PUBLICAÇÃO DO Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio Grande do Norte http://www.crmvrn.gov.br Revista Centauro v.3, n.1, p01 - 06, 2012 Versão On-line ISSN 2178-7573 OCORRÊNCIA DE CASOS DE RAIVA EM MORCEGOS NÃO HEMATÓFAGOS NO MUNICIPIO DE CAICÓ-RN Maria das Graças Nóbrega Batista1; Diflávia Santana de Medeiros Assis2 RESUMO - Casos de raiva em morcegos não hematófagos foram diagnosticados no município de Caicó, Rio Grande do Norte, ocasionando situação de alerta à saúde publica. Fato este que gerou repercussão estadual, chamando atenção do Ministério da Saúde para o estudo do problema e resolução do caso. Ações de trabalhos educativos foram necessários para conter o avanço da doença, sendo indispensáveis trabalhos Inter setoriais para montagem da estratégia de trabalho. Unitermos: Raiva, morcegos não hematófagos, educação em saúde. OCCURRENCE OF CASES OF RABIES IN NON HEMATOPHAGOUS BATS IN MUNICIPAL OF CAICÓ-RN ABSTRACT - Cases of rabies in non haematophagous bats were diagnosed in the city of Caicó, Rio Grande do Norte, causing a state of alert to public health. This fact has generated statewide impact, drawing attention of the Ministry of Health to study the problem and resolution of the case. Actions of educational work were needed to contain the spread of disease, and essential work of the Inter sectoral strategy for assembly work. Key words: Rabies, non haematophagous bats, health education. INTRODUÇÃO A raiva é uma doença mantida na natureza por diferentes espécies domésticas e silvestres das ordens Carnívora e Chiroptera de diferentes hábitos alimentares, denominados reservatórios. Nos últimos anos, relatos de isolamento do vírus da raiva ou de vírus aparentados à raiva a partir de morcegos de diferentes hábitos alimentares tornaram-se frequentes em todo o mundo, muitos deles denominados de “lissavírus” emergentes. (SCHEFFER et al, 2007) Constantine (1970) relata que várias espécies de morcegos vivem em ecossistemas urbanos, utilizando recursos fornecidos direta ou indiretamente pelo homem, como edificações, plantas e iluminação noturna. As edificações são usadas geralmente como abrigos diurnos. Algumas espécies de plantas de arborização servem como abrigos (diurnos e/ou noturnos), e outras, como fontes de alimento. A iluminação Médica Veterinária Coordenadora de Vigilância Sanitária do Município de Ouro Branco – RN – COVISA Rua Manoel Correia, 219, centro, Ouro Branco – RN, CEP: 59347-000, Fone: (84) 3477-0154; email: [email protected] 2 Médica Veterinária Coordenadora da Vigilância Sanitária do Município de Caicó – RN – DIVISA Rua Homero Alves, s/n, Vila do Principe, Caicó – RN; CEP: 59300-000; Fone: (84) 3417-6551 1 . Correspondências devem ser enviadas para: [email protected] O conteúdo científico dos manuscritos são de responsabilidade dos autores 1 PUBLICAÇÃO DO Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio Grande do Norte http://www.crmvrn.org.br Revista Centauro v.3, n.1, p01 - 06, 2012 Versão On-line ISSN 2178-7573 noturna das cidades atrai insetos voadores que são habitualmente comidos por morcegos. Esses mamíferos voadores podem causar transtornos às pessoas dependendo dos locais em que se abrigam, do tamanho de suas colônias e se são hospedeiros ou reservatórios de zoonoses. Uma das principais doenças é a raiva, já diagnosticada em várias espécies de morcegos (UIEDA et al, 1995). Do ponto de vista epidemiológico, os morcegos hematófagos constituem os reservatórios mais importantes para o vírus da raiva, mas outras espécies de quirópteros são, também, passíveis de transmitir o agente (GERMANO, 1994). O conhecimento de aspectos ligados à patogenia e epidemiologia da raiva nas diferentes espécies de morcegos constitui importante instrumento para o controle da enfermidade nesses animais, bem como em herbívoros, animais de estimação e humanos (SCHEFFER et al, 2007). O objetivo desse relato de caso é mostrar a preocupante disseminação da raiva em morcegos não hematófagos no município de Caicó, Rio Grande do Norte, sendo a raiva um risco à saúde humana. DESCRIÇÃO DE CASO No mês de dezembro de 2009, o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do município de Caicó-RN, foi acionado pela população para notificação de uma ocorrência de agressão com morcego não hematófago em uma criança no município. O morcego agressor foi coletado e enviado para análise no Laboratório Central do Estado (LACEN-RN), o qual teve o resultado positivo para raiva. A partir daí o CCZ de Caicó juntamente com a IV Regional de Saúde (IV URSAP) e Subcoordenadoria de Vigilância Ambiental (SUVAM) iniciou um trabalho de investigação epidemiológica no local da agressão, onde foi evidenciada a presença de vários morcegos alojados. A partir da constatação desse fato iniciou-se um trabalho preventivo e educativo no município com o objetivo de informar e prevenir a população quanto aos perigos acarretados por esses animais e os cuidados para evitar essa enfermidade de caráter zoonótico. O CCZ de Caicó utilizou-se de todos os meios de comunicação disponíveis no município: imprensa falada (rádios comunitária), escrita (blogs e jornais), chegando a obter repercussão estadual, chamando a atenção da imprensa televisiva do estado. Foram realizadas várias entrevistas com profissionais do CCZ e da IV URSAP, com o intuito de comunicar e tranquilizar a população sobre o que estava ocorrendo e informar a atitude correta quanto à presença de morcegos em suas residências. Após os primeiros trabalhos informativos repassados a população, foi registrada no CCZ uma demanda alta de ligações/denuncia de presença de morcegos caídos e/ou alojados em residência na zona urbana, além de denuncia presencial. Concomitantemente às ligações, ocorreu um aumento bem significativo no envio de amostra de morcegos para análise no LACEM, que passou de duas amostras no mês de janeiro de 2010 para 39 amostras de morcegos no mês de abril do mesmo ano. Correspondências devem ser enviadas para: [email protected] O conteúdo científico dos manuscritos são de responsabilidade dos autores 2 PUBLICAÇÃO DO Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio Grande do Norte http://www.crmvrn.org.br Revista Centauro v.3, n.1, p01 - 06, 2012 Versão On-line ISSN 2178-7573 Diante da gravidade dos fatos, uma comissão de trabalho Inter setorial foi formada, a qual contava com representantes de vários setores do poder público como Centro de Controle de Zoonoses, IV Regional de Saúde, Subcoordenadoria de Vigilância Ambiental, Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária do RN (IDIARN), Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), Secretaria Municipal de Educação, 10º DIRED (Diretoria Regional de Educação Cultura e Esportes), Polícia Ambiental, IBAMA, Secretária Municipal de Agricultura. A partir da fundação da referida comissão foram marcadas reuniões com o objetivo de traçar estratégias para o combate e avanço da raiva em morcegos. Uma das estratégias acordadas foi o monitoramento das colônias de morcegos e a busca ativa de animais de produção que apresentassem espoliações provocadas por morcegos, realizados pelo IDIARN e a Secretaria Municipal de Agricultura. O IBAMA concedeu autorização de captura de algumas amostras de colônias de morcegos não hematófagos, quando necessário, já que a captura desses animais é crime ambiental, a não ser que essa captura seja considera emergência em saúde pública. O Ministério da Agricultura responsabilizou-se por ceder equipamento de proteção pessoal (EPI’s) para a captura dos morcegos, além de outros equipamentos necessários para esse trabalho. A IV URSAP e a SUVAM estavam diretamente envolvidos nos trabalhos técnicos dispensando total apoio a equipe de trabalho do CCZ. O CCZ manteve uma equipe de profissionais para os trabalhos de controle da raiva, os quais realizavam a busca de morcegos caídos, a orientação para desalojamento de colônias de morcegos e, em alguns casos, captura desses animais para monitoramento da raiva nas colônias existentes. Foi realizado também bloqueio de foco com vacinação de cães e gatos no raio de 300 metros ao redor de onde ocorreu o caso de raiva, de acordo com orientação do Ministério da Saúde. Porém, esse bloqueio se estendeu por toda a zona urbana, já que os casos de raiva em morcego se espalhavam por todos os bairros da cidade, além de realizar trabalhos educativos em parceria com a 10º DIRED e a Secretaria Municipal de Educação, como também orientação através da mídia local. Promoveu-se também capacitação sobre raiva para os agentes de saúde e de endemia, já que esses profissionais mantém diariamente contato direto com a população, sendo, portanto peça primordial de repasse de informação ao público. O IDIARN e o CCZ realizaram palestras educativas para vários setores do poder público, iniciando com uma reunião/palestra com diretores de todas as escolas existentes no município (municipal, estadual e particular), onde foi feita exposição de vídeo sobre a raiva e um técnico do IDIARN fez uma breve explanação sobre o assunto, após o momento explicativo foram realizadas discussões de como criar estratégias de trabalho sobre o tema “RAIVA EM MORCEGOS” com os alunos; resolveu-se então que seriam criados KITS, compostos por revistinha em quadrinho da turma da Mônica (cedido pelo MAPA), panfleto informativo sobre vacinação anti-rábica animal, desalojamento de morcegos em residências, raiva em herbívoros, alé m de DVD com filme produzido pelo Instituto Pasteur falando sobre a história da raiva, estes entregues às escolas, para que os professores trabalhassem com seus alunos em sala de aula. Correspondências devem ser enviadas para: [email protected] O conteúdo científico dos manuscritos são de responsabilidade dos autores 3 PUBLICAÇÃO DO Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio Grande do Norte http://www.crmvrn.org.br Revista Centauro v.3, n.1, p01 - 06, 2012 Versão On-line ISSN 2178-7573 Mesmo com todos os trabalhos para controle e/ou redução dos casos de raiva em morcego, à ocorrência de positividade para raiva em morcegos não hematófagos, continuava aumentando, chegando a índices tão elevados (tabela 1) que chamou a atenção do Ministério da Saúde, o qual enviou uma equipe de profissionais ao município de Caicó para averiguar de perto o que realmente ocorria naquela área. A equipe da Coordenadoria de Controle da Raiva do Ministério da Saúde, com profissionais do Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo – SP realizaram visitas nos locais onde foram encontradas colônias de morcegos positivas para raiva. Foi realizado o mapeamento dessas colônias, realizaram também reuniões com a comissão Intersetorial de controle da raiva para discussão e possíveis soluções para o problema. A equipe do Ministério da Saúde também capacitou à equipe de profissionais do CCZ que estava diretamente envolvida nos trabalhos, sobre as formas corretas de captura de morcego, identificação de espécie, entre outros aspectos relacionados ao caso. Tabela 01: Número de envios de amostra de morcegos ao LACEN-RN, número de positivos e negativos, por bairro, do Município de Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil, no período de dezembro de 2009 a setembro de 2011. Bairros Mainard Nova Descoberta Paraíba Centro Penedo Itans Paulo VI João XXIII Acampamento Barra Nova Darcy Fonseca Vila Altiva Castelo Branco Boa Passagem Vila do Principe Samanaú Adjunto Dias Walfredo Gurgel Canutos e Filho Alto da Boa Vista Zona Rural Total Nº de Amostras Enviadas Positivos Negativos 20 09 11 04 01 03 18 04 14 54 06 48 36 10 26 05 01 04 12 03 09 04 02 02 03 01 02 06 01 05 02 02 0 11 03 08 17 03 14 28 02 26 05 01 04 13 01 12 02 0 02 03 0 03 02 0 02 01 0 01 02 0 02 248 50 198 Correspondências devem ser enviadas para: [email protected] O conteúdo científico dos manuscritos são de responsabilidade dos autores 4 PUBLICAÇÃO DO Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio Grande do Norte http://www.crmvrn.org.br Revista Centauro v.3, n.1, p01 - 06, 2012 Versão On-line ISSN 2178-7573 A tabela 2 faz referência ao número de amostras de morcegos enviadas ao LACEN-RN mensalmente e o número de amostras positivas no município de Caicó-RN. Tabela 02: Número de envios de amostras de morcegos ao LACEN-RN, número de positivos, por mês no município de Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil. Mês de Envio Janeiro / 2010 Fevereiro / 2010 Março / 2010 Abril / 2010 Maio / 2010 Junho / 2010 Julho / 2010 Agosto / 2010 Setembro / 2010 Outubro / 2010 Novembro / 2010 Dezembro / 2010 Janeiro / 2011 Fevereiro / 2011 Março / 2011 Abril / 2011 Maio / 2011 Junho / 2011 Julho / 2011 Agosto / 2011 Setembro / 2011 Nº de Amostras 04 0 05 13 39 37 13 18 31 18 03 12 03 18 06 02 06 10 04 02 04 Nº de Positivos 02 0 01 02 12 07 03 06 03 01 01 02 02 01 01 0 02 01 0 0 0 Dados LACEN RN CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da problemática enfrentada, um questionamento nos preocupa, quais fatores estariam acarretando esse grave problema? Como barrar o avanço dessa doença sem causar desequilíbrio ao meio ambiente? O que ocasionou o aparecimento maciço destes animais infectados pelo vírus da raiva? Frente a tantos questionamentos, várias hipóteses foram levantadas com o intuito de tentar explicar essas questões. Pensou-se em desequilíbrio ambiental provocado pelo avanço desordenado da cidade, destruindo o habitat dessas espécies, escas sez de alimentação com o aceleramento do desmatamento, fazendo com que esses animais sejam obrigados a se adaptarem a novas realidades, procurando abrigo nos forros das residências, nas fendas entre prédios. Sendo atraídos às grandes cidades pela grande quantidade de Correspondências devem ser enviadas para: [email protected] O conteúdo científico dos manuscritos são de responsabilidade dos autores 5 PUBLICAÇÃO DO Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio Grande do Norte http://www.crmvrn.org.br Revista Centauro v.3, n.1, p01 - 06, 2012 Versão On-line ISSN 2178-7573 insetos existentes, devido à extensa luminosidade, entre tantos outros fatores. Enfim, o homem terá que aprender a conviver com outras espécies animais e aprender, principalmente, a controlar os riscos dessa convivência, que nada mais é do que fruto do desordenamento do crescimento socioeconômico. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CONSTANTINE, D.G. Bats in relation to the health, welfare, and economy of man. In: Wimsatt, W.A. Biology of bats. New York, Academic Press, v.2 p. 319-449, 1970.. GERMANO P. M. L. Avanços na pesquisa da raiva. Revista de Saúde Pública n◦ 28 (1). 86-91p. 1994.: SHEFFER W.; CARRIERI M. L.; ALBAS A.; SANTOS A. C. P.; KOTAIT I.; ITO F.H.. Vírus da raiva em quirópteros naturalmente infectados no Estado de São Paulo, Brasil, Revista de Saúde Pública nº 41. 389-395p. 2007. UIEDA W.; HARMANI M. N. S.; SILVA M. M. S.; Raiva em morcegos insetívoros (Molossidae) do Sudeste do Brasil*. Revista Saúde Pública, nº 29. 393-397p. 1995. Correspondências devem ser enviadas para: [email protected] O conteúdo científico dos manuscritos são de responsabilidade dos autores 6