FORMAÇÃO DE JOGADORES NO FUTEBOL BRASILEIRO

FORMAÇÃO DE JOGADORES NO FUTEBOL BRASILEIRO PRECISAMOS MELHORAR O PROCESSO? Recentemente, escrevi uma crônica cujo texto apresentava algumas possíveis causas para que o processo de formação no Brasil fosse tão questionado, apesar de continuarmos a revelar talentos. Coloquei questões como comentários e soluções simplistas que surgiam a cada dia por pessoas que sequer conheciam ou chegavam perto do trabalho de formação de base no Brasil. Alguns até conheciam, mas sobre a formação de jogadores de uma outra época, na maioria das vezes em passado distante. Tenho visto constantemente em programas esportivos de televisão treinadores e comentaristas, ex‐jogadores, com um discurso uníssono de que faltam treinadores/ex‐jogadores no futebol de base brasileiro. Alguns chegam ao ponto de menosprezar o estudo, o professor de educação física que se torna treinador, chamando‐os de forma pejorativa de “professorzinho”. Formam opinião. Os jornalistas quase sempre concordam com o que falam. Desta forma, o torcedor acaba acreditando que o problema é somente esse. Já coloquei na outra crônica também que os profissionais que trabalham no futebol de base do futebol brasileiro, em sua maioria, são extremamente competentes e estudiosos. Não quero ser repetitivo em relação a este tema. Acredito na competência. Acredito no aprendizado. Acredito na educação. Portanto, em minha modesta opinião, não se trata de ter sido ou não jogador para exercer com competência uma função, seja ela de treinador, de preparador físico, de dirigente de futebol ou mesmo de jornalista esportivo. Trata‐se única e exclusivamente de competência; de conhecimento. Precisamos aceitar que o futebol mudou como um todo. Mudou sobretudo nas relações interpessoais. Mas mudou o que está ao redor também. Se o futebol moderno exige que o atleta tome decisões durante o jogo com e sem bola em espaços cada vez mais reduzidos, ele necessita ter um maior entendimento do jogo, exigindo um alto grau de responsabilidade e comprometimento com os treinos e jogos. Se existe internet e, em decorrência, redes sociais, mídia instantânea etc, necessitamos estudar a questão da comunicação com muito mais empenho e com profissionais altamente especializados, para entendermos onde essa relação pode afetar na formação de um jogador de futebol. Não basta tão somente uma assessoria de imprensa proibindo atletas de dar entrevistas. Se há a Lei Pelé obrigando os clubes a pagarem altos salários para meninos de 14, 16 anos, precisamos chamar advogados, psicólogos, gestores financeiros e de carreiras, família etc para preparar esse menino/atleta a lidar com essa situação em sua vida, sem que esse fator prejudique tanto sua formação. Se há empresários atuando em meninos com 10, 11 anos de idade, precisamos entender, também em conjunto com profissionais especializados, e com os próprios empresários, onde essa relação possa estar prejudicando no desenvolvimento da carreira desses atletas. Mas acima de tudo, é hora de entendermos, definitivamente, porque tantos atletas são formados nas bases dos clubes, principalmente os de elite, e não conseguem jogar nas equipes principais, principalmente de seus clubes de origem. Tenho estudado com afinco essa questão. Não é um problema do time A ou B. É um problema em quase todas as equipes do futebol brasileiro. A chamada transição da base para o a equipe principal. Quantos talentos se perdem no futebol brasileiro por conta disso também. Não vamos considerar aqui o desperdício de talentos em todo país por falta de infraestrutura física, financeira e humana dos clubes, pois isso seria tema para mais uma crônica. Vamos nos ater somente à transição daqueles que já foram formados no clube. Daqueles cujos clubes já fizeram investimentos. Hoje não se negocia tantos jogadores para o mercado europeu como há poucos anos atrás. Portanto, essa é mais uma dificuldade que necessita ser avaliada e estudada pelos clubes. Também não vamos considerar nessa análise a aflição de treinadores em levarem atletas sem qualquer maturação para jogarem na equipe principal. Basta surgir um bom jogador na base com 16, 17 anos e este já é alçado à equipe principal sem qualquer cuidado. Tema para outra crônica também. Cada clube forma, em média, 10 a 15 jogadores por ano de nascimento. Traduzindo: 10 a 15 jogadores por ano, em cada clube do Brasil, atingem a idade de 20 anos tendo que ser incorporado à equipe principal. Há espaço para todos na equipe principal? Creio que não. E os que não foram incorporados? Não têm valor? Penso que um atleta, ao chegar nos juniores de qualquer equipe de elite no Brasil, tem qualidade técnica (podemos considerar raríssimas exceções). O clube investiu na carreira desse menino, muitas vezes, por até 10 anos. E o que se faz? Deixa‐se ir embora sem que o clube tenha qualquer ônus por isso. Joga‐se fora um ativo do clube. Se considerarmos 10 atletas formados por ano de nascimento a custo médio de R$500 mil reais na formação (10 anos no clube), investe‐
se na base, no mínimo, R$5 milhões por ano de formação. Se aproveitamos 30% na equipe principal (um excelente número nos dias de hoje), devemos considerar que 7 atletas saíram do clube gratuitamente e que foram jogados no lixo uma média de R$3,5 milhões ao ano. O nr assusta? Pois é, mas não parece assustar os “políticos” que chegam nos clubes em cada eleição. A preocupação, quase sempre, é gastar milhões em contratações, muitas vezes estapafúrdias, gastar milhões em salários, para formar, nem sempre, grandes equipes e não há qualquer preocupação com os projetos do futebol de base, com os projetos de formação. Eles dão entrevistas dizendo que vão investir na base do clube etc. Mas, infelizmente, tenho estudado todos os clubes no Brasil e posso afirmar, com convicção, que a maioria uso esse belo discurso apenas para a torcida. Na prática nada acontece. A começar por não lutarem juntos para que haja investimento da CBF e das Federações no futebol de base brasileiro. E qual a solução então? No meu entendimento, por tudo que tenho estudado, inclusive em diversos clubes europeus, parte da solução passa pelos itens abaixo. 1‐ A CBF necessita ter um departamento de futebol de formação pensando o futebol de formação no país. Com um gestor que efetivamente pense esse futebol. Que contrate profissionais capacitados para o departamento; que pense em projetos como, por exemplo, calendário anual para o futebol de base, competições que contribuam, de verdade, para formação dos atletas, banco de dados de atletas de todo país com todas as suas características, competições de seleções regionais, centro de estudos para profissionais do futebol que trabalham na formação etc, etc, etc. 2‐ Consequentemente, este investimento terá uma influência muito forte no investimento das Federações Estaduais, caminhando nesse mesmo sentido, e nos clubes, que se verão obrigados a investir, DE VERDADE, em seus centros de formação. 3‐ Se fisiologicamente é comprovado que a maioria dos atletas (quase 80%!!) matura para alto rendimento entre 20 e 23 anos, idade que somente podem jogar na equipe principal, por que não se criar uma competição séria no país para esta categoria? Na Europa os clubes chamam de Equipe B. Se os clubes souberem utilizar essa possibilidade, certamente pararão de perder tanto dinheiro na formação. Essa equipe poderia treinar em paralelo à equipe principal. Se hoje um treinador trabalha com algo em torno de 35 atletas na equipe principal, poderia passar a trabalhar com algo em torno de 22 jogadores, tendo o mesmo nr de jogadores treinando ao lado, com a mesma metodologia e filosofia, com comissão técnica de sua confiança. Nessa equipe estariam, em sua maioria, atletas oriundos da base do clube, ainda imaturos para serem titulares da equipe principal. Seriam mais 3 anos de maturação. O custo quase equivalente com um aumento substancial de chance de sucesso na valorização dos ativos. A transição seria muito mais salutar (a pressão externa em equipes sub‐23 seria muito menor) tanto para os jogadores que passassem a atuar na equipe principal como para aqueles que deixariam de jogar nos juniores, incluindo os de maior talento e com idade menor. 4‐ Por último, os clubes, aproveitando esse incentivo e investimento da CBF, criariam setor comercial (diferente do marketing!!) em seu departamento de futebol, possibilitando que a grande maioria dos atletas formados no clube tenham mercado no Brasil (lembrem‐se que temos 4 séries no país) e no exterior, em mercados como USA, leste Europeu, América Latina, América do Sul, Ásia e Oceania. No mínimo, os clubes obteriam retorno do investimento. Sem considerar que, socialmente, serão menos profissionais desempregados e despreparados para o mercado corporativo. Enfim, penso que as principais soluções passam por esses 4 itens. Mas penso também que os processos necessitam ser avaliados, reavaliados e reavaliados novamente, por todos os stackholders envolvidos na formação, em um movimento de melhoria contínua, com possíveis novas soluções sendo encontradas a todo momento. Olhem aqui a importância da CBF novamente, congregando todas as federações e clubes a trabalharem em consonância para o desenvolvimento do futebol brasileiro! Não podemos, em hipótese alguma, entendermos que a solução passa simplesmente por um item, e que o problema se resume a apenas uma questão. Esse é um erro de avaliação que não podemos deixar crescer. Muito se fala que os paradigmas precisam ser quebrados no futebol, mas creio também que novos, não podem ser criados. Devemos continuar lutando por isto! Este é o papel de quem estuda o futebol, de quem é amante da matéria, de quem milita no esporte. Me incluo nisso.