cotexto e contexto: formas linguísticas e possibilidades de

Propaganda
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
COTEXTO E CONTEXTO: FORMAS LINGUÍSTICAS
E POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO DO ENUNCIADO
Helena Topa VALENTIM1
RESUMO
É objectivo desta apresentação propor, com recurso à descrição do funcionamento de formas e
construções linguísticas do PE, uma reflexão sobre as relações entre os conceitos de contexto linguístico
(ou cotexto) e de contexto situacional (ou situação), enquanto condições que permitem interpretar
qualquer enunciado.
Partindo do princípio de que a dinâmica e a organização interna à própria linguagem é da ordem da
interacção - de que, aliás, decorrem as possibilidades de interpretação de qualquer enunciado -, interessa
conhecer a forma como se processa essa dinâmica de interacção. Por conseguinte, pretendemos
contribuir, numa perspectiva de interface entre a semântica e a pragmática linguísticas, para responder às
seguintes interrogações: quais os elementos envolvidos na construção da significação linguística? como
se inscrevem nessa construção, quer o cotexto quer o contexto?
Verificaremos, assim, que, por um lado, a determinação do sentido de uma unidade linguística ou de uma
sequência linguística resulta da forma como esta interage com a(s) outra(s) unidade(s) ou sequência(s) em
presença, existindo, portanto, uma dependência recíproca entre uma unidade e o cotexto. Por exemplo,
dá-se uma variação de sentido do verbo correr em função do sujeito (o tempo corre / a vida corre / o
atleta corre / a água corre / a notícia corre); em função do complemento (correr risco / correr perigo /
correr a maratona); em função do advérbio (correr rápido / correr mal)…
Por outro lado, um enunciado só o é relativamente a um contexto. Cada sequência linguística, enquanto
enunciável, determina o tipo de contexto que, por sua vez, funda a sua interpretação e, portanto, a sua
instituição ou actualização como enunciado. Como exemplo desta ordem de dependência, analisaremos a
sequência (o enunciável) Isso é que era bom, cujo agenciamento de formas permite a reconstituição de,
pelo menos três enunciados distintos que relevam de, pelo menos, três contextos e três esquemas
prosódicos não idênticos. Pelo cálculo das operações metalinguísticas e a construção de valores de
determinação que estão subjacentes a cada uma destas interpretações, pretendemos demonstrar a
articulação existente entre as duas ordens de dependência recíprocas (distintas só por razões
metodológicas, já que constituem uma única construção, o enunciado): por um lado, entre uma unidade
linguística e o cotexto e, por outro, entre uma unidade linguística e o contexto.
De Vogüe, S. (1999). Construcion d’une valeur référentielle: entités, qualités, figures. In La référence -2-, Travaux
linguistiques du Cerlico, 12. Presses Universitaires de Rennes: 77-106.
Ducrot, O. (1980). Les mots du discours. Les éditions de minuit.
Franckel, J.-J. (2006). Situation, contexte et valeur référentielle. In Pratiques n° 129/130: 51-70.
Peroz, P. (2005). Le mot clé. Variations sémantiques et régularité des fonctionnements. In Le lexique entre identité et
variation. Langue Française nº 133: 42-53.
PALAVRAS-CHAVE: enunciação; formas linguísticas, contexto linguístico; contexto situacional;
interface semântica-pragmática
1
Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de Linguística; Avenida de Berna, nº
26-C, 1069-061 Lisboa, Portugal; [email protected]
279
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
Introdução
Tal como a generalidade dos autores afirma, a dinâmica interna à própria linguagem é da ordem da
interacção. Por conseguinte, as possibilidades de interpretação de qualquer enunciado e das unidades que
o engendram decorrem dessa dinâmica de interacção. Colocam-se, assim, algumas questões que são ponto
de partida da reflexão que aqui propomos: Como se processa essa dinâmica de interacção? Quais os
elementos envolvidos nesta dinâmica de interacção? Como se inscrevem o cotexto (ou contexto
linguístico) e o contexto nesta dinâmica?
Poder-se-á dizer que estamos perante uma única construção, que integra duas ordens de
dependência recíprocas. Temos, por um lado, a dinâmica de interacção existente entre uma qualquer
unidade linguística e o contexto linguístico ou cotexto (também “contexte imédiat”, segundo Franckel
2006). Isto é, a significação associada a cada unidade linguística depende do cotexto de ocorrência e a
significação global do enunciado depende da rede de relações de dependência recíproca entre as unidades
linguísticas que o compõem. Jean-Jacques Franckel refere-se a esta dinâmica como “cotextualização”,
afirmando e demonstrando o modo como afecta todo o tipo de unidades (por exemplo, em 2002). Por
outro lado, temos a dinâmica de interacção existente entre uma qualquer unidade linguística e o contexto
situacional (também “contexte large” ou “situation”, segundo Franckel 2006), dinâmica a que também
Jean-Jacques Franckel se refere como contextualização (por exemplo, em 2002). A distinção entre a
cotextualização e a contextualização é apenas de ordem metodológica, já que – como dizíamos - se trata
de uma única / da mesma construção.
280
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
Dependência recíproca entre uma unidade e o cotexto – cotextualização
A dependência recíproca entre uma unidade linguística e o cotexto – cotextualização – traduz-se no
facto de a determinação do sentido de uma unidade linguística resultar da forma como esta interage com
a(s) outra(s) unidade(s) em presença. Assim, no quadro teórico de uma análise semântica e enunciativa
(em que situamos a nossa reflexão), podemos formular o problema da afectação de um significado a uma
unidade linguística e, por conseguinte, questionar mesmo a funcionalidade do conceito de polissemia,
uma vez que, como é facilmente constatável, a significação de uma qualquer unidade linguística varia
consoante a sequência, o enunciado, em que esta ocorra. Como veremos adiante e conforme vários
autores procuram demonstrar, basta, por vezes, uma pequena alteração ao nível de um único elemento do
contexto linguístico para que o valor de uma unidade se modifique de um modo que pode ser radical ou
até mesmo imperceptível, sem que, no entanto, esta variação pareça dever-se a regras (ver, por exemplo,
Franckel, 1992).
Veja-se, como ilustração do que afirmamos, a variação da significação associada ao verbo correr,
nas sequências que se seguem, dependente sempre da natureza semântica do sujeito:
(1) O tempo / A vida corre
(2) O atleta corre
(3) A água / O sangue corre
(4) A notícia corre
Se em 1, a correr se associa uma noção de rapidez, em 2, associa-se uma noção de locomoção, em 3, uma
noção de fluidez e, em 4, uma noção de difusão. Mas a significação de correr pode ainda mudar em
função do complemento e da forma como este se encontra determinado:
281
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
(5) A Ana correu perigo
(6) A Ana correu a maratona
A diferença entre as significações associadas a estes predicados resulta do tipo de determinante que
antecede os respectivos argumentos internos, o que, por sua vez, por um lado, obedece a restrições
impostas pelas possibilidades semânticas de cada um dos nomes em ocorrência e, por outro, assume
valores distintos porque marca, em cada caso, operações enunciativas também distintas2. Assim, se em 5
o verbo correr apresenta um funcionamento compacto (e integra aquilo que muita literatura chama de
“expressão fixa”); em 6, apresenta um funcionamento discreto (de acordo com Correia & Campos, 2004).
À configuração de tipo compacto em 5 associa-se o carácter homogéneo da situação linguística. O objecto
directo (perigo) é externo, não sendo, portanto, construtor nem especificador de uma ocorrência de
correr, isso é, não a delimitando nocionalmente. Assim, perigo, determinado por artigo zero (ϕ), remete
para a própria noção. Em 6, o objecto directo (a maratona) marca a delimitação da situação linguística,
isto é, fixa os limites da “corrida”. O valor da determinação definida (a) associada ao tempo pretérito
perfeito simples do verbo marcam a construção de um estado resultante, permitindo que o objecto directo
defina a “quantidade” do processo.
Certos nomes são também susceptíveis de mudar de estatuto conforme são empregues no singular
ou no plural. Vejamos os seguintes exemplos de expressões nominais adaptadas de Franckel (1992: 204)
a partir do francês:
(7) O conhecimento da matéria
2
Um desenvolvimento da análise destes exemplos passaria, por exemplo, pela distinção entre verbos suporte e verbos plenos
ou verbos lexicais, distinção esta ultrapassável se, como se propõe em Correia, se assumir que “a diferente formatação de
ocorrências de um Vsup e de um Vpl é feita a partir de uma mesma Forma Esquemática (no sentido culioliano do termo)”
(2004: 196).
282
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
(8) Os conhecimentos da Ana
Em 7, a matéria é interpretável enquanto objecto de conhecimento. Pelo contrário, em 8, a Ana é
interpretável como sujeito de conhecimento. Neste caso, não pode referir-se ao “conhecimento da Ana”
em que a Ana seja objecto de conhecimento. Os conhecimentos da Ana podem, sim, referir-se às “pessoas
que a Ana conhece” ou ao “conhecimento que a Ana possui”. Numa sequência como 8a
(8a) ?O conhecimento da Ana
o artigo definido que determina conhecimento restringe a possibilidade de a Ana ser objecto ou sujeito de
conhecimento. Já em 8b,
(8b) Um conhecimento da Ana
em função da presença de um artigo indefinido, a Ana é interpretável como sujeito de conhecimento.
Pode, pois, concluir-se que cada uma das possibilidades de o nome conhecimento se empregar no singular
ou no plural tem consequências ao nível do estatuto sintáctico do sintagma que integra este nome. Da
mesma forma se conclui, mais uma vez, que a dinâmica de interacção que está na base da significação
construída envolve todo o cotexto, não sendo de excluir, nos casos em apreço, o tipo de determinação
nominal.
Vejamos outro exemplo, ilustrativo da forma como a interacção entre o nome e o valor de diátese
também condiciona a construção da significação:
(8) A destruição do Terminator
283
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
(9) As destruições do Terminator
Em 8, o singular a destruição remete para o resultado de um processo que recai sobre o Terminator,
que é, por conseguinte, o alvo desse mesmo processo. Em 9, o plural as destruições remete para o próprio
processo, cujo agente é o Terminator. Refira-se o facto de, em ambas as sequências, se estar perante uma
nominalização deverbal (destruição / destruições) e de a ocorrência deste tipo de nominais, ora no
singular ora no plural, corresponder a um elemento relevante na determinação do valor da diátese
construída3. É a singularização e a pluralização do deverbal que desencadeia a diferença entre,
respectivamente, 8 e 9, ao determinar se a expressão o Terminator é (em 9) ou não é (em 8) o termo de
partida da relação predicativa que integre.
Consideremos os seguintes enunciados, enquanto exemplos onde cada uma das expressões em 8 e 9
podem ocorrer:
(8a) A destruição do Terminator foi difícil mas definitiva
(9a) As destruições do Terminator puseram em causa a ordem em NYC
De facto e como dizíamos acima em relação às sequências 8 e 9, é diferente o estatuto sintáctico–
semântico de o Terminator em 8a e em 9a. Só no enunciado 9a o Terminator é sujeito - mais
especificamente sujeito agentivo, em virtude de o nome deverbal (destruição) apresentar as mesmas
propriedades aspectuais do verbo (destruir), que selecciona um sujeito deste tipo. Assim, a singularização
ou a pluralização do nome (destruição / destruições) interage com a própria estruturação da relação
predicativa subjacente aos dois enunciados. O Terminator corresponde ao primeiro argumento da relação
predicativa subjacente a 9a. Pelo contrário, em 8a, o sujeito agentivo é “alguém” indeterminado, sendo o
3
Veja-se a este propósito, Correia (2002, 325ss).
284
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
Terminator o alvo do processo em causa (“a destruição”), pelo que corresponde ao segundo argumento da
relação predicativa. Isso mesmo afigura-se-nos como evidente nas seguintes paráfrases possíveis de 8a e
de 9a:
(8b) Alguém destruiu o Terminator com dificuldade mas para sempre
(9b) O Terminator destruiu infra-estruturas essenciais para a ordem em NYC
(Como este, é fácil encontrar numerosos exemplos que se comportam de modo comparável: o massacre
da população / os massacres do exército de ocupação, a saída da sala / as saídas da Ana)
Vejamos, de seguida, a forma como o tempo gramatical do verbo pode condicionar as suas
condições de emprego assim como o seu valor semântico
(10) A Ana ainda não correu
(11) A Ana ainda não corre
Estas sequências interpretam-se de maneira diferente e distinguem-se entre si apenas pelo emprego
de tempos gramaticais distintos: o pretérito perfeito simples em 10 e o presente em 11.
O segundo caso referir-se-á a um contexto mais restritivo do que o primeiro: por exemplo, a uma
incapacidade associada ao desenvolvimento motor - numa interpretação do tipo “A Ana ainda é
demasiado pequenina para se equilibrar e correr” – ou associada a uma convalescença – numa
interpretação do tipo “A Ana ainda está muito fraca para correr”. Correr aqui interpreta-se como uma
capacidade ou habilidade, já que, pela característica homogénea conferida pelo presente gramatical, se
trata de uma qualidade, neste caso física, inerente ao sujeito do enunciado (a Ana). O enunciado 11 é um
285
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
enunciado genérico, conforme assinala o presente gramatical, marcador de uma ruptura temporal em
relação ao tempo da enunciação. Já no enunciado 10, a situação linguística construída é quantificada
espacio-temporalmente. Disso é marcador o pretérito perfeito simples. O que se constrói é apenas a (não)
inscrição no tempo de uma situação de “corrida” (ainda não correu), neste caso num tempo anterior ao
tempo da enunciação e que pode ser especificado por adverbiais temporais como hoje, esta semana, este
mês (A Ana ainda não correu hoje / esta semana / este mês). Correr constitui aqui uma situação
linguística homogénea e dinâmica, interpretando-se como uma actividade.
Estes exemplos ilustram, mais uma vez, a plasticidade das situações linguísticas construídas. Apesar
de estarmos perante a mesma forma (neste caso, verbal), a diferença de um único elemento gramatical do
contexto linguístico (neste caso o valor gramatical de tempo) é suficiente para, na interacção com resto da
sequência, alterar os seus valores semânticos, mais especificamente os valores temporais-aspectuais.
Também a ordem pela qual as formas ocorrem é reveladora da variação da significação inerente às
formas linguísticas. Este critério de variação – a ordem das palavras - é particularmente claro
relativamente a um facto linguístico amplamente referido na generalidade das gramáticas do português
(por exemplo, Dias [1917] 1970; Cuesta & Luz, [1971] 1980; Lapa, 1984; Cunha & Cintra, [1984] 1991;
Mateus et alii, 2003): a diferença semântica que se estabelece entre o emprego anteposto ou posposto dos
adjectivos em relação ao nome que modificam.
Vejamos como o valor semântico dos grupos nominais que integram um adjectivo varia de acordo
com a posição do adjectivo relativamente ao nome:
(12) Um homem grande
(13) Um grande homem
286
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
Note-se que, como este, é fácil encontrar numerosos exemplos que se comportam de modo
comparável: Um mosteiro antigo / Um antigo mosteiro, As figuras esbeltas / As esbeltas figuras, Os
morangos doces / Os doces morangos…
Assim, se, por um lado, quando posposto (12), o adjectivo qualifica o nome objectivamente,
formando um bloco / uma unidade com ele, por outro, quando anteposto (13), o adjectivo marca a
construção de uma modificação subjectiva cujo localizador é, por conseguinte, o próprio sujeito
responsável pela enunciação. A objectividade da forma como grande modifica o nome em 12 é
demonstrável pela possibilidade de Um homem grande ser parafraseável com recurso à negação do
adjectivo que está em relação de antonímia com grande, isto é, pequeno: “Um homem grande é
(objectivamente) um homem que não é pequeno”, assim como “Um mosteiro antigo é um mosteiro que
não é recente”, etc.
Falar em objectividade neste caso – em “modificação objectiva” do nome – equivale a reconhecer
que o adjectivo posposto ao nome lhe atribui uma propriedade construída linguisticamente como
intrínseca. Por outras palavras, “a posição pós-nominal está associada a uma interpretação restritiva,
predicativa, especificadora” (Mateus et alii, 2003: 366). Este tipo de interpretação associada ao adjectivo
posposto é demonstrável quando consideramos o facto de, com nomes próprios, todos os adjectivos só
ocorrerem em anteposição (*O João simpático / O simpático João; *O Douro belo / O Belo Douro). De
facto, constituindo os nomes próprios uma classe particular de nomes, que referem rigidamente um
objecto (indivíduo, local, etc), seria incompatível associar-lhes um modificador com função
especificadora ou restritiva.
Além disso, se, como vimos, a paráfrase de um grupo nominal como 12 pode sempre ser construída
através da atribuição de uma propriedade oposta, o mesmo não se dirá em relação à paráfrase do grupo
nominal 13: ??“Um grande homem é (objectivamente) um homem que não é pequeno”. Para uma
possível paráfrase de Um grande homem, como construção de uma modificação subjectiva que é, ter-se-á
287
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
que recorrer a termos linguísticos que não têm uma relação semântica evidente com grande, como, por
exemplo, justo, corajoso, honesto, empreendedor, bondoso, inteligente…, de acordo – claro! - com o
critério de valoração do sujeito enunciador. Esta lista é, por conseguinte, uma lista aberta, porque
permeável à localização em relação a um sujeito que constrói, deste modo, uma apreciação subjectiva:
Um grande homem pode ser, conforme o critério apreciação subjectivo da apreciação construída, “um
homem que é justo” ou “um homem que é empreendedor”.
Mas há, em português, restrições quanto ao tipo e adjectivos que apresentam esta ambivalência
sintáctico-semântica. De entre os adjectivos classificados pela generalidade das gramáticas como
“adjectivos de qualidade”, e que se caracterizam por poderem variar em grau, alguns há que não podem
ocorrer em posição pré-nominal. É o caso dos adjectivos pátrios ou patronímicos, ou ainda dos adjectivos
deverbais e dos adjectivos que lexicalizam o que nocionalmente corresponde à cor, à forma ou à posição
relativa: Uma água bebível / *Uma bebível água; A bandeira japonesa / *A japonesa bandeira; Um vinho
alentejano / *Um alentejano vinho; A maçã vermelha / *A vermelha maçã; A sala oval / *A oval sala; A
face esquerda / *A esquerda face.
Da mesma forma, os adjectivos classificados pela generalidade das gramáticas como “adjectivos
relacionais”, que se caracterizam pela impossibilidade de variarem em grau, apresenta restrições quanto à
ordem de ocorrência em relação ao nome que modificam: não ocorrem em posição pré-nominal: A
revolução militar / *A militar revolução; Actualização automática / *Automática actualização; Uma
regularidade mensal / *Uma mensal regularidade.
O valor associado ao tempo gramatical do pretérito imperfeito também regista uma variação
condicionada pelo contexto linguístico.
(14) O Luís dava a volta ao mundo no seu barco quando chegou a notícia das más condições
climatéricas que se avizinhavam
288
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
(15) Quando era estudante universitário, o Luís dava explicações de matemática
(16) Se fosse milionário, o Luís dava a volta ao mundo
Nos enunciados 14 e 15, o pretérito imperfeito (dava) tem um valor temporal-aspectual, mas
diferente em cada caso. Na construção de qualquer dos valores temporais-aspectuais, cujos marcadores
podem ser as várias formas em coocorrência no enunciado (tempos gramaticais assinalados pela flexão e
composição verbal, adverbiais…), reconhece-se haver um localizador, um ponto de referência a partir do
qual se configura e se estabiliza enunciativamente determinado valor construído.
No enunciado 14, o termo localizador é uma coordenada temporal distinta do tempo da enunciação
e que se encontra intratextualmente verbalizada através do adverbial quando chegou a notícia das más
condições climatéricas que se avizinhavam. Este termo corresponde a um localizador intermédio ou
translato, que coincide com um dos instantes do tempo do enunciado associado a O Luís dava a volta ao
mundo no seu barco, pelo que, sob o ponto de vista aspectual, constitui um acontecimento único, de que é
marcador o pretérito perfeito chegou.
A estabilidade enunciativa do enunciado 15 prende-se com o valor habitual associado ao pretérito
imperfeito em dava explicações de matemática, já que o valor temporal construído resulta de uma
operação de ruptura entre o tempo do enunciado e o tempo da enunciação. Este enunciado é, por
conseguinte, um enunciado genérico, isto é, o acontecimento linguístico é construído como múltiplo.
Em enunciados como 16, que correspondem a construções hipotéticas do tipo se p, então q, é, em
português, muitíssimo comum o emprego do imperfeito no membro apodíctico. Neste caso, o imperfeito
(dava, no enunciado 16) não marca um valor temporal-aspectual, mas sim um valor modal, dado que
corresponde à “construção de uma distância não cronológica, entre a situação de enunciação origem e a
situação do acontecimento linguístico” (Campos, 1998: 104). Quando assume este valor modal, o
pretérito imperfeito é comutável pelo condicional: “Se fosse milionário, o Luís daria a volta ao mundo”.
289
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
A validação da apódose (dava a volta ao mundo) depende, assim, da validação da prótase (Se fosse
milionário). Dito de outra maneira, o valor modal associado aqui ao tempo gramatical do pretérito
imperfeito decorre do facto de o termo localizador, ou seja, o termo que permite estabilizar
enunciativamente a sequência dava a volta ao mundo, ser uma condicional.
O valor hipotético desta construção decorre do facto de o termo localizador (a prótase) assinalar
uma ruptura com a situação de enunciação, operação de que é marcador o modo conjuntivo (fosse). Aliás,
em coocorrência com a conjunção condicional se, o conjuntivo marca uma não equiponderância entre
dois caminhos: se p fosse o caso (Se fosse milionário) implica que se exclui p (“o Luís não é milionário”).
Consequentemente, em virtude do valor marcado pelo conjuntivo em coocorrência com se, a validação de
“o Luís ser milionário” fica remetida para uma situação de enunciação distinta da situação de enunciação
em curso, o que se torna compatível com o hiato ou distanciação, neste caso, modal, marcado pelo
pretérito imperfeito (dava) do membro apodíctico.
Dependência recíproca entre uma unidade e o contexto – contextualização
Um enunciado só o é - ie., só é susceptível de interpretação - relativamente a um contexto. O
contexto é a condição de interpretação do enunciado. Digamos que cada sequência (cada enunciável)
determina o tipo de contexto que, por sua vez, funda a sua interpretação e portanto a sua actualização
como enunciado.
Por exemplo, a sequência – o enunciável – Isso é que era bom permite a reconstituição de três
enunciados distintos, que relevam de, pelo menos, três contextos e de três esquemas prosódicos não
idênticos. Os tipos de contexto compatíveis com esta sequência constituem as suas condições de
interpretação, conforme se propõe em de Vogüe (1999), correspondem aos “scénarios” convocados pelo
290
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
agenciamento de formas linguísticas4. Só interpretamos esta sequência se reconstituirmos uma referência
nostálgica ao passado (a), a expressão de um desejo irrealizável (b) ou uma rejeição (c).
Fixemo-nos em cada uma destas hipóteses interpretativas, (a), (b) e (c).
No primeiro caso (a), a sequência – o enunciável – Isso é que era bom corresponde a uma
apreciação retrospectiva, ie, uma apreciação de um estado de coisas passado, de uma “idade de ouro”,
algo irredutivelmente perdido. No segundo caso (b), a sequência – o enunciável – Isso é que era bom
corresponde à manifestação de um desejo relativamente a um estado de coisas ideal (o seu referente),
construído num plano deslocado em relação à situação de enunciação. No terceiro caso (c), a sequência –
o enunciável – Isso é que era bom corresponde à manifestação de uma rejeição / uma recusa / uma
posição irredutível em relação a um estado de coisas. O enunciado assim interpretável apresenta-se como
uma réplica manifestando um estado de coisas julgado abusivo e, portanto, rejeitado, ou julgado
irrealizável.
O referente de isso (aquilo a que reenvia) está associado, de forma estrita, a um scénario, ie, a pelo
menos, três condições de interpretação (conforme aqui propomos – ressalve-se - e de forma naturalmente
não exaustiva). Em (a), a interpretação de isso é possível pela retoma de um estado de coisas julgado
perfeito a que se reenvia retrospectivamente (o seu referente), construído, portanto, por referência a uma
nova coordenada temporal-aspectual, localizador intermédio ou translato, que, no caso deste enunciado,
não está marcado linguisticamente mas que não deixa de ser construído metalinguisticamente e
parafraseável por “naquele tempo” (in illo tempore). A retoma de que isso é marcador linguístico em (b)
(cuja interpretação é possível pela retoma de um estado de coisas ideal, seu referente), como em (c) (cuja
interpretação é possível pela retoma de um estado de coisas inaceitável, o seu referente) explica-se
4
Correspondendo a contextos possíveis (ou possibilidades contextuais), o conceito de scénario é adoptado e, por analogia com
o cinema, aplicado por S. de Vogue (1999, por exemplo) à análise linguística: “L’énoncé fournit le scénario de ce qu’il faudrait
pouvoir filmer pour reconstituer la scène. En tant que partie intégrante de l’interprétation d’un énoncé, le scénario est toujours
à la fois de l’ordre du donné et de l’ordre du construit".
291
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
metalinguisticamente como construção de um plano deslocado em relação à situação de enunciação em
curso.
Quanto ao imperfeito do indicativo da forma verbal (era), é marcador de uma origem translata, de
uma situação de enunciação construída enquanto abstractamente disjunta da situação de enunciação em
curso, mas que preserva as propriedades da mesma. Na origem do valor temporal que caracteriza o
pretérito imperfeito era, está, pois, uma operação de translação. Marcada pela construção de um
localizador (ou sistemas de localizadores) a partir de um outro localizador - o localizador origem (a
situação de enunciação em curso) - a operação de translação consiste na transposição do sistema de
coordenadas enunciativas. Da construção de um localizador translato resulta uma dissociação entre planos
enunciativos, daí que a qualquer um destes enunciados se possa acrescentar uma adversativa.
Mas o facto de tais adversativas associáveis a cada um dos enunciados (a), (b) e (c) serem
necessariamente diferentes é revelador das diferenças semânticas (e também pragmáticas) entre estes
enunciados, considerados na sua globalidade, e, decorrentemente, entre os valores afectos às formas
linguísticas que os integram e respectivas operações metalinguísticas subjacentes. Assim, a adversativa
associável a (a) seria do tipo mas já passou / já não volta / já era! que explicita, precisamente, um valor
de contraposição (Isso é que era bom, mas já passou / mas já não volta / mas já era!). Neste caso, ao
valor semântico de era não está associada uma operação de mira. Veja-se que era não é substituível pelo
condicional seria (quando, em português, muitas das ocorrências do pretérito imperfeito têm o mesmo
valor do condicional). Isso é que seria bom tem outra interpretação, não poderia parafrasear (a).
Em (b) como em (c), o imperfeito do indicativo da forma verbal (era) tem um valor modal (na origem do
qual está, também, uma operação de translação). Quando o pretérito imperfeito apresenta um valor modal,
não coexistente com um valor temporal, a translação do localizador tem origem numa operação de mira
com carácter modal, tendendo, neste caso, em português europeu, a desempenhar a função atribuída ao
condicional. Daí, em (b), era ser substituível por seria, com valor “idealis”, da ordem do desejo, portanto
292
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
(Isso é que seria bom!). Em (c) era também é substituível por seria, com valor “irrealis”, e daí a recusa
ou rejeição construída. Como da construção de um localizador translato resulta uma dissociação entre
planos enunciativos, pode acrescentar-se ao enunciado (b) uma adversativa do tipo mas não foi / é / será
possível, que explicita, precisamente, uma contraposição (Isso é que era bom, mas não foi / mas não é /
mas não será possível). A (c) pode acrescentar-se uma adversativa do tipo mas não podedeônt. acontecer
/não desejo que aconteça, que, por sua vez, explicita uma rejeição (Isso é que era bom, mas não podedeônt.
acontecer / mas não desejo que aconteça).
A expressão é que marca uma operação metalinguística de percurso e estabilização num valor que
se define no contraste com outros. Como construção de um alto grau, em (a), como em (b) e em (c), é que
intensifica (ie, reforça) a contraposição (ie, a deslocação ou transposição) do estado de coisas referido
pela forma isso em relação à situação de enunciação em curso.
Em (a) como em (b), a forma bom marca a orientação positiva da apreciação, ie, a orientação do
valor modal apreciativo como favorável em relação ao sujeito enunciador. Já em (c), a orientação da
apreciação (do valor modal) de que bom é marcador, é desfavorável em relação ao sujeito enunciador.
Estamos, sob o ponto de vista discursivo, perante uma ironia, que, semanticamente corresponde a uma
operação sobre o domínio nocional, mais propriamente uma saída para o exterior do domínio nocional.
Acrescente-se que, em (a) como em (b), se o referente de isso for algo do domínio do utilitário, o
sentido de bom corresponderá, nocionalmente, a algo como correcto, conforme, exacto, válido… Mas se
o referente de isso for algo do domínio alimentar, o sentido de bom corresponderá, nocionalmente, a algo
como saboroso.
Podemos observar enunciáveis vizinhos de isso é que era bom, a que chegamos por manipulação
recorrendo a formas que são aproximações que podem corresponder a aparentes sinónimos locais de bom
(ex: interessante, fantástico…). Mas os enunciáveis isso é que era interessante ou isso é que era
293
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
fantástico apresentam outras restrições em termos interpretativos. Diferentes enunciáveis convocam
sempre diferentes scénarios, desencadeiam diferentes interpretações, uma vez que acarretam novas
restrições (relativamente ao que vimos).
Considerações finais
Poder-se-á dizer que estas observações, em confronto com a forma como sobretudo os trabalhos no
domínio da dicionarística nos revelam que os termos têm um sentido em si mesmos, acarretam, na
sequência do que, em parte, também em Franckel (2006) se propõe, consequências teórico-metodológicas
conducentes a algumas conclusões que permitem estruturar uma abordagem da questão do sentido das
formas linguísticas.
1. As formas linguísticas integram as condições que permitem interpretar um enunciado. Isto é,
desencadeiam as possibilidades contextuais que se encontram estabilizadas, pelo cotexto, no contexto
efectivo.
2. O sentido das formas linguísticas não é um dado, mas constrói-se no e pelo enunciado, ao mesmo
tempo que são as formas linguísticas em coocorrência e as possibilidades contextuais que determinam o
sentido dos enunciados. Por outras palavras, a significação de uma forma linguística não existe por si
mesma; define-se através dos variados modos de relação, por um lado, com o contexto linguístico em que
se inscreve e, por outro, com as suas possibilidades contextuais que convoca.
3. A identidade de uma forma linguística não se define por qualquer sentido base, mas pelo papel
específico que desempenha nas interacções constitutivas do sentido dos enunciados em que ocorre. Isto é,
o sentido das unidades não é apreendido como o sentido da própria unidade mas através da variação do
resultado de tais interacções.
294
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
4. Não haverá, pois, sentido próprio e sentido(s) figurado(s) ou derivado(s). Coloca-se, assim, como
hipótese uma organização multidimensional do sentido, pelo que os conceitos de sentido literal e sentido
figurado são postos em causa. Falar de um “sentido puro” de uma unidade seria e é sempre uma
abstracção.
5. O contexto - não o contexto efectivo, mas as possibilidades contextuais, o “scénario”, como se
sugere em De Vogüe (1999) - não é externo ao enunciado; é parte integrante do mesmo.
6. Da mesma forma, um enunciado é indissociável de uma prosódia e de uma contextualização.
7. Ainda no encalce da invariância, considera-se que a forma de um enunciado determina o(s) seu(s)
contextos potenciais (ou scénario(s)) de modo sistemático e regular; ie, confere-lhe características
invariantes. Há, por um lado, uma regularidade e, por outro, singularidade. Por outras palavras, o
enunciado corresponde a uma dada situação singular; a forma do enunciado – o enunciável – constrói o
scénario que constitui as suas condições de interpretação.
8. Há, assim, uma articulação entre o referente (do domínio do extra-linguístico; aquilo que
preserva a sua autonomia em relação ao enunciado) e os valores referenciais (construídos nos e pelos
enunciados através de operações de referenciação); entre o extra-linguístico e o linguístico.
Referências bibliográficas
CORREIA, C. N. 2002. Estudos de determinação. A operação de quantificação-qualificação em
sintagmas nominais. Lisboa: FCG-FCT.
CORREIA, C. N. 2004. Os Nomes e os Verbos suporte. In T. Freitas & A. Mendes (orgs.) Actas do XIX
Encontro da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa, pp. 195-201.
295
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana
Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
CORREIA, C. N. & M. H. C. CAMPOS. 2004. Construções com dar e fazer SN em Português Europeu.
In Anais III Congresso Internacional da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), (Rio de
Janeiro, Março de 2003), pp. 195-202.
DE VOGÜE, S. 1999. Construction d’une valeur référentielle: entités, qualités, figures. In La référence 2,
Travaux linguistiques du Cerlico, 12. Presses Universitaires de Rennes, pp. 77-106.
DUCROT, O. 1980. Les mots du discours. Paris: Les éditions de minuit.
FRANCKEL, J.-J. 1992. Les mots ont-ils un sens? Le gré des Langues 4, pp. 200-215.
FRANCKEL, J.-J. 2002. Introduction. Langue Française 133, pp. 3-15.
FRANCKEL, J.-J. 2006. Situation, contexte et valeur référentielle. In Pratiques n° 129/130, pp. 51-70.
PEROZ, P. 2005. Le mot clé. Variations sémantiques et régularité des fonctionnements. In Le lexique
entre identité et variation. Langue Française nº 133, pp. 42-53.
296
Download