o medo e suas implicações no proc

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FACULDADE DOM ALBERTO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL
FOBIA ESCOLAR: O MEDO E SUAS IMPLICAÇÕES NO
PROCESSO DE APRENDIZAGEM - ANÁLISE DE UM CASO
Viviane de Fátima Rocha
Santa Cruz do Sul, dezembro de 2012.
1
Viviane de Fátima Rocha
FOBIA ESCOLAR: O MEDO E SUAS IMPLICAÇÕES NO
PROCESSO DE APRENDIZAGEM - ANÁLISE DE UM CASO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Programa de PósGraduação da Faculdade Dom Alberto –
Especialização
em
Orientação
Educacional, sob a orientação da Profa.
Esp. Alice Teresinha Theis, como requisito
parcial para obtenção do título de
Especialista em Orientação Educacional.
Santa Cruz do Sul, dezembro de 2012.
2
FOBIA ESCOLAR: O MEDO E SUAS IMPLICAÇÕES NO
PROCESSO DE APRENDIZAGEM - ANÁLISE DE UM CASO
Viviane de Fátima Rocha1
Alice Teresinha Theis2
RESUMO
Como foco de análise, este artigo apresenta reflexões sobre um caso de fobia escolar, tendo como
objetivo conhecer o que é a literofobia, suas possíveis causas e analisar como a manifestação
exacerbada de medo pode afetar o cotidiano escolar e o desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem de Paulo, o sujeito da pesquisa, que apresenta um quadro de fobia escolar. Como
procedimentos de investigação, neste estudo de caso, também foram usados entrevistas com o exprofessor de Paulo, seus familiares, o psicólogo e o próprio sujeito do estudo, além de observações
de professores e demais profissionais em educação envolvidos no processo de aprendizagem do
menino. As concepções de Bandim, Sheehan e Ward subsidiaram as reflexões que apontam como
resultados a necessidade de maior referencial teórico sobre o assunto, atualização constante dos
profissionais da educação sobre algumas psicopatologias que afetam a aprendizagem e o papel do
orientador educacional neste contexto.
Palavras-chave: fobia escolar – aprendizagem – orientação educacional.
ABSTRACT
As the focus of analysis, this article presents reflections on a case of school phobia, aiming know what
is literophobia, its possible causes and analyze how the manifestation of heightened fear can affect
the school routine and the development of teaching and learning of Paulo, the research subject, which
presents a case of school phobia. As investigative procedures, in this case study were also used
interviews with former teacher of Paul, his family and psychologist and the subject of the study, and
also observations of teachers and other education professionals involved in the learning process of
the child. The conceptions of Bandim, Sheehan and Ward subsidized reflections that pointing to the
need for greater theoretical background about this topic, constant updating of education professionals
about some psychopathologies that affect learning and the role of the counselor in this context.
Keywords: school phobia - learning - educational guidance.
1 INTRODUÇAO
Historicamente a instituição sala de aula tem sido apontada como um espaço
de convivência e trocas; um local onde as crianças ou adolescentes se completam.
Valores definidos como coleguismo, afetividade, amizade e cumplicidade são
1
2
Aluna do curso de Pós Graduação em Orientação Educacional pela Faculdade Dom Alberto.
Professora orientadora da pesquisa, Especialista em Orientação Educacional.
3
relativamente comuns entre os adolescentes. Contudo a mesma sala de aula pode,
para alguns alunos, deixar de ser um ambiente prazeroso e passar a representar um
local de tortura, de medo e de desespero, a ponto de alterar o comportamento da
criança, fazendo com que a mesma apresente um quadro de profunda aversão à
escola.
A proposta para este trabalho surge em virtude de, ao contrário da fobia social,
a fobia escolar ainda ser pouco mencionada tanto na Literatura, quanto na própria
Escola. Percebe-se no contexto escolar uma profunda relutância por parte do corpo
docente e discente em aceitar que uma criança ou adolescente sofra por este tipo de
transtorno, que na maioria das vezes é visto como transtorno de conduta, ou o
famoso “cabulador” de aula.
Considerando este contexto, o objetivo geral da pesquisa é analisar um caso de
fobia escolar diagnosticado por psicólogo em Paulo, um aluno do 6º Ano do Ensino
Fundamental de uma Escola Pública do Rio Grande do Sul.
Para alcançar essas metas, o trabalho esta estruturado nas seguintes partes:
uma teórica, em que se apresentam conceitos sobre fobia e fatores que podem
desencadear um quadro fóbico; exposição metodológica; e estudo e análise de caso
que contemplam a descrição de dados através de observações e entrevistas com
profissionais do CIES (Centro Integrado Escola e Saúde), familiares, professores e a
própria criança em estudo.
2 FOBIA, QUEM JÁ NÃO SENTIU?
Sentir medo ou aversão a algo é uma reação normal do ser humano a algo ou
a uma situação peculiar. Para Ward (2005, p. 07) existe uma grande variedade de
fobias desde leves a fortes que podem ser caracterizadas na fisiologia e na
psicologia como desproporção entre o estímulo externo e a resposta, discrepâncias
entre as manifestações mentais e corporais e desarmonia interna entre o corpo e a
própria mente.
Para Freud (apud WARD, 2005, p. 13) fenômenos fóbicos são comuns
durante certos períodos da infância e podem, na idade adulta, ser a resposta a uma
experiência traumática. Ward (2005, p. 20) salienta que explicações psicanalíticas
de fobia referem-se ao mundo interior, ao conflito entre a “fantasia”, o “conflito
psíquico” e a “angustia”. A pessoa fóbica raramente sabe o porquê de seu medo.
4
Freud (apud WARD, 2005, p. 22), afirma que as crianças estão susceptíveis a
fobias devido à fraqueza prematura do intelecto. Além disso, a autora conclui que
fobia não é simplesmente o medo de um objeto externo ou uma situação da qual a
criança pode escapar por meio de negação, mas sim uma reação e uma ameaça
localizada na mente. Assim, uma criança que não quer ir à escola por ter pânico
inexplicável de cruzar os portões da instituição se difere de outra que não quer ir à
escola por causa de ameaças de outro colega. Para Ward ( 2005, p. 22 ) em ambos
os casos as crianças apresentam fobia de escola; porém somente a primeira
apresenta uma fobia real, o medo “é alimentado de dentro”.
É importante ressaltar que a origem do medo esta na mente e não no objeto
fóbico, podemos dizer que são pedaços da mente de determinado indivíduo que, por
alguma razão, foram colocados no mundo exterior e que lhe causam algum tipo de
fobia.
2.1 Fobias nem sempre significam problemas
Nem sempre as fobias podem ser consideradas maléficas. Para Freud (apud
WARD, 2005, p. 65), “as fobias têm um aspecto benéfico: dão à criança e ao adulto
uma imagem do futuro – é o que elas têm que superar para crescer”.
E crescer significa ir ao encontro do desconhecido. Neste processo algumas
crianças podem continuar estagnadas, isto se deve talvez por ser um modo de
manter as coisas no lugar, “enquanto o cognitivo, o emocional e a libido se
reequilibram”. Contudo, se a criança não consegue superar este medo, a fobia pode
indicar uma forma mais séria de divisão da mente (WARD, 2005, p. 71).
2.2 Quando a escola não é um local seguro
O termo “Fobia Escolar” foi usado ela primeira vez em 1951, quando Johnson
(apud BANDIM, 1996, p. 41) criou o termo para designar um grupo de crianças que,
por motivos irracionais, tinham “reações de ansiedade muito intensas” quando
pensavam na simples possibilidade de ir para escola. Hersov (apud Bandim, 1996 p.
41), para evitar que houvesse alguma confusão entre “Fobia Escolar” e “ansiedade
de separação”, (na qual a criança se recusa em ir para escola devido ao medo de
5
separar-se da principal figura de vinculação afetiva: a mãe), cria o termo “School
Refusal” ou “Recusa Escolar”.
De um modo geral podemos conceituar o “Medo ou Recusa Escolar” como
um “medo desproporcional da escola e ou inapropriada ansiedade na perspectiva de
deixar o lar ou as principais figuras de vinculação” (BANDIM, 1996 p. 41).
Para Last (apud BANDIM, 1996, p. 43), existem dois diferentes subgrupos de
crianças com Recusa Escolar, o primeiro relacionado a Transtorno de Ansiedade e
Separação, onde “a patogênese do medo nas crianças teria sua origem no
relacionamento entre mãe e filho” e o segundo relacionado à fobia simples, ou seja,
o medo esta relacionado ao ambiente escolar. Outro aspecto que também pode ser
associado ao quadro fóbico é a presença de sintomas depressivos.
2.3 Quando a Fobia ocorre
Segundo Bandim (1996, p. 42), “a fobia escolar pode acontecer em qualquer
período dos anos escolares”, contudo pode-se identificar uma maior ocorrência entre
5-6 anos; 11-12 anos e 13-14 anos.
Normalmente os casos de Fobia Escolar surgem associados a:
alguma mudança significativa na vida da criança, como mudanças de série,
algum trauma ou desapontamento na escola, ausência prolongada da
escola motivada por doença, maior exigência acadêmica com aumento da
idade e progresso escolar (BANDIM, 2005 p. 42).
Apesar de haver indícios marcantes que apontam para o surgimento da fobia
escolar, dificilmente estes fatores são detectados, passando muitas vezes
despercebidos aos olhos dos pais e educadores.
Quando a criança sofre com este transtorno, ela “é tomada por uma grande
ansiedade na perspectiva de ter que ir para escola” (BANDIM, 1996, p. 42). A
criança pode ter crises de choro, comportamento agressivo, vômitos, dor de cabeça,
dor abdominal – sintomas que tendem a desaparecer tão logo quando lhe é
assegurada a permanência no lar e a sua não ida à escola.
Muitas vezes a Fobia Escolar é associada a maus alunos; aqueles que não
gostam de estudar e que preferem estar em casa, gazeteando a aula. Torna-se
necessário destacar que há diferença entre Fobia Escolar e Transtorno de Conduta.
6
As crianças portadoras de Fobia Escolar não demonstram comportamento
antissocial, tais como tendência a roubar, mentir, destruir o patrimônio, entre outras,
comuns em crianças com Transtorno de Conduta.
Outro aspecto importante a destacar é o fato de que na Fobia o aluno
permanece em casa com o consentimento dos pais ou responsáveis, diferentemente
do cabulador, que frequentemente esta fora da escola sem o conhecimento dos
pais.
2.4 Ajudando uma criança com Fobia Escolar
As neuroses e outras fobias são susceptíveis à cura com afetividade (WARD,
2005, p.72). Freud, ao analisar uma fobia, defendia a ideia de que chega um
momento em que é necessário dizer ao paciente que a enfrente. Afinal, depois que o
psicanalista desdobra a fobia em camadas de angustia e fantasia, ela precisa ser
enfrentada e dominada, desencadeando o processo de amadurecimento (apud
WARD, 2005, p. 73).
Uma das melhores maneiras para ajudar uma criança que apresenta um
quadro de fobia escolar é fazer com que ela volte o mais breve que possível à
escola. Para Bernsttein (apud BANDIM, 1996, p. 43), quanto mais tempo a criança
com fobia escolar ficar em casa, maior será a dificuldade para o retorno à escola.
A família também é peça chave na recuperação da criança, portanto é de
suma importância descartar todas as possibilidades de doença orgânica, através de
avaliação física completa. “Tal procedimento assegura aos pais e a criança que a
natureza do transtorno não é de etiologia orgânica e sim decorrente de ansiedade e
depressão” (Alexander, apud BANDIM, 1996, p. 43). Assim a família poderá ser
orientada a ajudar a criança de maneira expressiva.
3 METODOLOGIA
A metodologia deste trabalho está baseada nos seguintes instrumentos e
procedimentos:
a) estudo de caso: o enfoque da pesquisa recai sobre o contexto educacional
de Paulo, aluno de uma Escola Pública que, durante certo período do ano letivo,
recusou-se a frequentar as aulas, justificando pânico de ir ao colégio. Encaminhado
7
pela equipe pedagógica da escola para atendimento especializado no Centro
Integrado da Escola e Saúde (CIES), ao aluno foi atribuído, pela psicóloga, o
diagnóstico de Fobia Escolar;
b) pesquisa bibliográfica: análise sistemática de conceitos sobre o medo,
fobias e recusa escolar para fundamentação da interpretação proposta;
c) observação sistemática e participante: durante os meses de junho a
outubro
(subsequentes
consequentemente,
ao
laudo
da
psicóloga,
atestando
a
fobia,
e
o afastamento do aluno da sala de aula), os professores
envolvidos no processo de aprendizagem de Paulo foram observados durante
reuniões, conselho de classe e em atividades paralelas em que deveriam elaborar
aulas ou avaliações a distancia para o aluno. Opiniões, considerações e comentários
sobre o aluno e o transtorno “Fobia Escolar” foram registrados. Também foi foco de
observação a postura adotada pela Equipe Pedagógica e Administrativa da Escola
em detrimento ao quadro apresentado pelo aluno;
d) entrevista: para conhecer o universo familiar de Paulo, seus pais foram
entrevistados durante visita à sua residência. Foi entrevistada a professora do aluno
no ano letivo anterior, a fim de conhecer a trajetória escolar do menino, bem como
algum indício que apontasse para o surgimento do transtorno. Esta entrevista foi
realizada na escola municipal unidocente em que a professora atua. A fim de
conhecer características do transtorno apresentado pelo aluno, a psicóloga Letícia
foi entrevista no CIES (Centro Integrado Escola e Saúde). E, para entender um
pouco mais sobre o que sente um aluno com Fobia Escolar, o aluno Paulo foi
entrevistado através de uma conversa informal, quando esteve na escola para a
realização de uma avaliação de Língua Portuguesa. Todas as entrevistas foram
realizadas em outubro de 2012;
e) abordagem qualitativa: todos os dados coletados são descritos e
analisados de forma a apresentar as particularidades do caso e propor estratégias
de intervenção pedagógica pertinentes, não havendo preocupação em projetar
informações provenientes de dados quantitativos.
4 ESTUDO DE CASO
4.1 Apresentação do caso
8
O caso em estudo refere-se a um aluno do sexo masculino, de 12 anos, do 6º.
Ano do Ensino Fundamental de uma Escola Pública. O aluno provém de uma
numerosa família de fumicultores do seu município de origem. A estrutura familiar
de Paulo é composta por pai, mãe e cinco irmãos. Destes, apenas quatro ainda
moram com os pais. Além disso, destaca-se a presença dos avôs maternos que
moram próximos a residência de Paulo.
Proveniente de uma família estruturada e com um nível sócioeconômico
considerado satisfatório (não necessita de programas de auxílio social do governo,
diferentemente da grande maioria das famílias da localidade). O aluno, juntamente
com os pais, participa de atividades de lazer e cultura, como bailes, rodeios, jantares
e demais promoções da comunidade.
Paulo foi um aluno que, desde sua chegada à escola no inicio do ano letivo de
2012, se destacou entre seus pares devido às notas muito boas e facilidade de
aprendizagem. Contudo, cerca de três meses após o início do ano letivo, o aluno
passou a recusar-se a ir para escola. Chorava muito, alegando que havia um colega
que o ameaçava, debochando de sua aparência e do modo de vestir-se (Paulo
estava sempre bem vestido, limpo e organizado). Mesmo com a intervenção de
professores, equipe diretiva e pedagógica, fazendo com que o menino ameaçador
mudasse de postura, Paulo continuou a apresentar acessos de choro e grande
pânico apenas em pensar na possibilidade de voltar à sala de aula, agravando-se
mais a cada tentativa de restabelecê-lo ao convívio com os demais colegas.
A família, orientada pela equipe pedagógica de Escola de Paulo, resolveu
procurar ajuda médica (psicólogo psiquiatra e neurologista). Encaminhado pela
Escola ao CIES (Centro Integrado Escola e Saúde), ao aluno foi atribuído o
diagnóstico de fobia escolar por uma psicóloga e, desde então o menino não tem
frequentado as aulas, realizando as atividades escolares de modo domiciliar,
amparado pelo diagnóstico, conforme a resolução número 04, de junho de 2008 do
Conselho Municipal de Educação.
4.2 Análise do caso
Na tentativa de encontrar explicações satisfatórias que pudessem tornar
compreensível o transtorno fóbico de Paulo, uma série de fatores foram investigados
através de observações e de entrevistas com o menino em estudo, seus pais, os
9
profissionais de educação envolvidos no processo de aprendizagem de Paulo e a
psicóloga responsável pelo diagnóstico de fobia escolar atribuído ao menino.
A Fobia Escolar pode ocorrer em qualquer período dos anos escolares,
entretanto, conforme Bandim (2000 p.42) pode ser mais observada em três
principais picos, entre 5 - 6 anos, 11 – 12 anos e 13 – 14 anos. No caso em estudo,
Paulo esta com 12 anos de idade.
Casos de fobia escolar estão frequentemente associados a alguma mudança
significativa na vida da criança, as quais podem incluir mudanças de classe,
experiências traumáticas ou desapontamentos na escola, ausência prolongada da
escola motivada por doença, morte de algum parente próximo ou maior exigência
acadêmica com aumento da idade e progresso escolar (BANDIM, 2000, p.42).
Através das observações e entrevistas com o aluno, com os professores, com a
psicóloga e com os familiares da criança, pode-se destacar as inúmeras mudanças
ocorridas na vida deste aluno que, de certa forma, podem ter contribuído para que o
aluno desenvolvesse o transtorno fóbico.
Para analisar a fobia apresentada por Paulo, faz-se necessário conhecer a
trajetória escolar do menino, buscando indícios que talvez possam justificar o porquê
de reações tão irracionais frente a situações tão corriqueiras quanto o cotidiano
escolar.
A mãe do menino relata que, desde o início da vida escolar, Paulo sempre foi
um aluno exemplar. Não apresentou nenhuma dificuldade em adaptar-se à Escola,
relacionava-se bem com os demais colegas dentro e fora do âmbito escolar. A exprofessora de Paulo, além de confirmar o registro da mãe, destaca a postura do
menino, sempre muito prestativo, inteligente e detector das melhores notas da
turma. Também é importante destacar o quanto o menino era assíduo às aulas e,
quando precisava ir ao médico ou qualquer outro compromisso em horário escolar,
ele vinha até a escola e saia mais cedo, não deixando de estar na escola. Nesta
época, Paulo estudava numa escola unidocente, uma escola onde há apenas uma
professora que ministra aulas a todos os alunos, de 1º. a 5º. Anos do Ensino
Fundamental em uma única turma, na mesma sala de aula. No caso da ex-escola de
Paulo, não havia funcionárias e equipe pedagógica, cabendo à professora
desempenhar todos esses papéis, além de gerir a entidade.
Com o progresso escolar, Paulo mudou de escola, indo para uma escola de
Ensino Fundamental completo. Houve mudanças no conteúdo, desenvolvido por
10
diferentes professores em diferentes disciplinas, na equipe de apoio administrativo e
pedagógico, composta por diretora, vice-diretora, supervisora escolar, orientadora
educacional, agentes administrativos e entre outros profissionais de educação
envolvidos no processo escolar de cerca de 150 alunos. Tais fatores representam
uma modificação bastante acentuada da visão de escola tida pelo menino
anteriormente, Para Sheeham (2000, p. 24), “o estresse fica particularmente
evidente em tempos de mudança, quando é preciso lidar com a inevitável
perturbação que a acompanha”. A importância dos novos acontecimentos na vida do
menino como causa do transtorno fóbico é polêmica, pois isso provavelmente
dependerá da vulnerabilidade da pessoa ao estresse. É bastante provável que a
troca de escola tenha atuado como “gota d’água” para o desencadeamento do
transtorno.
Associadas à mudança de ambiente escolar, surgem mudanças também no
papel do menino dentro da escola. Antes, Paulo era o “aluno destaque”, o “melhor
de todos”, conforme o relato da ex-professora e dos pais do menino. Participava de
peças teatrais, apresentou trabalhos na Primeira Mostra Pedagógica Municipal, seu
pai foi presidente e tesoureiro da Associação de Pais e Mestres da Escola e Paulo
foi membro do Conselho Escolar.
Na escola atual, talvez por estar a pouco tempo, e por ser uma escola até 8ª
Série, Paulo ainda não tinha o destaque da escola anterior: só participou de uma
peça teatral, na mesma semana em que havia tido uma crise fóbica e tinha se
recusado em ir à escola durante todo o período que antecedeu a apresentação,
inclusive aos ensaios. Neste dia, era um sábado festivo na escola, e quando Paulo
apareceu caracterizado para a peça e exigindo seu papel na mesma, surpreendeu e
reforçou a ideia, por parte de alguns professores e de alguns colegas, de que não
havia um quadro clínico patológico e sim “malandragem” do menino.
Quanto aos processos de aprendizagem na escola atual, Paulo possui
menções satisfatórias em todas as disciplinas, ele não é “o melhor da turma” e sim
“um dos melhores da turma”. Cabe destacar que, mesmo apresentando um bom
desempenho escolar, o menino sempre se demonstrou excessivamente ansioso e
exigente consigo mesmo: erros para ele eram quase inadmissíveis e inúmeras vezes
os professores relataram sua insatisfação com a correção das atividades realizadas.
Na entrevista com os pais de Paulo pode-se perceber que a família também exige
deveras do menino, fazendo comparações entre como ele era na outra escola, como
11
estava agora e entre seus irmãos; enfim, percebe-se um alto nível de exigência
sobre o garoto, o que pode estar associado ao quadro clínico apresentado pelo
mesmo, pois, segundo Sheehan (2000, p. 23), por mais forte que uma pessoa seja,
se uma carga de estresse lhe é imposta por determinado tempo, pode ser que ela se
sinta incapaz de aguentar mais.
Analisando a Literatura, Snaith (apud BANDIM, 1996, p. 19), destaca algumas
pesquisas que sugerem haver um componente hereditário de suscetibilidade para
ansiedade, pois “quanto mais vulnerável for a pessoa neste sentido, menos estresse
será necessário para provocar a fobia”. No caso de Paulo, após o relato dos pais,
descobriu-se que uma tia avó do menino tinha problemas psíquicos, definidos pelos
pais como “meio louca, pois tomava Gardenal e não falava com ninguém”. Não é
possível afirmar a partir do relato dos pais, que Paulo possui uma pré-disposição
genética para desenvolver transtornos fóbicos, contudo pode-se apontar o fato como
um indício que deve ser investigado pelo profissional da área. Outro fato a ser
destacado é a postura da mãe diante dos questionamentos: bastante insegura,
vacilava antes de responder, desviava o olhar, esperava o pai falar antes de
manifestar sua opinião. Segundo Sheehan (2000, p. 21), a capacidade de enfrentar
o estresse pode ser influenciada pela criação, ou seja, se os pais são inseguros
podem influenciar seus filhos, tornando-os inseguros a ponto de não saberem lidar
com seus medos e problemas. Paulo talvez tenha dificuldade de lidar com seus
medos devido a influencia da mãe.
Transtornos fóbicos estão associados a conflitos internos, a fatores físicos ou
genéticos, a criação, a algum acontecimento desagradável, assustador ou
traumático (SHEEHAN, 2000, p. 19). Dentre os inúmeros fatores, talvez um em
particular possa ter sido determinante, na opinião dos professores, da psicóloga e
dos pais de Paulo para que ele tivesse a crise fóbica que culminou em sua aversão
à escola: um dos colegas da turma, cujos pais eram empregados da família de
Paulo, passou a intimidá-lo, através de ameaças, deboches, brincadeiras de maugosto e, uma suposta tentativa de abuso, que esta sendo investigada pela psicóloga.
Enfim, há entre os meninos uma rixa motivada pelo desentendimento entre as
famílias, que tiveram problemas no passado. Torna-se interessante aqui destacar o
quanto fatores externos ao domínio escolar interferem dentro da sala de aula,
criando situações em que o papel do orientador educacional perpassa o âmbito
cognitivo, forçando-o a tomar uma postura mediadora não somente entre os alunos,
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como também entre as famílias desses alunos. Paulo, segundo a psicóloga, pode
ser considerado uma vítima de bullying, pois sofreu violência psicológica praticada
por um colega da turma e que, associado a outros fatores, culminou no
desencadeamento do quadro de fobia escolar apresentado pelo menino. Cabe aqui
ressaltar que, após tomar ciência das intimidações sofridas por Paulo, a Equipe
Pedagógica da Escola tomou uma série de providências para que o aluno agressor
cessasse esta prática e passasse a respeitar seu colega, o que foi cumprido pelo
mesmo. Mesmo assim Paulo continuou a negar-se em ir à escola.
Analisados os fatores que possivelmente contribuíram no desencadeamento
da Fobia Escolar apresentada por Paulo, torna-se necessário também analisar o que
tem sido efetivamente realizado para que o aluno possa dar continuidade ao
processo de aprendizagem e superar suas dificuldades. Além do acompanhamento
médico neurológico, psicológico e psiquiátrico e do uso de medicamentos
antidepressivos, a escola também desempenha um papel fundamental no
tratamento do menino e na retomada de sua vida escolar. Neste sentido, tanto os
pais do garoto, quanto a própria psicóloga são unânimes em afirmar que há um
movimento bastante positivo por parte da escola em auxiliar Paulo na retomada de
sua vida escolar.
Através da escola o menino é encaminhado para o CIES (Centro Integrado
Escola e Saúde) e, consequentemente, aos profissionais especializados na área da
saúde. A equipe pedagógica da escola realiza reuniões com os familiares e
professores de Paulo, a fim de informar-lhes sobre progressos e regressos do
menino, sugerindo estratégias para que o processo de aprendizagem possa decorrer
dentro e fora do âmbito escolar. Existe uma grande preocupação por parte dos
profissionais da escola em resgatar o aluno para o âmbito escolar, respeitando seu
tempo de superação. Talvez por isso os pais não queiram transferir Paulo de escola,
o que foi sugerido pela psicóloga e pela própria equipe pedagógica desde o
surgimento transtorno no garoto. Os pais estão conscientes de que a origem do
medo não é o objeto fóbico, no caso, a escola; a origem do medo esta na mente de
Paulo e que, em qualquer outro ambiente escolar ele estaria sujeito e desenvolver o
processo de fobia.
Muitas vezes torna-se difícil convencer os pais de que o principal ponto de
tratamento de um caso de fobia escolar é o retorno imediato da criança à escola
(BANDIM, 1996, p. 43). No caso de Paulo, associado aos inúmeros fatores já
13
mencionados, percebe-se a ausência de limites que deveriam ser impostos pelos
pais. Muitas vezes tem-se a impressão de que é a criança quem governa a situação,
não só escolar como também familiar: ele escolhe como irá à escola (carro, ônibus
ou moto), quem o levará a escola, o horário que irá para escola, quem ficará com ele
na escola, enfim, Paulo, com 12 anos, é quem decide como deve ou não ser sua
rotina escolar. Inclusive, ao serem questionados a cerca das tarefas cumpridas por
Paulo em casa, os pais relatam que o garoto não possui muitas obrigações: arruma
o quarto, quando “está de bom humor” e às vezes ajuda no plantio do fumo, mas
sempre recebendo algo em troca (dinheiro, vídeo-game, roupas, entre outros). Com
tal situação inúmeros professores sugerem a hipótese de que não há realmente
qualquer patologia associada ao caso de Paulo, e sim falta de imposição de limites
por parte dos pais.
A orientação familiar também é de grande importância no tratamento da fobia
escolar, uma vez que estudos apontam um forte indício de superproteção dos pais
de crianças com fobia escolar (BANDIM, 1996, p.43). Na tentativa de convencer os
pais de Paulo de que ele deveria imediatamente retornar à escola, explicou-se que o
quanto mais ele ficasse em casa, maior seria o tempo livre do menino, e
consequentemente, menor a vontade de retornar para a escola. Os pais concordam
com este raciocínio, contudo têm medo de que, se obrigarem o menino a retornar ao
âmbito escolar, ele possa apresentar uma nova crise de pânico, ou cometer algum
ato contra si mesmo.
O absentismo escolar, sobretudo quando persistente, resulta em várias
ordens de fatores, sobretudo implicações legais, uma vez que em nossa sociedade a
educação é obrigatória (VERÍSSIMO, 1990, p.9). Paulo tem realizado estudos
domiciliares, pois apresenta afecções de natureza psicológica, diagnosticadas pela
profissional da área como Fobia Escolar. Tal situação é amparada pela resolução N°
04, do Conselho Municipal de Educação que regulamenta os estudos domiciliares
para os alunos considerados incapacitados de assistir às aulas no âmbito escolar.
Mesmo realizando as atividades em regime domiciliar o próprio aluno considera não
estar aprendendo como deveria, pois, nas palavras dele, faltam as explicações dos
professores e não consegue saber se esta fazendo as atividades de maneira correta
ou não. Os pais relatam perceber o declive do aluno no que diz respeito à
aprendizagem, e consideram que dificilmente o aluno conseguirá ser promovido para
o ano escolar seguinte.
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Estudos recentes apontam que o ensino restrito à casa do aluno pode
envolver desvios e prejuízos, especialmente por privar as crianças da experiência de
participar de um coletivo, excluindo-se inúmeras situações de aprendizagem
propiciadas pela diversidade humana. Além disso, sob uma ótica pedagógica, há
qualidades e competências para argumentar, falar em público, resolver contradições
e propor ações conjuntas que se perdem na individualidade (MENEZES, 2012, p.
106). Nesse sentido, professores, psicóloga, equipe pedagógica e os pais de Paulo
estão cientes de que é necessário o retorno imediato do aluno ao convívio escolar,
respeitando o tempo de superação de seus medos. Para tanto, a escola,
representada pela figura do orientador educacional, desempenha um papel
fundamental, pois deve compreender o aluno em suas particularidades, oferecendo
um vínculo de confiança mútua.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fobia escolar é um transtorno psicológico pouco conhecido. Seu correto
diagnóstico e encaminhamento para tratamento adequado minimizam, se não todos,
pelo menos os principais efeitos negativos que esta grave condição de saúde impõe
a seus portadores.
Através do estudo foi possível conhecer sobre este assunto tão pouco
debatido no âmbito escolar, visto a ideia errônea que se tem de que o absentismo
escolar está associado quase sempre a desvios de conduta da criança. A pesquisa
destacou as inúmeras razões capazes de conduzir a esta forma de fobia,
enfatizando fatores como ansiedade desmesurada em relação a situações
escolares, bem como fatores psíquicos, heretidários, familiares e sociais.
Os resultados apontam para o quão importante é o papel do orientador
educacional no processo de resgate e auxílio da criança detentora de fobia escolar.
A este profissional cabe a tarefa de organizar um trabalho pedagógico que oriente,
não somente a criança, como também seus pais e profissionais da educação. Além
disso, cabe a ele propor estratégias que auxiliem no desenvolvimento do processo
de ensino aprendizagem do aluno, levando em consideração o parecer do
profissional da área da saúde, responsável pelo acompanhamento da criança,
embasando-se em critérios legais, documentados na legislação educacional oficial,
que amparam a ausência do aluno em sala de aula.
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O orientador educacional deve ter um olhar diferenciado sob todos os
aspectos da condição humana, não deixando se influenciar por “pré – conceitos” ou
pareceres de leigos sobre o assunto. Para isso é necessário a este profissional a
atualização contínua e a consciência de que a fobia escolar é um transtorno de
possível recuperação, mas de processo lento, que depende mais da criança do que
de terceiros.
Torna-se necessário enfatizar que a construção de um clima escolar em que o
estudante sinta-se seguro para estabelecer e manter vínculos pessoais, de modo a
superar seus medos e desenvolver as relações humanas, deve ser uma
preocupação constante do corpo técnico da escola. Para tanto, é fundamental a
cooperação de professores, diretores, supervisores, orientadores e psicólogos para
que este clima seguro seja alcançado.
Apesar dos resultados do estudo serem satisfatórios, houve limitações, pois a
fobia escolar é pouco mencionada, tanto na literatura quanto no próprio ambiente
escolar. Falta referencial teórico específico sobre o assunto e, para um estudo mais
minucioso sobre o tema, foi necessária a pesquisa sobre diferentes fobias,
sobretudo a fobia social.
Como possibilidade para a continuidade da pesquisa, sugere-se estudos
sobre a patologização da aprendizagem, ou seja, a prática do encaminhamento dos
alunos a psicólogos, psicopedagogos, pediatras ou qualquer outro especialista da
área da saúde quando o aluno apresenta a suspeita de distúrbios de ordem
cognitiva ou comportamental. Tal estudo seria necessário visto a influência que o
parecer de profissionais externos a relações escolares exerce no processo de
ensino aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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de Neuropsiquiatria da Infância e Adolescência. São Paulo, n 1. v.4. p. 41-45,
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dúvidas. São Paulo: Ágora, 2000. 114 p.
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de 29 de dezembro de 1999, art. 5°,7°, 8°, 12 e 16 e o que estabelece a Lei Federal
9.394, de 20 de dezembro de 1996, art. 11 incisos II, IV e V, art. 58 a 60
respectivamente, os estudos domiciliares para os alunos incapacitados de assistir as
aulas no âmbito do Sistema Municipal de Educação. Resolução n 04, de 25 de junho
de 2008. Lex: Conselho Municipal de Educação. Venâncio Aires.
VERÍSSIMO, Ramiro. Fobia escolar - revisão a propósito de um caso Boletim do
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WARD, Ivan. Fobia: conceitos da psicanálise. Rio de Janeiro: Viver mente &
cérebro, 2005, 80p.
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