As Políticas de Descentralização e o Impacto na Escola As

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As Políticas de Descentralização e o Impacto na Escola
Elisabeth dos Santos Tavares
Profª. Mestre e Doutora em Educação pela PUCSP
Coordenadora do Colégio Novo Tempo.
As especificidades das políticas sociais, conforme abordagem de diferentes
perspectivas teóricas nos remete, inicialmente, a uma discussão sobre política. O termo
Política se expandiu graças à influência da grande obra de Aristóteles, intitulada
Política, considerada como o primeiro tratado sobre natureza, funções e divisão do
Estado e as várias formas de governo, com a significação mais comum de arte ou
ciência do governo.
Afirmar que o homem vive politicamente é afirmar que, de fato, o homem não
poderia, indubitavelmente, viver fora dos laços que o unem a uma comunidade
relativamente estável que transcende as relações biológicas; uma comunidade política
que tende, efetivamente, a conservar a unidade mantendo-se como espaço de
coexistência, como meio de troca de bens reais ou simbólicos.
Segundo Novaes (2003) a política define-se, ainda, por dois traços essenciais.
Primeiro, é preciso a existência de uma comunidade e segundo, que no próprio seio
dessa comunidade e não fora dela, exista uma instância de poder. Assim, a política se
caracteriza pela emergência de um campo privilegiado em que o homem se percebe
como capaz de regrar por ele mesmo, através de uma atividade de reflexão, os
problemas que lhe concernem, depois de debates e discussões com seus pares. Portanto,
inventar a política é também inventar os meios para que a própria comunidade tome o
poder para enfrentar o mundo. A invenção da política atrela-se assim, à ideia de que é
preciso inventar coletivamente o futuro da comunidade.
Vale ressaltar, que ao fazer opções entre diferentes valores que podem resultar
num fim justo ou não, o homem, ao fazer política, opta por agir de acordo com a “ética
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da convicção” ou com a “ética da responsabilidade”. A ética da convicção se
fundamenta na “pureza das intenções”, não oferecendo, portanto, a devida importância
às reais condições para realização da causa, enquanto a ética da responsabilidade é mais
compatível com os dilemas próprios da ação política ao considerar as condições
históricas para a sua realização.
Argüello (1997) acrescenta mais, considera que o indivíduo, como político,
necessita apresentar três características essenciais: a paixão, o sentimento de
responsabilidade e o senso de proporção, estando permanentemente ciente da
irracionalidade ética da sociedade.
É sob esse contexto que se pode afirmar que o processo político é tanto mais
amplo quanto maior o número de atores sociais fizer parte dele, sejam eles
institucionalizados ou não, estejam ou não representados em grupos formais de
interesse. Mesmo sob as mais variadas formas organizacionais, com interesses dos mais
diversos, o processo político engloba os atores sociais que dele quiserem fazer parte,
onde existirem canais democráticos que representem manifestação de demandas.
O exercício cotidiano da participação política protagônica, a participação
cidadã, nos remete a uma questão que estamos de frente: o da articulação entre o global
e o local e as potencialidades e limites dessa participação cidadã, ou seja, o que se
desenvolve no macro espaço político se reflete no micro, nas instituições menores,
embora exista um consenso favorável ao processo de descentralização.
Mas, no que vem se caracterizando essa descentralização? Pode-se dizer
comumente que uma organização é centralizada quando o poder de decisão se concentra
no próprio centro da organização, formando-se a partir daí uma estrutura piramidal, de
cima para baixo, onde as diversas estruturas escalonadas se constituem em instâncias
meramente executoras. Ao contrário, quando se fala de descentralização, pode-se dizer
que uma organização é descentralizada quando o poder de decisão é compartilhado
pelos vários níveis da organização.
Para muitos autores, essa ideia de descentralização está ligada à existência de
várias instâncias territoriais que compartilham decisões com o centro, mas, mais que
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isso, há uma tendência exigente que une a descentralização à autonomia local, com o
reconhecimento dos poderes de decisão das comunidades locais, das instituições locais.
O tema da descentralização, embora consensual, não apresenta uniformidade
na sua conceituação e vários dos estudiosos dessa temática a apresentam como medida
administrativa, em que o caráter técnico se sobrepõe ao caráter político, o que, portanto,
vai evidenciar tanto na teoria como na prática a admissão de tendências diversas.
Embora o tema da descentralização venha sendo tradicionalmente abordado
por suas vantagens e desvantagens, ainda que este não seja o enfoque mais presente, os
benefícios que mais se têm reconhecido na descentralização se referem, do ponto de
vista político, ao reforço do sistema democrático, a respeito das decisões das questões
locais pelo próprio poder local, democraticamente, unindo-se, então, descentralização
com participação.
Do ponto de vista administrativo, da eficiência, a descentralização facilita a
gestão das questões ao entregá-las aos órgãos que, por sua proximidade com a
população podem conhecer melhor e mais adequadamente, resolvê-los, e com maior
agilidade. Ao se “descongestionar” o poder central, abre-se a perspectiva para que este
se ocupe de questões mais amplas e importantes para toda a sociedade.
No entanto, estudos e pesquisas têm, também, revelado que a descentralização
não está isenta de riscos e perigos ao exacerbar o sentimento particularista em
detrimento dos interesses mais amplos.
Na descentralização, por estar condicionada ao seu próprio entorno e onde as
relações se tornam mais pessoais ou as influências dos grupos se tornam mais difíceis de
contornar, no momento de se tomar decisões, pesam ainda, os fatores históricos e
políticos que condicionam fortemente a opção escolhida e, mais, entrelaçam-se.
A discussão sobre a descentralização do sistema educacional não é recente, no
Brasil ela toma corpo nos anos noventa do século XX, adquirindo um “ar de
modernidade”, sendo incorporada às agendas políticas neoliberais dos governos. À
época, ao assumir a descentralização como eixo da gestão educacional, o Ministério da
Educação declarava ter em vista a melhoria dos indicadores de desempenho escolar,
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uma vez que, teoricamente, estaria aproximando dos governos locais as necessidades
reais das escolas.
Nesse processo de descentralização, e especialmente na educação pública, a
escola passa a assumir funções que, antes, eram da competência do Estado; neste caso, o
processo de descentralização, como estratégia para melhoria do desempenho da escola,
passa para esta não só a “autonomia”, mas também outras responsabilidades. Foi desta
forma que, na Educação, os princípios de descentralização, gestão democrática e
autonomia escolar passaram a fazer parte dos debates e nas reflexões que, até os dias de
hoje, buscam soluções para a situação em que se encontra a educação brasileira. Virou
quase lugar comum a defesa da descentralização na educação, mas, na revelação do
discurso comum, práticas com objetivos bem diferenciados têm se evidenciado.
Apresentada como uma tendência moderna dos sistemas educativos, essa
descentralização da educação, pouco tem a ver com as questões educativas
propriamente ditas, conforme Krawczyk (2002), mas muito mais com a busca de uma
governabilidade da educação pública. Nessa perspectiva, a gestão da educação proposta
apresenta a coexistência de espaços de decisão e ação descentralizados e privados,
juntamente com
outros
espaços
altamente
centralizados
e intervencionistas,
substituindo-se o Estado social pelo Estado controlador, avaliador.
Fica claro que essa reforma do Estado redefiniu as responsabilidades do
próprio Estado, do mercado e da sociedade e o modelo de organização e gestão da
educação. Face à descentralização surge, conforme apontado anteriormente, a discussão
do poder local, como um processo de ampliação da política a partir das bases da
sociedade, tendo-se por base justamente o local. Na realidade, o que há de se destacar é
que espaço local é o “locus” privilegiado do planejamento, da tomada de decisões, do
desenvolvimento e da avaliação de projetos de forma democratizada, próximo da
população, uma autonomia local capaz de dar conta de eliminar ou amenizar os
problemas da cidade coletivamente.
Para tanto, Dowbor (1999: p.72) destaca que o instrumento chave desse “poder
local” é a participação. Organizada, aponta possibilidades de uma participação
sistemática salientando que, embora não tenhamos tradição na política participativa, não
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podemos nos furtar a qualquer oportunidade de mobilização. Nesse sentido, “poder
local” e participação são inseparáveis.
O próprio conceito de participação tem se apresentado na literatura sob formas
diferenciadas. Bordenave (1986) nos alerta que temos de formular um conceito claro do
que é participação destacando que quando nos referimos a essa expressão, estamos nos
remetendo a uma das três dimensões abordadas, ou seja, fazer parte, tomar parte e ter
parte e que, na realidade não possuem o mesmo significado. Exemplifica afirmando que
alguém pode fazer parte de um grupo sem tomar parte das reuniões ou fazer parte da
população de um país, sem tomar parte nas grandes decisões, ou, enfim, fazer parte de
uma empresa sem ter parte alguma na sociedade. Essa possível “marginalização”, assim
definida por ele, traz à tona uma nova atitude, não mais o de vítima do sistema
alimentado pelo paternalismo, mas sim o de interventor ativo na construção de uma
nova sociedade, o que é feito através da tomada de decisões e de atividades sociais em
todos os níveis. Desse modo, a participação coloca-se em todas as formas de relações
das instituições sociais como um dos elementos essenciais para a democratização. A
conquista de espaços, a ampliação da participação social local, é, sem dúvida, um dos
maiores desafios para ampliação das relações democráticas.
Em um dos mais completos estudos acerca do local e do global, seus limites e
possibilidades, Teixeira (2002) destaca a relevância da compreensão clara dos conceitos
de participação cidadã, sociedade civil, esfera pública e poder local. O autor afirma que:
na “participação cidadã” tenta-se [...] contemplar dois
elementos contraditórios presentes na atual dinâmica política.
Primeiro o “fazer ou tomar parte”, no processo político-social,
por indivíduos, grupos, organizações que expressam interesses,
identidades, valores que poderiam se situar no campo do
“particular”, mas atuando num espaço de heterogeneidade,
diversidade, pluralidade. O segundo, o elemento “cidadania”,
no
sentido
universalidade,
“cívico”,
enfatizando
generalidade,
as
igualdade
dimensões
de
de
direitos,
responsabilidades e deveres. A dimensão cívica articula-se à
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ideia de deveres e responsabilidades, à propensão ao
comportamento solidário, inclusive relativamente àqueles que,
pelas condições econômico-sociais, encontram-se excluídos do
exercício dos direitos, do “direito a ter direitos”. (TEIXEIRA,
2002, p.32)
O que Teixeira apresenta como participação cidadã envolve a tomada de decisão,
porém em um aspecto bem mais amplo: “O aspecto estritamente decisório da
participação perde sua ênfase para dar lugar ao debate político das questões, à
proposição de alternativas, [...] e consequente responsabilização.” (2002, p.36)
Mais do que essa dimensão decisória no processo de participação de fato, o
autor nos apresenta, ainda, como elementos da participação cidadã sua dimensão
educativa e integrativa, concebida como aquisição e extensão da cidadania ativa, a
participação como controle social, o que requer a correção dos desvios e a
responsabilização dos agentes políticos, uma total transparência e visibilidade e a
própria dimensão expressivo-simbólica da participação.
No campo educacional, o conceito de participação cidadã e do poder local não
é tão enfático, embora o processo de descentralização ocorra, e fortemente. No entanto,
essa descentralização das políticas sociais, em especial da educação, tem estado mais
presa a duas dimensões, uma associada à capacidade de gestão para obter maior
eficiência e eficácia no desempenho educacional, muito propalada, e a outra mais
associada diretamente à democratização dos processos decisórios na escola.
É desta forma que se adentra a questão da gestão da escola, rompe-se com a
concepção de modelos que uniformizam e homogeneízam as escolas e abrem-se
possibilidades para que cada escola experimente novas possibilidades organizativas,
partindo-se do princípio de que a participação de todos os atores presentes na instituição
se faz necessário.
Na escola, do ponto de vista emancipatório, o do nosso interesse, na construção
e reconstrução do Projeto Político Pedagógico, como ação consciente e organizada, não
se pode perder de vista a necessidade de uma visão de unicidade entre teoria e prática, o
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desencadear de uma reflexão coletiva e uma articulação entre a própria escola e a
família, afinal o PPP é a identidade da escola, o PPP vivido é a própria escola cidadã.
Padilha (2001) afirma que o planejamento dialógico é uma forma de resistência
que representa uma alternativa ao planejamento autoritário, burocrático e centralizado.
Para o autor, planejar dialogicamente a escola significa garantir a participação ativa e
permanente de todas as pessoas presentes na escola nesse processo.
E é claro que estamos falando de alunos, professores, funcionários e famílias.
Um “poder local” que se torna uma responsabilidade muito grande na medida em que se
irradia em termos de compromisso e de referência.
Com esse trabalho (enquanto escola) de redimensionamento das ações no
coletivo, muito bem elaboradas e avaliadas se abrem possibilidades de reflexões sobre
nossas concepções a cerca da sociedade, educação, ensino, aprendizagem e avaliação.
Todos os envolvidos neste processo têm a possibilidade de se tornar mais críticos, longe
dos achismos e das práticas individuais. Uma responsabilidade que acaba por
transcender a escola ao atingir as famílias dos nossos alunos, uma efetiva prática de
participação, emancipatória.
“Por que pensarmos em um modelo de educação voltado para a
emancipação humana? Quando pensamos em nossa sociedade
hoje, em que as relações não são humanizadas e a ordem da
competição prevalece na busca de interesses cada vez mais
individuais, notamos que as pessoas estão cada vez mais
encarceradas na exploração, na opressão e na alienação,
dominadas pela lógica do capital, e estão, dessa forma,
impossibilitadas de buscar sua plena realização como seres
humanos. Pensarmos em uma educação voltada para a
emancipação humana seria, justamente, em oposição ao modelo
predominante hoje, pensar na possibilidade de um homem
realmente pleno em sua essência, um homem mais criativo e mais
livre, consciente de sua participação nos processos sociais e,
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dessa forma, coletivamente responsável pelo destino de todos.”
(Zanchetta e Guzzo, 2010).
Ao pensarmos sobre uma proposta emancipadora de gestão, iniciamos por
considerar que a escola está inserida em um contexto social e histórico e que a luta pela
emancipação humana dentro da escola é parte da luta pela emancipação da sociedade
como um todo. O exercício participativo e dialógico deve ter seu início no interior das
escolas (e de outras instituições) para que, através de uma ação consciente, possa vir a
se configurar na sociedade.
Assim, ao ser priorizada a construção coletiva do Projeto Político Pedagógico
possibilita-se para que este possa se configurar como emancipatório de toda a
comunidade atendida e dos próprios profissionais da escola. Essa prática participativa,
construída gradativamente e interiorizada por todos os profissionais e comunidade exige
uma disposição individual dos integrantes do grupo.
Talvez a questão mais relevante a se considerar se refira à alienação da vida
cotidiana, que tem servido como justificativa para não "concretizarmos sonhos possíveis
coletivos" como o da construção do Projeto Político Pedagógico, de forma democrática.
Embora sejam reconhecidas as dificuldades que possam surgir face à
construção coletiva do PPP o presente artigo se coloca na vertente otimista das
possibilidades que se podem alcançar. Reconhece que o caminho democrático de
construção do regime de colaboração na construção do Projeto Político Pedagógico de
cada escola pode ser longo, mas já é feito de progressos.
Mais tudo isso pretende, ao focar na reflexão sobre o papel social da escola
hoje, nos remete a uma contribuição do pensamento freireano, a da formação do
professor: entende-se que o educador tem um papel eminentemente político a
desempenhar, educando para a transformação da sociedade atual.
A esse mesmo educador compete o “refazimento” da educação, e reinventá-la
significa criar as condições objetivas para que a educação democrática seja realmente
possível. Para esse novo projeto basta que os educadores acreditem na possibilidade da
sua efetividade. Alguns demonstrarão não acreditar nesta possibilidade, no entanto,
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sabe-se, também, que para ser possível o amanhã é somente porque, no hoje, essa
possibilidade já está sendo pensada no coletivo.
Retorna-se na inicial. Se este artigo coloca-se na vertente otimista das análises
acerca da competência das escolas na elaboração coletiva do seu Projeto Político
Pedagógico e reconhece que o caminho democrático dessa construção no regime de
colaboração entre os atores presentes na escola é longo, mas já é feito de progressos,
reforça-se que as políticas sociais, em especial a da educação, são decisivas na tomada
de consciência da sua importância para a análise da temática da gestão educacional.
Mais do que isso, ao abordar a descentralização como instrumento político e como parte
das políticas de educação implementadas, o faz ressaltando ser esta parte dos projetos
políticos que lhe dão significado.
Se a caminhada se faz lentamente, é preciso pressa, o tempo que temos não é
todo o tempo.
Para os que creem este é um compromisso social que não permite adiamento, daí
a ousadia em se apresentar indicações de alternativas e possibilidades, como
contribuição.
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