as segmentações não-convencionais da escrita em textos

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 11 – O Português falado e escrito em contexto de aquisição e perda de linguagem.
AS SEGMENTAÇÕES NÃO-CONVENCIONAIS DA ESCRITA EM TEXTOS
DE CRIANÇAS BRASILEIRAS E PORTUGUESAS:
UM ESTUDO SOBRE PROSÓDIA
Ana Paula Nobre da CUNHA1
RESUMO: Em pesquisas realizadas com crianças brasileiras em fase de aquisição da
escrita (CUNHA, 2004), observou-se que o processo de segmentação do texto em
palavras pode gerar hesitação, a qual, muitas vezes, se reflete em casos de
hipersegmentação – alocação de espaço no interior da palavra – e/ou de
hipossegmentação – falta de espaço entre fronteiras vocabulares. Os resultados dessa
análise mostraram que as segmentações não-convencionais surgem devido a uma coocorrência de fatores – dentre eles, os constituintes prosódicos (cf. NESPOR &
VOGEL, 1986). Nas hipersegmentações, detectou-se forte tendência à preservação da
sílaba e do pé métrico, em especial, do pé troqueu silábico. Nas hipossegmentações,
verificou-se, predominantemente, tendência à formação de palavras fonológicas e,
também, à formação de frases fonológicas. Se analisado sob o aspecto do ritmo, o
troqueu silábico também se apresentou como possível elemento motivador das
hipossegmentações. O presente estudo, ainda em fase de elaboração, tem como
principal interesse comparar dados de segmentação na escrita inicial de crianças
brasileiras e portuguesas. O objetivo final é discutir como se revelam na escrita, desses
dois grupos de aprendizes, aspectos do conhecimento linguístico e, particularmente, do
conhecimento a cerca da fonologia prosódica responsáveis pela incidência das
segmentações não-convencionais do texto.
PALAVRAS-CHAVE: aquisição da escrita; hipersegmentação; hipossegmentação;
prosódia.
Introdução
Este trabalho está inserido na interface linguística/educação, pois se acredita que
essas duas áreas de conhecimento devam andar, em certa medida, lado a lado. Embora
seja esta uma pesquisa de cunho linguístico, que visa objetivamente descrever parte do
1
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Faculdade de Educação (FaE), Programa de Pós-Graduação
em Educação. Rua Alberto Rosa, 154. CEP 96010-770. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
[email protected]
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processo de aquisição da escrita, acredita-se que o conhecimento desses processos é de
fundamental importância para essas duas áreas do conhecimento.
O professor, nesse caso específico aquele das séries iniciais, que tem como
instrumento de trabalho a língua, não pode prescindir de conhecimentos teóricos sobre o
seu funcionamento. É preciso, segundo Veloso (2008, p.2), que este professor se
conscientize de que quando está ensinando seu aluno a ler ou escrever, tem a
possibilidade de interferir “com uma parcela menos evidente do universo cognitivo da
criança, como pode ser o caso do seu conhecimento fonológico”.
Alguns pressupostos básicos norteiam este estudo. O primeiro deles está
fundamentado em pesquisas anteriores, tais como as de Abaurre (1990, 1991, 1999),
Chacon (2004, 2005, 2006), Cunha (2004), Miranda (2006, 2008a, 2008b), Tenani (2004,
2006) e Veloso (2008), dentre outros. Segundo esses pesquisadores, pode-se afirmar que
dados de aquisição da linguagem oral servem como importantes parâmetros para a análise
e compreensão da aquisição da escrita. Sem que se perca de vista as especificidades
inerentes a cada um desses processos.
O segundo pressuposto diz respeito à produção de textos espontâneos – meio
através do qual foram obtidos os dados para o presente estudo. Acredita-se que esse tipo
de texto, produzido por crianças em fase inicial de aquisição da escrita, é capaz de revelar
aspectos do conhecimento linguístico infantil e, particularmente, do conhecimento que a
criança possui acerca da fonologia da língua.
Com base nos estudos de Cunha (2004), o terceiro pressuposto fundamenta-se na
idéia de que dados de segmentação não-convencional da escrita sofrem influência da
prosódia, em especial dos constituintes prosódicos (cf. NESPOR & VOGEL, 1986).
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Acrescenta-se a essa idéia, o quarto pressuposto, que é aquele em que se constata que a
criança, em fase de escrita inicial, tem dificuldades em definir os limites da palavra.
A partir desses pressupostos, apresentam-se como principais objetivos deste
estudo: (i) analisar dados de escrita produzidos de maneira espontânea por crianças
portuguesas e compará-los aos dados das crianças brasileiras (cf. CUNHA, 2004); (ii)
verificar em que medida os processos apresentados por ambos os grupos assemelham-se
ou diferenciam-se; (iii) discutir como se revelam na escrita das crianças brasileiras e
portuguesas aspectos do conhecimento linguístico e, particularmente, do conhecimento
acerca da fonologia prosódica responsáveis pela incidência das segmentações nãoconvencionais.
A aquisição da escrita por crianças de séries iniciais
O processo de aquisição da escrita, neste trabalho, é entendido como um
processo de aquisição do conhecimento, cujo centro é o “sujeito cognoscente”, e está
fundamentado na teoria psicogenética de Piaget (1972, 1978). Esse sujeito é descrito
por Piaget (1972) como aquele que aprende por intermédio de suas ações sobre os
objetos do mundo que o cerca, construindo, portanto, suas próprias categorias de
pensamento enquanto organiza seu mundo. Dessa forma, entende-se que a criança em
fase de escrita inicial é o sujeito cognoscente e que o seu objeto de conhecimento é a
língua escrita.
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A criança, segundo Ferreiro e Teberosky (1999), enquanto adquiri a escrita,
busca compreender de forma ativa a natureza da linguagem que a cerca. Isso faz com
que formule hipóteses, busque regularidades e crie sua própria gramática.
Durante esse período de experimentação pelo qual a criança passa na sua
escrita inicial, autores como C. Chomsky (1979) e Read (1971, 1986) reconhecem a
atuação de componentes fonológicos. C. Chomsky (1970) chama atenção para a
importância da representação fonológica subjacente no processo de alfabetização, pois,
segundo a autora, aos 6 anos de idade uma criança já domina totalmente a estrutura
fonológica da sua língua.
A complexidade da segmentação do texto
Ao ingressar na escola, a criança já construiu hipóteses sobre a segmentação da
escrita, graças às constantes práticas de letramento às quais está exposta em seu
cotidiano. No entanto, é na escola, quando tem a oportunidade de testar essas hipóteses,
que se lhe apresentam as dúvidas sobre onde colocar os espaços na construção de um
texto.
Mesmo antes de dominar a língua escrita a criança já domina a língua falada e
é esta que ela vai usar como objeto de comparação para a aquisição daquela. Segundo
Kato (2001, p.10): “a percepção das propriedades de um objeto torna-se mais fácil
quando o confrontamos com outro objeto de natureza semelhante.”
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Ao confrontar a língua escrita com a língua falada é absolutamente natural que
a criança, no início do processo de aquisição da escrita, tenha tendência a escrever sem
segmentações e que somente aos poucos, ao longo desse processo, comece a segmentar.
De acordo com Kato (2001) a fala é uma cadeia contínua de sinais acústicos, ela não é
segmentada em unidades linguísticas. Quem ouve é que reestrutura essa cadeia sonora
em unidades psicologicamente significativas. Esse processo acontece de forma
inconsciente, somente quando passa pela aquisição da escrita é que a criança toma
consciência desse fato. Nesse momento, o aprendiz depara-se com uma nova e difícil
tarefa, a de saber onde são os limites da palavra.
Certamente, pode-se afirmar que a aquisição da escrita é um processo de
aprendizagem muito complexo, pois exige da criança um trabalho consciente ao mesmo
tempo que uma grande capacidade de abstração. O aprendiz terá que trazer para o nível
da consciência, conhecimentos que já possui inconscientemente sobre a língua e sua
estrutura.
As segmentações não-convencionais das palavras em um texto
No Português Brasileiro (PB), investigadores como Abaurre (1990, 1991,
1999), Capristano (2003, 2004), Chacon (2004, 2005, 2006), Cunha (2004), Cunha e
Miranda (2006, 2007, 2009), Tenani (2004) e Paula (2007), buscam entender,
fundamentados no modelo da hierarquia prosódica proposto por Nespor & Vogel
(1986), quais as motivações linguísticas que fazem com que a criança produza, durante
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o
processo
de
aquisição
da
escrita,
segmentações
não-convencionais
–
hipersegmentações (“com versando” para “conversando) e hipossegmentações
(“derepente” para “de repente”).
É importante ressaltar que este estudo desenvolve-se em uma perspectiva um
pouco diferente da proposta nos trabalhos de Chacon, Capristano, Tenani e Paula. Esses
pesquisadores têm em comum uma perspectiva de análise dos dados de segmentação da
escrita centrada não só na fonologia prosódica, mas também no modo heterogêneo de
constituição da escrita (cf. CORRÊA, 2004). Segundo o qual, as segmentações nãoconvencionais podem resultar, simultaneamente, do trânsito que o sujeito escrevente
possui nas práticas orais e letradas.
Sem desconsiderar as diversas e importantes possibilidades de análise para um
mesmo objeto, neste trabalho, em particular, pretende-se explicar as segmentações nãoconvencionais por meio de uma relação mais estreita e específica com a fonologia
prosódica, todavia, sem perder de vista que o sujeito aprendente é ativo no processo de
aquisição da escrita.
As segmentações não-convencionais, segundo uma perspectiva piagetiana de
“erro construtivo”, são aqui entendidas como uma parte importante do processo de
aprendizagem, pois caracterizam a fase de experimentação da criança. É através desse
tipo de erro que o aprendiz revela suas hipóteses sobre a segmentação do texto e o que
compreende como sendo o limite das palavras. O erro também pode ser entendido, de
acordo com Miranda (2008), como um vazamento do conhecimento internalizado e
inconsciente que a criança possui em relação à fonologia da língua.
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No Português Europeu (PE), autoras como Pinto (1977) e Sousa (2008)
também abordam algumas questões sobre segmentação da escrita, no entanto, ambas as
abordagens são feitas sob perspectivas não correlatas a deste trabalho.
Pinto (1977) analisa erros ortográficos encontrados em textos de crianças dos
quatro primeiros anos de escolarização. As ocorrências de segmentações nãoconvencionais (embora esse termo não seja utilizado pela autora) do tipo “de pois” para
“depois”; “qua do” para “quando”; “em bora” para “embora” são classificadas como
erros de individualização/identificação lexical. As hipossegmentações que envolvem
verbo e pronome, como “saltole” para “saltou-lhe”, são classificadas pela autora como
erros de morfologia verbal.
Sousa (2008) faz um estudo de dados de hipo e hipersegmentação também em
textos de crianças dos quatro primeiros anos de escolarização. O objetivo da autora era
o de analisar de que modo o conhecimento da segmentação de palavras evolui ao longo
do 1º ciclo. Sousa (2008) conclui seu estudo afirmando que as hipossegmentações são
encontradas em maior número do que as hipersegmentações e que a escolarização é um
fator importante no reconhecimento da fronteira de palavras.
Como se pode constatar, nenhum dos dois trabalhos acima referidos, têm como
objetivo analisar os dados de segmentações não-convencionais, encontrados em textos
de crianças portuguesas, à luz da fonologia prosódica.
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Metodologia
Para o PB, neste estudo, foram analisados dados de segmentação nãoconvencional extraídos de aproximadamente 2000 textos produzidos por crianças
brasileiras de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, portanto, aprendizes em fase de
aquisição da escrita.
No PE, foram analisados dados de segmentação não-convencional extraídos de
1252 textos produzidos por crianças de 1º e 2º ano do ensino básico, também, aprendizes
em fase de aquisição da escrita.
Assim como os textos das crianças brasileiras, os textos das crianças portuguesas
foram igualmente produzidos de maneira espontânea. As recolhas foram feitas em uma
escola pública do Concelho da Maia, norte de Portugal.
As duas recolhas, no Brasil e em Portugal, seguiram a mesma metodologia de
trabalho. A saber, os textos foram produzidos de maneira espontânea, por meio de uma
Oficina de Produção Textual, na qual havia uma fase de aquecimento em que as crianças
eram estimuladas a expressarem-se oralmente sobre a história que deveriam escrever a
seguir. Todos os textos recolhidos pertencem ao Banco de Textos de Aquisição da Escrita
(GEALE/FaE/UFPel).
Como metodologia de análise, os dados de segmentação não-convencional
foram
primeiramente
divididos
em
duas
categorias:
hipersegmentações
e
hipossegmentações. A seguir, esses dois grupos foram divididos em quatro subcategorias
2
A diferença do número de textos em ambos os grupos analisados (2000 para o PB e 125 para o PE),
deve-se ao fato de a presente pesquisa estar em andamento. Esses 125 textos do PE são apenas os
primeiros de uma série de recolhas que ainda serão feitas.
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de análise: palavra gramatical3 + palavra fonológica4 (PG+PF); palavra fonológica +
palavra gramatical (PF+PG); palavra gramatical + palavra gramatical (PG+PG); palavra
fonológica + palavra fonológica (PF+PF).
Resultados da análise dos dados das segmentações não-convencionais no PB
Embora se tenham encontrado dados em todas as quatro subcategorias referidas
na metodologia da pesquisa, serão aqui expostos somente os resultados considerados
como mais relevantes para este trabalho.
Para os dados de hipersegmentação, segundo Cunha (2004), apresentam-se duas
tendências predominantes no corpus analisado:
1ª) Separação de uma palavra em duas, uma “palavra gramatical” e uma “palavra
fonológica” (PG+PF), conforme os exemplos em (1):
(1) a onde (aonde)
em bora (embora)
Nas hipersegmentações, esse tipo de dado é o que aparece em maior
quantidade e parece demonstrar, segundo Ferreiro e Teberosky (1999), o
reconhecimento da palavra gramatical como motivação. Nesse caso, a criança reconhece
a sílaba inicial como sendo uma palavra gramatical e, consequentemente, a isola,
gerando uma hipersegmentação. A palavra fonológica que fica segmentada à direita
pode ter significado lexical ou não. O que se mostra mais representativo nessa palavra é
3
Segundo Cunha (2004), “palavra gramatical” é aquela que não possui significado lexical, como os
clíticos, por exemplo.
4
“Palavra fonológica”, de acordo com Cunha (2004), inclui todas as palavras que possuem um acento
primário e que, mesmo não tendo significado conhecido na língua, são candidatas potenciais para tal.
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a preservação de um pé métrico, na maioria dos casos um troqueu silábico, resultado
que confirma tendência observada por Abaurre (1991).
2ª) Separação de uma palavra em duas “palavras fonológicas” (PF+PF), como mostram
os exemplos em (2):
(2) mara vilha (maravilha)
verda deiro (verdadeiro)
Nas ocorrências de hipersegmentação que resultam em duas palavras
fonológicas, que podem ou não ter significado lexical, observou-se que essas separações
podem ter as seguintes motivações: preferência pela formação de palavras dissílabas e
paroxítonas; reconhecimento de palavras integrantes do vocabulário da criança;
preservação de um pé métrico, mesmo que tenha apenas uma sílaba pesada.
As palavras fonológicas que ficam segmentadas, tanto à esquerda, quanto à
direita, poderão ter ou não significado lexical. O que importa é que são portadoras de
acento e, por conseguinte, candidatas potenciais a serem palavras do léxico.
É importante ressaltar que na grande maioria dos dados de hipersegmentação
aparece uma preferência pela preservação de um pé métrico binário, em especial, do
troqueu silábico.
Nos dados de hipossegmentação, de acordo com Cunha (2004), duas tendências
mostram-se como mais relevantes no corpus analisado:
1ª) Juntura entre uma “palavra gramatical” e uma “palavra fonológica” (PG+PF),
conforme apresenta-se no exemplo (3):
(3) cesquese (se esquece)
siencontrou (se encontrou)
De um modo geral, assim como nos dados de hipersegmentação, a palavra
gramatical à
esquerda pode ser
reconhecida como
um clítico. Dentre as
hipossegmentações, esse tipo de dado é o mais numeroso e confirma o que diz Ferreiro e
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Teberosky (1999) sobre a dificuldade da criança em reconhecer como palavra, na fase
inicial de aquisição da escrita, sequências de uma ou duas letras.
Segundo Abaurre, Galves e Scarpa (1999), essa dificuldade também ocorre na
aquisição da linguagem oral, pois a palavra gramatical, por não possuir acento, integra-se
à palavra adjacente como uma de suas sílabas pretônicas.
2ª) Juntura entre duas “palavras fonológicas” (PF+PF), de acordo com os exemplos
apresentados em (4):
(4) miaroupa (minha roupa)
saiucorendo (saiu correndo)
Nesse tipo de dado, o que acontece é o surgimento de frases fonológicas ou
frases entonacionais. Nas primeiras, como no exemplo “miaroupa” (minha roupa), a
hipossegmentação pode ocorrer devido à escolha, motivada por critérios semânticos, da
frase fonológica forte de uma frase entonacional.
No caso das frases entonacionais, pode haver uma motivação devido à presença
de uma linha entonacional decorrente de uma pausa, como em “chicobento
saiucorendo”.
Na maioria dos dados de hipossegmentação, vale ressaltar que, sempre que há
contexto favorável, processos de ressilabação e sândi são aplicados às sílabas onde ocorre
a juntura.
Descrição e análise preliminar dos dados do PE
Com base na mesma subcategorização criada por Cunha (2004) para a análise
dos dados de PB, tem-se, para os dados de segmentação não-convencional do PE, alguns
exemplos conforme são apresentados no Quadro 1:
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Quadro 1 – Dados de hipersegmentação e hipossegmentação do PE
hipersegmentações
PG+PF
PF+PG
hipossegmentações
a cilo (aquilo) – o brigado – da aporta – asseguir – opé –
quele – es queceu
derrepente
chama da – conversan do
deitouse – comeua – parate –
roupada
PG+PG
e a (ía)
PF+PF
bola chinhas – capo chinho – lobomáu – taogerandes – tuvais
entre tanto
doque – oce – cece
– nãocamais
Ao analisar o Quadro1, pode-se observar que quanto à qualidade, os dados do
PE não diferem dos dados do PB, encaixando-se perfeitamente em todas as subcategorias
de análise criadas por Cunha (2004) para o estudo dos dados do PB.
Para uma análise ainda bastante preliminar, pode-se dizer que os constituintes
prosódicos que motivam as segmentações não-convencionais do PE são basicamente os
mesmos que motivam as hiper e hipossegmentações do PB.
No entanto, é necessário ressaltar algumas semelhanças e diferenças entre os
dados encontrados nos textos das crianças portuguesas e brasileiras.
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Semelhanças e diferenças entre os dados do PB e do PE
Em ambos os corpora analisados, tanto do PB quanto do PE, os dados de
hipossegmentação são bastante mais elevados do que os dados de hipersegmentação. Esse
resultado parece confirmar a hipótese de que, no início do processo de aquisição da
escrita, a criança possa partir da compreensão de unidades linguísticas maiores para
menores e que, com a escolarização, os limites das palavras passam por reajustes.
Outra semelhança a ressaltar é o fato de que sempre que há contexto favorável,
na maioria dos dados de hipossegmentação, os processos de ressilabação e sândi são
aplicados às sílabas onde ocorre a juntura. O que poderá ocorrer é uma diferença quanto
ao tipo de sândi em uma e outra variedade do português.
Uma das semelhanças entre as segmentações não-convencionais, encontradas
nos textos das crianças brasileiras e portuguesas, que pode resultar em futuras discussões
sobre o ritmo do PB e do PE, é a preferência pela preservação de um pé métrico binário,
em especial, do troqueu silábico, sempre que há contexto para tal.
Uma das grandes diferenças entre os dados do PB e do PE acontece no tipo de
hipossegmentação. Enquanto no PB os dados mais frequentes são os que se incluem na
subcategoria PG+PF (“tecomer” para “te comer), no PE, o maior número de ocorrências é
do tipo PF+PG (“comerte” para “te comer”).
Essa diferença confirma a hipótese de Carvalho (1989) sobre o efeito
direcionalidade em ambas as variantes do português. Segundo o autor, o PB tem uma
tendência a associar o clítico à palavra adjacente que está à sua direita, na forma de
próclise, enquanto no PE isso funciona de forma inversa, o clítico associa-se à palavra
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adjacente que está à sua esquerda, na forma de ênclise. Pode-se afirmar que essa
evidência de escrita está diretamente associada a uma prática de oralidade.
No PB, o maior número de hipersegmentações também está relacionado à
formação de PG+PF (“em bora” para “embora”), é possível que isso aconteça devido ao
fato de a criança reconhecer uma sílaba inicial como uma possível palavra gramatical. No
entanto, no PE, esse mesmo tipo de dado é raríssimo, dificilmente a criança reconhece
uma sílaba inicial como sendo uma palavra gramatical.
Nos dados do PB é incomum que se encontre o constituinte “sílaba” violado,
tanto nos processos de hiper quanto nos de hipossegmentação. Isso não corresponde aos
dados do PE, nos quais se encontra com mais frequência esse tipo de violação. Isso pode
levar a um questionamento sobre a existência de uma diferente representação do
constituinte “sílaba”, durante o processo de aquisição de escrita, em ambas as variantes
do português.
Considerações finais
É possível verificar, por meio dessa análise ainda muito preliminar, que não
existem grandes diferenças entre os processos de segmentação não-convencional
encontrados nos dados do PB e do PE, quanto à sua qualidade e aos constituintes
prosódicos que as motivam. No entanto, essas diferenças parecem apontar para sutilezas
que poderão ser reveladoras de questões interessantes para futuras discussões teóricas à
cerca da fonologia dessas duas variantes do português.
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Olhando para ambos os dados do PB e do PE, pode-se afirmar que a criança,
durante o processo de aquisição da escrita, parece ser bastante sensível aos aspectos
prosódicos da língua. Dessa forma, mais uma vez, o foco na relação fala/escrita mostra-se
pertinente para os estudos desenvolvidos tanto na área da aquisição da escrita quanto no
campo da fonologia, mas, evidentemente, sem perder de vista as particularidades de cada
um desses processos.
Referências Bibliográficas
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representação escrita da linguagem. Mimeo, IEL– UNICAMP, Campinas, 1990.
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CAPRISTANO, C. C. Aspectos de segmentação na escrita infantil. São José do Rio
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CAPRISTANO, C. C. A propósito da escrita infantil: uma reflexão sobre as
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