços para não adiarem mais uma decisão política de dimensão estadista com vistas à universalização da alfabetização. O Brasil, que marcha para ser um país de todos, tem um papel especial nessa luta, pois como já ressaltou o Presidente Lula, a educação constitui a prioridade mais importante. *Timothy Ireland é especialista em Educação de Jovens e Adultos da UNESCO no Brasil http://www.brasilia.unesco.org/noticias/opiniao/artigooutros/analfabetismo-ate-quando