189 Propagação por estaquia de três acessos de Baccharis trimera em fenofase reprodutiva Sousa, L.A.¹; Sacramento, L.V.S.²; Ming, L.C.³ 1 Programa de Pós-Graduação em Agronomia/Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP, [email protected], Fazenda Experimental Lageado, Caixa Postal 237, 18603-970, Botucatu-SP; 2Departamento de Princípios Ativos Naturais e Toxicologia, Faculdade de Ciências Farmacêuticas/UNESP, Araraquara-SP; 3 Departamento de Produção Vegetal/Horticultura/FCA/ UNESP, Botucatu-SP. RESUMO: Este trabalho objetivou contribuir com informações fitotécnicas para o cultivo de carqueja, estudando estratégias para o enraizamento de estacas, bem como auxiliar na formação de coleções ativas, ex-situ, para fins científicos e bancos de germoplasma. O experimento foi conduzido em casa-de-vegetação, com estacas obtidas da região apical, mediana e basal dos ramos de plantas em fase reprodutiva de três acessos de Baccharis trimera (Acessos Umuarama e Itapeva, provenientes da região de Campos do Jordão-SP e Acesso Botucatu proveniente da coleção da FCA/UNESP). De acordo com os resultados obtidos, houve o enraizamento de 42% do total das estacas, com destaque para o Acesso Botucatu. As estacas vivas e não enraizadas no período de observação representaram 35% do total, indicando potencial significativo para a emissão de raízes adventícias. Estacas retiradas das porções basal e mediana dos ramos apresentaram as maiores proporções de enraizamento ou sobrevivência. Para enraizar estacas obtidas de plantas de carqueja na fase reprodutiva é válido adotar-se técnicas básicas, contudo é necessário estudar outras prerrogativas como a aplicação de fitorreguladores ou o emprego de soluções nutritivas, objetivando-se otimizar o estado metabólico da estaca. Conforme o interesse acadêmico, científico ou econômico, a relação custo/benefício elegerá o uso de uma determinada técnica, uma vez que alternativas são necessárias para a preservação da espécie. Palavras-chave: Baccharis, enraizamento, propagação vegetativa, mudas, planta medicinal ABSTRACT: Cutting propagation of three accessions of Baccharis trimera in reproductive development phase. This work had the aim to contribute with phytotechnical information for the Baccharis trimera cultivation, studying strategies for rooting of cuttings, as well as to aid in the formation of active collections, ex-situ, for scientific ends and germoplasm database. The experiment was driven in greenhouse, with cuttings obtained from apical, medium and basal portions of the branches of plants in reproductive phase of three accessions of Baccharis trimera (Umuarama and Itapeva Accessions from Campos do Jordão-SP and Botucatu Accessions from collection of FCA/UNESP). According to obtained results, there were rooting of 42% from total cuttings, with prominence for Botucatu Accession. The alive cuttings and not taken root in the observation period represented 35% of the total, indicating significant potential for the emission of roots adventitious. Cuttings taken from basal and medium portions of the branches presented the largest proportions of rooting or survival. To root obtained stakes of Baccharis trimera plants in the reproductive phase it is valid to adopt basic techniques, however it is necessary to study other prerogatives as for example of the phytoregulators application or the use of nutritious solutions as to optimize the metabolic state of the cutting. Can the interest be academic, scientific or economic; the relation cost/benefit will define the use of a certain technique considering some alternatives for preservation of the species. Key words: Baccharis, rooting, vegetative propagation, seedlings, herbal medicines. INTRODUÇÃO Baccharis trimera, conhecida popularmente por carqueja, apresenta origem no continente americano, ocorrendo espontaneamente em quase todo o território brasileiro, e o estado do Paraná, é considerado o centro de dispersão no país. Essa espécie ocorre em altitude de até 2.800 metros, sendo comum em campos e beiras de estradas (ruderal), desenvolvendo-se em tipos de solos bem distintos (Pavan-Fruehauf, 2000). Recebido para publicação em 01/02/2004. Aceito para publicação em 31/10/2006. Barroso (1976), destaca sua ocorrência em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Guanabara, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai, Paraguai, Bolívia, e nordeste da Argentina. O gênero Baccharis Linnaeus compreende cerca de 350 espécies, todas americanas. No Brasil, é representado por uma média de 120 espécies, distribuídas em maior concentração na Região Sul (Barroso,1976). Na medicina popular B. trimera é empregada como estomáquica, anti-reumática, anti-helmíntica, nas doenças do fígado, gastroenterites, no diabetes, na anorexia, nos estados gripais, resfriado e para uso externo em feridas e ulcerações. Há estudos que constataram, a ação hipoglicemiante e inibição do Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.8, n.4, p.189-192, 2006 190 protozoário causador da doença de Chagas (PavanFruehauf, 2000). Segundo Bona et al. (2002), além da propagação ser feita por divisão de touceiras, estacas e sementes, a propagação por estacas é um método eficaz e possibilita a preservação de características agronômicas desejáveis e uniformes, enquanto que os demais procedimentos são desfavoráveis e não promovem uniformidade. Os mesmos autores, indicam que o melhor período para obtenção de estacas é durante o final do inverno até o final da primavera, estações em que a planta se apresenta na fenofase vegetativa, evitando-se então a época de florescimento. Dentro deste contexto, no grande universo das plantas medicinais, torna-se necessário o estabelecimento de prioridade para o desenvolvimento de trabalhos que envolvam a conservação ex-situ de plantas nativas, com a finalidade de contribuir com informações para o cultivo da espécie, estabelecendo estratégias para conservação e manejo de recursos genéticos de plantas medicinais e aromáticas nativas, bem como auxiliar na formação de coleções ativas, exsitu, para fins científicos e novos bancos de germoplasma. O presente trabalho objetivou estudar a multiplicação de indivíduos de espécies nativas de B. trimera a partir de estacas de ramos em fenofase reprodutiva e incluir os indivíduos propagados na área de cultivo do Jardim de Plantas Medicinais do do Departamento de Produção Vegetal, Setor de Horticultura, FCA/UNESP, Câmpus de Botucatu, comparando o desempenho de enraizamento dos espécimes introduzidos com os já existentes na área. MATERIAL E MÉTODO A coleta do material botânico constou da obtenção de vários ramos de espécimes selecionadas no local. O critério de seleção adotado, segundo Skorupa & Vieira (2001), foi baseado na coleta de germoplasma de plantas medicinais, visando o interesse da pesquisa na busca de substâncias com atividade biológica. As plantas matrizes permaneceram no local de ocorrência, para rebrota, devidamente marcadas com o objetivo de se evitar a escassez do recurso genético. O material botânico foi identificado no momento das coletas com o auxílio de chave de identificação botânica (Barroso, 1976) e com o auxílio de lupa de bolso (aumento 3x). Foram coletados indivíduos masculinos e femininos aleatoriamente. Após a coleta do material botânico, foram confeccionadas exsicatas as quais estão incorporadas ao acervo do Herbário do Instituto de Biociências de Botucatu, recebendo os seguintes registros: 23702, 23703, 23704 e 23705 (BOTU), sendo a Curadora responsável pela identificação a Professora Doutora Yuriko Yanagizawa A. Nogueira Pinto. Acessos de Baccharis trimera (Less.) A. P. de Candolle (1836), foram coletados em maio de 2003, em três localidades diferentes: Acesso Itapeva: nas proximidades da estrada que conduz ao pico do Itapeva (1884m de altitude, 22º45S e 45º31W); Acesso Umuarama: na estrada que conduz ao bairro Umuarama (1785m de altitude, 22º45S e 45º35W), ambos os locais no município de Campos do Jordão, no Estado de São Paulo; Acesso Botucatu: no Jardim Didático de Plantas Medicinais do Departamento de Produção Vegetal/Horticultura/FCA/UNESP (790m de altitude, 22º50S e 48º25W). O material botânico, proveniente da região de Campos do Jordão, foi acondicionado em sacos PEBD e papel umedecido, sendo transportado em caixas de isopor num período não superior a 6 horas após a coleta, enquanto o proveniente de Botucatu foi processado logo após sua coleta. Para a propagação por estaquia do material botânico coletado foram selecionados os ramos daquelas matrizes que se encontravam em fenofase reprodutiva (pré-floração, botões florais e flores em antese) A escolha deste quesito objetivou estabelecer uma padronização no processo de enraizamento, uma vez que B. trimera é considerada dióica e pode demonstrar aspectos fisiológicos diferentes. A multiplicação das estacas foi realizada em casa de vegetação no Departamento de Produção Vegetal/Horticultura (FCA/UNESP), testando-se diferentes tipos de estacas em relação a posição no ramo: apical, mediana e basal. A estaquia foi conduzida em bancadas com bandejas de isopor (72 células de 10 cm de altura) e conforme recomendado por Biasi & De Bona (2000) e Bona (2002), o substrato utilizado para o enraizamento foi casca de arroz carbonizada. As estacas apresentavam 15cm e foram inseridas no substrato de modo que 60% do comprimento ficou exposto à atmosfera. A irrigação por micro-aspersão foi programada seis vezes por dia, durante 10 minutos. O surgimento de raízes adventícias foi avaliado aos 60 dias após o estaqueamento. Adotou-se o delineamento inteiramente casualizado em esquema fatorial 3x3 com 4 repetições, sendo três acessos e três posições do ramo, totalizando-se 36 parcelas. Cada parcela foi composta por 12 estacas, e cada tratamento contou com 144 estacas. A análise estatística constou de análise de variância dos dados e comparação das médias pelo Teste Tukey ao nível de 5% de probabilidade. Após a contagem das estacas enraizadas, foram calculadas as porcentagens de enraizamento e mortalidade. As estacas que não emitiram raízes adventícias e permaneceram verdes durante o período estudado foram consideradas estacas vivas. RESULTADO E DISCUSSÃO Na Tabela 1 está apresentada a avaliação executada aos 60 dias após a transferência das estacas para o substrato. Observou-se que o número de estacas enraizadas foi baixo para os acessos Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.8, n.4, p.189-192, 2006 191 Umuarama e Itapeva, não atingindo 30%. Por outro lado, o acesso Botucatu atingiu 60% das estacas enraizadas, o que pode ser considerado satisfatório. Nas condições do experimento, obteve-se maior proporção de estacas enraizadas e/ou vivas sem raízes adventícias aparentes, para as porções basais e medianas dos ramos. Observando-se a taxa de mortalidade verifica-se que o acesso Botucatu apresentou o melhor rendimento na propagação. No entanto, o mesmo não pode ser dito para o acesso Itapeva, o qual apresentou baixa taxa de mortalidade em função da maior porcentagem das estacas vivas não enraizadas, e não da taxa de enraizamento efetivamente considerada. Assim, as estacas vivas e não enraizadas constituem a parcela potencial de trabalho fisiológico e fitotécnico a ser desenvolvido em estacas de carqueja advindas de ramos em estadio reprodutivo. Biasi & De Bona (2000), mencionam alta porcentagem de enraizamento e consequente baixa mortalidade de estacas de carqueja, em experimentos conduzidos em outras condições. Na mesma ocasião, os autores verificaram que estacas oriundas das posições apicais e medianas do ramo apresentaram maiores índices de enraizamento, muito embora Bona (2002) tenha observado altos índices de enraizamento para estacas propagadas a partir da região basal do ramo. TABELA 1. Porcentagem de enraizamento de diferentes tipos de estacas de três acessos de Baccharis trimera em fenofase reprodutiva. Média de 4 observações Taxa de enraizamento Estacas vivas não enraizadas Taxa de mortalidade ----------------------------------------------- % -------------------------------------------Acesso Botucatu 59,8 a 17,9 c 22,3 b Acesso Umuarama 27,8 b 32,2 b 39,6 a Acesso Itapeva 24,5 b 53,5 a 22,0 b Porção basal 49,0 a 30,7 b 20,3 b Porção mediana 36,1 b 40,3 a 23,7 b Porção apical 26,5 c 31,3 b 40,3 a Médias seguidas da mesma letra na coluna não diferem entre si pelo Teste Tukey a 5% de probabilidade. Biasi & De Bona (2000) estudaram os efeitos do substrato, da aplicação de IBA, da posição e do tamanho da estaca na propagação estacas de carqueja retiradas dos ramos de crescimento do ano, em casa de vegetação. Os autores observaram o enraizamento de 93,5% das estacas, sendo esta marca a média geral do experimento. Neste trabalho foi verificado que somente 42% das estacas enraizaram, o que é muito aquém de uma situação ideal ou satisfatória. No entanto, foram empregadas estacas de ramos em florescimento. Supõe-se que se o substrato utilizado tenha contribuído para este enraizamento, uma vez que Biasi & De Bona (2000) elegeram a casca de arroz carbonizada como melhor substrato. Para estes autores, não houve diferença significativa de enraizamento em relação das doses de IBA empregadas. Quanto a posição da estaca não foram verificadas diferenças significativas entre os tratamentos para porcentagem de enraizamento, mas as estacas basais apresentaram menor número de raízes, brotações e maior mortalidade de estacas, o que difere dos resultados aqui obtidos. Corrêa Junior et al. (1991) sugerem que a obtenção de estacas para a produção de mudas de carqueja, deva ocorrer no período de setembro a novembro (final do inverno a meados da primavera). No presente estudo, a coleta dos ramos foi executada em meados do outono (mês de maio), e foi possível obter-se estacas com potencial de enraizamento satisfatório, haja vista a taxa de sobrevivência (Tabela 1). Infere-se que as estacas necessitem de período maior do que 60 dias para o enraizamento, nestas condições, ressaltando que o experimento foi conduzido em casa de vegetação, sob condições favoráveis de temperatura, sobretudo de umidade. Outra hipótese válida é que ocorre a translocação de fotoassimilados das regiões de síntese (ramos alados folhas) para os locais de consumo intenso, no caso os botões florais, explicando o menor desenvolvimento de raízes adventícias nas regiões apicais e medianas, locais de disposição dos capítulos florais. Por isto, nesta fenofase ocorre maior gasto de energia metabólica para formação de raízes, observando-se relações inversas na propagação de estacas de B. trimera em diferentes posições no ramo. Bona (2002) em sua revisão bibliográfica aponta autores que discutem alguns aspectos fisiológicos da estaca favoráveis ao enraizamento, dentre os quais encontra-se a idade da planta e o nível de carboidratos. Plantas mais jovens apresentariam menor quantidade de inibidores e maior Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.8, n.4, p.189-192, 2006 192 de cofatores (compostos fenólicos), e ramos no outono/inverno apresentariam maior quantidade de carboidratos. Desta forma, para os resultados aqui encontrados, considera-se a hipótese de que estacas de B. trimera em pleno florescimento, enraizam pouco, em função da idade da planta matriz (adulta) a despeito da influência da estação climática (outono). Os acessos Umuarama e Itapeva obtidos em ambiente completamente distinto daquele freqüentemente encontrado para uma casa de vegetação, apresentaram os menores índices de enraizamento, sugerindo uma necessidade de ambientação, de expressão da sua plasticidade fenotípica. O que não aconteceu para o Acesso Botucatu, praticamente aclimatado na região. Segundo Hartmann et al. (1997), o ambiente influencia as variáveis fenotípicas e genotípicas, podendo surgir mutações genéticas espontâneas ou que sejam resultantes de fatores específicos. As plantas destes acessos eram procedentes de localidades com fertilidade do solo, valores de temperatura, e estrutura biológica intrínsecas. É possível obter-se mudas a partir de estacas de plantas de B. trimera em fenofase reprodutiva, porém as condições microclimáticas devem ser previamente consideradas levando-se em consideração as relações custo-benefício, haja vista gastos maiores com a irrigação, pois neste experimento, irrigavam-se as estacas em enraizamento, seis vezes ao dia, enquanto que Biasi & De Bona (2000) empregando plantas em fenofase vegetativa irrigaram as estacas em dias alternados. Conforme o interesse, acadêmico, científico ou econômico a relação custo/benefício norteará a decisão a ser tomada, considerando-se que as plantas podem estar em situações diferentes, quer seja em estado silvestre, em processo de domesticação e/ou domesticadas. Portanto, concluiu-se que para propagar plantas que se encontram em fenofase reprodutiva, é preciso ainda estudar o caso, sugerindo técnicas que aumentem a porcentagem de enraizamento das estacas, sobretudo daquelas que permaneceram vivas sem a emissão de raízes adventícias, o que em alguns casos representou 50% do total. De qualquer forma, foi possível ampliar o número espécimes de B. trimera em processo de domesticação e incorporar dois acessos procedentes de Campos do Jordão-SP, região de Mata Atlântica, ao quadro de plantas medicinais e aromáticas nativas ex-situ do Departamento de Produção Vegetal, Setor de Horticultura da FCA/ UNESP/Botucatu. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BARROSO, G.M. Compositae Tribo Baccharidinae Hoffmann: estudo de espécies ocorrentes no Brasil. Rodriguesia, Rio de Janeiro, v.40, n.3, p.1-273, set. 1976. BIASI, L.A.; DE BONA, C.M. Propagação de carqueja (Baccharis trimera (Less.) A.P. de Candolle) por meio de Estaquia. Rev. Bras. Plantas Med., Botucatu, v.2, n.2, p.37-43, abr. 2000. BONA, C.M. Estaquia, calagem e sombreamento da carqueja. Curitiba, 2002. 80f. Dissertação (Mestrado em Agronomia) Universidade Federal do Paraná. BONA, C.M.; BIASI, L.A.; NAKASHIMA, T.; ZANETTE, F.; CORRÊA Jr., C. Carqueja: cultive esta idéia. Curitiba: SEAB-PR/UFPR. 2002. 18p. CORRÊA Jr., C; MING, L.C.; SCHEFFER, M.C. Cultivo de Plantas Medicinais, Condimentares e Aromáticas. 1ª ed. Curitiba: Emater. 1991. 162p. HARTMANN, H.T.; KESTER, D.E.; DAVIES Jr., F.T.; GENEVE, R.L. Plant Propagation Principles and Pratices. In: Biology of Propagation. 6th ed. New Jersey: Prentice Hall Upper Saddle River. 1997. p. 9-39. PAVAN-FRUEHAUF, S. 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