ECOPEDAGOGIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE INTEGRAL Vera Lúcia de Souza e Silva – [email protected] Universidade Regional de Blumenau, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais – FURB/PPGECIM Blumenau - SC Endereço: Rua Antonio da Veiga, 140 - Victor Konder. 89012-900 Blumenau – Santa Catarina. Resumo: Este trabalho é resultado de uma prática pedagógica de formação inicial de professores, nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, Educação Física, Pedagogia e Química da Universidade Regional de Blumenau-SC. O objetivo desta pesquisa participante foi construir, a partir da ecopedagogia, uma proposta pedagógica para a aprendizagem dos conteúdos relacionados ao tema Saúde Integral nas aulas de Biologia Humana. Nesta abordagem, Saúde Integral é concebida como movimento dinâmico em busca de equilíbrio entre os aspectos do ser: físico, mental, social, ambiental, espiritual e cultural. Nessa abordagem, a Ecopedagogia aparece como uma possibilidade pedagógica para enfrentar os desafios da educação do milênio, com um olhar voltado às questões de sustentabilidade da vida no planeta (GADOTTI, 2011; GUTIERREZ e PRADO,1999; MORAES, 2008; MORIN, 2000; TORRE, 2007). Orientados pelo conceito de ecopedagogia cunhado por Gutiérrez e Prado (1999) para quem a ecopedagogia seria aquela que promove a aprendizagem do “sentido das coisas a partir da vida cotidiana”. Alguns alunos se perceberam como agentes de mudança nos ambientes de aprendizagem onde atuam como educadores. Também ficou evidente a relação entre o que os alunos aprendem em sua formação inicial e o avanço em direção a uma prática pedagógica orientada para a promoção da Saúde Integral nos ambientes escolares. Verificou-se ainda, que essa experiência contribuiu para o quadro de referências didático-pedagógicas dos licenciandos para a promoção de ambientes de aprendizagem que oportunizem a promoção de saúde integral nas escolas. Palavras-chave: Ecopedagogia, Formação inicial de professores, Prática docente, Saúde integral 1 INTRODUÇÃO Este trabalho surge de uma prática pedagógica com o desejo de viabilizar à comunidade formadora de professores um conjunto de subsídios, que poderão se transformar em elementos desafiadores às reflexões/ações para enfrentar a complexa rede de inquietações em que se encontra a educação para a saúde. O desafio gerado pela falta de sintonia entre o que motiva o estudante, a instituição de ensino e o educador em nossas instituições de ensino é muito grande. Assim, o que deveria ser uma atividade gratificante se converte, muitas vezes, em uma carga cheia de tensões e estresse para muitos professores de todos os níveis de ensino. As reformas educacionais não estão respondendo à visão de ser humano integral, nem às teorias da complexidade e da transdisciplinaridade, que estão se apresentando a todos os setores da sociedade (D’AMBROSIO, 2002; GADOTTI, 2011; MORAES, 2008; MORIN, 2000; TORRE, 2007). Existe um divórcio considerável entre o que os educandos vivem e aprendem na vida e os modelos curriculares utilizados nas escolas. Esse divórcio se traduz na falta de interesse e motivação, bem como na permanente tensão entre professores mais preocupados em ministrar conteúdos do que em associar os saberes ao desenvolvimento de habilidades e atitudes para a vida. Além disso, outra situação problema trata-se da fragmentação dos saberes. Os conteúdos curriculares, frutos da excessiva especialização e da concepção tecnológica positivista, acabam por se tornar desarticulados, sem expressão de significados de interdependência, tanto para os educandos, quanto aos educadores. Para Torre (2007) a formação de professores carece de mais acesso ao paradigma ecossistêmico ou no enfoque da complexidade em situações de aprendizagem vivenciais, autoreferenciais, que procuram dar um sentido da integração dos saberes e uma formação que parta das necessidades e expectativas do próprio sujeito. Falta-nos, portanto, explorar em espaços de aprender a sutileza dos sentimentos, de apostar na criatividade, na capacidade que temos de aprender a aprender, de conviver, de socializar, e de cultivar a vida. Estamos muito ocupados em aprender conteúdos conceituais e desprezamos os conteúdos emocionais, vivenciais e integralizadores do ser, que podem promover vida com qualidade e inteireza. Guerra (2001) amplia esta constatação da fragmentação do ser nos processos de aprender e ensinar : Na escola estudamos o que é visível: os rios, o cálculo, as células. E a invisível bondade? Qual disciplina trata da bondade?Em qual disciplina aprendemos a aprender? Em qual disciplina aprendemos a nos relacionar com a família, os amigos, a namorada (ou o namorado)? Em qual disciplina aprendemos a conhecer nosso corpo, respirar, relaxar as tensões, conversar com paciência, falar em público? Aprendemos conteúdos atrás de conteúdos, mas não aprendemos a viver. Justamente porque aprender a viver envolve conhecer o invisível, o imaterial, o sutil. Envolve perceber que cada ação de corpo, fala e mente é capaz de modificar nossa experiência de realidade. (GUERRA, 2001, p.197) Reavaliar processos de aprender e ensinar faz parte dessa proposta de pesquisa, em que o processo educativo se dê progressivamente e reúna todas as dimensões do ser humano e do conhecimento transdisciplinar. Nesta concepção de transdisciplinaridade, D’Ambrosio (2002) nos faz entender que ela repousa sobre uma atitude aberta, de respeito mútuo e humildade em relação a mitos, religiões, sistemas de explicações e conhecimento, rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência. Na sua essência a transdisciplinaridade é transcultural. Confiamos que nos espaços da universidade existam condições de oportunizar processos de aprender numa ótica transdisciplinar complexa com objetivos de ecoformação, visando preparar futuros professores para atuação consciente, transformadora de si e do planeta, com comprometimento social e produtora de uma cultura de paz. Nessa abordagem concebe-se Saúde Integral como um movimento dinâmico em busca de equilíbrio entre os aspectos do ser: físico, mental, social, ambiental, espiritual e cultural. Neste enfoque, a Ecopedagogia aparece como uma possibilidade pedagógica para enfrentar os desafios da educação do milênio, com um olhar voltado às questões de sustentabilidade da vida no planeta (GADOTTI, 2011; GUTIERREZ e PRADO,1999; MORAES, 2008; MORIN, 2000; TORRE, 2007). Na sua dinâmica de manutenção da vida, o planeta Terra precisa da parceria dos seres que o habitam na busca pela saúde integral de todos. Diante desses desafios, a questão principal desse trabalho vê-se imersa na relação entre uma prática pedagógica que possa promover um ambiente de aprendizagem que leve em consideração as necesidades atuais de educação para a sustentabilidade da vida no planeta. Assim surgiu a seguinte questão de pesquisa: Como promover um ambiente de aprendizagem, a partir das contribuições da ecopedagogia, para a prendizagem dos conteúdos relacionados ao tema Saúde Integral em cursos de licenciatura? Construir, a partir da ecopedagogia, uma proposta pedagógica para a aprendizagem dos conteúdos relacionados ao tema Saúde Integral nas aulas de Biologia Humana foi o objetivo desta pesquisa. 2. ECOPEDAGOGIA PARA A SAÚDE INTEGRAL: TEÓRICO/METODOLÓGICOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA PRESSUPOSTOS Para alcançar o objetivo proposto, trilhamos os caminhos em sala de aula orientados pelo conceito de ecopedagogia cunhado por Gutiérrez e Prado (1999). Esses autores nos falam de uma cidadania planetária que vai além da cidadania ambiental, em que a ecopedagogia seria aquela que promove a aprendizagem do “sentido das coisas a partir da vida cotidiana”. Os autores revelam ainda, que a cidadania planetária vai além da cidadania ambiental, pois é um caminho feito ao caminhar, construído e percorrido permanentemente no cotidiano. A ecopedagogia pode ser vista tanto como um movimento pedagógico quanto como uma abordagem curricular (GADOTTI, 2011). Os planos de ensino da disciplina de Biologia Humana prevêem conteúdos e competências que abrangem aspectos relacionais entre a fisiologia humana e a promoção de saúde integral. As aulas foram planejadas e orientadas pelos “Quatro Pilares da Educação para o século XXI”, oportunizando o aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, e aprender a conviver, conforme Delors (1999). Nesta orientação, entendemos as diversas dimensões do processo de aprender, tais como: Aprender a conhecer (aprender os saberes teóricos relacionados aos conteúdos conceituais das áreas do conhecimento), Aprender a Fazer (habilidades desenvolvidas para promover saúde integral), Aprender a Ser (como atitudes a serem colocadas em prática para a saúde integral) e Aprender a Conviver (como promover saúde integral a partir das nossas relações com o grupo). Reconhecemos a necessidade de enraizar a dimensão antropossocial na esfera biológica e a biológica na social, enraizar o vivo na esfera física, compreendendo o ser humano como uma organização viva, uma unidade complexa físicoquímica, auto-organizativa, que emerge de um mundo físicoquímico do qual também é dependente (MORIN, 2000; MATURANA, 1998; MATURANA e VARELA, 2010). Assim, como seres vivos, somos seres multidimensionais, em que as dimensões físicas, biológicas, psicossociais, culturais, espirituais e cósmicas se entrelaçam para que cada ser vivo possa realizar a finalidade de sua existência. Cada indivíduo ao se auto-organizar, reorganiza todo o funcionamento do seu sistema, já que o padrão da vida é reconhecidamente um padrão em rede ( CAPRA, 1996; MATURANA e VARELA, 2010) . Esse padrão funcional em rede pressupõe que toda transformação que aconteça em um sistema vivo, a partir de processos autopoiéticos, envolve o ser humano por inteiro. Esse fato pressupõe a cooperação de todos os elementos envolvidos no sistema e o estado biológico alcançado tem que ser mutuamente satisfatório para todos. Ao reconhecermos a importância da educação incentivar e promover a individuação, o autoconhecimento, a corporeidade; é preciso promover ajustes em nossas práticas pedagógicas e propostas curriculares na direção de ambientes de aprendizagem com processos de aprender que provoquem auto-organização nos seres humanos aprendentes. Isso também implica abertura e flexibilidade em nosso modo de ser e em nossa maneira de fazer e avaliar as nossas ações como educadores. Nessa direção, usamos esses conceitos para auxiliar a compreensão do Triângulo da vida em que há uma interdependência entre indivíduo, sociedade e natureza: esses três elementos se interrelacionam reciprocamente (D’AMBROSIO, 2002). São mutuamente essenciais e complementares, cuja interdependência explica também a necessidade de contextualização, a nossa dependência em relação ao meio ambiente e ao contexto em que vivemos. Assim, as aulas de Biologia Humana, desde 2004 até 2011, nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, Educação Física, Pedagogia e Química estiveram planejadas de forma a explorar estes conceitos, numa prática pedagógica em que os alunos (re)construíssem os conhecimentos a partir de suas relações com o meio, com o outro e com eles mesmos. Além disso, houve o trabalho com vídeos didáticos, tais como: Quem somos nós? (What the bleep do we know?,2004), Escritores da Liberdade(2007) e We are all one (2008, documentário sobre Planeta Terra e as relações dos seres vivos com o meio natural). O filme Escritores da Liberdade aborda o desafio da educação em um contexto social problemático e violento, a partir de fatos reais. Ao perceber os grandes problemas enfrentados por seus estudantes, no filme e na vida real, a professora resolve adotar novas propostas pedagógicas para educar naquele contexto. Isso é objeto de estudo dos alunos em nossas aulas para colaborar com a reflexão sobre os papéis da educação na vida de nossos alunos. No filme “Quem somos nós?”, depoimentos de físicos, filósofos e místicos afirmam que a matéria não é sólida como pensamos: ela é etérea e mutável, e que nossos pensamentos podem alterá-la. E que nós podemos ter controle sobre nosso corpo, as doenças e as emoções, pois podemos escolher a realidade em que queremos viver e assim alterar nossas vidas. Esses vídeos foram assistidos e discutidos com o objetivo de ampliar as noções de educação, aprender e ensinar numa sociedade complexa e a relação com os conceitos de transdisciplinaridade e ecopedagogia. Aproveitando os roteiros dos filmes, a discussão encaminhou-se para o próximo passo nas aulas com a elaboração do “Diário de um Educador: memórias de aluno com olhar de futuro professor”. Nos diários, os alunos contam suas trajetórias como alunos e como futuros educadores, com o objetivo de refletir sobre a influência da prática educativa que vivenciaram como alunos da educação básica até a sua formação inicial como profesores, na universidade. Eles registraram as experiências vividas em sua trajetória escolar, com ênfase nas experiências relativas às áreas de saúde e meio Ambiente. Recomendou-se que recordassem e localizassem eventos e desafios vividos na condição de alunos para que, em um momento posterior, possamos discutir coletivamente o conteúdo de seus registros. Após a escrita de suas memórias, todos os estudantes tiveram acesso aos textos escritos por seus colegas. Assim, procurou-se caracterizar/identificar aspectos gerais das experiencias relatadas, tais como: dimensão temporal dos relatos; as experiências consideradas relevantes (construtiva e negativamente); descrições dos espaços e tempos escolares; aspectos relativos às práticas pedagógicas e às relações sociais do ambiente escolar e caracterização dos profesores. A vivência como aluno representa um traço importante no proceso preparatório para o exercício profissional do magisterio (TARDIFF, 2002). Os alunos fizeram estas reflexões para se perceberem num contexto complexo de formação e avaliar as possibilidades e limitações no proceso de autopoiese do docente que desejam ser. Outra metodología utilizada em sala de aula foi a pesquisa de Estilos de Vida dos acadêmicos. Para isso usamos o questionário “O Pentáculo do bem estar”: base conceitual para avaliação do estilo de indivíduos ou grupos (NAHAS, 2000). O estilo de vida corresponde ao conjunto de ações habituais que refletem a atitudes valores e oportunidades das pessoas. Estas ações têm grande influência na saúde geral e qualidade de vida. Assim, o uso desse instrumento de pesquisa nos oferece uma possibilidade de refletir sobre as escolhas de estilos de vida mais saudáveis ou não no nosso cotidiano. Para ampliar as discussões e reflexões acerca do tema, assistimos em sala de aula ao filme “Super Size me” (2004). No filme, Morgan Spurlock segue uma dieta de 30 dias (fevereiro de 2003) durante os quais sobrevive em sua totalidade com a alimentação e a compra de artigos exclusivamente do McDonald's. O filme documenta os efeitos que tem este estilo de vida na saúde física e psicológica, e explora a influência das indústrias da comida rápida. Foi feito um roteiro de estudos do filme e as relações com os hábitos dos alunos. Além do roteiro, fizemos ainda um seminário de discussões e apresentação das considerações acerca do filme pelos alunos. A partir dessa reflexão iniciamos a construção de referências de alimentação saudável, a Pirâmide Alimentar, criada em Harvard no ano de 2004. A Pirâmide Alimentar foi construída baseada nos hábitos alimentares dos alunos, com o objetivo de despertar para a necessidade de desenvolvimento de hábitos saudáveis. Entre os estilos de vida estudados, abordamos a importância do relaxamento e respiração abdominal, estímulos necessários à diminuição do stress e melhoria na qualidade de vida. A respiração tem uma relação íntima com os nossos estados emocionais, (BROWN,1995; LEHER,1993) e basta pensarmos que, quando estamos aflitos, ansiosos, com medo, a nossa respiração se torna mais rápida e superficial. Assim, podemos dizer que, regra geral, a nossa respiração é afectada pelo nosso estado emocional ou psicológico. A respiração é um processo de expansão e contração que envolve todo o corpo e é, ao mesmo tempo, consciente e inconsciente (LOWEN,1972). Por isso, exercitamos com os alunos, durante a maioria das aulas, práticas de relaxamento, visualização criativa e respiração abdominal para ampliar a concentração e atenção nos conteúdos abordados em classe. A prática da respiração abdominal culmina com saídas da sala de aula, em vivências individuais e de grupo, para contemplação e integração com a natureza. A partir da participação dos alunos em dinâmicas e vivências de cultivo de boas relações com a natureza, buscamos investir em momentos de encontro com o meio natural e de promoção de uma respiração mais consciente e integrada. 3. REFLEXÕES ACERCA DA PRÁTICA ECOPEDAGÓGICA Realizamos uma pesquisa participante nas aulas da disciplina de Biologia Humana (72h/a semestrais), desde 2008 até 2011, nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, Educação Física, Pedagogia e Química, na FURB- Blumenau (SC), envolvendo cerca de 300 alunos. Entendemos por pesquisa uma atividade básica da ciência, que demanda investigações e construções da realidade a partir de uma prática reflexiva. A pesquisa vincula pensamento e ação, o que caracteriza também uma pesquisa participante (ESTEBAN, 2010). A pesquisa participante considera métodos que buscam encontrar meios para resolução de problemas reais no coletivo. Tenta-se eliminar ou reduzir as limitações da pesquisa tradicional. Pode empregar métodos tradicionais na coleta de dados, mas enfatiza posturas qualitativas e hermenêuticas, e a comunicação interpessoal. Foram feitos registros das reações/falas dos alunos, avaliações e depoimentos dos mesmos durante as aulas. Nesta prática pedagógica buscamos a constante relação e interdependência entre os textos e contextos respectivos para a significação dos conteúdos. Existe, portanto, em todas as relações uma interdependência de fatos/aspectos/dimensões complementares que caracterizam a nossa realidade fenomenal. Isso implica um processo educativo aberto, relacional, contextualizador e estimulador de relações intra e inter-específicas entre o ser com ele mesmo, com o outro e com a natureza. Deste modo, podemos inferir que os nossos sentidos, sentimentos e pensamentos não são apenas meios através dos quais percebemos o mundo, mas eles falam conosco a respeito do mundo e com os quais criamos nossa realidade a partir de uma realidade que culturalmente recebemos do mundo. Portanto, todo conhecimento tem uma inscrição corporal, sentimental, racional e intuitiva do conhecer e para que as aulas façam sentido e tenham significados reelaborados pelos alunos, faz sentido estimular os sentidos, a razão, as emoções e as intuições. Não existem, portanto, coisas independentes do nosso processo de aprender. Sendo o mundo em que vivemos produto de nosso processo de vida e de conhecer, existirão tantos mundos quantos forem os observadores, pois cada ser humano realiza ações que refletem na própria unidade auto-organizadora que ele é. Porém, ele não se isola do mundo, ele interage com o ambiente em que está vivendo, especificando-o e sendo especificado por ele. A partir disso, inferimos que a dinâmica da vida está unida à dinâmica do conhecer. Esta concepção de processo de evolução do conhecimento integra observador, objeto e processo de observação, sendo que o processo de observação altera a natureza do objeto e não podemos separar objeto, sujeito e processo de observação (SILVA, 2004). Da neutralidade científica, apregoada pelo mecanicismo, passamos a ser coparticipantes dos fatos observados, pois sabemos que não há neutralidade na observação, visto que o sujeito interfere no objeto, ou seja, nós mudamos o mundo ao olharmos para ele. Podemos considerar que a abordagem transdisciplinar apresentou-se como um passo adiante no entendimento e aplicação de concepções do paradigma ecossistêmico a partir do pressuposto de educação do ser humano integral. A abordagem transdisciplinar está baseada no equilíbrio entre o homem exterior e o homem interior e que construir uma pessoa verdadeira também significa assegurar-lhe as condições de realização máxima de suas potencialidades criadoras, levando em consideração o seu interior (NICOLESCU, 2001). Além dos saberes teóricos relacionados aos conteúdos conceituais da área biológica, os alunos também desenvolveram habilidades, tais como: observação de hábitos saudáveis na escolha dos alimentos, hábitos saudáveis de relaxamento e respiração abdominal, hábitos de autoobservação de estados emocionais e observação da natureza, uso da arte para expressão e integração de sentimentos e vivências em meio natural. A convivência dos grupos em sala de aula também foi anunciada como sendo facilitada pelas aulas em que fazíamos dinâmicas, vivências de integração e sensibilização dos grupos. Algumas vivências foram realizadas ao ar livre, em meio natural. Isso facilitou muito a integração e a sensibilização dos grupos e ampliou a percepção da relação ser humano-meio ambiente. Essas vivências foram fundamentais para a ampliação da consciência ecológica e de relação com o meio natural. Educar e cuidar da inteireza humana a partir da transdisciplinaridade oportunizou aos alunos entrar em contato com os fundamentos da promoção da saúde integral, ao considerar que o ser humano é multidimensional, ao conceber a Escola como espaço privilegiado de promoção da autopoiese e ao direcionar as ações do processo de aprender para a busca contínua das relações do ser com ele mesmo, com o outro e com o meio. Alguns alunos se perceberam como agentes de mudança nos ambientes de aprendizagem onde atuam como educadores. Também ficou evidente a relação entre o que os alunos aprendem em sua formação inicial e o avanço em direção a uma prática pedagógica orientada para a promoção da Saúde Integral nos ambientes escolares. Verificou-se ainda, que essa experiência contribuiu para o quadro de referências didático-pedagógicas dos licenciandos para a promoção de ambientes de aprendizagem que oportunizem a promoção de saúde integral nas escolas. Isso ficou claro ainda devido ao fato de os alunos se perceberem como agentes de transformação dos ambientes de aprendizagem em que atuam como educadores. Esses aspectos foram reforçados pela colaboração da visão da ecopedagogia, que insiste na necessidade de reconhecermos que as formas (vínculos, relações) são também conteúdos. Como essa pedagogia está preocupada com a “promoção da vida”, os conteúdos relacionais, as vivências, as atitudes e os valores, a “prática de pensar a prática” adquire expressiva relevância (FREIRE,1995). E percebemos que a prática de pensar e repensar a própria prática favoreceu a ampliação da tomada de consciência em relação aos cuidados, atitudes e hábitos que possam promover saúde integral dos alunos e das pessoas de suas relações. Dessa forma, percebemos também uma complementaridade entre o que os alunos aprendem e vivem na sua formação inicial e as necessidades de sua prática profissional para o estabelecimento de um ambiente saudável. Além disso, o surgimento de atitudes mais voltadas à promoção de Saúde Integral, numa perspectiva de sustentabilidade das relações do ser humano com ele mesmo, com o outro e com o meio ambiente em que vive. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir desses pressupostos e dos resultados alcançados na prática pedagógica, assim como referenciado por Silva (2004), acreditamos que a abordagem transdisciplinar possa nos ajudar a clarear e fundamentar a ideia de que nossas relações com a vida, com o outro e conosco mesmos dependem da forma como sentimos, refletimos, pensamos e aprendemos, que se revela em nossas atitudes e ações como educadores e educandos. Portanto, nossa maneira de ser e estar no mundo tem relação com nossa auto-organização, com nossos processos de ver, ouvir, sentir, pensar, intuir e aprender com e na vida. Com essa clareza, a partir dos espaços escolares, podemos proporcionar a educação para a saúde integral do ser humano em direção a melhorar seus condicionamentos, ampliar suas habilidades e competências colaborando para um estado mais amplo de consciência em sua existência no planeta. Assim, verificou-se que essa experiência contribuiu como prática pedagógica referencial para a promoção de ambientes de aprendizagem que possam oferecer meios de desenvolver a saúde integral dos alunos em espaços escolares. Muitas são as limitações dessa prática pedagógica. Ambientes educacionais mais expressivos de contato com a natureza, maior integração das disciplinas que formam as matrizes curriculares dos cursos, ampliação da visão de curriculum por parte dos gestores e professores dos cursos, maior transversalidade nas propostas de educação para a saúde e abordagem transdisciplinar mais presente nos cursos são alguns requisitos necessários para um aprimoramento dessa proposta pedagógica. Essa proposta pode oferecer à formação inicial de professores situações de aprendizagem vivenciais, autoreferenciais, que procuram dar um sentido da integração dos saberes e fazeres numa formação que parta das necessidades e expectativas do próprio sujeito e da comunidade em que ele atua e vive. Desta forma, podemos colaborar para o enfrentamento dos desafios que a educação para a saúde integral se encontra imersa atualmente nas escolas. Ao reconhecermos a complexidade das relações de aprender e ensinar, na perspectiva da ecopedagogia, poderemos ampliar nossas ações na direção da abordagem transdisciplinar para promover um melhor entendimento do enredamento da vida no interior e exterior de cada um de nós. E, ao fazer isso, possamos, quem sabe, favorecer um aprimoramento das nossas relações conosco, com outros seres e com o mundo, conspirando a favor de um mundo mais solidário, inteiro e fraterno. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BROWN, L. How to Breathe. Complementary Health Practice Review,1995, vol.1. CAPRA, F. A teia da vida. São Paulo: Cultrix,1996. D’AMBROSIO, U.Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 2002. DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir . Trad. José C. Eufrázio UNESCO, MEC. São Paulo: Cortez Editora, 2ª ed. 1999. ESTEBAN, M. P. S. Pesquisa qualitativa em educação: fundamentos e tradições. Porto Alegre: Artmed, 2010. Freedom Writers. Produção de Jersey Films. 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In this approach, Ecopedagogy appears as an educational opportunity to address the education challenges of the millennium, with an eye toward the issues of sustainability of life on the planet (GADOTTI, 2011, and PRADO GUTIERREZ, 1999; Moraes, 2008; MORIN, 2000; TOWER, 2007). Guided by the concept of eco-pedagogy coined by Gutierrez and Prado (1999) for whom eco-pedagogy would be one that promotes the learning of the "sense of things from everyday life." Some students perceived themselves as agents of change in learning environments where they act as educators. It was also evident the relationship between what students learn in their initial training and advancement toward a pedagogical practice oriented to the promotion of Integral Health in school environments. It was also found that this experience contributed to the frame of reference didactic teaching of undergraduates to promote learning environments that permit the promotion of integral health in schools. Keywords: Ecopedagogy, Initial teacher training, Teaching practice, Integral Health