III Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG I Salão de Extensão & I Mostra Científica AUTISMO E CINEMA – UMA ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO AUTISMO – O MUSICAL ANA MARIA GALLINA BONONE PSICOLOGIA FACULDADE DA SERRA GAÚCHA Professor Supervisor da APS Professora Doutora Magda Medianeira de Mello – Doutora pela Universidade Autônoma de Madrid Palavras-chave: AUTISMO. CINEMA. PSICANÁLISE Resumo O Autismo é um transtorno do desenvolvimento infantil que tem por características principais prejuízo no desenvolvimento social, dificuldade na comunicação e na capacidade imaginativa, tendência a incorporar hábitos repetitivos e dificuldade de contato visual. Ainda sem uma conclusão definitiva sobre a origem, este artigo relata os aspectos neurológicos e psicológicos exemplificando através da análise do documentário Autismo – O Musical. O método utilizado foi a análise de conteúdo segundo Laurence Bardin. A conclusão deste trabalho reafirma a necessidade da conscientização do Autismo para que mais cedo possível a patologia seja diagnosticada, contribuindo assim não só para o tratamento da criança como novas oportunidades de revelação de suas causas. 1 INTRODUÇÃO O Autismo foi descrito pela primeira vez por Kanner, em 1943 atribuindo o termo às crianças que mostravam algum prejuízo na área da comunicação, do comportamento e da interação social (Schwartzman, 2010). Kanner acreditava que, mesmo não tendo o Autismo uma causa conhecida, a responsabilidade era de um ambiente desfavorável. Porém, no mesmo trabalho, ele reconhece que há casos em que o aparecimento do transtorno é tão precoce, que não haveria tempo para uma intervenção do ambiente, considerando-se nestes casos a etiologia biológica (Schwartzmann, 2010). Segundo o DSM-V, O Transtorno do Espectro do Autismo somente é diagnosticado quando os déficits característicos de comunicação social são acompanhados por comportamentos excessivamente repetitivos, interesses restritos e insistência nas mesmas coisas APS – Atividade Prática Supervisionada 1245 Rosenberg (2011) relata que na França, existem contos que datam do início do século XX, onde crianças eram chamadas de enfants fadas. Esta expressão, que significa “criança fada”, é correlata de uma lenda irlandesa. Segundo a lenda, crianças eram trocadas por fadas ou gnomos. A aparência era idêntica, mas com personalidade muito diferente. Este rapto acontecia sempre com meninos e muito cedo, fazendo com que a mãe percebesse apenas quando a criança não era mais afetiva, gritava, agredia e a ignorava. O presente trabalho adota a visão da psicanálise, e tem por objetivo conhecer o Autismo através da análise do documentário Autismo – O Musical1. Este documentário, produzido em 2007 e dirigido por Tricia Regan, relata a trajetória de Elaine Hall, mãe adotiva de Neal, que vendo-se a ter que aprender a lidar com o filho autista, reúne um grupo de crianças portadoras do Espectro, para junto a suas famílias montarem um musical chamado Project Miracle. O objetivo do Projeto, além de conscientizar a comunidade sobre o Transtorno do Espectro do Autismo, é proporcionar às crianças, um espaço de interação social, e desenvolvimento cognitivo. Elaine reúne 22 crianças Autistas, nos mais variados graus do transtorno, sendo o ponto central do documentário, cinco delas, que bem representam os diferentes graus de autismo, Neal, Henry, Wyatt, Adam e Lexi. O documentário foi indicado ao Primetime Emmy Awards 2008 na categoria de Nonfiction Special. A atitude de Elaine, personagem principal do documentário, pode ser considerada um ato de coragem, visto todos os problemas que poderiam surgir durante os ensaios e durante a apresentação. Alguns destes problemas são esperados visto que o Autista, como já citado, possui um comportamento antissocial. Ele não faz contato, não interage com pessoas. Os autistas também possuem muita sensibilidade a ruídos, e estes precisaram ser administrados uma vez que a reunião contava não apenas com 22 crianças, mas também com familiares, amigos e voluntários. Foram preciso seis meses de ensaio, uma vez que o portador do espectro tem muita dificuldade com locais e pessoas que não lhe são familiares. Mesmo diante deste quadro, por vezes assustador para os familiares e para a sociedade, Elaine muniu-se de muita determinação para montar este musical e dar a estas 1 Autismo – O Musical. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SVMEplWNgHM APS – Atividade Prática Supervisionada 1246 crianças uma grande oportunidade de fazerem amigos, desenvolverem habilidades e expressarem seus anseios e talentos. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 TEORIAS ORGÂNICAS Rosenberg (2011) descreve várias teorias sobre as causas orgânicas do Autismo. Ele inicia com Mary Coleman, que em 1974 busca respostas com instrumentos laboratoriais disponíveis na época. Bernard Rimland era pai de um menino autista e escreveu um livro sobre autismo atribuindo a causa a uma disfunção na Formação Reticular do Tronco Cerebral. Rutter revisa as pesquisas existentes e define a origem da doença a anormalidades cerebrais orgânicas, mas não consegue dimensionar o nível do comprometimento. Ele também desenvolve com Folstein um estudo com gêmeos para testar a teoria da genética do autismo. Após analisar gêmeos monozigóticos e dizigóticos, conclui que há uma determinação genética na condição. Ornitz, 1985, localiza no tronco cerebral a disfunção na inconstância perceptual, que remete ao quadro clinico do autista. Com este estudo, Ornitz retoma a teoria neurofisiológica do autismo, que era apoiada por Rimland. Através da Ressonância Magnética, Piven, com demais pesquisadores, identificam maior frequência de alterações resultantes do defeito da migração de neurônios do córtex cerebral durante os seis primeiros meses de gestação. Este estudo leva a uma nova ideia de que as alterações genéticas se dão ainda antes do parto e que, com o desenvolvido extrauterino, chegaria aos sintomas básicos do Transtorno do Espectro do Autismo. Esta última teoria tem sua complementariedade em 2009 quando a Universidade de Cambridge constatou que os casos de maior índice de testosterona no útero materno eram os de crianças autistas. Os pesquisadores acompanharam estas crianças até os oito anos de idade. A maioria destas pesquisas foram incentivadas e até mesmo financiadas por associações de pais que surgiram desde o início da década de 1960. No Brasil a primeira associação foi fundada em São Paulo em 1980, a AMA – Associação de Amigos de Autistas. Cada país tem seu próprio desenvolvimento no âmbito de pesquisas e de atendimento a pacientes com TEA. A qualidade deste atendimento está diretamente relacionada ao nível sócio-econômico-cultural de da tradição em tratamento de crianças com deficiência. (Rosenberg, 2011. APS – Atividade Prática Supervisionada 1247 Ferster, apud Rosenberg (2011) atribui o comportamento autista como consequência de fatores ambientais, geradores de déficits comportamentais. Sua teoria imputa aos pais as causas do autismo. Ferster, assim como Kanner, define o perfil destas crianças como diferente das crianças consideradas normais, incluindo sua forma de aprender e sua constituição fisiológica Rosenberg (2011) cita Ortiz e Ritvo, que atribuem o autismo a uma falha na regulação homeostática do Sistema Nervoso Central, o que faz com que os estímulos ambientais recebidos “Sejam ou modulados de forma inadequada ou amplificados de forma irregular” Ansermet e Giacobino (2103), em seu livro Autismo – A Cada um seu Genoma, falam sobre a emergência da ciência em relação às descodificações genéticas, com o objetivo de, no mais breve tempo possível, chegar a um segue caimento indiciaríamos de forma financeira e tecnicamente viável. Os mesmos autores contribuem ainda com a informação de que estudos mostram que o ser humano é 99,5% geneticamente idêntico. Ou seja, apenas 0,5% nos diferencia. E estaria nesta diferença a resposta para o porquê alguns desenvolverem o autismo e outros não, mesmo em uma mesma família. “No momento atual, dos 20 mil genes que constituem o genoma humano, estima- se que em torno de apenas 2 mil estão envolvidos nas doenças ditas “monogênicas” ou seja, imputáveis à mutação de um único gene.” (Ansermet, Giacobino, 2013) Os mesmos autores referem que hoje não se considera pertencer ao sujeito a origem dos transtornos que apresentam, mas sim seus genes, o ambiente a estrutura cerebral. Desta forma mostram que o psiquismo fica “eclipsado” sob estes efeitos. Teoria considerada sofisma para Ansermet e Giacobino. Ainda sem respostas para o porquê apenas um ou dois membros de uma mesma família desenvolvem o Transtorno do Espectro do Autismo e outros não, os autores deixam o seguinte questionamento: “Seria o caso de se pensar que a causalidade genética nos permitiria deixar fora de campo as questões eminentemente subjetivas da culpa e da responsabilidade?” (Ansermet e Giacobino, 2013) APS – Atividade Prática Supervisionada 1248 2.2. TEORIAS PSICANALÍTICAS Em uma revisão psicanalítica, na sua obra Explorations in Autism, Meltzer descreve as falhas no desenvolvimento de relações objetais em crianças com autismo, originárias de uma fixação na relação pré objetal. “Os indivíduos com autismo permanecem primitivos e não conseguem atingir uma identificação projetiva, que é instrumental para o desenvolvimento da relação objetal. Eles são entendidos como estando numa depressão primal. Enfatiza a ausência do apontar como uma dificuldade da criança em realizar a diferenciação do Eu em ralação ao Não Eu.” 2.2.1. AUTISMO E PSICANÁLISE Barros, 2011, fala do longo envolvimento da psicanálise com o Autismo. Crianças com distúrbios emocionais graves, que não se enquadravam em quadros de neurose nem demência mental, mas que mantinham relação com a esquizofrenia adulta, passaram a chamar a atenção da psicanálise e expandir seus conhecimentos para o atendimento infantil. Melanie Klein, em 1930, apud Barros (2011), propõe que a esquizofrenia infantil está ligada a falhas importantes e repetitivas na relação afetiva entre a mãe e o bebê nos seus primeiros meses de vida. Klein, e seus seguidores, propõem uma hipótese para o desenvolvimento inicial do psiquismo, “Ao nascer, o bebê já e dotado de uma estrutura mental, chamada aparelho protomental para enfatizar seu aspecto primitivo. O ego, pouco coeso e não estruturado, recorre a mecanismos de cisão e projeção para aliviar a mente inicial das intensas angústias carregadas pela experiência do nascimento. Klein entendia que angústias, sentimentos, qualidades, enfim, tudo o que fosse projetado não era lançado no vazio, mas dentro de um objeto.” (Barros, 2011) Este conceito de Klein mais tarde foi chamado de identificação projetiva, sendo sua função propiciar a fantasia de fusão entre o sujeito e o objeto. Klein entendia a identificação projetiva como mecanismo de defesa e Bion a via como uma forma de comunicação primitiva. Através dela dão-se as primeiras comunicações humanas, sendo a base para um desenvolvimento mais elaborado de comunicação, a linguagem oral. Esta hipótese revela a importância e a qualidade do objeto que recebe esta projeção e do destino que este objeto dá ao conteúdo projetado. APS – Atividade Prática Supervisionada 1249 A mãe, ou quem represente o objeto acolhedor, é um ser pensante com capacidade de dar interpretação e sentido as angústias do bebê. Estas emoções são aliviadas através de cuidados adequados e, quando bem realizado, faz com que o bebê adquira capacidades crescentes de expressão oral. Barros, 2011, relata que Mahler, por analogia a separação física do nascimento, chama o processo de individuação do recém-nascido de nascimento psicológico. Falhas e repetições nesta relação mãe-bebê impõe precocemente a individuação com o objeto materno. O bebê não possui recursos para introjetar esta separação e faz uso de manobras defensivas extremas, caracterizada pela suspensão da vida mental. “Esta manobra leva ao desmantelamento passivo do Ego em seus elementos perceptuais, com o correspondente objeto materno destituído de unidade e vivido como uma multiplicidade de eventos sensuais separados perde-se a consensualidade presente no desenvolvimento normal e falhas na continuidade da transformação dos registros sensoriais em experiências emocionais. O desmantelamento do Ego, embora fugaz, causa, devido a sua repetição, deficiências graves na aquisição do conceito de espaço interno, tanto no Self como no objeto, com prejuízo, portanto, para os processos de projeção, introjeção e simbolização. Como consequência o ego tende a permanecer num estado de fusão primitiva, adesiva, com seu objeto externo, e a experiência de separação, altamente traumática, e vivida pelo bebê como perda de partes de si mesmo, sugadas por um vazio terrorífico e acompanhadas por um tipo particular de angústia denominada angústia de aniquilamento. A exacerbação da autossensualidade faz às vezes de uma manobra defensiva, preenchendo, por assim dizer, o vazio deixado pelo desaparecimento do objeto-parte-de-si-mesmo.” (Barros, 2011) Tustin, apud Barros (2011), propõe que o transtorno autístico se instala em dois estágios: fusão patológica entre a mãe e o bebê, seguida de uma ruptura traumática deste estado. Barros ainda ressalta que Kanner, assim como outros pesquisadores, inicialmente descreveram pais de crianças autistas como sendo pessoas dotadas de grande capacidade intelectual, porém de pouca disponibilidade afetiva. Porém esta teoria não foi validade e a autora enfatiza que a teoria psicanalítica refere-se aos substantivos mãe e bebê de forma metonímia, não contendo juízo de valores. 2.3. ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS Lotear, em 1966, apud Rosenberg (2011), realiza o primeiro estudo epidemiológico, avaliando segundo os sintomas descritos por Kanner. Este primeiro estudo foi aplicado na Grã-Bretanha, no Condado de Middlesex, utilizando um questionário de 22 itens para triagem da população escolar. Num universo de 2,5 milhões de habitantes, chegou a um resultado de 4,5 autistas para cada 10.000 habitantes. Seguiram-se estudos posteriores, com prevalência cada vez maior. APS – Atividade Prática Supervisionada 1250 Yeargin-Allsopp et.al. apud, Rosenberg (2011), publicaram estudo em 2003 realizado em cinco condados da região metropolitana de Atlanta, Geórgia (EUA). O resultado desta pesquisa apontou uma prevalência de 3,4 casos de autismo por 1.000 habitantes, sendo a proporção entre masculino e feminino de 4:1. 2.4. DIAGNÓSTICO E SINTOMAS Os sintomas do autismo aparecem no primeiro ano de vida. As principais características apesentadas pela criança são o isolamento, evitação de contato visual e com o passar do tempo, dificuldades de comunicação oral. (Negrine, Machado, 2004) Araújo, apud Schwartzman, Araújo, 2011, chama a reunião destes sintomas de tríade autista e assim os classifica: - Prejuízos qualitativos na interação social; - Prejuízos qualitativos na comunicação e na imaginação; - Padrões de comportamento, interesses ou atividades restritos, repetitivos e estereotipados. Queirós e Schrager, apud Negrini e Machado, 2004, seguem a mesma linha dos demais autores. Eles citam três comportamentos típicos de um autista: - Limitações na comunicação verbal; - Pouco contato com os demais; - Marcha na ponta do pé (mesmo sendo esta uma característica comum em bebês em seus primeiros passos). Estas características apresentam variação entre uma criança e outra e seu grau de manifestação aponta o nível de gravidade do sintoma. Os primeiros sintomas aparecem muito cedo, mas normalmente não são detectadas pelos pais, que só terão contato com a realidade do problema quando a criança estiver por volta dos dois ou três anos de idade. (Negrini, Machado, 2011) Os mesmos autores descrevem alguns exemplos que acontecem com os bebês e que não são percebidos pelos pais: - na hora de mamar, regurgita o leite em forma de arco; - mostra desconforto ao ser aconchegado ao colo, acalmando-se apenas quando colocado no berço; Outras duas formas associadas ao autismo são a Síndrome de Asperger e a Síndrome de Rett. Bueno, apud Negrini e Machado, 2004, define síndrome como: APS – Atividade Prática Supervisionada 1251 “Reunião de sinais e sintomas provocados por um mesmo mecanismo e dependentes de causas diferentes. “ Isto significa que doenças que se originam de várias causas e apresentam diferentes sinais e sintomas não seguem uma lógica de um único fato. O diagnóstico do autismo é ainda muito controverso, e gera grande ansiedade nos pais. (Negrini, Machado, 2004) Os pais normalmente começam a ter dúvidas do comportamento do filho por volta dos 17 meses, porém o diagnóstico acaba sendo retardado e realizado apenas aos quatro anos de vida ou mais. O que leva a este diagnóstico tardio é multifatorial, visto que não há um padrão de manifestação dos sintomas e sim, uma variedade de cada caso. (Araújo, apud Schwartzman, 2011) A autora complementa: “Para as crianças com Transtorno do Espectro do Autismo, a detecção precoce e as intervenções subsequentes podem determinar prognóstico substancialmente melhor, incluindo mais rapidez na aquisição da linguagem, melhor desenvolvimento das interações com pessoas e mais facilidade no funcionamento adaptativo. Tudo isso pode aumentar as chances dessas crianças para uma inclusão bem sucedida nos processos de escolaridade. “ Ainda Araújo, apud Schwartzman, 2011, com base na tríade autística descrita pela autora, deixa claro que bebês com autismo e crianças muito pequenas ainda não podem ser avaliadas pela tríade, visto elas ainda não terem “crescido em seu autismo”. Porem leva-se em consideração o comportamento diferencial em relação ao esperado para a sua idade, a saber: - falta de relação social: contato pelo olhar pobre, desinteresse ou desgosto em ser pego no colo e isolamento; - ausência do brincar; - falta do mostrar e partilhar interesses; falta de imaginação; - flapping, balanceamentos, tantrums e crises de desorganização. Elsa Coriat (1997), dá sustentação a todos os teóricos quando falam da importância do diagnóstico precoce. A autora explica de maneira muito acessível à compreensão, um conceito sobre clínica de bebês. Ela explica que a psicanálise surgiu do limite aonde a medicina não mais podia compreender as causas das doenças. APS – Atividade Prática Supervisionada 1252 Tanto para a medicina quanto para a psicanálise, tornava-se necessária a compreensão de que uma criança não mais poderia ser considerada um adulto pequeno, assim como um bebê não poderia ser considerado uma criança menor. A clínica de bebês é uma especialização relativamente recente e começa a se estruturar pelo estudo “Do desenvolvimento neurológico do lactente normal, assim como o seu desenvolvimento psicológico. “ Este desenvolvimento psicológico implica no conhecimento de todas as fases de desenvolvimento cognitivo e emocional, de possível observação nos lactentes. Cada aquisição por parte do bebê, seja no âmbito neurológico ou psicológico, acontece no tempo de cada um, porém com um limite estreito que os enquadra na normalidade. Situações de dúvida requerem uma investigação neuro e psicológica no tempo mais breve possível para evitar um agravamento do problema e minimizar suas consequências. (Coriat, 1997) Atualmente os especialistas baseiam-se em determinados critérios para diagnósticos: - prejuízo no desenvolvimento social; - dificuldade na comunicação; - dificuldade na capacidade imaginativa - tendência a incorporar comportamentos repetitivos - dificuldade de comunicação por meio do olhar. (Negrini, Machado, 2004) Saulnier, et al., apud Shwartzman e Araújo, 2011, página 167, mostra um quadro completo sobre as avaliações sensório-motoras aplicadas na investigação do Transtorno do espectro do Autismo, reproduzida abaixo: TABELA 1 INFORMAÇÕES SOBRE AVALIAÇÕES SENSÓRIO-MOTORAS ESPECÍFICAS TIPO DE AVALIAÇAO AVALIAÇÕES ESPECÍFICAS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS Exame de audição Entrevista com os pais, avaliações do comportamento (p.ex. audiometria) ou eletrofisiológicas (p.ex., teste de emissões otoacústicas, potencial auditivo evocado, timpanometria) Pediatra e Fonoaudiólogo APS – Atividade Prática Supervisionada Teste de visão Transtornos Alimentares / Sensibilidade a odores e paladares 1253 Entrevista com os pais, testes Pediatra, visuais, retinoscopia Optometrista Entrevista com os pais, avaliação Pediatra, dos comportamentos alimentares, Gastrenterologista, avaliação do sistema oromotor, Fonoaudiólogo, diário alimentar, inventário de Terapeuta Ocupacional. texturas, observação Oftalmologista, Nutricionista, Psicólogo, clínica, seletividade alimentar, revisão dos prontuários médicos. Avaliação Neurológica e Avaliação da perda de funções Avaliação do Desenvolvimento motoras, Neurológico efeitos crises Neurologista e Psiquiatra convulsivas, colaterais de psicofármacos. Habilidades motoras finas e grossas, coordenação, consciência espacial, equilíbrio, movimento, tono Entrevista com os pais, observação Fisioterapeuta, clínica, avaliação direta Neurologista, postura, Pediatra, Psiquiatra, Psicólogo muscular, planejamento muscular, integração sensorial. Respostas sensoriais incomuns Entrevista com pais/professores, observacionais, os avaliações avaliação com Terapeuta Fisioterapeuta, Ocupacional, Psicólogo Comportamental comportamento funcional (ACF) Comportamento estereotipado e ACF, exames das desordens do Psicólogo Comportamental, repetitivo movimento Terapeuta Ocupacional, ortogonal e padronizado, escalas. Fisioterapeuta Aspectos do controle motor que Avaliação das práxis oral e do uso Fonoaudiólogo afetam a comunicação social de gestos 2.4.1 SÍNDROME DE ASPERGER A Síndrome de Asperger foi descrita por Hans Asperger e é considera uma síndrome autística de alta funcionalidade e apresenta as três características básicas já citadas. (Assumpção, Kuczynski, apud Shwartzman, Araújo, 2011) Na S.A., os sintomas aparecem por volta dos três anos de idade e normalmente são observados na escola infantil. Mesmo que a criança já se comunique através da fala, há uma estagnação na comunicação verbal. (Negrini, Machado, 2004) APS – Atividade Prática Supervisionada 1254 O sujeito portador de Asperger possui uma inteligência acima do normal ou acima da média. Seu padrão de linguagem também é normal, porém apresenta déficits semânticos. A epidemiologia aponta para uma prevalência de 20 a 25 por 10.000, com maior incidência no sexo masculino. Sua socialização tem menor comprometimento do que casos de autismo, embora também apresentem dificuldades adaptativas. Sua maior característica é o interesse obsessivo por uma área específica. (Assumpção, Kuczynski, apud Shwartzman, Araújo, 2011) 2.4.2 SÍNDROME DE RETT A Síndrome de Rett, mais comum no sexo feminino, é descrita como uma encefalopatia grave, ligada ao cromossomo X. Identificada entre 5 e 30 meses de vida, é marcada pelo déficit no desenvolvimento, com desaceleração do crescimento craniano. Apresenta também retardo intelectual e quadros convulsivos. Diferencia-se de outros quadros autísticos pelo fato do bebê apresentar desenvolvimento neurológico e psíquico normal até os seis a oito meses de vida, momento em que acontece a interrupção do desenvolvimento e regressão das funções já adquiridas. O progresso é rápido e leva a um estado autístico em menos de 18 meses. A Síndrome de Rett apresenta um quadro diferencial do autismo, não destacando hábitos comuns como por exemplo, apego a determinados objetos, mas observa-se: - perda da manipulação voluntária de objetos; - movimentos estereotipados de membros superiores como esfregar as mãos e bater palmas; - ranger dos dentes em vigília; - apneia em vigília; - expulsão forçada de ar e saliva; - hiperventilação; - ataxia de marcha e tronco; - microcefalia adquirida. Com o passar do tempo, aparecem outros déficits neurológios como síndromes piramidais, epilepsia e alterações vasomotoras. (Assumpção, Kuczynski, apud Shwartzman, Araújo, 2011) APS – Atividade Prática Supervisionada 1255 3. METODOLOGIA Campos, 2001, divide o conhecimento em empírico, religioso, filosófico e científico. Resumidamente, o autor relata que o conhecimento empírico, ou vivencial, não possui um método de comprovação. Ele é intencional e depende do acaso. O religioso também não possui um método, visto depender de revelações divinas, e não é possível a sistematização e verificação. O conhecimento filosófico deu origem ao conhecimento científico e este opera através de métodos. O mesmo autor, citando Popper, 1975, esclarece que nem todo método é reconhecido como científico. Para que seja considerado científico, precisa contemplar algumas regras e define que: “Método é um conjunto de princípios gerais que norteiam, orientam a conduta do pesquisador durante o decorrer de sua pesquisa. É através do método que se garante a validade do conhecimento descoberto, sendo assim, é a parte mais importante da pesquisa” Para esta pesquisa foi escolhido a pesquisa qualitativa exploratória, utilizando a técnica de análise de conteúdo segundo Laurence Bardin. Pesquisa qualitativa é o método de coleta que baseia a coleta de dados nas interações sociais e interpessoais, sendo analisadas a partir do significado atribuído pelo pesquisador. O pesquisador participa, compreende e interpreta as informações. (Campos, 2011) O método exploratório define-se como ume estudo preliminar com a finalidade de adequar o instrumento de medida à realidade pesquisada. (Piovesan, Temporini, 1995). O instrumento de análise escolhido foi o cinema. Duarte, apud Botti e Cota (2012), diz que apesar de não haver uma identificação de parceria entre o cinema e a educação, este relacionamento vem há muito colaborando para a formação das pessoas. Botti e Cota (2012) complementam ainda sobre a linguagem cinematográfica, que utiliza códigos para comunicar seus textos e assim expressar opiniãozinha, posicionamentos e intenções. Neste artigo serão analisadas categorias levantadas à partir da análise do documentário Autismo – O Musical, conforme segue a explanação a seguir. 3.1. ANÁLISE DE CONTEÚDO: Análise de conteúdo, segundo Bardin, “...é um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou. Com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações. “(Bardin, 2011) APS – Atividade Prática Supervisionada 1256 O desenvolvimento da análise de conteúdo divide-se em três fases que se interrelacionam: pré-análise, codificação e interpretação. A pré-análise é um período de intuição. É a fase onde se explora o material estudo deixando que emerjam as impressões advindas da experiência. Nesta fase ainda constam as etapas de organização do material, a construção do corpus de documentos e a preparação do material. (Bardin, 1977). A codificação organiza-se em três etapas: recorte do texto em unidades de registro ou unidades de significado, escolha de regras de enumeração e classificação e construção das categorias. A última etapa ainda precisa apresentar os requisitos: - Validade: deve contemplar os objetivos da análise, o referencial teórico, o problema e as questões pesquisadas; - Exaustivas: seleção das unidades de significado mais importantes que englobem todo o conteúdo; - Exclusão mútua: apenas um elemento por categoria; - Homogeneidade: selecionar um único princípio de classificação e de dimensão de análise. Finalizando, a interpretação apresenta duas vertentes, uma que relaciona os estudos com a fundamentação teórica e outra construída com base nos dados e nas categorias analisadas. Para esta pesquisa será utilizada a interpretação segundo a análise das categorias. 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O documentário Autismo – O Musical, mostra seis meses na vida de crianças autistas e suas famílias, preparando-se para a apresentação de um musical. Cinco destas crianças são destaque no referido documentário, mostrando ao expectador, uma gama muito abrangente das características autísticas. NEAL: filho adotivo de Elaine, personagem principal do comentário. De origem Russa, foi adotado por ela naquele país aos 23 meses de idade. Ao trazê-lo para seu país, Estados Unidos, parentes e amigos observaram alguma anormalidade no comportamento da criança, porém Elaine achava que isto referia-se ao fato de ter vivido em um orfanato desde o nascimento e estar agora em um ambiente estranho e que, com o tempo, ele se acostumaria. Em contato com um terapeuta renomado em sua cidade, a mãe aprendeu a entrar em seu mundo, adotando posturas e movimentos semelhantes na tentativa de comunicar-se com o APS – Atividade Prática Supervisionada 1257 filho. Neal teve contato com vários terapeutas tradicionais que acreditavam que ele não poderia fazer coisas convencionais. Neal não consegue comunicar-se verbalmente. Elaine então começou a visitar grupos de teatro, que não importavam-se com comportamentos não convencionais. Com muito afeto, estes grupos entraram no mundo de Neal, aceitando todos os seus comportamentos diferenciados e associando-se a ele. Deste trabalho junto aos artistas, Elaine teve a ideia de reunir um grupo de autistas para lhes ensinar movimento e atuação. Assim surgiu o programa Project Miracle. LEXY: nos primeiros meses desenvolveu-se normalmente. Começou a caminhar o tempo certo, fazia contato visual com as pessoas. Em brincadeiras com o pai, este perguntava onde estavam seus olhos e ela repetia a palavra e apontava corretamente, ele perguntava onde estavam seus pés e ela repetia o processo, e assim para cada parte do corpo solicitada, aprendendo algumas palavras e fazendo seu reconhecimento corporal. Aos 21 meses começou a apresentar comportamentos diferentes. Chamavam seu nome e ela não respondia, quando matriculada na escola maternal, fechava-se em seu mundo. Aos três anos, não falava, não conseguia ir ao banheiro e não fazia contato visual. Após algumas tentativas de respostas em diversas fontes, a mãe conseguiu consulta com um especialista. O pai sempre aceito com mais facilidade o problema apresentado pela filha. Apesar de apresentar ecolalia, Lexy apresenta uma excelente voz ao cantar no musical. HENRY: assim como Lexy, Henry também apresenta um talento especial. Ele desenvolveu grande interesse por dinossauros e conhece muita coisa a respeito deles. O interesse por seres pré-históricos começou aos três anos de idade. Henry foi diagnosticado com Síndrome de Asperger, também conhecido como autismo de alto funcionamento. Pacientes com Asperger são muito inteligentes e talentosos. Para acalmar sua ansiedade, fala consigo mesmo e encerra-se em seu mundo. Não socializa com outras crianças. ADAM: tem oito anos de idade, fala e se apresenta como autista. Ele frequenta uma escola normal, sabe ler e tem uma professora individual que o acompanha, e está com ele desde os três anos de idade. Adam consegue interagir com outras crianças, tendo sua preferência pela colega Colandra. WYATT: com linguagem fluente, Wyatt vive no dilema de não querer estudar em escola para alunos especiais e ter receio de ir para uma escola regular e sofrer Bullying. Wyatt mostra alto nível de consciência sobre seu problema. Por ser muito inteligente, ele gostaria de estar em uma classe escolar que lhe proporcionasse mais conhecimentos. A tabela abaixo mostra a análise do documentário. APS – Atividade Prática Supervisionada 1258 As categorias analíticas utilizadas são descritas no referencial teórico como comportamentos autísticos, segundo, Negrini e Machado, 2002 e Coriat, 1997. TABELA 2 UNIDADE DE SIGNIFICADO CATEGORIAS ANALÍTICAS LEXY: no início do projeto, Elaine propõe Limitação na comunicação verbal coloca todos os alunos em um círculo. Para se expressar, Lexy repete as palavras que uma voluntária lhe diz (Ecolalia): - “Estou aqui para cantar e dançar bem. “ NEAL: Elaine busca uma fonoaudióloga que ensina Neal a se comunicar através de um aparelho de fala. Ele digita a frase e a máquina reproduz a fala: - “Mamãe, quero que me escutes mais. “ HENRY: quando reunidos em círculo para Dificuldade de contato com os demais apresentação, Henry se direciona a um canto de sala e permanece de cócoras e dando as costas para o grupo. Depois vira-se para o grupo, mas permanece sentado e afastado. WYATT: não aceita o toque da mãe em sua perna durante diálogo sobre qual escola frequentar. WYATT: sentado no balanço, fala de seu desejo em ter amigos. Relata que sua angústia reside no fato de ser difícil encontrar amigos, uma vez que há momentos em que isola em seu mundo particular. LEXY: mostrando felicidade após sua Flapping apresentação no musical e na filmagem familiar de sua tentativa de adaptação na escola maternal. LEXY: no jardim de infância, mantém as Contato pobre pelo olhar APS – Atividade Prática Supervisionada 1259 mãos nos olhos. HENRY: Elaine pede que ele a olhe nos olhos para conversarem: Gosto muito de te escutar, mas posso ver seus lindos olhos? Conte-me novamente, olhando-me nos olhos! Oh! Meus Deus, olhe pra você! Adoro ver seus olhos! HENRY: frequentemente joga-se por cima Hiperatividade / dificuldade em controlar de Adam simulando ser um predador pré- impulsos histórico. NEAL: a filmagem feita com câmera instalada no quarto, tem como narração a voz de Elaine referindo noites em claro para acompanhar Neal que não dorme. As cenas mostram a criança jogando objetos. ELAINE: fala específica onde sobre a uma agitação situação de Neal dificultava o ritual do banho. NEAL: filmagem feita com câmera Desorganização instalada no quarto, Neal grita, sobe na mesa, derruba a tabela de basquete, joga objetos ao chão. NEAL: em sua festa de aniversário, desorganiza-se em função de muitos estímulos. Como consequência empurra um menino muito pequeno ao chão. ADAM: tapa os ouvidos durante o ensaio devido a muitos barulhos no local. HENRY: refere incômodo com o holofote dizendo-se “alérgico à luz”. ADAM: enfrenta a mãe que quer obriga-lo a Tantrum comer uma barra de cereal. Por não aceitar o APS – Atividade Prática Supervisionada 1260 alimento o joga fora. ADAM: a mãe cria um clima constrangedor no ensaio geral, entrando em discussão com Elaine e a equipe. Ela menciona ir embora. Adam não quer ir embora, então esconde-se e, após localizado, por um instante recusa-se a ensaiar. 4.1. INTERPRETAÇÃO DAS CATEGORIAS ANALÍTICAS 4.1.1. Limitação na comunicação verbal: por volta dos 15 aos 18 meses surgem as primeiras palavras e a criança começa um processo de repetição da fala dos outros e se direcionando para uma comunicação autônoma, mesmo cometendo erros. Para uma criança autista, este desenvolvimento fica comprometido e há a tendência de ecolalia, tendência a repetição da fala de outras pessoas na situação de comunicação. (Ministério da Saúde, 2013) 4.1.2. Dificuldade de contato com os demais: crianças gostam de brincar com outras crianças. O autista costuma afastar-se, ignorar ou simplesmente observar outras pessoas e outras crianças à distância. Quando aceitam brincar com outras crianças, a tendência é dificuldade em compreendê-las. Pode ser necessária a insistência de um adulto para que se engaje em uma brincadeira. (Ministério da Saúde, 2013) 4.1.3. Flapping: Refere-se aos movimentos rápidos e involuntários dos dedos e mãos, de forma repetitiva e aparentemente não-funcional, e que geralmente ocorrem dentro do campo visual da criança ou na linha média do corpo. (Ministério da Saúde, 2013) 4.1.4. Contato pobre pelo olhar: “crianças com TEA podem não seguir o apontar ou o olhar dos outros; podem não olhar para o alvo ou olhar apenas para o dedo de quem está apontando. Além disso, não alterna seu olhar entre a pessoa que aponta e o objeto que está sendo apontado. (Ministério da Saúde, 2013) 4.1.5. Hiperatividade / Dificuldade em controlar impulsos: comportamento muitas vezes apresentado em autismo de alto nível e confundido com TDAH (Transtorno do Défict de Atenção e Hiperatividade). O TDAH apresenta múltiplas subsíndromes inter-relacionadas. O APS – Atividade Prática Supervisionada 1261 diagnóstico, apesar de começar com disfunção de atenção, precisa apresentar também a impulsividade e a hiperatividade. Caracteriza-se por choro fácil, sono agitado, despertar noturno, agitação psicomotora, quebra de objetos, desinteresse rápido por brinquedos e situações lúdicas. Observa-se também em relação à linguagem, aprendizado mais lento da fala com presença de trocas, omissões e distorções fonética, além de um ritmo acelerado da fala (taquilalia). (Assumpção, Kucsynski, apud Schwatrzman, 2011) 4.1.6. Desorganização: o portador de TEA tem a tendência a rotinas, como beber sempre no mesmo copo, sentar-se sempre no mesmo lugar, colocar as coisas no mesmo lugar. Quando acontecem mudanças em suas rotinas a criança pode desorganizar-se com crises de choro, gritos ou intensa manifestação de desagrado, (Ministério da Saúde, 2013) 4.1.7. Tantrum: palavra inglesa que traduzida para o português representa birras, arrogância, teimosia, furor, acesso de raiva. (Michaelis, 2009) 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Autismo ainda é uma doença sem uma causa definida. Há correntes que atribuem a um distúrbio neurológico, outras que consideram apenas o aspecto psíquico e ainda há a consideração de ambos os fatores. Os comportamentos apresentados pelos autistas são semelhantes a outras patologias, muitas vezes sendo confundidos com elas e tendo o seu diagnóstico retardado. Outro fato que coloca em atraso um tratamento para um autista, é a resistência familiar em aceitar que o desenvolvimento da criança não é normal, e até mesmo a inabilidade de perceber estes sinais desde a mais tenra idade. Os primeiros sinais aparecem já nos primeiros meses, muitas vezes ainda sutis. A criança não corresponde ao olhar, não atende ao ser chamada pelo nome, apresenta crises quando exposta a ruídos e luminosidades excessivas, assim como estas crises podem aparecer em situações onde o ambiente e as pessoas não lhe são familiares. Ao psicanalista cabe duas operações fundamentais, a de detecção precoce e a de intervenção precoce (Jeruzalinsky et.al., 2013). Porém é importante lembrar que o tratamento do autismo é multidisciplinar e há a necessidade de instrumentalização e todos os profissionais envolvidos. APS – Atividade Prática Supervisionada 1262 A partir da convicção desta necessidade, em 1988 surge na França um instrumento de detecção precoce chamado Protocolo Preaut, desenvolvido por vários profissionais, entre eles Marie Cristine Laznik e Graciela Crespin. Composto por um questionário de apenas quatro perguntas, a função do Preaut é a de capacitar profissionais de primeira infância na identificação dos primeiros sinais de autismo. O objetivo deste protocolo é diminuir a idade de início da intervenção. Na França já foram capacitados mais de 600 profissionais e o protocolo Preaut chegou ao Brasil em 2005, com perspectivas de expansão. (Instituto Langage) Mesmo cientes da importância desta detecção precoce, vale salientar a ideia de Jerusalinsky, et.al., quando dizem que: “Um paciente não pode ficar reduzido a “ser” (autista, bipolar, TDAH) o seu diagnóstico, como tantas vezes se diz pelo efeito no social das classificações nosográficas, pois senão só se esperará dele a confirmação desses signos patológicos anônimos sublinhados em sua produção. Diagnóstico não é identidade e tampouco é destino, por isso apostamos em um devir, em uma abertura a inscrições, fundamentalmente na infância. Mesmo quando este diagnóstico se confirma, apostamos na singularidade, pois as pessoas não “são autistas” todos do mesmo modo.” Autismo – O Musical, é um documentário comovente. Foram necessários seis meses para que as crianças se adaptassem ao ambiente, às pessoas, aos novos amigos, aos estímulos e aos novos aprendizados. Lexy, com sua maravilhosa voz, Wyatt, tão preocupado com seu desenvolvimento, Adam tocando seu Cello. Henry com seu conhecimento sobre dinossauros e tubarões e Neal com sua força e apoio materno para se adaptar ao meio. Todos, unidos a mais de vinte outras crianças, levam o expectador a momentos de profunda emoção e reflexão. Estas crianças são para seus pais uma superação diária não só nos cuidados com o filho, mas também na sua auto-observação e desenvolvimento pessoal, e o documentário mostra de forma claro o impacto familiar. As discussões, as separações, o abandono e também mostra a união, a cooperação e profundo amor às crianças, advindos não apenas do núcleo familiar, mas também dos professores, terapeutas e voluntários do projeto. Wyatt conseguiu frequentar uma escola regular. Henry melhorou sua autoestima e pratica Karatê. Neal aprendeu a usar sua máquina de falar e a usa frequentemente. Adam iniciou terapia diária para controlar seus tantruns. Lexy frequenta escolhas secundária e aprende atividades cotidianas como compras e atravessar a rua. APS – Atividade Prática Supervisionada 1263 Elaine conseguiu financiamento para prosseguir com o projeto no ano seguinte, e ao final do documentário expressa ao filho o significado deste projeto a todos: “Nada mais será como antes, porque tu agora és diferente por dentro. “ Com estas palavras, Elaine também acaba por expressar o sentimento de outras pessoas, após terem seus primeiros contatos com uma criança autista. A conclusão deste trabalho reafirma a necessidade da conscientização do Autismo para que mais cedo possível a patologia seja diagnosticada, contribuindo assim não só para o tratamento da criança como novas oportunidades de estudo e revelação de suas causas. O Projeto Milagre cumpre sua função de conscientizar o público sobre o autismo e confirma a visão de Jerusalynsky e colaboradores (2013) sobre a singularidade de cada criança. Nada melhor para representar este propósito alcançado do que reproduzir aqui a letra de uma das músicas cantadas pelas crianças em sua apresentação no documentário: “QUEM SOU EU? NÃO SOU QUEM TU VÊS! PRECISAS DAR-ME UMA OPORTUNIDADE PARA ME CONHECERES DE VERDADE. SOU FELIZ. SOU ORGULHOSO. ESTOU LOUCO. SOU GRITÃO. SOU RÁPIDO. SOU REI. SOU FORTE. POSSO CANTAR. QUEM SOU EU? NÃO SOU QUEM TU VÊS! PRECISAS DAR-ME UMA OPORTUNIDADE DE PARA ME CONHECERES DE VERDADE. “ 6. REFERÊNCIAS Autismo – O Musical: https://www.youtube.com/watch?v=SVMEplWNgHM NEGRINI, Airton. MACHADO, Mara Lúcia Salazar. AUTISMO INFANTIL E TERAPAI PSICOMOTRIZ – Estudo de Casos. Caxias do Sul, EDUCS, 2004. CORIAT, Elsa. PSICANÁLISE E CLÍNICA DE BEBÊS – A Psicanálise na Clínica de Bebês e Crianças Pequenas. Porto Alegre. Artes e Ofícios, 1997. CAMPOS, Luiz Fernando de Lara. MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA EM PSICOLOGIA. Campinas. Alínea Editora, 2001. SCHWARTZMAN, José Salomão e ARAÚJO, Ceres Alves (Organizadores). TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO. São Paulo. Memnon Edições Científicas, 2011. APS – Atividade Prática Supervisionada 1264 BOTTI, N., COTA, F. CINEMA E PSIQUIATRIA: Filmes para o estudo do autismo. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, América do Norte, 0, mar. 2012. Disponível em:http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/5/208. MORAIS, Helenara Sironi de. MELLO, Magda Medianeira de. A RELAÇÃO DO SUJEITO CONTEMPORÂNEO E O ANIMAL DOMÉSTICO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO FILME MARLEY E EU. TCC II – Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Psicologia – Faculdade da Serra Gaúcha. Caxias do Sul, 2014. BARDIN, Laurence. ANÁLISE DE CONTEUDO. Edições 70, São Paulo.2011. SCWARTZMAN, José Salomão. AUTISMO E OUTROS TRANSTORNOS DO ESPECTRO AUTISTA. Revista Autismo, número 0 – Ano 1 – Set/2010 – p. 96/108. Associação Americana de Psiquiatria. DSM – V: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Artmed. Porto Alegre, 2014. Ministério da Saúde. DIRETRIZES DE ATENÇÃO À REABILITAÇÃODA PESSOA COM TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO (TEA). Brasília, DF, 2013. MICHAELIS – Dicionário Escolar Inglês Português. Melhoramentos. São Paulo, 2009. http://www.institutolangage.com.br/curso-preaut-capacitacao-para-identificacao-de-sinais-derisco-para-o-autismo-2015/ JERUSALINSKY, Alfredo N., et. al., BEBÊS EM RISCO DE AUTISMO E OS RECURSOS DA PSICANÁLISE PARA AJUDÁ-LOS (G10). Correio APPOA, Dar a Palavra aos Autistas. Porto Alegre, abril/maio, 2013, pg 50. JERUSALINSKY, Alfredo N., et. al. AUTISMO E SEUS TRATAMENTOS: CONTRIBUIÇÕES DA METODOLOGIA PSICANALÍTICA NESSE CAMPO (G7). Correio APPOA, Dar a Palavra aos Autistas. Porto Alegre, abril/maio, 2013, pg. 31 ANSERMET, François & GIACOBINO, Ariane. AUTISMO – A CADA UM SEU GENOMA.KBR Editora Digital. Petrópolis, RJ. 2013.