Senhor Promotor - Centro de Apoio Operacional das Promotorias de

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Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública
IC MPPR XXXXXXX da Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública da Comarca de
Nova Fátima
Assunto: Apurar a falta de fornecimento de medicamentos por parte Município de Nova Fátima
O Conselheiro do C.S.M.P., doutor Saint-Clair Honorato Santos,
encaminhou os presentes autos de inquérito civil, originário da Comarca de Nova Fátima, a
este CAO de Proteção à Saúde Pública para manifestação a respeito de promoção do
arquivamento em reexame necessário.
Cuida-se de procedimento instaurado em 2007 para apurar
“possível irregularidade na aquisição de medicamentos pela Prefeitura Municipal de Nova
Fátima” (fls. 2), porque a pessoa de XXXXX (fls. 4) não recebera os fármacos prescritos em
receituário médico.
Requisitaram-se informações a respeito, o que foi respondido em
fls. 5, bem como sobre os critérios para aquisição e dispensação dos medicamentos pelo
município, inclusive se as verbas seriam originárias da assistência social ou da saúde, se do
Estado ou do próprio Município, o que restou esclarecido em fls. 29 e 48.
Foram apresentados inúmeros certames licitatórios, notas de
empenho, notas fiscais e cheques de aquisições de medicamentos, muitos em cópias (fls.
53/90, 188/344 e 356/521) e outros originais, posteriormente devolvidos à Prefeitura Municipal
de Nova Fátima (fls. 353).
A promoção de arquivamento fundamentou-se na inexistência de
indícios de irregularidades nas licitações analisadas, para aquisição de medicamentos, bem
como pelo fato de haver outro procedimento apuratório em trâmite, de n. 94.10.00003-6, para
apurar se há distribuição dos medicamentos da atenção básica, de competência do município
(fls. 530).
À parte quaisquer considerações sobre eventuais ilegalidades nas
licitações, para cuja análise seria conveniente colher-se pronunciamento do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público, do contido nos
autos não se inferem irregularidades que possam ter existido, à época (em 2007), na
assistência farmacêutica por parte do município de Nova Fátima, o que dificilmente
representaria repercussões nos dias atuais, ou seja, sete anos depois. A tendência desse tipo
de fenômeno é espraiar efeitos mais limitados no tempo.
A municipalidade esclareceu que a dispensação de medicamentos
se daria mediante apresentação da prescrição médica, advinda de consulta nas unidades de
saúde, sem comprovação de pobreza, mediante aquisições de alguns fármacos pela
Secretaria Municipal de Saúde diretamente e outros através do Consórcio Paraná Saúde (fls.
29).
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De fato o fornecimento de remédios não se condiciona à
hipossuficiência, pois inexiste (desde aquela época até hoje), dispositivo no ordenamento
jurídico a respeito. Não se confunde o direito à saúde – previsto no art. 196 da Carta Magna
como “de todos” – com o direito à assistência social – direcionado, pelo art. 203 da
Constituição, somente “a quem dela necessitar”.
Nesse contexto, a garantia de acesso universal se traduz no
princípio da universalidade do art. 7º, I, da Lei n. 8080/90: todos têm direito de acesso às
ações e serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação, sem privilégios ou
distinções (art. 7º, IV, da mesma Lei) (art. 196 da CR/88), para assistência terapêutica
integral, inclusive farmacêutica (art. 6º, I, “d”, do mesmo diploma legal).
Ainda assim, tão somente a emissão de prescrição médica, mesmo
no tempo dos fatos apurados (2007), não traduziria, por si só, direito subjetivo à dispensação
daquele medicamento, como se faz crer em fls. 4. Ou seja, nem sempre o receituário médico
é sinônimo perfeito de direito incontrastável.
Nas atribuições da atenção básica no SUS, a municipalidade dever
dispensar todos os insumos necessários para o tratamento das moléstias, mas dentro de
regramentos específicos.
A experiência demonstra que pode haver influência da indústria
farmacêutica, incentivando a receita de remédios, muitas vezes e em alguns casos,
possuidores de caráter experimental e, nem sempre, de eficácia indiscutível; e que, esta
relação de indução à prescrição, em geral reprovável, já foi objeto de discussões no Conselho
Federal de Medicina (Revista de Medicina – CFM, n.º 159, de abril/maio/junho de 2006).
Os médicos prestadores de serviços ao SUS executam atividade
tipicamente pública, ao ponto de suas prescrições exprimirem as próprias vontade e
responsabilidade do poder público na adequada execução de suas obrigações de saúde,
sendo, portanto, contraditório ao Sistema Único de Saúde, prescrever o medicamento e, ao
mesmo tempo e por outra instância, negar sua dispensação.
A Constituição Federal, no seu artigo 37, caput, obriga a
Administração Pública obedecer, entre outros, os princípios da moralidade e eficiência; gastos
divorciados da estrita necessidade técnica, motivados exclusivamente pela propaganda dos
laboratórios farmacêuticos, não seriam moralmente razoáveis nem eficazmente justificáveis
do ponto de vista da adequada atenção à condição e necessidade de cada paciente.
Nesse sentido, o art. 15, II, da LF nº 8080/90 expressa ser
atribuição comum dos entes públicos a “administração dos recursos orçamentários e
financeiros destinados, em cada ano, à saúde”, cabendo ao gestor municipal do SUS “dar
execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde” (art. 18,
V).
Na época dos fatos era relevante (e ainda é) a regra da Portaria
GM/MS n.º 399/06 (Pacto pela Saúde), no item “Responsabilidades Gerais da Gestão do
SUS”, quando indica ser responsabilidade dos municípios “promover a estruturação da
assistência farmacêutica e garantir, em conjunto com as demais esferas de governo, o acesso
da população aos medicamentos cuja dispensação esteja sob sua responsabilidade,
promovendo seu uso racional, observadas as normas vigentes e pactuações estabelecidas”.
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A mesma Portaria, tal qual hoje, prevê que “a Assistência
Farmacêutica será financiada pelos três gestores do SUS devendo agregar a aquisição de
medicamentos e insumos e a organização das ações de assistência farmacêutica
necessárias, de acordo com a organização de serviços de saúde”; “a responsabilidade pelo
financiamento e aquisição dos medicamentos de dispensação excepcional é do Ministério da
Saúde e dos Estados, conforme pactuação e a dispensação, responsabilidade do Estado”
(alínea ‘d’, do sub-item 3.1., da Portaria/MS n.º 399/2006 (Pacto pela Saúde).
Isso tudo hoje está regulamentado por recentes reformas
legislativas, pelas quais, sendo o medicamento constante da RENAME (Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais), o dever de fornecê-lo ao paciente é da Secretaria Municipal de
Saúde, pelo contido nas regras do art. 19-M, I, combinado com o art. 19-P, I, da Lei n.
8080/90, nos termos expressos na Portaria GM/MS n. 1553/2013 (anexa).
Ainda assim, haverá – e há, por exceção – casos em que, para
resolutividade e eficácia do tratamento, a droga de fato necessário e prescrito pelo médico do
SUS estará excluída da RENAME, mas a dispensação será de rigor pela municipalidade.
Essa Relação Nacional é elemento central e organizador da
prestação farmacêutica na esfera municipal, mas não limitador. Na medida em que se
entendesse que apenas o que contém a RENAME, frequentemente desatualizada, poderia ser
oferecido no município pelo SUS ao usuário, estar-se-ia claramente conferindo valor
inconstitucional à solução dada, visto que o dizer do art. 198, inciso III, da CF, quando cuida
de atendimento integral, o faz sem essa ou qualquer limitação administrativa, nem mesmo
sem nenhuma referência a outra dicção normativa inferior.
A letra constitucional é abrangente e compreensiva, não podendo
disposição de escalão inferior (ou sua exegese), de modo nenhum, reduzir-lhe o perímetro de
incidência. Sequer o art. 198 da CF fez constar a expressão "nos termos da lei", ou
equivalente, o que reflete, ainda mais, a autonomia e intangibilidade do valor nele inserido, de
forma que caberia à lei ordinária, ou seu regulamento, unicamente dispor sobre os PCDT
como elementos organizacionais do SUS, seus fluxos e competências, e não erigir indevidos
impedimentos de acesso à atenção terapêutica solicitada.
Assim, se no caso concreto a prescrição medicamentosa
excepcional estiver com justificativa técnica fundamentada sobre o esgotamento das
alternativas terapêuticas oferecidas pelo SUS, ou sobre a inviabilidade de uso dos fármacos
relacionados nas listas oficiais, no caso concreto poderá ser exigido, sim, pelo interessado, na
via administrativa ou judicial, a assistência terapêutica.
Disso se conclui que, apenas do não fornecimento de fármacos a
um usuário por parte da Secretaria Municipal de Saúde, não se pode deduzir que a
municipalidade seria demissionária de seu dever geral de prestar assistência terapêutica
integral. Em especial pelas regras previstas na legislação atual, há que se perquirir, em cada
caso concreto, as razões técnicas da não dispensação de remédios - caso não constantes da
RENAME ou dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde.
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Em vista do exposto, pois, sugere-se a homologação do
arquivamento sob a ótica do direito sanitário, considerando as especificidades da espécie,
sem prejuízo da manifestação do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de
Proteção ao Patrimônio Público, em especial sobre eventuais ilegalidades nas licitações para
aquisição de medicamentos, documentadas nos autos.
Curitiba, 24 de março de 2014.
FERNANDA NAGL GARCEZ
Promotora de Justiça
MARCO ANTONIO TEIXEIRA
Procurador de Justiça
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