19 International Journal of Cardiovascular Sciences. 2016;29(1):19-23 ARTIGO ORIGINAL Sensibilidade e Especificidade da Albumina Modificada pela Isquemia em Ratos Wistar Sensitivity and Specificity of Ischemia Modified Albumin in Wistar Rats Jordana Colombo1, Elvis Wisniewski2, Michelle Faggion2, Simone Hubner da Silva2, Luiz Carlos Chicota2, Miriam Salete Wilk Wisniewski2, Silvane Souza Roman2, Patrícia Severo do Nascimento3 1Universidade Municipal de São Caetano do Sul – Departamento de Fisioterapia – São Caetano do Sul, SP – Brasil 2Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Departamento de Ciências da Saúde – Erechim, RS – Brasil 3Universidade Federal de Santa Maria – Programa de Pós-graduação em Farmacologia – Santa Maria, RS – Brasil Resumo Fundamentos: O infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma situação clínica determinada por processo isquêmico agudo, que resulta em necrose miocárdica. Os marcadores cardíacos em caso de isquemia reversível, atualmente, apresentam sensibilidade limitada. Objetivo: Verificar a sensibilidade da albumina modificada isquêmica (AMI), como marcador cardíaco. Métodos: Estudo experimental, realizado no Laboratório de Experimentação Animal da Universidade Regional Integrada (URI), Erechim, RS, no período de 2011 a 2013. Após a indução isquêmica do miocárdio em ratos da linhagem Wistar-Tecpar, com idade aproximada entre 60-90 dias, através da administração de isoproterenol hidrocloridrato, o conteúdo da AMI foi avaliado em diferentes tempos. Resultados: Os valores da AMI mantiveram-se diminuídos durante as três horas iniciais, após a indução isquêmica pelo isoproterenol hidrocloridrato. Conclusão: Neste estudo, a albumina modificada pela isquemia foi considerada um marcador sensível, principalmente nas três horas iniciais da isquemia. Palavras-chave: Albuminas; Isquemia miocárdica; Infarto do miocárdio Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org) Background: Acute myocardial infarction (AMI) is a condition determined by an acute ischemic process resulting in myocardial necrosis. Cardiac markers in reversible ischemia currently have limited sensitivity. Objective: To check the sensitivity of ischemia modified albumin (IMA) as a cardiac marker. Methods: Experimental study held at the Animal Experimentation Laboratory of Universidade Regional Integrada (URI), Erechim, RS, from 2011 to 2013. After myocardial ischemic induction in Wistar-Tecpar rats aged about 60-90 days through administration of isoproterenol hydrochloride, the IMA content was evaluated at different times. Results: The IMA values remained reduced during the three first hours after ischemic induction by isoproterenol hydrochloride. Conclusion: In this study, ischemia modified albumin was considered a sensitive marker, particularly in the first three hours of ischemia. Keywords: Albumins; Myocardial ischemia; Myocardial infarction Correspondência: Jordana Colombo Rua Capeberibe, 761 – Barcelona – 0551210 – São Caetano do Sul, SP – Brasil E-mail: [email protected] DOI: 10.5935/2359-4802.20160009 Artigo recebido em 02/02/2016, aceito em 01/03/2016, revisado em 04/03/2016. 20 Colombo et al. Albumina Modificada na Isquemia Cardíaca Introdução As doenças cardiovasculares são responsáveis por aproximadamente 32% dos óbitos da população em geral, sendo a primeira causa de mortalidade no Brasil¹. O infarto agudo do miocárdio (IAM) é a consequência mais comum da maioria das cardiopatias e representa grave problema epidêmico, devido a sua progressão². IAM é definido como um foco de necrose, resultante de baixa perfusão tecidual, com sinais e sintomas consequentes de morte celular cardíaca³. A presença de áreas necróticas decorre da redução acentuada da oferta de oxigênio ou pelo aumento da demanda, ou ainda, pela soma dos dois mecanismos4-6. O infarto agudo do miocárdio é confirmado quando há evidência de necrose • AMI – albumina modificada miocárdica, em um contexto pela isquemia clínico de isquemia, com •ECG – eletrocardiograma elevação de marcadores de necrose miocárdica, acima do •IAM – infarto agudo do miocárdio percentil 99 do limite máximo de referência, somado a •Trop-US – troponinas de alta sensibilidade sintomas sugestivos de isquemia miocárdica, desenvolvimento de novas ondas Q no eletrocardiograma (ECG), novas alterações significativas no segmento ST, na onda T, ou bloqueio de ramos esquerdo (BRE) novo, evidência de perda de miocárdio viável ou de nova alteração segmentar de contratilidade ventricular ou identificação de trombo intracoronariano por angiografia ou necropsia7. ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(1):19-23 Artigo Original determinadas situações clínicas ou experimentais10. A liberação inicial da troponina cardíaca, existente no citosol celular, seguida de dispersão mais lenta dos miofilamentos cardíacos em degradação, são os dois mecanismos responsáveis por esse perfil cinético de longa duração11. Dentre os modelos que possibilitam pesquisas no infarto, destaca-se o modelo de IAM induzido por isoproterenol hidrocloridrato em ratos, o qual acarreta alterações em parâmetros hematológicos, bioquímicos, de marcadores de estresse oxidativo e histopatológicos. Além desses indícios, dados da literatura demonstram que o isoproterenol hidrocloridrato ocasiona aumento significativo nas concentrações séricas de marcadores de lesão miocárdica, como TGO, TGP, CPK, CKMB, LDH e troponina12. Assim, o presente estudo teve por objetivo verificar a sensibilidade do marcador cardíaco albumina modificada em ratos Wistar, após a indução do infarto experimental do miocárdio por isoproterenol hidrocloridrato, e analisar suas alterações histológicas. Métodos Estudo experimental, desenvolvido nas dependências do Laboratório de Experimentação Animal da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) - Erechim, RS, Brasil, no período entre 2011 e 2013. Para o estudo, foram utilizados ratos da linhagem Wistar-Tecpar, com 60 dias de idade e peso aproximado de 300-450 gramas. As referidas unidades foram fornecidas pelo Biotério Central da própria Universidade. A AMI foi relatada como marcador capaz de refletir a condição isquêmica do miocárdio. A porção aminoterminal da albumina plasmática, normalmente, tem afinidade com metais pesados iônicos, como o cobalto e o cobre, sendo a porção N-terminal modificada durante a exposição à condição isquêmica em razão da produção de radicais livres e de espécies reativas ao oxigênio, resultando na geração de AMI com baixa afinidade aos metais pesados8. O estudo foi aprovado pelo Comitê no Uso de Animais da URI/Erechim sob o protocolo no 030/PIA/11. Os procedimentos relativos ao presente estudo seguiram estritamente as normas estabelecidas pelo Guide for the Care and Use of Laboratory Animals13, bem como foram respeitados os Princípios Éticos na Experimentação Animal do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA). Por outro lado, as troponinas são altamente utilizadas como marcadores de injúria miocárdica, pois apresentam um complexo que regula a interação actina-miosina nos músculos estriados esquelético e cardíaco e tem, portanto, papel na vinculação eletromecânica dessa musculatura, não sendo encontrada na musculatura lisa9. Sua dosagem permite a diferenciação da origem esquelética ou miocárdica das lesões musculares, bem como a detecção de lesão miocárdica mínima que se observa em Os animais foram mantidos em gaiolas, cada qual com quatro animais, sob condições de temperatura ambiente (22±4ºC), com foto período de 12 horas/claro e 12 horas/ escuro, alimentados com ração balanceada padrão para roedores e água ad libitum. Os animais foram distribuídos randomicamente em três grupos, com 8 animais em cada: C (controle); ISO 30’ (aplicação do isoproterenol hidrocloridrato em 30 minutos); e ISO 6 h (aplicação do isoproterenol hidrocloridrato em 6 horas). Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(1):19-23 Artigo Original A indução do infarto agudo do miocárdio foi realizada nos grupos ISO 30’ e ISO 6 h, através da administração subcutânea de isoproterenol hidrocloridrato, numa dose de 40 mg/kg/peso vivo, diluída em 2 ml de solução salina, baseada no trabalho de Lobo Filho et al.12 O grupocontrole recebeu somente o veículo (solução salina), via subcutânea em volume de 2 ml. Transcorrido o tempo necessário da aplicação do isoproterenol hidrocloridrato, ou seja, 30 minutos e 6 horas, respectivamente, os animais foram anestesiados com Zoletil® 50, na dosagem de 0,20 mL/kg/IM para a coleta sanguínea através da punção da artéria aorta abdominal para análise da AMI, e ainda coletado o ápice cardíaco para análise histológica. Colombo et al. Albumina Modificada na Isquemia Cardíaca hidrocloridrato apresentou diminuição estatisticamente significativa do seu conteúdo (625,0±49,15 u/L; p<0,01) em relação ao grupo-controle (747,125±29,97 u/L). O conteúdo da AMI no grupo ISO 6 h, não apresentou diferença estatisticamente significativa quando comparado ao grupo-controle, com média 726,16±48,60 u/L (Figura 1). Os valores de referência da AMI foram os do grupocontrole. Como marcador padrão foi utilizada a troponina I, a partir das amostras de soro coletadas como descrito previamente14. As regiões apicais dos corações foram fixadas em formol tamponado a 5%, por um período de 24 horas. Para realizar o processo histológico, foram utilizados os ápices, os quais permaneceram por 1 hora em álcool 70%; 1 hora em álcool 80%; 1 hora em álcool 90%; 12 horas em álcool 100%; 30 minutos em álcool xilol; 30 minutos em xilol l; 30 minutos em xilol ll; 30 minutos em xilol parafina; 1 hora em parafina l; 1 hora em parafina ll; e após foram emblocados em parafina. Cortes medindo quatro micrômetros foram corados com hematoxilina-eosina (HE) e depois fotografados. As imagens histológicas foram capturadas através do uso do software Image Pro Plus 6.0 (Media Cybernetics, EUA). Na análise histológica foram contados os neutrófilos polimorfonucleares em uma determinada área de interesse aleatória. Os dados da albumina modificada foram analisados estatisticamente através do teste ANOVA, seguido do teste de Tukey, do software GraphPad Prism 5 DEMO, tendo como referência os valores encontrados no grupocontrole, ou seja, número 0. Os dados histológicos foram analisados por ANOVA de uma via e teste post-hoc de Bonferroni, usando software PASW Statistics 18 (IBM, EUA). Os dados foram considerados significativos quando p<0,05. Resultados O conteúdo da AMI no grupo ISO 30’, ou seja, após 30 minutos da indução isquêmica pelo isoproterenol Figura 1 Albumina modificada isquêmica (AMI) em diferentes tempos de indução isquêmica. Valores da AMI significativos quando p<0,05*. Sendo: * vs Controle e ISO 6 h. Teste de variância ANOVA de uma via seguido do teste de post hoc de Tukey. Os valores da troponina I (biomarcador padrão-ouro) apresentados pelo grupo ISO 6 h foram estatisticamente significativos (p<0,01), tendo média de 4,22±1,35 ug/L quando comparados ao grupo-controle de 0,01 ug/L. Os valores para troponina I apresentados pelo grupo ISO 30’ não apresentaram diferença estatisticamente significativa (p<0,01) quando comparados ao grupocontrole: 0,79±0,15 ug/L (Figura 2). Para englobar e destruir diferentes tipos de patógenos, ou seja, para se proteger de diferentes agentes invasores, o organismo apresenta como primeira linha de defesa os leucócitos polimorfonucleares (LPMNS), em especial os neutrófilos. Essas células, devido às suas funções altamente especializadas, são conhecidas como fagócitos profissionais15. Nesse sentido, foi realizada a análise da ocorrência dos leucócitos polimorfonucleares (Figura 3). 21 22 Colombo et al. Albumina Modificada na Isquemia Cardíaca Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(1):19-23 Artigo Original preocupação e a necessidade de um diagnóstico preciso e uma conduta rápida, a fim de prevenir e minimizar o tempo de lesão cardíaca1. O prognóstico de pacientes com IAM dependerá de vários fatores, dentre eles o tempo em que o paciente leva para chegar ao serviço médico, o tempo para se obter o diagnóstico e a magnitude do comprometimento do músculo cardíaco16. Para a confirmação diagnóstica do IAM e a estratificação dos riscos, é imprescindível a realização de determinados exames, como a execução do ECG e a dosagem dos marcadores séricos de lesão miocárdica¹. Figura 2 Troponina I em diferentes tempos de indução isquêmica. Valores da troponina I significativos quando p<0,05*. Sendo: * vs Controle e vs ISO 30’. Teste de variância ANOVA de uma via seguido do teste de post hoc de Tukey. Em pacientes que apresentam quadro sugestivo de IAM, os marcadores bioquímicos são úteis para confirmar o diagnóstico. Além disso, eles fornecem importantes informações prognósticas, visto que existe uma direta associação entre a elevação dos marcadores séricos e o risco de eventos cardíacos a curto e médio prazo. Os resultados dos marcadores de necrose devem estar disponíveis em 60 minutos a partir da coleta. Caso o laboratório central não consiga essa meta, as tecnologias point of care devem ser consideradas7. A maior limitação das troponinas convencionais é sua baixa sensibilidade quando o paciente tem um tempo de início do quadro inferior a 6 horas. Considerando esse fator, estão sendo introduzidas troponinas de alta sensibilidade (Trop-US), sendo possível a detecção de níveis mais baixos de troponina e em menor tempo, após início do quadro isquêmico. As Trop-US têm poder de detecção de 10 a 100 vezes maior que as troponinas convencionais, entretanto ainda é incerto o impacto das Trop-US na detecção de IAM, e ainda existem divergências acerca do valor de corte na estratificação de risco7. Figura 3 Células polimorfonucleares do tecido cardíaco em diferentes tempos de indução isquêmica por isoproterenol. Número de leucócitos polimorfonucleares. p<0,05. * vs Controle e ISO 30’ # vs Controle. Teste de variância ANOVA de uma via seguido do teste de post hoc de Tukey Discussão Os dados epidemiológicos relacionados ao IAM indicam que cerca de 45-60% das mortes ocorrem nas primeiras horas de manifestação da doença e aproximadamente 80% nas primeiras 24 horas. São números que geram Após o infarto agudo do miocárdio ocorrem alterações da arquitetura ventricular, envolvendo tanto a região infartada quanto a não infartada. Essas alterações morfológicas são consequências de alterações genéticas, celulares e moleculares cardíacas, detectadas clinicamente por alterações na composição, na massa, no volume e na geometria ventricular17. Esses dados podem ser confirmados neste estudo, pois o número de células polimorfonucleares teve aumento gradativo conforme o tempo, após a indução do infarto do miocárdio por isoproterenol hidrocloridrato, ou seja, quanto maior o tempo de isquemia, maior o número de células polimofonucleares e desestruturação celular. Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(1):19-23 Artigo Original Estudos prévios, envolvendo pacientes em atendimento hospitalar com dor no peito em tempo menor que três horas, observaram sensibilidade de 82% referente à AMI, 45% para o eletrocardiograma e 20% para as troponinas, demostrando que a AMI tem maior sensibilidade em menor tempo de isquemia do que as troponinas, que hoje são utilizadas como padrão-ouro no diagnóstico de IAM18, corroborando com os achados do presente estudo. Sugerem-se estudos adicionais, uma vez que este apresenta como limitação a ausência de comparação com outros marcadores bioquímicos e métodos de quantificação da área cardíaca lesada. Colombo et al. Albumina Modificada na Isquemia Cardíaca Conclusão Neste estudo a AMI apresentou alta sensibilidade como marcador cardíaco no início do evento isquêmico. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo foi parcialmente financiado pelo Programa de Incentivo à Iniciação Científica PIIC/URI – Erechim, RS. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Referências 1. Missaglia MT, Neris ES, Silva MLT. Uso de protocolo de dor torácica em pronto atendimento de hospital referência em cardiologia. Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):374-81. 2. Barros e Silva PGM, Ribeiro DJ, Fernandes VA, Rinaldi DMS, Ramos DL, Okada MY, et al. Impacto inicial de uma clínica de insuficiência cardíaca em hospital cardiológico privado. Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):90-6. 3. Zornoff LAM, Paiva SAR, Minicucci MF, Spadaro J. Infarto do miocárdio experimental em ratos: análise do modelo experimental. Arq Bras Cardiol. 2009;93(4):434-40. 4. Porto CC. Doenças do coração: prevenção e tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1998. 5. Karthika P, Rajadurai M, Ganapathy P, Kanchana G. 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