Epistemologia: compreendendo as bases teóricas do fazer epistemológico1 Tauana Mariana Weinberg Jeffman2 Darciele Paula Marques Menezes3 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS. RESUMO O pesquisador além de fazer ciência, deve refletir sobre o seu próprio fazer. Assim, o presente artigo centra-se em apresentar e a refletir sobre a epistemologia e as ciências sociais. Para tanto, busca-se compreender os princípios de autores que direcionaram seus esforço para a reflexão deste contexto, compreendendo suas percepções e suas contribuições para a base do pensamento epistemológico. Direciona-se o olhar as atualidades do passado epistemológico, um passado que se faz presente em cada passo do fazer comunicacional. PALAVRAS-CHAVE: Epistemologia; Comunicação; Ciência; Conhecimento. Introdução Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia. William Shakespeare O termo epistemologia refere-se ao “estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados da ciência já constituídos, e que visa determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo”4. A Ciência trata-se do “conhecimento. Saber que se adquire pela leitura e meditação; instrução, erudição, sabedoria”. Já, o conhecimento, é o “ato ou efeito de conhecer, ideia, noção, informação, notícia, ciência, prática da vida, experiência, discernimento, critério e apreciação”5. Para o pesquisador, inquieto, ávido por conhecimento e questionador por natureza, uma simples definição denotativa de conceitos não lhe basta, não lhe mostra a magnitude, a história e as crenças incorporadas Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos em Cultura e Identidade do IV SIPECOM – Seminário Internacional de Pesquisa em Comunicação. 2 Professora substituta do curso de comunicação – UFSM. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência da Comunicação – UNISINOS. Mestre em Comunicação Social – PUCRS. Bacharel em Comunicação Social, habilitação Publicidade e Propaganda –UNIPAMPA. E-mail: [email protected]. 3 Professora Substituta do Curso de Comunicação Social – Hab. Publicidade e Propaganda da UFSM. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM e Mestre em Comunicação pela mesma universidade. Bacharel em Comunicação Social – Hab. Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Pampa. E-mail: [email protected] 4 FERREIRA, 1986, p. 673. 5 FERREIRA, 1986, p. 404. 1 por cada significado. Deste modo, este trabalho tem como objetivo compreender o que é epistemologia, bem como, conhecer um pouco sobre a ciência social, teorias e perspectivas. O que é epistemologia? Segundo Japiassu (1979, p. 24-38, grifo do autor), epistemologia “significa, etimologicamente, discurso (logos) sobre a ciência (episteme)”6. Para este autor, a epistemologia se trata dos estudos e reflexões dos métodos científicos, realizando um “estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências”. Contudo, é preciso ressaltar que “o conceito de epistemologia não tem uma significação rigorosa e unívoca, com um conteúdo definitivo e aceito por todos os que se interrogam como se constitui uma teoria científica”. As concepções epistemológicas de lógicos, sociólogos e psicólogos muitas vezes se chocam e não se articulam harmoniosamente. Assim, não há uma epistemologia comum a todos, estabelecida de forma harmônica e com definições sólidas. A epistemologia, portanto, é um conceito flexível, que objetiva a uma “teoria geral do conhecimento [...] interrogando-se sobre a gênese e a estrutura das ciências”, visando a uma “análise lógica da linguagem científica”, aliada ao “exame das condições reais de produção dos conhecimentos científicos”. Então, o papel da epistemologia é “estudar a gênese e a estrutura dos conhecimentos científicos” com um viés interdisciplinar, pois observa a ciência sob o prisma de diversas disciplinas. A epistemologia divide-se em duas categorias distintas: epistemologias genéticas e epistemologias não-genéticas, sublinha Japiassu (1979, p. 36-39, grifo do autor). Nas epistemologias genéticas, “o conhecimento deve ser analisado de um ponto de vista dinâmico [...] ou diacrônico”, enquanto que nas epistemologias não-genéticas, “o conhecimento é resultado de um ponto de vista estático ou sincrônico, quer dizer, e sua estrutura atual”. Além de se configurar como um discurso sobre a ciência, a epistemologia também é a história desta, pois “uma teoria das ciências só é epistemologia porque a epistemologia é histórica. Assim, a historicidade é essencial ao 6 Na Grécia antiga, Platão distinguiu as noções de doxa e episteme, onde a primeira referia-se a uma opinião, ou uma “crenças tomadas por certas”, enquanto a última era entendida como conhecimento (NORRIS, 2007, p. 12, grifo do autor). objeto da ciência sobre o qual é estabelecida uma reflexão que podemos chamar de ‘filosofia das ciências’”. A história da ciência e da epistemologia estão profundamente ligadas, completando-se. Neste aspecto, “sem referência à epistemologia, toda a teoria do conhecimento seria uma meditação sobre o vazio. Por outro lado, sem relação à história das ciências, a epistemologia seria uma réplica inútil da ciência que toma como objeto de discurso”7. Ciências sociais: do positivismo aos dilemas intelectuais Sobre as ciências sociais, Wallerstein (1996, p. 14-15, grifo do autor) afirma que foram as epistemologias que “construíram um empreendimento do mundo moderno”, onde “suas raízes mergulharam na tentativa de desenvolver um saber sistemático e secular acerca da realidade, que de algum modo possa ser empiricamente validado”, denominando este saber de “scientia”. Esta visão clássica perdurou por muitos séculos, guiada por duas premissas básicas: a primeira “foi o modelo newtoniano, segundo o qual existe uma simetria entre o passado e o futuro”; e a segunda “foi o dualismo cartesiano”, isto é, “o pressuposto de que existe uma distinção fundamental entre a natureza e os seres humanos, entre a matéria e a mente, entre o mundo físico e o mundo social/espiritual”. Assim, esta divisão tornou-se conhecida como “as duas culturas”. A ciência, então, “passaria a ser definida como a busca de leis universais da natureza que se mantivessem verdadeiras para além das barreiras de espaço e tempo”. O subjetivo foi renegado e o objetivo ressaltado. Deus tornou-se ausente, substituído pelos “valores morais do mundo cristão”. A palavra de ordem passou a ser o progresso, termo que se ampliou e passou a implicar as “conquistas materiais da tecnologia”. Contudo, foi no começo do século XIX, que os cientistas presenciaram o triunfo da ciência, do ponto de vista linguístico. Ainda, Wallerstein (1996, pp. 18-19) destaca que “o termo ciência, desprovido de adjetivo qualificativo, passou, então, a ser associado primordialmente (e muitas vezes exclusivamente) às ciências da natureza”. A partir disto, a palavra “ciência foi assumindo uma face e ênfases variáveis”, resultando em uma “falta de coesão interna”. Percebe-se, então, que a “luta epistemológica por aquilo que se considerava ser o 7 JAPIASSU, 1979, p. 31-33, grifo do autor. conhecimento legítimo já não era uma luta para saber quem havia de controlar o conhecimento relativo à ciência”, mas sim, “uma luta em torno de quem havia de controlar o conhecimento relativo ao mundo humano”. Neste contexto, o Estado Moderno sentiu a necessidade de possuir um conhecimento mais preciso, mais concreto, no qual “pudesse basear as suas decisões”, fato que levou ao “surgimento de novas categorias de conhecimento já no século XVIII”. No entanto, tais categorias “afiguravam-se ainda incertas nas suas definições e fronteiras”. Neste contexto, a universidade passou por um “processo de revitalização e transformação no final do século XVIII e princípio do século XIX, tornando-se o lugar institucional preferencial para a criação de conhecimento”. Portanto, “o processo de disciplinação e profissionalização do conhecimento” corresponde “a criação de estruturas institucionais permanentes destinadas, simultaneamente, a produzir um novo conhecimento e a reproduzir os produtos desse conhecimento” e marcam a “história intelectual do século XIX”8. Contudo, foram os classicistas, os historiadores e os estudiosos das literaturas nacionais, os que mais trabalharam em prol da revitalização da universidade no século XIX. Mas, apesar disso, a universidade passou a presenciar um debate contínuo sobre a relação entre a física e a filosofia, onde a primeira é “colocada em um pedestal”, enquanto que a última é “renegada para um canto ainda mais oculto do sistema universitário”. Assim, “a ciência passa a ser proclamada como sendo a descoberta da realidade objetiva através do recurso a um método que nos permitiria sair para fora da mente”, enquanto que “aos filósofos não se reconhecia mais do que a faculdade de cogitar e escrever sobre as suas cogitações”. Esta visão foi claramente afirmada por Auguste Comte e John Stuart Mill, tornando a ciência, uma ciência positiva, exata; que “visava a libertação total relativamente à teologia e à metafísica, bem como a todos os demais modos de ‘explicação’ da realidade”. Em contraponto, os filósofos se tornariam “especialistas em generalidades”9. 8 9 WALLERSTEIN, 1996, p. 20-25. WALLERSTEIN, 1996, p. 20-26. No século XVIII até 1945, presenciou-se a institucionalização de cinco disciplinas: “a história, a economia, a sociologia, a ciência política e a antropologia”. O esforço da criação de tais disciplinas foi no “sentido de garantir e de fazer avançar um conhecimento ‘objetivo’ sobre a ‘realidade’ na base das descobertas empíricas”. Apesar da magnitude das demais disciplinas, Comte acreditava que a sociologia deveria ser “a rainha das ciências, uma ciência social integrada e unificada e caracterizada pelo ‘positivismo’”. Mas na prática, a sociologia desenvolveu-se dentro das universidades voltada ao “trabalho realizado pelas associações para a reforma da sociedade”. Após o embate entre as disciplinas e os seus esforços por institucionalizarem-se e demarcarem seus campos de pesquisa e conhecimento, Wallerstein (1996, p. 28-53) acredita que o resultado de “tudo isso” foi uma história de sucesso. Para este autor, o “estabelecimento das estruturas de investigação, de análise e de formação que não apenas se revelaram produtivas e viáveis, mas também deram origem à considerável bibliografia que hoje consideramos ser legado das ciências sociais contemporâneas”. Contudo, em meados de 1945, com o fim da II Guerra Mundial, “as práticas dos cientistas sociais começam a mudar”, o que “cria um fosso cada vez mais fundo entre, de um lado, as práticas e as posições intelectuais dos cientistas sociais e, de outro lado, a organização formal das ciências sociais”. A mudança no contexto mundial, passou a questionar esta divisão do trabalho intelectual. O mundo pós-guerra, então, acreditava que tal divisão restringia o conhecimento. As disciplinas nas ciências sociais multiplicaram-se, mas também mesclaram-se, em alguns casos. Para Wallerstein (2006, p. 10), esta ciência do século XIX baseava-se em uma “epistemologia específica”, centrada no que o autor considera “uma falsa antinomia monotético-idiográfico”. Nos últimos 20 anos, então, essa “epistemologia passa a ser questionada, trazendo-nos os dilemas intelectuais presentes”. A partir destas constatações, inicia-se a reflexão acerca das diferentes perspectivas epistemológicas, compreendendo as concepções de Jean Piaget, Gaston Bachelard, Michel Foucault, Ludwig Wittgenstein, Boavetura de Sousa Santos, Karl Popper, Thomas Kosuhn, Jürgen Habermas, Edgar Morin e Jesús Martín-Barbero10. Perspectivas epistemologias e seus teóricos Jean Piaget: desvencilhando-se de um pensamento associacionista empirista e partindo da questão de Kant: “como o conhecimento é possível?”; Piaget desenvolveu a epistemologia genética, onde averiguou o “desenvolvimento das funções mentais”, para compreender que este fornece uma “explicação, ou, pelo menos, um complemento de informação quanto aos mecanismos dessas funções mentais em seu estado acabado”. Apropriando-se desta nova epistemologia, Piaget modifica a problematização do conhecimento. A questão deixa de ser “como o conhecimento é possível?” e passa a ser “como crescem os conhecimentos?”11 O autor é avesso à ideia de que a epistemologia se relaciona com teorias filosóficas “ou de qualquer contaminação ideológica do conhecimento”, pois se foca em uma epistemologia puramente científica. Seu método psicológico visa a “psicologia da ação”, e não a “psicologia da sensação”, ou seja, visa um “estudo da gênese das operações do pensamento e de sua estabilização lógica”, pois acredita que a “ação precede o pensamento”. Apesar de Piaget refutar as teorias filosóficas, ideológicas ou de qualquer natureza contemplativa, o autor acabou por perceber que há uma “interconexão cíclica entre as ciências”, fato que o levou a propor um “sistema cíclico das ciências”. Assim, a psicologia necessita recorrer às concepções da lógica e da matemática para o seu fazer epistemológico. O círculo da ciência é, então, um “círculo vivo”. Deste modo, Piaget é convicto de que os conhecimentos são o resultado de uma construção12. Gaston Bachelard: o teórico parte do pressuposto de que é preciso “dar às ciências a filosofia que elas merecem”. Afirmava que, no fundo, a epistemologia consistia “na história da ciência como ela deveria ser feita”, isto é, “toda a reflexão efetiva, capaz de estabelecer o verdadeiro estatuto das ciências formais (lógica e 10 A escolha de tais autores se deu a partir da disciplina Epistemologia da Comunicação, ministrada pelo professor Efendy Maldonado na Unisinos, no primeiro semestre de 2013, onde a turma de doutorandos teve a oportunidade de conhecer e compreender as bases epistemológicas apresentadas pelo professor. 11 JAPIASSU, 1979, p. 34-35. 12JAPIASSU, 1979, p. 44-51, grifo do autor. matemática) e das ciências empírico-formais (ciências físicas, biológicas e sociais), deve ser necessariamente histórica”. No entanto, esta história precisa ser regressiva, para possuir inteligibilidade, ou seja, é preciso que o pesquisador observe com as lentes do passado, as ciências do passado. Bachelard opõe-se à Augusto Comte e ao seu positivismo, que tinha como pretensões “coordenar as diversas ciências e indicar-lhes os caminhos definitivos a seguir”. Desta forma, para Comte, “o papel da filosofia ficaria reduzida a uma função de síntese vulgarizadora e de pregação moral”. Bachelard, por sua vez, denuncia a não apropriação deste pensamento filosófico tradicional, afirmando que a ciência necessita tanto da força e dos poderes da razão, quanto da criatividade e da poesia. O teórico inicia, então, seus esforços para o desenvolvimento e a valorização do campo do imaginário, pois para ele, “o homem é ao mesmo tempo Razão e Imaginação”13. Contudo, estes dois âmbitos, apesar de complementares, não podem ser confundidos: a razão é o homem diurno e a poesia, o homem noturno14. O viés científico racional de Bachelard revela que a “ciência não é representação, mas ato”15, assim, nota-se que na epistemologia bachelardiana, não há verdades ou realidades absolutas. Não há uma verdade correta e outras verdades erradas: há várias verdades, pois “a verdade não é uma qualidade que pertenceria a esta ou àquela opinião particular, mas o resultado da negação mútua das opiniões num conflito entre os produtores de ideias”. Para o teórico, que não há um saber universal, mas a necessidade de “compreender a relação do homem com o seu saber”. Bachelard é um dos primeiros teóricos a defender a ideia de que a filosofia não possui verdades e princípios intangíveis, e que o filósofo, por sua vez, não é o detentor da razão única e absoluta, impondo suas concepções e verdades ao homem comum. O 13 JAPIASSU, 1979, p. 65-69. Sobre este aspecto, notamos que Gilbert Durand (2002), discípulo de Bachelard, desenvolveu a obra As Estruturas Antropológicas do Imaginário é basicamente estruturada em dois âmbitos, que correspondem à explanação dos regimes da imagem: um Regime Diurno e um Regime Noturno. Enquanto o Regime Diurno é ordem, apolíneo, racional, dierético, heterogêneo e correspondente da dominante reflexa (postural) e da estrutura heroica do imaginário, o Regime Noturno é desordem, dionisíaco, emocional, sensorial, homogêneo e correspondente da dominante digestiva e copulativa e das estruturas místicas e sintéticas do imaginário. 15 JAPIASSU, 1979, p. 71-81. 14 teórico objetivou acordar as filosofias de seus sonos dogmáticos, destacando que o homem comum também possui seus saberes e suas verdades16. Michel Foucault: apresenta o conceito de “triedro dos saberes”, noção que “lhe permite definir uma espécie de espaço epistemológico da constituição das ciências humanas de caráter racional e científico”. O triedro é formado pelo seguintes eixos: “1º) o eixo das Matemáticas e Psicomatemáticas, ciências exatas e protótipos da cientificidade; 2º) o eixo das Ciências da Vida, da Produção e da Linguagem”, e “3º) o eixo da Reflexão Filosófica”. Com isto, o objetivo de Foucault é analisar a episteme ocidental e seus momentos sucessivos, descobrindo “as etapas de sua progressão, em direção ao triedro dos saberes e do agendamento das ciências humanas”. Trata-se de uma epistemologia arqueológica que o teórico se esmera, que “não visa a descoberta da origem do homem, mas o fundamento das ciências humanas”, ou seja, “trata-se de um sistema, não de códigos de regras relativamente à percepção e à palavra, mas de ordem fundamental que deve orientar e reger as ciências, constituindo para elas um a priori histórico”17. Ludwig Wittgenstein: austríaco, considerado o filósofo “mais genial e perturbado do século XX” e um dos maiores filósofos de tal época18, Wittgenstein acreditava que a filosofia não seria uma doutrina ou um conjunto de saberes, mas uma atividade que auxiliaria a corrigir a linguagem, ou seja, o pensamento. De acordo com Haller (1990, p. 22), “a filosofia austríaca19 foi caracterizada, desde o seu início, se não sempre, por uma tendência em direção à análise da linguagem, por uma orientação em direção à crítica”. Sobre a lógica, Wittgenstein se opõe à Kant, ao negar “que a característica da proposição lógica deva ser sua generalidade ou validade geral”. Sendo que, na “concepção wittgensteiniana, as proposições lógicas são vistas como não tendo conteúdo empírico”, mas uma estrutura em que os limites da lógica também são os limites da nossa linguagem. 16 JAPIASSU, 1979, p. 70-74, grifo do autor. JAPIASSU, 1979, p. 113-127. 18 VEJA, 2011, online. 19 De acordo com Haller (1990, p. 42), “Wittgenstein deu origem a duas escolas ou movimentos filosóficos: entre as duas Guerras Mundiais, o Círculo de Viena e, após a Segunda Guerra, a filosofia linguística ou de Oxford”. O autor também conta-nos que, para o Círculo, Wittgenstein foi um líder, mas, ao mesmo tempo, “um membro oculto”, já que o filósofo “nunca compareceu a uma sessão do Círculo”. 17 Ainda, sobre as proposições empíricas, Wittgenstein acredita que estas só ocorrem “quando se sabe e/ou quando se pode afirmar o que a faz verdadeira, ou a faria verdadeira”. Por exemplo, quando acreditamos que uma determinada superfície é branca, devemos, primeiramente, saber o que é o branco. Deste modo, “o problema do significado das frases” – aquela mesa é branca – “torna-se o tema central de uma teoria do conhecimento empírico e deve ser diferenciado do problema de confirmar que uma frase é verdadeira ou falsa”. Em suma, Wittgenstein afirma que a filosofia não é uma teoria, mas “uma análise e descoberta da estrutura superficial e profunda da linguagem”20, ou seja, crê que a verdadeira função da filosofia “não é criar uma nova linguagem ideal, mas clarificar o uso de nossa linguagem, aquela existente”21. Boaventura de Sousa Santos: sua contribuição é pertinente, em relação a compreensão e distinção que realiza sobre o pensamento de raízes e o pensamento de opções. Segundo Santos (2006, p. 49-50), este primeiro “apresenta-se como um pensamento do passado contraposto ao pensamento das opções, o pensamento do futuro”. Este pensamento de raízes, que se caracteriza por ser “profundo, permanente, único, singular”, que “dá segurança e consistência”, juntamente com o pensamento das opções, que é “variável, efêmero, substituível”, formam o caráter dual da “construção social da identidade e da transformação na modernidade ocidental”. No entanto, para o autor, se na sociedade medieval prevaleciam as raízes, na sociedade moderna prevalecem as opções. E nessa sociedade de opções, Santos (2006, p. 54-55) destaque que, “a partir da ciência, as boas opções são as opções legitimadas cientificamente”, sendo que é tal fato que “implica, para Marx, a distinção entre realidade e ideologia e, para Freud, a distinção entre fantasia e realidade”. Contudo, o autor acredita no término desta equação raízes/opções, pois se estaria vivendo tempos de turbulência e desestabilização, momento de perigo, onde está bipartição dura não faria mais sentido. Nesta turbulência, haveria a presença da “explosão das raízes” e, consequentemente, “a proliferação das diferenças”, ou seja, as tribalizações, as guetizações e o afloramento das subjetividades. 20 21 HALLER, 1990, p. 34. WITTGENSTEIN apud HALLER, 1990, p. 34. O antagonismo entre verdadeiro ou falso, real ou fantasia, conhecimento ou ignorância não se encontram mais divididas e delimitadas. As opções não são mais A ou B, e sim A e B, se assim o desejarmos. Ainda, acerca do conhecimento, Santos (2006, p. 78-80, grifo do autor) argumenta que “a comunicação e a cumplicidade epistemológica assenta na ideia de que não há só uma forma de conhecimento, mas várias [...]”, e que seria um ato de “epistemício”, assassinar um conhecimento, em detrimento de outro. Karl Popper: considerado, na Inglaterra de 1946, um dos “filósofos oficiais da democracia liberal”. O teórico buscava aplicar “à política uma das ideias fundamentais de sua filosofia da ciência”, ou seja, acreditava que a “teoria política deveria ser testada” negativamente, “no contato com os fatos”. Deste modo, Popper tornou-se conhecido, primordialmente, como um filósofo político22. Enquanto filósofo da ciência, Popper preocupava-se, epistemologicamente, com a “elucidação do ‘valor’ das teorias científicas, ou seja, ao grau de confiança que podemos depositar nelas, em função dos dados empíricos que podemos dispor”. Neste contexto, Popper contribui decisivamente para a solução de dois problemas fundamentais: o problema da “demarcação entre ciência e metafísica”, isto é, “entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos de ordem supracientífica”; e o problema da “indução e o seu valor para a ciência”. O autor acredita que não há teorias explicativas universais detentoras de verdades absolutas (assim, como também, acreditava Bachelard), o que há, são hipóteses e conjecturais. Para o teórico, as teorias científicas tornam-se válidas se forem “falsificáveis” e o papel do cientista/pesquisador não é demonstrar ou verificar suas teorias, mas sim, “testá-las, tentando infirmá-las ou falsificá-las”. Na concepção de Popper (1975, p. 110-113, grifo do autor), uma teoria confirmada é uma teoria que ainda não foi infirmada, ou seja, as verdades existem, mas possuem prazo de validade. O importante, portanto, é compreender “como as teorias se verificam”, porque o irracional é elemento de toda e qualquer descoberta, sendo que, para este, “o que caracteriza o método científico é justamente o desejo de expor deliberadamente as teorias, de todos os modos possíveis, ao crivo da refutação, e não o de procurar defendê-las ou preservá-las sistematicamente”. 22 JAPIASSU, 1979, p. 85-86, grifo do autor. Thomas Kuhn: antes de Kuhn, acreditava-se que a ciência evoluía continuamente, de forma horizontal; mas o pesquisador mostrou que não era bem assim. Para este, a ciência modificava-se através de revoluções. O autor desenvolve seu ensaio A estrutura das revoluções científicas (2001), publicado originalmente em 1962, com o objetivo de delinear uma nova imagem para a história da ciência. Para Kuhn (2001), o desenvolvimento de uma disciplina científica se dá nas seguintes fases: fase préparadigmática > ciência normal > crise > revolução científica > nova ciência normal > nova crise > nova revolução, e assim por diante. A fase pré-paradigmática é a pré-história de uma ciência, enquanto ainda não possui uma cientificidade comprovada. A ciência normal trata-se da “pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior” (KUHN, 2001, p. 29). A ciência normal tem a sua estabilidade científica abalada quando algum paradigma é posto em questão, sendo questionado ou revisto. Tem-se então uma crise, sendo que a “proliferação de versões de uma mesma teoria é um sintoma muito usual de crise”. Para o autor, “as crises são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias” (KUHN, 2001, p. 99-101). As crises podem despertar revoluções, que também atuam como uma forma para a ciêncbia evoluir. Segundo Kuhn (2001, p. 25), “as revoluções científicas são os complementos desintegrados da tradição à qual a atividade da ciência normal está ligada”, que força “[...] a comunidade a rejeitar a teoria científica aceita em favor de uma outra incompatível com aquela”, onde “tais mudanças, juntamente com as controvérsias que quase sempre as acompanham, são características definidoras das revoluções científicas”. Após a revolução científica, tem-se uma nova teoria, surgindo “somente após um fracasso caracterizado na atividade normal de resolução de problemas (KUHN, 2001, p. 103). O essencial, para o autor, não é a resolução de um problema ou o término de um quebra-cabeças, mas sim, saber se o novo paradigma que se instaura poderá orientar as pesquisas futuras, iniciando novos campos de estudo. Jürgen Habermas: dedica-se à compreensão de uma “racionalidade comunicativa”, ou uma “filosofia discursiva”, que, segundo este, é “uma outra saída da filosofia do sujeito”23. Com isto, Habermas (1998, p. 276) sugere que “o paradigma do conhecimento de objetos tem de ser substituído pelo paradigma da compreensão mútua entre sujeitos capazes de falar e de agir”, pois, em sua concepção, “o paradigma da filosofia da consciência” está esgotado. Habermas (1998, pp. 285-286) fala sobre uma “razão bipartida”, que nada mais é do que uma razão relacionada “à praxis social solidária como o lugar de uma razão historicamente situada, no qual se juntam os fios da natureza externa, da natureza interna e da sociedade”. A razão se relaciona com a subjetividade que, entendida como “autorreferência do sujeito que conhece e que age, está representada no caráter binário da relação autorreflexiva”. Desta forma, Habermas (1998, p. 300-330) critica a razão centrada no sujeito, pois acredita que a construção de uma racionalidade se faz mediante a argumentação, ou seja, é necessário que os sujeitos exponham suas argumentações, para assim se estabelecerem o discurso, e por conseguinte, alcançarem uma “racionalidade comunicativa”, onde o que predomina é uma “vontade geral” e esta é posta em prática. Sendo assim, os sujeitos não chegam à razão isolados, mas unidos por meio de uma conversação que objetiva a “compreensão coletiva do mundo”. Essa compreensão, por sua vez, admite outros elementos que eram sonegados do “mundo da razão”, como o mito, o imaginário e o estético. A revalorização é um dos aspectos da pós-modernidade. Cabe ressaltar que o autor é amplamente conhecido no mundo acadêmico por seu conceito de “esfera pública”. Conforme Habermas (1998, p. 329), “são institucionalizados processos da formação de opinião e da vontade que, por muito especializados que sejam, visam a difusão e a interpretação recíproca”, ou seja, na esfera pública, os sujeitos não chegam à compreensões de mundo falando sozinhos, há uma relação de reciprocidade na exposição de argumentos, contestações e validações. Edgar Morin: teórico pós-moderno, defensor da complexidade, Morin (1986, p. 144) propõe-se a pensar o simbólico/mitológico/mágico com o empírico/técnico/racional, acreditando que estes dois âmbitos se articulam e “estão imbricados em uma trama complexa”, onde “há uma necessidade permanente um do outro”. O autor destaca que o mito foi, por muitos anos, renegado às margens da 23 HABERMAS, 1998, p. 275. cientificidade, sem ser reconhecido, mas, no entanto, sempre esteve presente na humanidade, pois “nossos objetos mais técnicos (automóvel, avião) estão por sua vez, embebidos em mitologia”. É neste pensamento simbólico/mitológico/mágico que Morin (1986, p. 146-147) detêm sua atenção e foca suas argumentações. Para o autor, foi necessário pensar criticamente o mito24, para não compreendê-lo como sinônimo de ilusão, de fábula, de magia, de superstição ou mentira, como este era compreendido pela racionalidade. Após esse pensamento crítico, percebeu-se, então, “um sentido mais profundo do pensamento mitológico”. O símbolo, por sua vez, é evocativo concreto, imprimindo um “modo de participação subjetiva na concretude e no mistério deste mundo”, o que é diferente do signo, que, de acordo com o autor, é “indicativo instrumental”, atuando como um “modo instrumental de conhecimento que se exerce sobre os objetos do mundo”. A magia, por sua vez, é a praxis do pensamento, onde, apesar de mágica, também obedece a uma certa racionalidade, abrangendo práticas técnicas e obedecendo a determinadas regras. Segundo Morin (1986, p. 156), “as noções de símbolo, mito e magia implicamse umas às outras”. Deste modo, há um “universo simbólico/mitológico/mágico, e é preciso ligar estas três noções num macroconceito para que cada uma tenha a plena realização, senão o símbolo fica sendo um estado da alma, o mito uma narrativa lendária, e a magia uma abracadabra”. Enfim, Morin (1986, p. 164) defende um “pensamento duplo”, ou seja, a articulação entre um pensamento simbólico/mitológico/mágico e um pensamento empírico/técnico/racional, pois para este, o primeiro pensamento “é carenciado se não for capaz de aceder à objetividade”, enquanto o último, “é carenciado se for cego para o concreto e a subjetividade”. Sendo assim, o teórico acusa a necessidade de uma razão aberta, uma razão complexa, isto é, uma razão que “saiba dialogar com o irracional”, que em vez de focar em um “sujeito-objeto”, foque-se em um “espírito-mundo”. Para Morin (1989, p. 26-27), o mito é “um conjunto de condutas e situações imaginárias” e estas condutas podem ser desempenhadas por “protagonistas personagens sobre-humanas, heróis ou deuses”. 24 Jesús Martín-Barbero: um dos mais importantes teóricos da América Latina, dedicou-se profundamente à valorização e a constituição de uma comunicação legitimamente latino-americana. Afirma que sua importante obra, Dos meios às mediações (2009), buscava compreender quem era o latino-americano, para assim compreender a sua comunicação. Por pertencer a uma região de fronteira, consegue multiplicar a sua visão, ele vê além, vai e vem. Para o autor, o latino-americano não aprende através de livros, mais sim, através das mídias, ou seja, através da televisão, do rádio, do jornal. As telenovelas, deste modo, se mostram essenciais na construção de imagem, pois o teórico percebeu que as pessoas gostam de falar sobre a telenovela, porque através e com bases nestas, contam e refletem sobre a sua vida. Especificamente sobre a educação, Martín-Barbero (2008) inspira-se nos preceitos de Paulo Freire, pois também acredita que a educação é uma prática de liberdade. Em suma, Martín-Barbero (2008) chama a atenção para o fato de que os teóricos da América Latina embasavam-se essencialmente em teorias americanas e francesas. Para o teórico, na década de 80, “não só tínhamos uma teoria da dependência, como também começávamos a ver que boa parte da dependência era dependência intelectual”. Apesar de haver teóricos e autores da América Latina, os pesquisadores insistiam em olhar para o norte, onde “a esquerda citava os franceses, enquanto a direita citava os norte-americanos”. Deste modo, Martín-Barbero (apud LOPES, 2009, p. 145) objetivava a criação de “um pensamento latino-americano, de que não se tratava simplesmente de misturar coisas que vinham da semiótica com outras do marxismo e da teoria da dependência”. Para o teórico, era preciso utilizar teorias próximas para compreender realidades próximas, pois teorias importadas não seriam condizentes com objetos locais. Considerações O presente estudo é um esboço inicial para a compreensão da epistemologia, pois abarcar amplamente a percepção dos teóricos aqui apresentados, demandaria uma pesquisa grandiosa, que apenas um artigo não contemplaria. Assim, as pretensões acerca deste estudo foram as de apresentar uma compreensão sob cada autor que apresenta uma contribuição para o campo epistemológico. Nesta reflexão, expõe-se a perspectiva de diferentes autores que por vezes se assemelham ou diferem, podendo também divergir profundamente. Deste modo, o intuito foi, justamente, apresentar e apontar a diversidade intelectual que compõe o campo da epistemologia da comunicação. No entanto, a descrição dos autores demonstram que o sujeitos em sua maioria são adeptos aos pensamentos de Bachelard e de Popper, acreditando, como estes, que não há uma verdade absoluta, única. Kuhn também auxilia a perceber que tudo depende de perspectivas acerca de paradigmas, pois dependendo do ângulo, é possível ver um coelho ou um pato. Boaventura, por sua vez, ressalta a importância de não cometermos um epistemício, aniquilando um conhecimento em detrimento de outro. Obviamente, não se encontram nesta reflexão todos os autores e preceitos que o estudo da epistemologia abarca, mas sim, o início de uma investigação epistemológica, alicerçada pelas teorias e autores que compõem o eixo central de tal investigação. REFERÊNCIAS DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. HABERMAS, Jügen. O discurso filosófico da modernidade. 2ª ed. Lisboa: Edições Dom Quixote, 1998. HALLER, Rudolf. Wittgenstein e a Filosofia Austríaca: questões. São Paulo: Edusp, 1990. JAPIASSU, Hilton Ferreira. Introdução ao pensamento epistemológico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1979. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2001. LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Uma aventura epistemológica: entrevista com Jesús Martín-Barbero. 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