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Revisão/Atualização em Insuficiência Renal Aguda: Alterações renais em pacientes
com malária por Plasmodium falciparum
Wilson S. Bulbol, Fuclides B. Silva, Jean J. S.. Souza, Maria Luiza Gazzana
Instituto de Medicina Tropical do Amazonas/Hospital Universitário
Getúlio Vargas - Universidade do Amazonas
Endereço para correspondência: Wilson 5. Bulbol
Av. Castelo Branco, 1709
CEP 69065-010 - Manaus, AM
Tel.: (092) 663-5651 - Fax: (092) 611-3068
Introdução
A malária continua sendo um dos principais problemas de saúde pública no mundo. Em
algumas regiões tropicais do mundo sua incidência está em franca ascensão, inclusive na
Amazônia brasileira, onde endêmica.5,6,31,39 O Plasmodium falciparum (P.falciparum),
agente causal da malária terçâ malígna, geralmente quando de primoinfecção é quem
coloca em risco a vida do paciente pelo acometimento agudo e grave em múltiplos órgãos
e sistemas. Suas principais complicações são cerebrais, renais e pulmonares, sendo mais
frequentes em pacientes com parasitemia alta e por tempo prolongado, primoinfectados e
com alterações imunológicas. 1, 2, 5, 6, 7, 15, 18, 28, 29, 30, 36
Fisiopatologia
Nos rins a malária grave pode comprometer glomérulos, túbulos e interstício renal.
Q principal, mais frequente, e mais grave comprometimento renal na malária
decorre de IRA em malária por P. falciparum, cujo substrato anatomopatológico é de
Necrose Tubular Aguda (NTA), 4, 8,11, 13, 20, 22, 32 com ou sem nefrite intersticial
concomitante. Observa-se inflamação e vacuolização tubulares, com grandes vacúolos
coalescentes e, em alguns casos, marcante nefrite intersticial concomitante. 4, 13, 19
Observa-se inflamação e vacuolização tubulares, com grandes vacúolos coalescentes e,
em alguns casos, marcante degeneração tubular nos pacientes com malária falciparum;
também ocorre infiltrado linfocítico intersticial, podendo haver fibrose focal. Nos casos
de IRA, observa-se necrose e degeneração, mais intensos nos túbulos convolutos distais
do que nos proximais. Verifica-se sinais de hemoglobinúria, como presença de grânulos
de hemoglobina, podendo haver cilindros de hemoglobina e cilindros granulosos nos
túbulos distal e coletor, bem como presença de hemossiderina. 4,26 Tais alterações são
reversíveis se instituído o tratamento anti-malárico.
A hipotensão arterial, o desequilíbrio hemodinâmico, a hiperviscosidade sanguínea
e a hipovolemia, com liberação de catecolaminas e renina, parecem ter papel
fisiopatogênico importante na IRA em malária por P. falciparum. Essas alterações
3,4,9,10,13,17,26
parecem levar a alterações na microcirculação renal, com diminuição do fluxo sanguíneo,
o qual seria o responsável pela IRA. 4, 6, 32, 33
Uma das principais alterações que ocorrem na malária por P. falciparum é a lesão
na microcirculação, causada pelo atapetamento vascular pela presença maciça de P.
falciparum, funcionando como fator de contato e desencadeante de coagulação
intravascular disseminada e explicando a presença de trombos cerebrais e depósitos de
fibrina nos glomérulos renais. O atapetamento vascular também é causa de hemólise e,
por sua vez, de anemia, daí a presença de frequentes formas bizarras de hemácias nesses
pacientes. 12,5 Ocorre lesão endotelial capilar, com disfunção na microcirculação e
aumento da permeabilidade capilar. No pulmão, o dano causado na microcirculação é
mecanismo facilitador de transbordamento capilar, levando a quadros de edema pulmonar
agudo. Portanto, a presença do P. falciparum nos órgãos afetados também é fator
fisiopatológico importante, sendo observado nos rins, pulmões, fígado e cérebro em casos
letais da doença.
A parasitemia alta e por tempo prolongado é o fator fisiopatogênico inicial e
provocador do caso grave de malária por P. falciparum, desencadeando hemólise maciça
e as alterações na microcirculação descritas acima. O prolongado tempo de doença é fator
agravante no curso de uma infecção por P. falcíparum. 1,6, 10, 13,32,36,38,40,41
Foi demonstrado hiperviscosidade sanguínea em pacientes com malária por P. falciparum
que evoluiram com IRA sugerida pelo aumento do fibrinogênio plasmático e pelas
alterações de forma que ocorrem nas hemácias parasitadas pelo P.falcíparum. 4,32 Essas
alterações também levam à diminuição do fluxo sanguíneo cortical renal, com aumento
da renina plasmática e das catecolaminas. 32,33
Outro fator importante para a viscosidade sanguínea e fundamental na patogênese
da IRA na malária por P. falcíparum é a citoaderência, que ocorre somente na malária
falciparum, não ocorrendo em malária por outras espécies de plasmódio. As hemácias
parasitadas formam protuberâncias que aderem ao endotélio capilar, ao endotélio das
vênulas e mesmo a outras hemácias, provocando alterações microcirculatórias e,
consequentemente, IRA. 32
A hemólise intravascular maciça que ocorre em pacientes com alta parasitemia
funciona como fator vasoplégico, decorrendo daí discreta e até importante hipotensão
arterial. Essa hemólise é um dos fatores causais importantes na anemia e da icterícia que
geralmente acompanha a malária grave. 6,32,33
Observamos que em pacientes com bilirrubina superior a 5 mg/dl é maior a
incidência de IRA. A icterícia costuma ser intensa com elevação de ambas as frações da
bilirrubina, com predominância da bilirrubina direta, em decorrência de uma preservação
parcial da função hepática, apesar da lesão do fígado que costuma ocorrer, com elevação
das transaminases. Essa relação entre hiperbilirrubinemia e IRA foi descrita também por
outros autores. 6, 13, 18,35,40
A hipovolemia tem papel importante no desencadeamento da IRA. Parece dever-se
a perdas insensíveis de líquido, sudorese, diminuição da ingesta e pelo aumento da
permeabilidade vascular e leva a aumento na liberação de renina-angiotensina e aumento
das catecolaminas por reflexo do sistema nervoso simpático. 6,33
Alguns autores 23,33 demonstraram haver coagulação intravascular em pacientes
com IRA por malária por P.falciparum, porém esta alteração é de pequena intensidade e
regional (não é Disseminada), não tendo papel fisiopatogênico importante.
Têm sido frequentemente descritas alterações imunológicas em pacientes com
malária por P.falcíparum e alterações glomerulares. 4,19,20,25,26 Ocorre deposição de
imunocomplexos e complemento nos glomérulos, levando ao desenvolvimento agudo de
anormalidades no sedimento urinário, podendo ocorrer logo nas duas primeiras semanas
de infecção. Estas alterações são reversíveis com o tratamento anti-malárico,
desaparecendo algumas semanas após a resolução da infecção, provavelmente por cessar
o suprimento de antígenos, 19,20 embora existam relatos de lesão crônica em experimentos
com ratos. 42 Foram relatadas evidências de proliferação mesangial e endocapilar em
pacientes com alterações urinârias. 26
Na malária por P. falciparum, o mais comum é ocorrer hematúria, cilindrúria e
proteinúria leve (média < lg/24 h), sempre em níveis não nefróticos (RATH). Apesar de
ter sido descrito síndrome nefrótica em pacientes com malária por P.falcíparum,3 tal
alteração é bastante incomum, não existindo uma relação causa-efeito comprovada por
testes imunológicos. O mesmo pode ser dito da glomerulonefrite, que também já foi
descrita em um paciente com malária por P. falcíparum. 16 Glomerulopatias maláricas
crônicas são causadas principalmente pelo P. malariae, agente causal da malária quartã.
Diagnóstico
Quadro Clínico
Pacientes com IRA em malária por P. falciparum geralmente são primoinfectados,
têm um período prolongado de doença, não fizeram uso de drogas previamente à
internação e apresentam-se torporosos, febris, ictéricos, desidratados e oligúricos.
Por dificuldades de acesso ao serviço médico, ou por retardo no diagnóstico no seu
local de origem, ocorrem casos de pacientes que chegam ao nosso serviço com tempo
prolongado de doença (mais de 7 dias) e parasitemias muito elevadas (muitas vezes acima
de 100.000 trofozoítos/mm3). No Instituto de Medicina Tropical do Amazonas (IMTAM)
é rotina a realização de pesquisa de plasmódio em todos os pacientes febris e/ou ictéricos
com história epidemiológica compatível, o que certamente diminui o número de casos
graves por retardo no diagnóstico.
A maioria dos pacientes com IRA é primoinfectada, e é nesse grupo que ocorre o
maior número de óbitos, por serem pacientes com baixa imunidade específica, sendo
estes pacientes que tendem a fazer maiores parasitemias.
A hemólise maciça, por sua vez, é responsável pela anemia e pela icterícia
observada nesses pacientes. As alterações da coagulação exteriorizam-se como petéquias,
equimoses e hematomas. Pode haver gengivorragia ou até mesmo hemorragia digestiva
grave por múltiplos pequenos focos de erosão da mucosa gástrica.
As principais alterações gastrointestinais são os vômitos e a hemorragia digestiva.
Os vômitos podem dever-se à malária, à uremia, ou ainda às medicações anti-maláricas
utilizadas. A hemorragia digestiva em nossa experiência foi importante como causa de
óbito, superando o edema pulmonar nos últimos anos. 6
Quanto às alterações neurológicas, verificamos na malária falciparum grave quadro
de torpor associado ou não à agitação psicomotora, podendo advir até quadro de coma
profundo. É importante ressaltar que há uma relação significativa entre alterações da
consciência e IRA na malária falciparum. 18,22,41
Em relação às alterações cardiovasculares o que ocorre comumente é a hipotensão
arterial, que por vezes é intensa, configurando estado de choque, que pode ser
hemorrágico ou vasoplégico, este pela presença do plasmódio, tal qual ocorre no choque
séptico.
As alterações pulmonares na sua forma mais grave exteriorizam-se por dispnéia, de
intensidade variável e com estertores bolhosos bilateramente, demonstrando quadro de
edema pulmonar agudo. Decorre do aumento da permeabilidacle dos capilares alveolares.
Pode ocorrer em pacientes que foram anteriormente manipulados com administração de
líquidos, porém o que encontrávamos, com certa frequência, eram pacientes desidratados,
tanto pela febre como pelos vômitos, sem alterações cardíacas significativas e com
quadro grave e potencialmente letal de edema pulmonar agudo. Entretanto, com medidas
preventivas implantadas em nosso serviço de monitorização e restrição de líquidos, estes
achados têm sido menos frequentes (Figura 1).
Figura 1 - Distribuição dos pacientes quanto a causa mortis.
As alterações renais na malária grave por P. falciparum decorrem da IRA, que é de
intensidade variável e que é geralmente oligúrica. O tempo de oligúria é de cinco a sete
dias. Deve ser citado que a oligúria presente no paciente com malária não denota sempre
IRA orgânica, ocorrendo também na malária por P. vivax e na malária por P.falciparum
sem que haja perda funcional renal, e decorre simplesmente da depleção de líquidos
corpóreos pela doença infecciosa aguda e febril. Observamos que a anúria ocorre com
frequência e que leva a maior mortalidade (Figura 2). O que se observa posteriormente,
na fase de recuperação, é a ocorrência de poliúria, 35,36,40 tal qual ocorre em IRA por
outras etiologias.
Figura 2
Baseando-se na creatinina sérica, classificamos a IRA na malária por P.falcíparum
em leve moderada e grave. Esta classificação (Quadro 1) tem valor prognóstico, servindo
como parâmetro de gravidade e orientando quanto ao manejo do paciente.
Quadro 1
Classificação dos pacientes com Insuficiência Renal Aguda por malária
por P folciparum de acordo com os valores da creatinina sérica
IRA leve
creatinina de 3,1 a 5,0 mg/dl
IRA moderada
creatinina de 5,1 a 7,0 mg/dl
IRA severa
creatinina acima de 7,0 mg/dl
Frequentemente, observamos vômitos que podem estar presentes mesmo sem IRA.
Em nossa experiência é infrequente o achado de hálito urêmico e atrito pericárdico, o que
não coincide com a experiência de outros autores 31 que descrevem até 90% dos pacientes
com hálito urêmico e 15% com atrito pericárdico. Observamos também tremores finos de
extremidades que são frequentes e que podem ser tanto devidos à uremia como ao
comprometimento neurológico. Temos observado edema nos pacientes com IRA,
também descrito por outros autores.4
Algumas considerações devem ser feitas acerca da mortalidade na malária por P.
falciparum:
a)
O critério para determinação da causa do óbito em malária grave com IRA é
limitado e com superposições, visto coexistirem frequentemente no mesmo paciente
quadro renal, cerebral e hemorrágico ou ainda renal e pulmonar;
b)
Ocorrem, e não são raros, óbitos em malária por P. falciparum com quadro
comatoso pronunciado e sem insuficiência renal. São pacientes com grandes parasitemias
e que morrem provavelmente antes de se estabelecer a IRA. Já a malária pulmonar, em
nossa experiência, só ocorre se há IRA concomitante;
c)
Podem ocorrer quadros infecciosos superpostos à malária grave com IRA e, em
nosso serviço, esta complicação foi causa de óbito em dois pacientes, ambos por
pneumonia.
d)
Na fase pós-oligúrica da IRA por P. falciparum os cuidados devem ser os mesmos
que se têm para com as IRA de outras etiologias. Deve-se atentar para possíveis
hipopotassemias, conforme relatamos a seguir.
Quadro Laboratorial
O diagnóstico de malária geralmente é feito através da coleta de sangue periférico
por punção digital e exame em gota espessa. O resultado pode ser dado em cruzes (+ a
++++) ou na quantidade de parasitas por mm3 de sangue, conforme padronização da
Organização Mundial de Saúde (OMS). Em nosso serviço acompanhamos a parasitemia
diariamente durante a internação.
Em nossa experiência, cerca de 80% dos pacientes que desenvolvem IRA tinham,
na admissão, +++ ou ++++ de trofozoitos de P. falciparum no sangue periférico, o que
corresponde geralmente a números maiores que 20.000 trofozoitos por mm3 de sangue.
Em torno de 50% tinham esquizontes presentes em sangue periférico, que são indicadores
de alta parasitemia.
Nos pacientes com ou sem IRA, observa-se anemia em grau variável. Se não
houver sinais de descompensação hemodinâmica, deve-se retardar a transfusão sanguínea
até que se baixe a parasitemia. Geralmente ocorre leucocitose, em torno de 10.000/mm3,
com contagem diferencial inespecífica. Muito mais frequente é a trombocitopenia, quase
invariavelmente presente, e por vezes importante (abaixo de 50.000/mm3). 34 Devido à
lesão hepática e às alterações periféricas na “cascata” da coagulação, a atividade de
Protrombina se altera, com valores não raro inferiores a 40%.
Tem sido relatada hipoglicemia como fator agravante do quadro comatoso, e que
pode se agravar ainda mais com o uso do quinino.
É comum observarmos elevação nos níveis de aminotransferases, também
ocasionados pela lesão hepática causada pela malária. Por não ter valores muito elevados,
serve para auxiliar no diagnóstico diferencial com outras doenças que cursam com febre,
ictericia e hemorragia, como febre amarela, hepatite e leptospirose.
Em nossa experiência observamos uma relação significativa entre hiperbilirrubinemia e
IRA. A hiperbilirrubinemia geralmente é acima de 3 mg/dl, ocorrendo aumento de ambas
as frações, porém predominando a direta, mostrando ser a icterícia mais colestática do
que hepatocelular.
O que costumamos observar é que os pacientes que evoluem com IRA apresentam
valores de uréia e creatinina elevados já na admissão, embora estas alterações possam
ocorrer mais tardiamente durante a internação, o que justifica nova dosagem de uréia e
creatinina 3 a 4 dias após a admissão, mesmo com o exame inicial normal. Por vezes há
intensa e abruptas elevações de uréia e creatinina, com concomitante instalação ou piora
do quadro acidótico, queda do estado geral e do nível de consciência, configurando
quadro de IRA hipercatabólica, que pode agravar-se mais ainda se houver superposição
de quadíro hemorrágico. O clearance de creatinina também deve ser calculado nestes
pacientes, pois se altera mais precocemente e permite detectar alterações renais
subclinicas em pacientes com malária por P. falciparum.
Geralmente há hiponatremia 6,13 durante toda a doença, no entanto não é importante
e não requer medidas específicas. O potássio sérico encontra-se normal ou mesmo baixo,
não sendo comum hiperpotassemia em nossa experiência. 6,35 Apesar de ser descrito
hiperpotassemia mais frequente por outros autores, em IRA em malária por P.
falciparum, em nossa casuística, houve apenas um caso (5,5 mEq/l). Este dado é
paradoxal por haver grande ruptura de hemácias intravasculares, ser doença infecciosa e a
IRA geralmente ser oligúrica.
Durante a fase aguda da doença podem ocorrer proteinúria leve, geralmente menor
que 1 g nas 24 horas, e cilindrúria. C3 e C4 baixam e verifica-se no soro a presença de
antígenos do P.falcíparum e anticorpos contra eles, assim como imunocomolexos
circulantes.
Os dados gasométricos mostram acidose metabólica em graus variáveis. 6,31
Quanto às alterações morfológicas, em apenas dois pacientes com IRA verificou-se
a presença de alterações na ultrassonografia, sendo evidenciados distorções pielo-caliciais
em um e perda da definição córtico-medular em outro.
Fatores de Risco
Baseando-se nos dados obtidos em nosso serviço, podemos destacar alguns
parâmetros com valor prognóstico na malária por P.falcrparum, principalmente no que
diz respeito ao desenvolvimento de IRA:
a)
Parasitemia maciça — pacientes com maior parasitemia tendem a fazer formas
mais graves de malária por P. falciparum, principalmente IRA, pelos motivos descritos
anteriormente; 1,6,10,13,32,35,36,38,40
b)
Tempo de doença prolongado — pacientes com maior tempo de doença têm
maiores chances de ter complicações graves da malária falciparum, pela maior
parasitemia que se desenvolve e pela maior estimulação antigênica; 10,22,35,36,41
c)
Uso pregresso de anti-maláricos — em nossas observações, pacientes que haviam
usado anti-maláricos previamente à internação tenderam a fazer formas menos graves de
malária falciparum;
d)
Primoinfecção — a imunidade adquirida contra o P. falciparum, apesar de ser de
curta duração, protege o indivíduo em infecções subsequentes. Pacientes primoinfectados
tendem a ter malária mais grave do que pacientes que experimentaram infecções
maláricas previamente; 10,17,18,35
e)
Alterações da consciência — estão relacionadas à IRA, provavelmente em
decorrência da maior parasitemia e das alterações metabólicas provocadas pela IRA;
18,22,41
f)
Hiperbilirrubinemia — a hemólise maciça é responsável por esta alteração, que tem
relação significativa com a IRA; 6, 13. 18, 35, 40
g)
Terapêutica anti-malárica utilizada — verificamos em 19 anos de estudo no
IMTAM que durante o período que não dispúnhamos de drogas esquizonticidas
rápidas a mortalidade foi maior. Após a introdução das artemisininas na rotina do
Instituto houve uma queda significativa da mortalidade por malária (Figura3).
h) Sexo feminino - apesar de termos observado uma maior incidência de IRA no sexo
masculino, a mortalidade em pacientes com essa complicação foi maior no sexo
feminino;
i)
Leucocitose - é mais comum em pacientes que cursam com IRA do que nos que
não cursam com IRA na malária falciparum; 31,35
j)
Anemia acentuada - é um outro fator que guarda estreita relação com os casos de
35,36
IRA.
Tratamento
Podemos dividir a abordagem terapêutica do paciente grave por malária falciparum
e IRA em 3 aspectos:

Medidas terapêuticas gerais;

Medicação anti-malárica;

Métodos dialíticos.
Medidas Terapêuticas Gerais
Deve-se puncionar veia calibrosa (por punção de veia subclávia ou dissecção
venosa), que além de permitir o uso de soluções hipertônicas também pode ser necessária
para reposição sanguínea quando de hemorragias e monitorização da pressão venosa
central
(PVC).
Costumamos prescrever solução glicosada hípertônica a 20%, em torno de 500 ml
por 24 horas para paciente adulto, associado ou não a complexo vitaminico B e/ou
gluconato de cálcio. Como sabemos, há deficiência de vitaminas do complexo B quando
o pacientes está com IRA, além de sua retirada pela diálise. Usamos também 200 ml de
solução glicosada a 5% para a veiculação da medicação anti-malárica, que é administrada
em pacientes com IRA de 12 em 12 horas. Então, em paciente adulto a oferta de líquidos
parenterais é em torno de 900 ml nas 24 horas, mesmo que o paciente esteja com PVC
baixa, pois, como citamos, ocorre facilmente transudação pulmonar e a administração
excessiva de líquidos é fator facilitador de tal ocorrência Com essa medida diminuímos a
incidência de edema pulmonar, que é um fato temido por quem trata esse tipo de
paciente.
Quando há necessidade de diálise diária geralmente usamos aminoácidos
essenciais.
Usamos também de rotina antiácidos, em quatro a seis tomadas diárias. Pode ser
necessário o uso de bloqueadores de H2, que deve ser feito no máximo duas vezes por
dia.
Tem sido demonstrado que o uso de corticóides não é benéfico e não os utilizamos.
Pode ser necessária a administração de vitamina K1, que deve ser feita por via
endovenosa.
Tem sido demonstrada a necessidade de exsanguíneotransfusão em alguns casos,
mas não temos utilizado esta modalidade terapêutica em nosso serviço.
A furosemida vem sendo utilizada em pacientes com IRA devido a malária
falciparum, em alguns locais associada a dopamina 24,32com bons resultados, principalmente em pacientes com baixos níveis de uréia e creatinina.
Outras modalidades de tratamento que têm sido praticadas em outros países são a
plasmaferese e a exsanguineotransfusâo, com bons resultados, principalmente nos
pacientes com altas parasitemias. 13,37
Medicação Anti-Malárica
Uma droga efetiva para o tratamento da malária grave por Plasmodium falciparum
com IRA é aquela que reduz significativamente a parasitemia em um curto espaço de
tempo (um a dois dias). 6,17,30,36Com o advento das artemisininas — artemether e
artesunate, que são drogas esquizonticidas rápidas, associadas àmefloquina ou à
clindamicina, temos obtido tal resultado. Houve uma expressiva redução da mortalidade
após a introdução das artemisininas, conforme observado na figura 3.
O quinino continua sendo uma alternativa eficaz nesses pacientes. Outras drogas
(clindamicina, sulfas e minociclina) podem ser utilizadas, mas por serem esquizonticidas
lentos não devem ser usadas em casos graves da doença. A cloroquina e a amodiaquina
não devem, em hipótese alguma, ser utilizadas para o tratamento de malária por P.
falciparum por estar comprovada a resistência do P. falciparum a estas drogas na
Amazônia.
O artemether é a apresentação de artemisinina para uso intramuscular. A dose é de
2 mg/kg inicialmente (máximo de 160 mg), seguido por 1 mg/kg após 12 horas, 24 horas
e 36 horas. Sua apresentação é em ampolas dle 80 mg.
O artesunate é a forma endovenosa de artemisinina, sendo utilizado na mesmo
dosagem do artemether, também seguido de mefloquina 24 horas após a 1ª dose. A dose
máxima do artesunate é de 120 mg.
As artemisininas têm como efeito colateral mais comum as arritmias cardíacas,
porém, em nosso serviço, as alterações eletrocardiográficas observadas foram discretas e
geralmente não levam à suspensão da droga.
A mefloquina é administrada no dia seguinte à 1ª dose de artemether na dose de 16
a 20 mg/kg, em dose única. Pode fracionar-se a dose total em duas doses tomadas com
intervalos de 6 horas, o que diminui a intolerância e a ocorrência die vômitos. A inefloquina é uma droga que pode ser usada isoladamente para tratamento da malária
falciparum, porém tem sido relatado altos níveis de resistência a ela.
Pode ser usada a clindiamicina associada ás artemisininas no lugar da mefloquina.
A dose é de 20 mg/kg/dlia, dividida em duas tomadas, e a duração é de 5 a 7 dias.
Outros esquemas terapêuticos que podem ser usados são: quinino associado à
tetraciclina, quinino associado à clindíamicina e mefloquina isoladamente. Não são mais
utilizadas as sulfas e a minociclina.
O
P.falciparum desenvolve facilmente resistência à ação das drogas (o que não
ocorre com o P. vivax).O uso indiscriminado das medicações anti-maláricas é fator
facilitador do desenvolvimento de resistência.Existem atualmente muitas cepas de P.
falciparum resistentes às sulfas, quinino, minociclina e mefloquina.
Deve ser ressaltado que em qualquer dos esquemas utilizados deve-se usar também
primaquina (comprimidos de 5 e 15 mg) em dosagem única de 0,75 mg/kg ao final do
tratamento radical. Na malária falciparum a primaquina é utilizada com gametocitocidla,
com o objetivo de interrupção do ciclo de transmissão da infecção.
As drogas anti-maláricas possuem vários efeitos colaterais. O quinino,
particularmente, deve ser usado com bastante cautela, pois, além de sua nefrotoxicidade,
lesa o nervo auditivo e deve ser evitado na gravidez.
Métodos Dialíticos
Pode ser usado tanto diálise peritoneal 6,8,9,10,14,21,27,31,40,41 como hemodiálise.
17,22,36,37
No IMTAM usamos somente diálise peritoneal. A diálise tem indicações precisas
na IRA por malária por P. falciparum Observamos uma maior mortalidade em pacientes
submetidos a tratamento dialítico com diálise peritoneal em relação aos pacientes não
dialisados. Isto se deve ao fato de que a maioria dos pacientes dialisados tinham malária
mais grave e IRA mais severa. 6,9
Na malária grave por Plasmodium falciparum com IRA indicamos diálise
peritoneal em duas situações:
1.
Quando há comprometimento renal importante no início da terapêutica antimalárica, visto que ainda decorrerão mais dois ou três dias para que diminua a
parasitemia, ou seja, o fator causador e agravante da IRA (parasitemia maciça) ainda
estará presente. Este grupo é que tende a ser mais grave e com maior mortalidade.
2.
De acordo com a evolução clínico laboratorial como por exemplo com grandes
elevações de uréia e creatinina em dois dias associadas a piora do nível de consciência
e/ou sintomas urêmicos.
De 1977 a 1995, observamos no IMTAM um aumento no diagnóstico de IRA em
malária por P. falciparum, devido a uma avaliação mais intensiva da função renal durante
a internação. Apesar disto, com as medidas terapêuticas tomadas, incluindo os novos
medicamentos, obtivemos uma queda progressiva na mortalidade em pacientes com
malária por P. falcíparum, conforme observamos nas figuras 4, 5 e 6.
IRA Óbitos
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