relatos de pesquisa EUTANÁSIA: percepção de graduandos em enfermagem Edinete Bezerra Ferreira* Milena Nunes Alves de Sousa** RESUMO Introdução: apesar de vir acontecendo desde os primórdios da humanidade, a eutanásia continua sendo, na atualidade, um assunto polêmico e doloroso para a família, para a sociedade, e para os profissionais de saúde, já que é uma prática que busca pôr fim à vida do ser humano em situação de terminalidade e sofrimento extremo. Objetivo: identificar a percepção de concluintes de enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior do sertão da Paraíba acerca da eutanásia. Metodologia: trata-se de um estudo do tipo exploratório, de abordagem qualitativa, cuja amostra foi composta por vinte e oito estudantes concluintes do Curso de Enfermagem, com idade entre vinte e um e trinta e oito anos, os quais responderam a um questionário com questões semiestruturadas, sendo utilizada a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin para análise e discussão dos achados. Resultados: verificaram-se as diversas concepções dos participantes sobre a eutanásia, bem como, os diferentes posicionamentos que surgiram por meio dos conhecimentos adquiridos ao longo da formação acadêmica. Conclusão: considerando-se que a eutanásia permanece sendo um tema bastante polêmico, evidenciou-se que necessita de maiores discussões durante a graduação, principalmente, porque se trata de paciente em estado terminal. Palavras-chave: Eutanásia. Percepção. Enfermagem. *Enfermeira graduada pela Faculdade Santa Maria, Cajazeiras, Paraíba, Brasil. E-mail: [email protected] **Turismóloga, Administradora e Enfermeira. Docente FIP e FSM. Especialista em Gestão e Análise Ambiental e em Saúde da Família. Mestre em Ciências da Saúde. Doutoranda pelo Programa Strictu Sensu em Promoção de Saúde pela UNIFRAN-SP. E-mail: [email protected] 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho aborda um não somente as ciências jurídicas, mas tema complexo, arraigado de problemas diversas áreas do conhecimento no seu de ordem moral, religiosa e social, qual âmbito geral. seja a eutanásia. Esta é uma temática complexa, abrangente, que contempla A prática da eutanásia vem acontecendo desde os primórdios da C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 201 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa humanidade até a atualidade, porém, de homicídio privilegiado, ou seja, aquele ainda se trata de um assunto polêmico cometido por motivo de relevante valor para os envolvidos, seja para o paciente, moral, a família, a sociedade, bem como para os decorrência de interesse particular e, por profissionais de saúde, afinal, trata-se de isso, é causa de atenuação da pena inicial morte, independentemente da forma como prevista para o crime. No direito brasileiro, esta acontecerá. a eutanásia caracteriza homicídio, pois é A eutanásia, portanto, é uma quer dizer, cometido em conduta típica, ilícita e culpável, mesmo prática que busca pôr fim à vida de que pessoas consentimento ou até implorado pela enfermas, em situação de terminalidade e sofrimento extremo no que diz respeito à saúde e, o paciente tenha dado seu medida. Como afirmam Costa, Oselka e consequentemente, à vida, uma vez que Garrafa estes estão interligados. tratamento e a eliminação da dor, e (1998), a ética acolhe o A vida é o bem mais precioso de recusa a morte direta e proporcional do toda a sociedade. Sem ela, valores portador da dor. Quando se condena a morais, éticos, religiosos e tudo o que se eutanásia, não é o controle da dor, nem a conhece não existiria, pois o próprio ser defesa da dignidade da pessoa humana humano estaria extinto. A temática a doente que se condena, mas sim, quando respeito da vida é vasta e traz em si uma matam a pessoa a fim de matar sua dor. dinâmica sempre revestida de muita Para um comportamento se caracterizar complexidade Alguns como eutanásia é importante que a significados quanto à prática que se põe motivação e a intenção visem a beneficiar fim a vida foram tomados durante o o doente. Apressar o óbito do doente, passar do tempo até os dias atuais. A motivado por compaixão e com a intenção vida, portanto, não é uma liberdade, mas de reduzir seu sofrimento como o alívio da um direito para quem a deseja e uma dor e a criação de estruturas de apoio que obrigação para quem não a quer. melhorem o bem-estar do doente, seria e seriedade. Conforme o entendimento de Nalini (2009) a eutanásia vem sendo entendida, eutanásia, e não estaríamos diante de uma postura eticamente louvável. nos tribunais brasileiros, como hipótese 202 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem Embora não seja um assunto novo, lidam, no dia a dia, no âmbito de suas haja vista sua execução que já vem práticas assistenciais, quando formados, e ocorrendo da no quadro ampliado das disciplinas que humanidade, a temática é mais do que cursam ao longo de suas trajetórias no atual, recebendo e merecendo a atenção ensino de estas balizam suas formas de conhecer e pesquisadoras, acadêmicos ou indivíduos perceber o ser humano em seu momento comuns. E se forem consideradas as de adoecimento e limitações, além das inovações tecnológicas e as descobertas situações limítrofes em que questões na área da medicina, o debate e as éticas estão em jogo e requerem dos discussões sobre a vida e a morte não mesmos cessarão jamais (TEIXEIRA, 2005). humano, simultaneamente. muitas desde os primórdios pessoas, sejam Percebe-se assim, a complexidade e controvérsia em torno do A superior, um como aquelas posicionamento partir destas que ético e considerações, tema, surgiu a seguinte questão de pesquisa: constituído de diferentes visões sobre o qual a percepção de concluintes de como, o quando, o porquê e em quem enfermagem de uma Instituição de Ensino deve ou pode ser praticada. Representa Superior do sertão da Paraíba acerca da um desafio acadêmico compreendê-lo e eutanásia? uma necessidade pesquisá-lo enquanto Parte-se do pressuposto de que a fenômeno para os estudos nas áreas da eutanásia é um assunto que não figura saúde, religiosa, ética e jurídica, seja como central nas discussões acerca da como um enfoque mais teórico ou mais formação em enfermagem, cuja visão prático, tanto na questão conceitual, ainda está muito vinculada às práticas quanto de sua aceitação e entendimento. curativas No caso específico do que se que estabelecimentos ocorrem nos de saúde. Logo, a pretende com este estudo, busca-se focar percepção acerca do humano, como tal é o tema no âmbito de estudantes de secundarizada, enfermagem, cuja formação requer esta formação são colocadas em torno do compreensão e uma noção ampliada dos fazer e não pensar/fazer. É sobre esse valores que envolvem a doença e a vida. fazer que mais residem os interesses da São estes elementos centrais os quais maioria dos estudantes, como o resultado pois as ênfases C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 de 203 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa de uma formação e práticas ainda muito propiciar centradas no adoecimento por si. possibilitando, qualidade às discussões posteriormente, e uma Conforme Biondo, Silva e Secco assistência mais humanizada, afinal, é (2009, p. 614) “é indiscutível a importância basilar desenvolver um senso crítico e de reflexivo o enfermeiro conhecimento dos ter o conceitos devido de [...] eutanásia”. Portanto, o estudo reveste-se sobre a eutanásia e suas implicações na futura prática profissional enquanto enfermeiros. de relevância, haja vista, compreender os Assim sendo, objetivou-se posicionamentos de futuros profissionais identificar a percepção de concluintes de frente à eutanásia, avaliando como está enfermagem de uma Instituição de Ensino sendo Superior do Sertão da Paraíba acerca da arquitetado o processo de formação, se humanístico ou não. No Eutanásia. mais, a partir dos dados, será possível repensar conexos como temas como discutidos, a servindo polêmicos bioética de têm alerta e 2 PERCURSO METODOLÓGICO sido para Tratou-se de um estudo mudanças na forma de conceber o exploratório, de abordagem qualitativa. O conhecimento sobre a temática outrora espaço e os sujeitos participantes desta mencionada; afinal, os profissionais da investigação foram selecionados devido à saúde devem ser favoráveis à vida, jamais importância do contexto de trabalho que à morte. os Figueiredo, Machado e Porto envolverá. Assim sendo, foi desenvolvido na Faculdade Santa Maria (1995) e Santos (1996) enfatizam que a (FSM), enfermagem, na prática, não sabe lidar Cajazeiras – PB, pois a referida Instituição com o de Ensino Superior (IES) oferece cursos compromisso profissional tem como ideal na área de saúde e, especialmente, no a preservação da vida. Deste modo, os campo da Enfermagem. dados situação de podem já que no município de realçar a A população alvo do estudo foi seriedade e importância em se dar maior composta por 50 concluintes do curso de atenção por parte das instituições de enfermagem graduação para esta temática, visando a integrado o estudo 28 concluintes que 204 encontrados morte, localizada da referida IES, tendo C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem aceitaram participar da pesquisa, relativos às condições assinando o Termo de Consentimento produção/recepção, Livre e Esclarecido (TCLE), ou seja, 56% das mensagens (BARDIN, 2004). do universo, já que os demais recusaramse a participar, não assinando o TCLE. um questionário inferidas Uma das características que define a análise de conteúdo é a busca de Deste modo, o estudo teve como instrumento variáveis de validado entendimento da comunicação entre as pessoas, apoiando-se no conhecimento e mediante teste piloto. E a coleta de dados reconhecimento foi realiza posteriormente após aprovação mensagens. Esta análise não aborda pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da apenas “o que se diz”, mas “o que se quis FSM, dizer” com tal manifestação. CAAE Ressalta-se 03959912.4.0000.5180. que os dados do conteúdo das foram coletados nos meses de abril e maio de 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 2012, sendo o questionário aplicado individualmente, em dia, local e horário conveniente para o participante. A pesquisa contemplou duas Na etapas, a primeira, relacionada ao perfil ocasião, os sujeitos foram informados sóciodemográfico dos participantes e, a sobre a pesquisa, seu propósito e seus segunda, objetivos, sendo deles a decisão pela relacionados com o objeto de estudo. participação livre, sem qualquer ônus ou Entre risco. enfermagem os quais aceitaram participar os correspondeu 28 alunos aos dados concluintes de Os dados foram analisados de da pesquisa, foi possível visualizar que os forma qualitativa e foram submetidos à participantes caracterizam-se da seguinte técnica de análise de conteúdo como maneira. forma de organização dos dados, a qual é Tabela 1 – Perfil social e demográfico dos concluintes do curso de enfermagem FAIXA ETÁRIA f % 21-30 anos 24 85,7 31-38 anos 04 14,3 SEXO f % Feminino 23 82,1 Masculino 05 17,9 RELIGIÃO f % Católica 24 85,7 Protestante 01 3,6 Espírita 01 3,6 um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visa a procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obtendo indicadores quantitativos ou não, que permitam a influência de conhecimentos C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 205 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa Nenhuma 02 TOTAL 28 Fonte: Dados da Pesquisa (2013) que podem gerar uma importante riqueza 7,1 100 nos depoimentos, visto que as opiniões com relação ao assunto proposto, neste Nota-se, a partir da tabela, que a trabalho, são construídas a partir de maioria dos estudantes possuíam idade diversos elementos da vida particular de entre 21-38 anos. Contudo, a faixa etária cada um, enquanto ser humano e futuros predominante profissionais de saúde. foi correspondendo de a 21-30 85,7% anos, (n=24), Contudo, no decorrer de suas indicando que em breve pode haver uma vidas, quantidade bem elevada de enfermeiros passar por momentos traumáticos, em adultos jovens. que eles irão ter que tentar se colocar no No que predomínio se para o refere ao feminino sexo, (82,1%; n=23). Como se pode observar, existe uma grande diferença entre enquanto enfermeiros poderão lugar do paciente e da sua família, para poder decidir a melhor forma de cuidar. Após a elucidação dos dados os iniciais, buscou-se enfatizar as questões participantes, mostrando que, ainda hoje, que contemplaram a temática Eutanásia. a enfermagem continua um processo de Este momento foi iniciado a partir do trabalho exercido por mulheres, como questionamento: o que você, concluinte vem sendo ao longo da história da do curso de enfermagem, entende por profissão. eutanásia? A partir desta, diferentes No que diz respeito a religião, os participantes da pesquisa declaram-se católicos (85,7%; n=24), protestante e espírita (3,6%; n=1, cada) e 7,1% (n=2) alegaram não possuir nenhuma religião em especial. Como se pode observar há uma significativa diferenciação entre a idade e o sexo dos mesmos, além de se declararem de distintas religiões. Tais diferenças são de grande valia, uma vez 206 concepções foram apresentadas. Tabela 2 - Definição sobre a eutanásia CATEGORIAS f Visa a abreviar a vida de um 11 paciente em estágio terminal 06 É o ato de apressar a morte 06 de um doente incurável 03 Morte programada, assistida e 02 controlada Cessação da vida, com o consentimento do paciente ou da família Poder de decidir a vida, por meio das mãos do próprio homem TOTAL 28 Fonte: Dados da Pesquisa (2013) % 39,2 21,5 21,5 10,7 7,1 100 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem possibilidades terapêuticas de recuperação”. (A 4) “... consiste em abreviar a vida de um paciente em estagio terminal, acabando de uma vez por todas com o seu sofrimento”. (A 20) “... é uma maneira de finalizar o sofrimento de um paciente em estágio terminal abreviando os seus últimos dias de vida”. (A 21) Alguns compreendem, parcialmente, o conceito de eutanásia, uma vez que foi elaborado de forma incompleta; outros realmente entendem o significado, definindo-a de acordo com a literatura. Assim sendo, notou-se que a maioria dos depoimentos evidenciaram as percepções Como se pode observar, a maioria dos mesmos conexas com a definição de eutanásia apresentada por Horta (1999), quando afirma, ser esta uma conduta para produzir a morte em paciente incurável e em estágio terminal, antecipando-lhe a morte, antes que ela venha de forma natural, com a intenção de eliminar a dor. De forma geral, todos os alunos participantes veem a eutanásia como sendo uma conduta que seria utilizada para minimizar o sofrimento de um paciente em estágio terminal, a partir da dos participantes vê a eutanásia como uma medida utilizada para abreviar a vida de uma determinada pessoa que se encontra em Visa a abreviar a vida de um paciente em estágio terminal Nesta categoria foram incluídas as que os ou terminal, alegando ser uma forma de aliviar o sofrimento físico deste paciente. Diante destas respostas, percebeu-se que, mesmo sendo um tema pouco ou quase não discutido durante a academia, de certa forma, há uma compreensão precisa por parte destes futuros preparados para lidar unicamente com a vida, que é um bem inviolável. Silva em vegetativo profissionais de enfermagem que foram antecipação de sua morte. respostas estágio participantes relataram que, a eutanásia visa a abreviar a vida de um paciente em estágio terminal, como expresso nas seguintes (1982) concorda com a opinião dos alunos participantes, quando afirma que, a eutanásia é uma medida que visa a abreviar a vida de quem está, irremediavelmente, condenado por uma doença que lhe causa um sofrimento insuportável; entretanto, o consentimento falas: “Eutanásia visa abreviar a vida de um determinado indivíduo em estágio terminal e que não possui do enfermo é essencial. Deve ser necessário que fique claro não bastar C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 207 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa que, a doença seja incurável e dolorosa e As respostas inseridas, nesta que tão pouco o sentimento de piedade categoria, foram aquelas em que os de do participantes ressaltaram que a eutanásia sofrimento alheio esteja presente. Faz-se é o ato de apressar a morte de doente importante que o doente consinta, e peça, incurável, como nas seguintes falas: quem pratica o ato diante querendo morrer, para que se tenha a “Acredito que eutanásia, seja o ato de apressar a morte de um doente incurável que está em um leito de hospital, para que esse não sinta mais a dor”. (A 5) “[...] .é a antecipação da sua morte, ou seja, é o ato de tirar a vida de um enfermo incurável, acabando com a sua dor física.” (A 10) “Sem dúvida, a eutanásia é uma forma de apressar a morte de um doente incurável, para que ele não sinta mais dores”. (A 12) eutanásia. Sabe-se que o paciente mesmo diante de um sofrimento insuportável por causa da doença, se ele for tratado com compreensão afetiva e respeito, no domicílio ou em ambiente hospitalar, é conduzido a uma morte digna, sem que seja preciso ofertar-lhe a eutanásia. Assim sendo, deve-se refletir para o fato de que Apesar das considerações a vida humana não é apenas um conjunto apresentadas a respeito do que venha ser de elementos materiais. Ela é o bem a eutanásia, sabe-se que é um crime maior que alguém pode possuir; logo, contra a vida humana. Mesmo que o todos têm o mesmo direito à vida. doente esteja, irremediavelmente, Continuar ou não a viver, deve ser condenado à morte próxima e em um consequência do direito e da liberdade prolongado sofrimento, a eutanásia é que sempre, o homem possui, já que, em qualquer hipótese um apesar dos subjetivamente, ele tem o poder de decidir homicídio. as situações que o cercam da melhor rigores da lei, ainda é vista, na prática, maneira que lhe convier, pois a liberdade como um homicídio piedoso ou morte por individual é algo sagrado, desde que ela compaixão seja usada de maneira a não ser a de ferir condenado por praticá-la. os direitos alheios (MARTIN, 1993). É o ato de apressar a morte de um doente incurável Infelizmente, e, raramente, alguém é O paciente, mesmo em estado vegetativo, não é um ser inerte, destituído de percepção, embora muitas vezes seja incapaz de comunicar-se verbalmente, por 208 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem Nesta categoria foram incluídas as apresentar alterações da consciência ou mesmo por estar intubado ou respostas em que os participantes traqueostomizado. Ainda assim, ele tem consideraram que a eutanásia é um tipo todo o direito de ser visto como pessoa de humana controlada, como visto a seguir: que necessita de atenção, morte programada, assistida e humanização. Para promoção Vila de e Rossi ações que (2002), a visam à “Eu defino a eutanásia como sendo uma morte programada, assistida e controlada”. (A 7) “Vejo a eutanásia como uma forma de matar um enfermo incurável de maneira programada, controlada e assistida, por um especialista que deseja dar um fim ao seu sofrimento, antecipando a morte”. (A 18) “... é a prática pela qual se mata um enfermo incurável de maneira assistida e controlada”. (A 25) humanização do paciente crítico possui um grande desafio comportamentos, que uma vez é mudar que o comportamento humano é modificado apenas com motivação própria. Para humanizar é preciso, antes de tudo, Alguns participantes definiram a humanizar-se. O cuidado da enfermagem, com certeza, é um dos itens mais difíceis de ser implementado. Em decorrência da rotina diária e complexa que envolve o trabalho, os membros da equipe de enfermagem esquecem de tocar e conversar com o ser humano que está à sua frente. Waldow (2001) complementa, afirmando, que ao realizar uma atividade técnica, sem estar presente de corpo, mente e espírito, o profissional não está realmente cuidando, mas, sim, realizando um procedimento. eutanásia como sendo uma prática de programar a morte de uma determinada pessoa, para que ela ocorra de forma controlada e assistida “suicídio assistido”, ou seja, como sendo uma forma de apressar a morte de um doente incurável, sem que este sinta dor ou sofrimento. Porém, não significa que se pode tirar a vida de outra pessoa. Diante das assertivas, indaga-se: se este doente fosse da minha família, vou permitiria que fosse feita a prática da eutanásia ou lutaria até o fim pela sua vida? Morte programada, assistida e controlada O correto independentemente é das que, concepções instauradas, a eutanásia é uma prática C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 209 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa ilícita no país, visto que não se pode consentimento da família, como expresso decidir em tirar a vida de ninguém, mesmo nas falas seguintes: “Eutanásia é a cessação da vida, para minimizar o sofrimento de um corpo com o consentimento da família”. (A 9) “... define-se por apressar a morte de um doente incurável, sem que ele sinta dor; é praticada por um médico com o consentimento do paciente ou da sua família”. (A 28) considerando o seu estado geral de saúde ou de terminalidade. Kipper (1999) salienta que, mesmo quando a morte é considerada iminente, os cuidados comumente devidos a uma pessoa doente legitimamente não podem a Aceitar o princípio da eutanásia é intenção de programar a sua morte, assumir o risco de se equivocar sobre o alegando acabar com o seu sofrimento sentido de tal pedido. Sem dúvida, a físico. O emprego de analgésicos para chamada aliviar os sofrimentos do moribundo, ainda distinguida do simples pedido de ajuda, que com o risco de abreviar seus dias, de atenção, de respeito pelos seus pode a direitos, de um tratamento mais eficaz, e dignidade humana se a morte não é não deve ser confundida com um simples desejada nem como fim nem como meio, grito de socorro; não se iguala, tampouco, mas somente prevista e tolerada como à procura de alívio por parte da família, de inevitável. paliativos próximos ou de terceiros em geral, constituem uma forma privilegiada de incomodados pela visão do sofrimento caridade desinteressada. Por esta razão, alheio. ser, interrompidos, moralmente, Os com ser conforme cuidados para a morte deve ser Quando a família ou até mesmo o devem ser encorajados. paciente pede ao médico para interromper Cessação da consentimento do vida, com o todo o tratamento ou pede que lhe paciente ou da administre algo para encurtar a vida, o família mais importante seria discutir o problema, a fim de que ambos encontrem juntos Nesta categoria foram reunidas as respostas participantes acredita-se que, nem o paciente e nem relataram que, a eutanásia é a forma de tão pouco a sua família solicitam mais cessação da vida de uma pessoa, com o uma medida letal como esta, pois este 210 em que os uma solução. A partir deste contato, C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem pedido pode acontecer devido a não período final da doença é prolongado, os aproximação do profissional de saúde próprios familiares acabam se esgotando médico ou enfermeiro, com os envolvidos por causa das semanas de vigília ao pé família/enfermo; muitas vezes, por não ter do leito, estimulando os pedidos para o preparação psicológica para determinada abreviamento da situação. situação ou até mesmo por não Poder de decidir a vida, por meio aproximar-se do paciente, olhar apenas das mãos do próprio homem para a sua patologia. Martin (1993) concorda com o pensamento, quando afirma que As a respostas inseridas, nesta formação do médico moderno é voltada categoria, foram aquelas em que os quase que totalmente para diagnosticar e participantes ressaltaram que a eutanásia curar as doenças, com pouco ou nenhum é o poder de decidir a vida, por meio das preparo no campo psicológico para lidar mãos do próprio ser humano, como visto com o emocional. Portanto, quando está a seguir: diante de um paciente sem perspectivas “Eutanásia é a abreviação dos sofrimentos físicos de um ser humano, ou seja, é o poder de decidir a vida através das mãos do próprio homem”. (A 23) “A eutanásia é a morte do outro. É o poder de decidir a vida do ser humano, por meio das mãos do próprio homem”. (A 24) de tratamento, desenganado da vida, a sensação de impotência toma conta do profissional, que não sabendo mais o que fazer, pois não foi preparado para isso, tende, na maioria das vezes, a abandonar progressivamente o doente, dispensandolhe visitas rápidas e com menos interesse. A eutanásia trata-se de um ato Hennezel (2001) aponta que muitos intencional, mesmo que utilizada para o familiares acabam pedindo que se “bem”, na tentativa de alívio do apresse a morte do paciente, porque não sofrimento. Trata-se de crime contra a aguentam ver seu sofrimento. O fim da vida vida o profissional tem o direito de decidir qual paciente pode se tornar um estranho para ou como vai ser o fim de um determinado si mesmo, e para aqueles que lhe são paciente. Ele tem sim, a obrigação de mais próximos. Por outro lado, quando o lutar até o fim pela vida daquele enfermo pode ser muito assustador: humana. Portanto, C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 nenhum 211 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa que não pediu para estar naquela discriminação econômica, social, política, determinada situação, nem tão pouco, étnica, pediu para que o profissional escolhesse (1982) em sintonia com o que diz o aquela profissão. Kipper (1999) afirma Código que ninguém pode decidir pelo fim da vida afirma do outro, porque a morte é a última protegido pela Constituição Federal deve possibilidade que o homem pode realizar ser assegurado pelo Estado em sua dupla como ato, ou seja, o ato de morrer. Pois acepção, ou seja, o direito de permanecer ao morrer, o homem conclui sua história, vivo e o direito de ter a vida digna quanto encerra a sua história de vida, que não à subsistência. pode mais ser mudada, mas somente contada por outras pessoas. ideológica ou Deontológico ainda que, Dando questionamentos, religiosa. do o Silva Enfermeiro, direito à vida continuidade aos outro foi: pergunta Mesmo que um paciente esteja como futuro profissional de enfermagem vivendo momento angustiante, de dores você deve ter consciência de que irá ou mesmo vegetativo em um leito de UTI, enfrentar situações difíceis, com relação a o o pacientes em estado de vida terminal. Se enfermeiro, deve cuidar dele com muito por acaso um paciente ou familiar lhe respeito, zelo e atenção, oferecendo-lhe solicitasse o desligamento dos aparelhos todos os cuidados paliativos existentes que o mantém vivo, alegando ser a única para que possa aliviar o seu sofrimento, forma de acabar com o seu sofrimento, sem que seja preciso interromper a sua qual seria a sua reação? Por quê? vida. Tabela 3 – Considerações quanto ao paciente ou familiar solicitar o desligamento dos aparelhos que o mantém vivo CATEGORIAS f % Não atenderia ao pedido, porque se 18 64,3 Deus deu a vida só ele pode tirá-la 03 10,7 Não faria, porque são contra aos 05 17,9 meus princípios cristãos 02 7,1 Não faria, porque a eutanásia não acaba com o sofrimento e sim com a vida Atenderia sim ao pedido, por não ter sentido prolongar o sofrimento TOTAL 28 100 Fonte: Dados da Pesquisa (2013) profissional, principalmente Afinal, a vida humana é inviolável, uma vez que o Código Deontológico do Enfermeiro (1998) diz que toda pessoa tem direito à vida, durante todo o ciclo vital, independentemente dos momentos ou dos estágios em que se encontra; sendo atribuído à vida de qualquer pessoa igual valor, devendo o cuidado à pessoa 212 ser isento de qualquer C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem Analisando as respostas, encontrou-se a existência das seguintes categorias: Não atenderia ao pedido, porque se Deus deu a vida só ele pode tirá-la “Jamais aceitaria. Porque todos nós temos direito à vida de forma digna e humana e que por mais que estejamos debilitados ou em sofrimento merecemos uma morte natural, respeitando a vontade e a hora de Deus. Só Ele é quem pode tirá-la”. (A 25) Como se pode observar, a maioria dos participantes do estudo afirma não Nesta categoria foram inclusas as respostas em que os alunos afirmam não atender ao pedido de um paciente ou familiar para desligar um parelho que o mantém vivo/à prática da eutanásia, alegando ser a única forma de acabar com o seu sofrimento, por acreditarem que se Deus nos deu a vida, somente Ele é quem deve tirá-la, como mostra, a seguir os relatos: “Eu não atenderia ao pedido deles. Pois para mim só quem tem o direito de tirar a vida de alguém é Deus, visto que é Ele quem nos concede a mesma”. (A 1) “Falaria que eu não poderia fazer uma coisa dessas, e tentaria convencê-lo a mudar de opinião. Porque o único que pode retirar a vida, para livrar alguém do sofrimento é Deus”. (A 14) “Diante da situação não teria autonomia para desligar o aparelho praticando assim a eutanásia. Porque não podemos decidir o fim da vida de uma outra pessoa. Só Deus pode fazer isso”. (A 20) “Reagiria com ranquilidade, sendo que não praticaria a eutanásia. Porque devemos aceitar as coisas como elas são e se instalam em nossas vidas. Somente Deus tem o poder de decidir como vai ser a nossa morte”. (A 15) aceitar a ideia de uma determinada pessoa lhe solicitar a eutanásia, como sendo a única forma de acabar com o sofrimento. E o motivo principal da não aceitação é por acreditarem que ninguém tem o direito de decidir ou acabar com a vida do seu semelhante. Somente Deus tem este poder, visto que foi Ele quem concedeu a mesma. Infelizmente existem pessoas que querem assumir o papel do criador que, lamentavelmente, acabam praticando certos comportamentos de um assassino, alegando estar acabando com o sofrimento daquele enfermo. A morte é uma ocorrência natural. Às vezes, Deus permite que uma pessoa sofra por muito tempo antes que sua morte ocorra; outras vezes, o sofrimento da pessoa é encurtado. Ninguém gosta de sofrer. Mas, isso não faz com que seja correto determinar que uma pessoa esteja pronta para morrer. Muitas vezes os propósitos de Deus são revelados por C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 213 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa meio do sofrimento de uma pessoa. Ele pedido, visto que a prática da eutanásia dá propósito à vida até o seu fim. Só Deus “tirar a vida de um ser humano” é contra sabe o que é melhor, e sua hora, até os seus princípios cristãos, como as mesmo para a morte, é perfeita. seguintes falas: “Não aceitaria. Porque são contra aos meus princípios cristãos. Não compete a nenhum de nós tirar a vida de uma outra pessoa, mesmo que ela esteja em sofrimento extremo, pois a vida é sagrada”. (A 8) “Eu não aceitaria. Porque são contra aos meus princípios cristãos e ninguém pode decidir como vai ser o fim do outro”. (A 13) “Eu não o faria. Porque são contra aos meus princípios cristãos, e essa alegação não é suficiente pra eu optar pela morte do paciente, sendo que a vida é um dom sagrado que recebemos de Deus”. (A 4) De acordo com Pinto e Silva (2004), são muitos os argumentos contra a eutanásia, desde os religiosos, éticos até os políticos e sociais. Do ponto de vista religioso, a Eutanásia é tida como uma usurpação do direito à vida humana, devendo ser um dom exclusivo reservado ao “Criador”, ou seja, só Ele pode tirar a vida de alguém. A Igreja, apesar de estar consciente dos motivos que levam a um doente a pedir para morrer, defende Refletindo sobre essa categoria, acima de tudo o caráter sagrado da vida, percebeu-se que, os princípios cristãos porque ela é considerada propriedade de foram uma argumentação importantíssima Deus, dada ao homem para administrá-la. utilizados na tomada de decisão dos É um valor absoluto que só a Deus participantes da pesquisa, diante da ideia pertence. O ser humano não tem nenhum em apoiar ou não o pedido do paciente direito sobre a vida própria e alheia. A quanto vida é um dom recebido, mas que fica à percebido nas falas que, as crenças disposição daquele que a recebe, com a religiosas constituem forte influência na tarefa de valorizá-la qualitativamente. “não aceitação” da prática da eutanásia. à prática da eutanásia. É Sabe-se que, as pessoas se apegam na Não faria, porque são contra aos fé em Deus e acreditam que mesmo diante de um sofrimento extremo, a vida meus princípios cristãos deve ser preservada, porque é um dom Nesta categoria enquadram-se ofertado por Ele, e nem até mesmo uma que situação de sofrimento intenso pela qual mencionaram não ser de acordo com passa alguém, não é motivo para praticar relatos 214 dos participantes C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem “Procuraria conversar com a família sobre o assunto, explicando que a eutanásia não vai acabar com o sofrimento daquele determinado enfermo e sim com a sua vida, e que não seria uma conduta certa a ser tomada diante de um ser vivo, onde a vida e a humanização estão em primeiro lugar, mesmo diante de tanto sofrimento”. (A 22) “Seria totalmente contra a este ato, porque a eutanásia não acaba nenhum sofrimento, ela acaba é com a vida do enfermo”. (A 27) “Eu não faria. Tentaria convencê-los para que os mesmos tomassem uma decisão contrária, pois a eutanásia não vai acabar com o seu sofrimento, e sim com a sua vida”. (A 3) a eutanásia, posto que a ciência ainda poderá, algum dia, eliminar a dor que aflige essa pessoa, visto que a medicina avança a cada dia sendo que dessa forma, o que hoje é irreversível, amanhã poderá não ser mais. Nogueira (1995) considera a vida humana como sendo sagrada, aliada à limitação drástica da autonomia da ação humana, proibindo assim a eutanásia, visto que o médico serve como meio de Deus para preservar a vida humana, De acordo com os dados referentes sendo que nem o paciente, nem os médicos, nem os enfermeiros, nem os familiares têm a faculdade de decidir ou provocar a morte de uma pessoa, uma vez que a vida humana é considerada Santa, e tudo que se faz contra ela, faze- à categoria apresentada, observou-se que 17,9% dos participantes relataram não aceitar um pedido de eutanásia, pelo fato de que em sua opinião, a mesma não acaba com o sofrimento de um determinado paciente, e, sim, com a vida. se contra Deus. E diante destas afirmações, Carvalho Não faria, porque a eutanásia não acaba com o sofrimento e sim com (2003) afirma que a eutanásia pode até ser vista como um meio de acabar com o sofrimento do paciente, mas na verdade a vida não é bem isso. Na eutanásia, elimina-se Nesta categoria foram selecionados os relatos em que os participantes afirmam não serem coniventes com o pedido, porque a eutanásia não acaba com o sofrimento, sim com a vida, como nas seguintes falas: a dor, eliminando o “dono” da dor, ou seja, é uma violação contra a vida humana que necessita adequados, de de respeito, de atenção, e cuidados não de compaixão, achando que só porque uma pessoa está sofrendo, você tem o direito de decidir contra a vida da mesma. C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 215 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa Como já comentado, ou da família em solicitar a prática da anteriormente, a vida deve estar sempre eutanásia, por acreditarem que não há em primeiro lugar, e mesmo diante de um sentido prolongar o sofrimento de uma sofrimento profundo, não temos o direito pessoa enfermo-incurável, como expresso perante Deus de praticar a eutanásia em nas seguintes falas: um ser humano, mesmo este estando em não só com as medicações, mas acima de “Minha reação seria de apoio, pois acredito que não tem sentido prolongar o sofrimento do paciente portador de uma patologia incurável, onde sabemos que quanto mais tempo o paciente permanecer vivo, ele vai sofrer mais ainda”. (A 19) “Neste caso, eu atenderia ao pedido do paciente ou da sua família, pois não concordo com a ideia de que um determinado paciente tem que ficar esperando a hora certa pra morrer, mesmo estando em um estado crítico”. (A 2) tudo, vendo o paciente como um ser Carvalho (2003) concorda com as humano que necessita de atenção e de falas acima, afirmando que a eutanásia respeito, ou seja, que seja prestado um significa proporcionar ou acelerar a morte cuidado de um ser humano, para pôr fim ao estágio terminal e apresentando argumentações, afirmando a eutanásia ser a única forma de aliviar o seu sofrimento. É para isto que existem os cuidados paliativos e acredita-se que a enfermagem esteja altamente preparada para a realização de tais procedimentos, pacientes, humanizado a todos principalmente, os os mais críticos, colaborando assim com uma morte mais tranquila e humanizada, em sofrimento de alguém, atingido por doença dolorosa e incurável. Diante destas argumentações vez de antecipar a sua morte por meio da apresentadas pelos participantes, pode-se eutanásia. fazer a seguinte pergunta: será que o pedido Atenderia sim ao pedido, por não morrer por parte dos envolvidos na situação, não poderia ser também ter sentido prolongar o sofrimento para uma resposta ao olhar de impotência do profissional, que não sabe Nesta categoria foram incluídas as o que fazer na situação? Pois a rogação dos pode ser vista como um pedido de participantes relataram que seriam de atenção, uma afirmação de que é um ser acordo com a argumentação do paciente humano, que ainda está vivo. Às vezes, o respostas 216 em que alguns C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem paciente está tão deformado que não se sente mais vivo, nem é mais visto assim. Não pede obrigatoriamente que se faça algo, mas para que seja visto e ouvido como ser humano digno de respeito, atenção e de um cuidado humanizado. De acordo com Pessini e Bertachini (2006), o cuidar humanizado implica, por parte do cuidador, a compreensão do Tabela 4 - Percepção sobre a eutanásia ser considerada como sendo a única forma de aliviar o sofrimento de um paciente em estado terminal CATEGORIAS f % Não, pois existem os cuidados 18 64,3 paliativos 05 17,9 Não, porque não temos o direito 02 7,1 de tirar a vida do outro 03 10,7 Não, pois o profissional pode prestar apoio psicológico aliviando a dor Sim, pois em muitos casos a vida só é mantida a custa de aparelhos TOTAL 28 100 Fonte: Dados da Pesquisa (2013) significado da vida, a capacidade de perceber e compreender a si mesmo e o outro. Humanizar qualidade à o relação saúde/usuário, ou cuidar, é dar profissional seja, acolher da as angústias do ser humano diante da Ao analisar as respostas de forma analítica, foram encontradas as seguintes categorias: Não, pois existem os cuidados paliativos fragilidade de corpo, mente e espírito, colocar-se sempre no lugar do paciente, Nesta categoria enquadram-se as realizando para o mesmo aquilo que respostas dos participantes que gostaria de receber se por acaso fosse mencionaram não concordar com a ideia você quem estivesse naquela situação. da eutanásia ser considerada como sendo Também buscou-se saber sobre a a única forma de aliviar o sofrimento de opinião dos pesquisados quando ao fato pacientes portadores de doenças em da eutanásia ser considerada como sendo estado a única forma de aliviar o sofrimento de existem os cuidados paliativos que devem pacientes portadores de doenças em ser aplicados nestes casos, como nos estado exemplos citados: terminal. questionamento, A os partir deste terminal, porque, para eles, respondentes deveriam justificar suas respostas. “Não concordo, porque existem outras formas para aliviar o sofrimento sem que haja a prática da eutanásia, podendo ser através de cuidados paliativos que incluem o controle da dor e o suporte emocional”. (A 2) C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 217 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa “Não concordo, porque deveriam colocar em prática os métodos paliativos que auxiliam na diminuição do sofrimento”. (A 7) “Não concordo, pois com os avanços no campo da medicina, é comum utilizar técnicas paliativas como forma de amenizar as dores e o sofrimento em pacientes terminais”. (A 11) “Sou contra, porque há vários métodos paliativos que podem ser utilizados para aliviar o sofrimento desses pacientes terminais, e a eutanásia deve ser um método jamais utilizado”. (A 21) “Sou contra, pois existem muitas outras maneiras de aliviar o sofrimento dos pacientes em estágio de vida terminal, entre eles os cuidados paliativos”. (A 24) “Não concordo. Acredito que os cuidados paliativos sim, proporcionam uma morte menos dolorosa, humanizada e respeitada”. (A 25) Diante do exposto, percebeu-se que 64,3% dos futuros enfermeiros acreditam que existem outras formas de aliviar o sofrimento sem ser a realização da eutanásia, evidenciando negação a esta prática. E entre estes modos de aliviar o sofrimento os mesmos, frisam a medicina paliativa, ou seja, os cuidados paliativos, cuidados estes que todos os pacientes, independentemente do seu estado de saúde, precisam receber de forma humanizada, tornando os últimos dias de vida dos mesmos dolorosos. Os cuidados paliativos não apressam a morte, não prolongam o sofrimento e nem é sinônimo de eutanásia; pelo contrário, preocupa-se em promover a arte de bem morrer, tornando vivos, todos aqueles momentos que garantindo uma restam ao paciente, qualidade de vida aceitável e confortável. Na concepção do Brasil (2008), os cuidados paliativos estão centrados no cuidar que envolve postura ético/filosófica por parte do enfermeiro, o que exige um modelo assistencial com dimensão técnica e outras dimensões como a emocional, espiritual e, ainda, a de suporte familiar, sendo de suma importância para pacientes que estão vivenciando a terminalidade da vida, os quais exigem um tratamento e um cuidado especial diante da fase que estão vivendo. Neste sentido, Carvalho (2003) afirma que a luta ou o cuidado pela vida não deve apresentar egoísmo ou uma obstinação insensata do viver. É preciso reconhecer possibilidades ou mesmo limitações que fazem parte da realidade. E para garantir o conforto necessário enquanto há vida, quando a cura já não é possível, surge como elemento fundamental o cuidado paliativo, termo que denomina o cuidado também ao fim da vida e que está, quase sempre, associado ao conforto e ao alívio do sofrimento. 218 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem É no cuidar que mais expressamos como valor absoluto, que deve ser nossa solidariedade para com os outros, e mantida a todo custo, nada poderá ser toda relação terapêutica, enquanto tal, feito para a sua abreviação, e deve-se deveria se pautar por ele, especialmente evitar a morte a todo custo. Todos têm as ligadas ao final da vida. direito a uma morte humana, pois ela é o Não, porque não temos o direito de tirar a vida do outro último acontecimento importante da vida, e ninguém pode privar-se dela. Assim sendo, deve-se aliviar os sofrimentos do Esta categoria reúne as respostas enfermo, prestando-lhe em que os participantes da pesquisa adequada, de relatam não aceitar a ideia da eutanásia superar, humanamente, a última fase da ser considerada como sendo a única vida. forma de aliviar o sofrimento de pacientes portadores de doenças em tal assistência forma que possa Para Cardoso (1986), nenhum ser estado humano pode decidir como vai ser o fim terminal, porque, segundo os mesmos, da vida do seu semelhante, mesmo que não temos o direito de tirar a vida do seja outro, como expresso nos seguintes sofrimento; a ele não é concebido este depoimentos: direito de decisão, porque a morte quando “Não aceito, porque ninguém tem o direito de interromper a vida de um outro ser”. (A 6) “Minha resposta será não, pois não temos o direito de tirar a vida do outro”. (A 12) “Eu acho que não, porque ninguém tem o direito de interromper a vida de uma outra pessoa”. (A 10) “Acho que não, pois ninguém tem o direito de acabar com a vida do outro, e eu, pessoalmente, acredito em Deus, confio em sua misericórdia e creio em milagres”. (A 28) alguns dos entrevistados, se a vida é tida a intenção de aliviar o vem de forma natural, por si só, já importa em acontecimento indolor, geralmente, precedido de perda gradual de consciência, que torna incapaz de criar estímulos afetivas. dolorosos A morte ou deve percepções acontecer naturalmente, quando os órgãos vitais não mais resistirem à situação crítica do enfermo. Não, pois o profissional pode Com base nestas considerações, pode-se observar que na concepção de com prestar apoio psicológico aliviando a dor C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 219 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa Nesta categoria mostramos existencial do ser humano. Os relatos dos participantes que afirmam ser profissionais têm a responsabilidade de contra ser incluí-la no mesmo grau de importância considerada como sendo a única forma das técnicas de intervenção, pois como de aliviar o sofrimento de pacientes informa Oliveira e Silva (2007), morrer é portadores estado uma experiência total e na hora de morrer terminal, alegando que, nestas situações, o órgão afetado deixa de ser o item o profissional além de oferecer uma básico. a ideia de assistência da eutanásia doenças precisa e em imediata, ele Considerando o fato de que o também pode ofertar ao paciente apoio paciente está próximo de morte inevitável, psicológico, demonstrado por meio das de modo que, medicamente, nada mais seguintes falas: há a ser feito, cabe ao psicólogo, neste momento, a função limitada, porém de “Não concordo, porque o profissional além de oferecer uma assistência precisa e imediata, ele também pode ofertar ao paciente apoio psicológico, amenizando assim o seu sofrimento”. (A 22) “Não. Pois o profissional além de administrar a terapia, pode prestar apoio psicológico o que ameniza com certeza o sofrimento, tanto do paciente como da família”. (A 26) importância extremamente abrangente, de acolher os familiares e, principalmente, o paciente no seu momento final, resguardando ao máximo sua dignidade e sua integridade como ser humano, respeitando, assim, o que versa o Código de Ética do psicólogo (SANTOS, 1992). É a importante esclarecer que, em nenhum objetivo instante, o psicólogo deve decidir pela fundamental dos profissionais da saúde é realização da eutanásia em determinado tratar os enfermos, buscando restabelecer paciente. A ele restaria, reiterar o respeito a integridade perdida, ou seja, a busca incondicional ao ser humano que se pela encontra diante dele, vivenciando seu Estar integridade cura da enfermo é perder saúde, e o ocorre quando a saúde, entendida como o bem-estar biológico, psicossocial e espiritual, é plenamente restabelecida. último ato de vida, qual seja, a morte. Sim, pois em muitos casos a vida só é mantida a custa de aparelhos Cuidar do atendimento espiritual dos pacientes é expandir-se na dimensão 220 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem Esta categoria reúne as respostas Na maioria das vezes são os em que os pesquisados mencionaram ser, familiares que não conseguem deixar o de acordo com a ideia de, a eutanásia ser paciente partir e suplicam por mais considerada como sendo a única forma intervenções que lhes deem um mínimo de aliviar o sofrimento de pacientes em de esperança de que terão seus entes de estado terminal, porque, segundo eles, volta, ou por mais um tempo, que lhes em muitos casos a vida é mantida à custa permita trabalhar a ausência iminente de aparelhos, como visto a seguir: deles. Segundo “De certo modo sim, porque na maioria das vezes os pacientes só continuam vivos, devido aos aparelhos que estão ligados ao seu corpo, prolongando cada vez mais o sofrimento do paciente”. (A 4) “É sim, uma forma de retirar o sofrimento de alguém, pois em muitos casos a vida só é mantida à custa de aparelhos que agem assumindo as funções do próprio paciente”. (A 9) Pessini e Bertachini (2006), o prolongamento artificial da vida deve sempre ter prioridade sobre a cura pelas razões mais óbvias: nunca existe uma certeza de que nossas doenças possam ser curadas ou que nossa morte possa ser evitada. Eventualmente, elas podem e devem triunfar. Nossas vitórias seu sobre a doença e a morte são sempre percurso normal não significa abandonar temporárias, mas nossas necessidades o paciente. Dizer não ao prolongamento de apoio, cuidado diante delas, são artificial da vida, significa recusar os sempre permanentes. Deixar a morte seguir o procedimentos que tentam até o último Para finalizar, buscou-se identificar momento uma reviravolta no quadro a opinião dos concluintes do curso de clínico, mesmo sabendo da sua evolução, enfermagem e oferecer um suporte de cuidados eutanásia no Brasil, logo as categorias paliativos, cuidados esses que não visam emergidas encontram-se na tabela 5. a combater a doença, mas sim aliviar a Tabela 5 - Percepção sobre a legalização da eutanásia no Brasil CATEGORIAS f % Não concordo, pois se for legalizada as pessoas 11 39,3 não vão mais ter morte natural 14 50,0 Não concordo, pois induziria muitos profissionais a 03 10,7 praticar em o assassinato dor e dar um conforto possível para uma morte digna. Em última instância, o paciente estará sendo atendido por uma equipe médica e não abandonado ao seu destino. sobre a legalização da Sou a favor, sendo que a decisão deve ser do paciente ou da família TOTAL Fonte: Dados da Pesquisa (2013) C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 28 100 221 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa “Não sou de acordo com a legalização da eutanásia em nosso país, porque se por acaso isso acontecer às pessoas não vão mais ter direito uma morte de forma natural”. (A 11) Após a análise das respostas, mostrou-se a existência das seguintes categorias: Não concordo, pois se for legalizada as pessoas não vão mais ter morte natural Não induziria assassinato relatos dos participantes que afirmam não com pois muitos profissionais a praticarem o Nesta categoria apresentam-se os concordar concordo, a legalização da eutanásia, no Brasil, porque se ela for legalizada as pessoas não vão mais ter direito a uma morte de forma natural, como nos exemplos citados: Nesta categoria são analisados os resultados referentes aos alunos que dizem não concordar com a legalização da eutanásia, no Brasil, porque se por acaso isso vier a acontecer, induzirá muitos profissionais a praticarem o assassinato, demonstrado nas seguintes falas: “Sou contra a legalização da eutanásia, no Brasil, porque se isso por acaso acontecer a maioria das pessoas não vão mais poder ter uma morte natural”. (A 1) “Sou completamente contra a qualquer tipo de lei que venha contribuir para que a vida seja interrompida, não deixando com que as pessoas tenham uma morte de forma natural”. (A 5) “Não concordo com a legalização da eutanásia, no Brasil, porque se ela for legalizada as pessoas não vão mais ter a oportunidade de gozar de uma morte naturalmente”. (A 2) “A eutanásia não deve ser legalizada, porque as pessoas precisam viver e ter uma morte natural, conforme a vontade de Deus e não a dos homens”. ( A 14) “Não concordo com a legalização da eutanásia em nosso país, pelo simples fato de que a morte deve acontecer naturalmente”. (A 6) 222 “Não concordo, pois induziria muitos profissionais a praticar o assassinato, em ocasião que o caso poderia ser reversível”. (A 26) “Não concordo com a legalização da eutanásia em nosso país, porque se por acaso isso acontecesse, irá induzir os profissionais a praticar muitos outros crimes e será acobertados por essa lei”. (A 16) “Não sou de acordo com a legalização da eutanásia em nosso país, porque se ela for legalizada a maioria dos profissionais da área da saúde irão praticar, fazendo com que os pacientes em estágio terminal sejam mortos, acabando com o direito que cada ser humano tem de lutar pela vida”. (A 24) “Sou contra a legalização da eutanásia, porque se ela for legalizada, em nosso país, vai acabar virando moda e os profissionais vão praticar muitos assassinatos só C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem porque sabem que estão sendo acobertados por uma lei”. (A 11) “Não sou favorável à legalização da eutanásia, pelo simples fato de que se a mesma for legalizada, ninguém vai mais querer ter trabalho em prestar assistência aos pacientes em estado de vida terminal. Vão, simplesmente, administrar alguma droga para apagar de vez por toda com a vida daquela pessoa indefesa”. (A 3) “Sou contra a legalização da eutanásia no Brasil. Isso não pode e não deve acontecer, para que a vida não seja banalizada e muitos assassinatos não venham a acontecer por meio das mãos dos profissionais de saúde”. (A 4) constituir até mesmo em uma espécie de amparo para a prática de inúmeros suicídios, e, porque não dizer, para a ocorrência também de homicídios planejados, em que um paciente poderia muito bem ser induzido à morte, sobretudo aquele detentor de alguma herança ou para o comércio negro de órgãos. França (1999) nos alerta sobre três grandes riscos que a legalização da eutanásia pode acarretar: a possibilidade Refletindo sobre as duas categorias acima citadas, percebeu-se a grande preocupação que a maioria dos participantes do estudo tem diante da possível legalização da eutanásia no Brasil, levando-os a terem diferentes concepções com relação a este assunto, visto que para eles, matar é crime, e ninguém possui o poder de tirar a vida de um ser humano, a não ser Deus. Em sintonia com os direito brasileiro, a eutanásia caracteriza homicídio, pois é conduta típica, ilícita e culpável, mesmo que o paciente tenha dado seu consentimento ou até implorado pela medida. Neste sentido, de acordo com Almeida (2000), se legalizada, a eutanásia profissional de saúde e o paciente. O autor ainda afirma que abertas às portas da legalização, passarão também as piores intenções e as consequências mais desastrosas. Além do mais, deve ser mencionado o perigo que uma possível institucionalização da eutanásia poderia representar às pessoas mais fracas de um determinado segmento social. relatos apresentados, Dodge (1999) afirma que no de erro, de abuso e o desgaste da relação poderia Noronha (1994, p. 29) também se manifesta contrário à eutanásia, aduzindo que: “a vida, ainda que dolorosa ou sofredora, há de ser sempre respeitada. O homem é coisa sagrada para outro homem e a missão da ciência não é exterminar, mas lutar contra o extermínio”. No Brasil, segundo D’urso (2011), o médico que de alguma forma concorrer C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 223 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa para praticar alguém, muito bem analisada por aqueles que medicina decidem o futuro do nosso País, para que proporciona recursos para prevenção das não ocorra homicídio velado. Não se pode doenças, promoção e recuperação da usar a justiça para cometer injustiças, saúde e acima de tudo dá esperança de beneficiando pessoas que por motivos cura aos doentes. Sendo assim, não há particulares queiram se livrar do doente, como buscar amparos para eutanásia ou por não quererem a responsabilidade dentro da ciência que existe para salvar ou por se beneficiarem de herança. Seja vidas e não para eliminá-las. De acordo por piedade ou não, quem pratica a com Kipper (1999, p. 63), sob todos os eutanásia não deixa de ser culpado pelo aspectos, a medicina deve prezar a vida, seu ato. cometerá a morte homicídio. em A e o médico deve cumprir os seus ensinamentos “O médico não pode Sou a favor, sendo que a decisão deve ser do paciente ou da família contribuir, direta ou indiretamente, para apressar a morte do doente.” Artigo 57 Nesta categoria são evidenciados os relatos dos participantes que afirmaram Código de ética Médica. A tutela jurídica da vida, como bem ser a favor da legalização da eutanásia, de supremo valor, exige que sejam no Brasil, desde que ela seja decidida afastadas a possibilidade de erro, de pelo paciente ou pela família, como citado abuso e a corrosão da confiança nos a seguir: cuidados médicos, quando se assume uma conduta diante da eutanásia (SILVA, 1982). Menezes (1977) conclui, a partir do exposto, a clara proteção do direito à vida no nosso ordenado jurídico. Quer o homicídio voluntário, o auxílio ao suicídio ou o homicídio, mesmo que por compaixão ou a pedido da vítima, são atos criminalmente punidos. Frente a esta problemática, vale salientar que a eutanásia precisa ser 224 “Em minha opinião já deveria ter sido legalizada, pois evitaria prolongar o sofrimento de tantas pessoas. Só que esta decisão deverá ser tomada pelo paciente ou pela sua família e não por um profissional qualquer”. (A 19) “Sou a favor da legalização da eutanásia, sendo que, a decisão deve ficar nas mãos do paciente e, na sua ausência, da sua família, e não da justiça ou de profissionais de saúde”. (A 27) “Apesar de ter pouco conhecimento sobre a legalização da eutanásia, sou favorável a sua legalização desde que seja o paciente quem tome a devida decisão”. (A 20) C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem Frente a esta problemática, vale Com apresentados base nos relatos pode-se constatar que salientar que a questão é séria, polêmica e complexa, e se por acaso, isto existem os defensores da legalização da acontecesse, traria mais problemas do eutanásia que soluções. Em uma sociedade de no Brasil, tendo como argumentação central que ela deve ser tantas legalizada, o complexidade, instituir-se a prática da consentimento do paciente ou da família. eutanásia seria uma temeridade muito Enquadra-se, neste contexto, a eutanásia mais grave do que a implantação da pena voluntária, que é realizada atendendo ao de morte, já que esta depende da pedido do paciente. formalização de um processo legal, com desde que seja com desigualdades, de tanta De acordo com Segundo Cabette acusação e defesa; enquanto a eutanásia (2009), a eutanásia voluntária é quando a dependeria apenas da vontade da pessoa morte é provocada, atendendo a uma suicida ou não, induzida ou não, de vontade do paciente, ou seja, quando eliminar a própria vida. uma pessoa ajuda outra a acabar com a sua vida. Mesmo que a pessoa já não 4 CONCLUSÃO esteja em condições de afirmar o seu desejo de morrer, a eutanásia pode ser Debater questões sobre eutanásia voluntária. Pode-se desejar que a própria é difícil de uma maneira em geral, pois vida acabe, no caso de se ver numa trata-se de um tema complexo e que situação em que, embora sofrendo de um carrega estado incurável e doloroso, a doença ou influenciados um acidente tenham tirado todas as médicos, religiosos, culturais e também capacidades racionais e já não seja capaz jurídicos, os quais influenciam a opinião de decidir entre a vida e a morte. Se, dos profissionais da saúde, do dever ou enquanto ainda capaz, tiver expressado o não de manter um paciente terminal desejo refletido de morrer quando numa ligado a uma máquina, mesmo sabendo situação como esta, então a pessoa que, que já não tem mais possibilidade de nas circunstâncias apropriadas, tira a vida cura. sentimentos por preceitos diversos, éticos, de outra, atua com base no seu pedido. C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 225 Edinete Bezerra Ferreira, Milena Nunes Alves de Sousa Mesmo deste Os dados mostraram, ainda, que a estudo, percebeu-se que os estudantes eutanásia ‘supressão da vida’ é vista, em concluintes do curso de enfermagem são geral, como uma prática condenável e, conscientes, teoricamente, do que é e que qual a importância de um conhecimento enfermeiros, cujo compromisso é voltar-se mais eficaz sobre a eutanásia; mesmo sempre não tendo a vivência prática diante de tal prevenindo doenças, situação. enfermos, minimizando Daí assim, a a partir importância de ser incluída, no currículo, uma disciplina que não atende em favor a da formação vida humana, cuidando o dos dos sofrimento, preservando a vida. contemple a forma correta na abordagem de um paciente em fase terminal. ABSTRACT Background: Despite going to come since the beginnings of humanity, euthanasia remains being, a controversial and painful for the family, society and to health professionals, since it is a practice that seeks to end the humany life in extreme suffering and terminally situations. Subject: Identify the perception of nursing graduates of na institution of higher education in the backlands of Paraiba about euthanasia. Methodology: It is about na explorative study, in a qualitative a pproach, whose sample consisted of twenty-light students graduating in nursing, aged between twenty-one and thirtylight years, who answered a questionnaire with semistructured, using the technique of content analysis proposed by Bardin for analysis and discussion of descovered. Outcome: It can see various point of views of participants aboit euthanasia, as well as the different positions that emerged through the knowledge accquired, through academic training. Conclusion: Considering that euthanasia remains a very controversial issue, it is obvious that requires further discussion during graduation, mainly because it is terminally ill patient.. Keywords: Euthanasia. Perception. Nursing. REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. M. Bioética e Biodireito. BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. Lisboa, 2004. 226 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 201-228, jul./dez. 2013 Eutanásia: percepção de graduandos em enfermagem BIONDO, C. A.; SILVA, M. J. P.; SECCO, L. M. D. Distanásia, eutanásia e ortotanásia: percepções dos enfermeiros de unidades de terapia intensiva e implicações na assistência. Rev. Enfermagem. v. 17, n. 5, p. 613-9, set./out. 2009. FRANÇA, G. V. Eutanásia: um enfoque ético – político. Rev. Bioética, Brasília, v. 7, n. 1, p. 27-33, 1999. FIGUEIREDO, N. M. A.; MACHADO, W. C. A.; PORTO, I. S. Dama de negro X Dama de branco: o cuidado na fronteira vida/morte. Rev. Enf. 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