Asma de Dificil Controle, Omalizumabe e Gestação Autores: Angela Honda de Souza. CRMSP 98983. Médica pneumologista do ambulatório de bronquiectasias do Departamento de Pneumologia da UNIFESP Flávia de Almeida Filardo Vianna. CRMSP 68657. Mestre em pneumologia pela UNIFESP, coordenadora do ambulatório de asma grave do Hospital do Servidor Público Estadual José Gustavo Romaldini. CRMSP 112391. Médico pneumologista da disciplina de Pneumologia da Santa Casa de Misericórdia de SP. Pneumologista do Hospital Edmundo Vasconcelos. Pneumologista do Hospital Paulistano José Rodrigues Pereira. CRMSP 112277. Pós-graduando pela UNIFESP e pneumologista assistente do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo Lilian S. Ballini Caetano. CRMSP 56682. Doutora em ciências pela UNIFESP, médica assistente do serviço de Pneumologia da UNIFESP e coordenadora do ambulatório de asma da Disciplina de pneumologia da UNIFESP Milton Suguino. CRMSP 51152. Medico Pneumologista pelo HSPE Rosana Donazar Severo. CRMSP 84615. Pneumologista pela PUCRS, Hospital São Lucas da PUCRS Caso Clínico: SGSC, 26a, feminino, natural de São Paulo, do lar, casada, portadora de rinite alérgica desde a infância, e após a 1ª menstruação aos 13 anos passou a apresentar sintomas de falta de ar e sibilos frequentes, com piora nos últimos 20 anos. Fez cursos frequentes de corticoide oral (CO) por 15 anos, sendo que nos últimos anos fez uso de montelucaste, fluticasona, salmeterol, bamifilina, anti-histamínicos, sem melhora dos sintomas. Em uso de associação budesonida + formoterol desde 1996, sendo que desde 2005 faz uso de CO diário (40 mg/dia), beclometasona spray 1000 mcg /dia, bamifilina 600 mg/dia, salbutamol spray como resgate . Evoluindo com quadro atual de Síndrome de Cushing. Em uso regular também de hidroclortiazida, alendronato, nifedipina , omeprazol, tapazol e beclometasona nasal. AP: Nega tabagismo; nega familiares com asma Comorbidades: rinite alérgica e antecedentes de sinusopatia com infecções de repetição , doença do refluxo gastresofágico desde 22 anos, hipertensão arterial secundária ao uso de CO, diabetes mellitus, hipertireoidismo, dislipidemia, cushing exócrino, ansiedade e depressão. Fatores desencadeantes: pó, mofo, aspirina, exercício, fumaça de cigarro, odores fortes, infecção viral, emoções, mudança de tempo, e medicamentos como dipirona, diclofenaco, buscopan. Fazia uso de beta2 de curta de ação de resgate 4 a 6 x/dia, com despertar noturno frequente, pelo menos 2 idas ao PS ao mês, limitação das atividades diárias e 10 internações prévias; sendo 5 em UTI (unidade de terapia intensiva) com necessidade de intubação orotraqueal. Exames laboratoriais e outros: Na avaliação inicial apresentava DVO moderado com resposta ao broncodilatador com VEF 1 pré bd=1,39 L(45%) do predito e ACT 5 e AQLQ 27. Questionário AQLQ é um questionário de qualidade de vida para asma que consiste em 32 perguntas avaliando 4 domínios: sintomas, limitações das atividades, avaliação emocional e estímulo ambiental. Os pacientes respondem às perguntas pontuando de 1 a 7, sendo 1=extremamente prejudicado e 7= sem prejuízo. São 2 questionários: um inicial e outro após intervenção. A melhora da qualidade de vida ocorre se a diferença entre os escores for ≥ 0,5. Teste ACT: O escore do questionário é calculado a partir da soma dos valores de cada questão, as questões valem de 1 a 5 pontos. As respostas que indicam maior controle da asma devem receber maior pontuação. Assim o escore final varia de 5 a 25 pontos. Quanto maior o escore mais controlada está a asma Demais exames: RX tórax normal, PPF negativo (2 amostras), HMG normal,teste alérgico cutâneo + para Dermatophagoides, blomia tropicalis, pelo de animais e aspergillus fumigatus Evolução: Paciente participou em 2008/2009 de estudo clinico de asma de difícil controle com o omalizumabe tendo excelente resposta com o uso do mesmo, porém com término do estudo e suspensão da medicação houve retorno de todos os sintomas. Em setembro de 2009 paciente se encontrava na etapa 5 de tratamento com uso de corticoide inalatório em dose alta , broncodilatador de longa duração, xantina e corticoterapia sistêmica prolongada. Tratamento para rinite alérgica e para refluxo gastresofágico controladas, mas com efeitos colaterais das medicações. Foi associado omalizumabe na dose de 300mg a cada 4 semanas dose essa indicada pelo IgE total de 142 UI/mL e peso de 80 kg. Após 8 semanas do inicio do omalizumabe a paciente já apresentava melhora importante dos sintomas com com redução da prednisona para 5mg/dia com ACT de 22 (gráfico 1) e AQLQ de 95 Após 13 meses do uso regular de omalizumabe a paciente engravidou, sendo uma medicação classe C, foi decidido pela suspensão da mesma. Após 50 dias da suspensão da medicação a paciente retornou com descontrole da doença, reapresentando despertar noturno diário, uso de medicação de resgate diversas vezes ao dia e ida ao pronto socorro nesse período. Assim a paciente solicitou que fosse reintroduzida a aplicação do omalizumabe mesmo sem comprovação de sua segurança durante a gestação. Após explicações sobre o risco benefício do tratamento paciente assinou termo de consentimento livre esclarecido para dar continuidade ao tratamento. Durante a gestação apresentou-se estável com parâmetros semelhantes ao início da gestação que terminou com nascimento de feto saudável, sem anormalidades congênitas ou outras alterações. Hoje a criança se apresenta com 2 anos de idade sem nenhum problema, bem como a paciente. Discussão: “Asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas, na qual muitas células e elementos celulares têm participação. A inflamação crônica está associada à hiperresponsividade das vias aéreas, que leva a episódios recorrentes de sibilos, dispneia, opressão torácica e tosse, particularmente à noite ou no início da manhã. Esses episódios são uma consequência da obstrução variável ao fluxo aéreo e reversível espontaneamente ou com tratamento."(1) Mais de 300 milhões de pessoas no mundo têm asma dos quais a maioria tem doença leve ou moderada que pode ser controlada com corticosteróides inalados, isolados ou em combinação com broncodilatadores de longa ação.(2,3,4) entretanto alguns pacientes particularmente àqueles com doença grave têm seus sintomas pouco controlados e apresentam maior risco de exacerbações. (5) Asma grave ocorre em 5% a 10% da população asmática e neste grupo estima-se que mais de 50% têm asma alérgica mediada por IgE. (5) A imunoglobulina E (IgE) tem papel fundamental na patogênese da asma, e o nível de circulação da mesma é um importante fator de risco para internações em emergência por exacerbação. (6) IgE de alérgenos específicos se ligam ao receptor de alta afinidade dos mastócitos e basófilos induzindo resposta alérgica com liberação de uma série de mediadores inflamatórios, tais como a histamina, triptase e ácido araquidônico, sinalizando outras células como as células dendríticas, monócitos e eosinófilos. (7) Omalizumabe é um anticorpo monoclonal recombinante humanizado que se liga à porção Fc da IgE, formando complexos inertes IgE + Omalizumabe que impede a ligação da mesma ao receptor de alta afinidade dos mastócitos e basófilos, consequentemente reduzindo os níveis de IgE livre circulantes e a liberação dos mediadores inflamatórios. (8) A indicação no Brasil do omalizumabe é para o “tratamento de asma alérgica persistente moderada à grave em adultos e crianças (a partir de 6 anos de idade) cujos sintomas não estão bem controlados por corticosteroides inalatórios (CI)”. (8) São pacientes têm alto risco de sofrer exacerbações graves e morte (9,10) e têm a maior necessidade de atendimentos médicos associados custo econômico elevado. Os corticosteroides orais são eficazes em alguns desses pacientes com asma grave, mas estão associados com efeitos colaterais significativos. Várias revisões foram realizadas em relação a segurança do omalizumabe com base em estudos clínicos (7500 pacientes) e dados de farmacovigilância após lançamento (57300) mostraram um perfil de segurança favorável. (11,12,13) Mais recentemente dados preliminares do estudo EXCELS mostrou um desequilíbrio entre os grupos tratamento e controle em relação aos eventos cérebro e cardiovasculares (14,15) em pacientes acompanhados durante um ano, o estudo encerra com 5 anos de acompanhamento e poderá trazer dados finais em relação a estes eventos adversos. Em relação a gravidez uma revisão mostrou que dados de estudos de fase I – III somaram 27 casos de mulheres que engravidaram no grupo omalizumabe e 2 mulheres grávidas de cônjuges que estavam nos estudos recebendo a medicação não resultaram em nenhuma alteração significativa em relação ao parto, abortos eletivos, abortos espontâneos entre o grupo omalizumabe e controle. (16) Conclusão/Recomendações: Nosso relato mostra a eficácia e segurança do uso do omalizumabe durante a gestação de uma paciente com asma de difícil controle, após ponderar e avaliar o risco - benefício da continuidade do tratamento nesta situação especial. Pudemos observar que a reintrodução da medicação foi benéfica para o controle dos sintomas da asma e resultou em nascimento de feto saudável. Um estudo observacional chamado EXPECT está acompanhando mulheres que receberam omalizumabe antes da concepção ou durante a gravidez com o objetivo de avaliar melhor a segurança da medicação nessa população. Com isso possivelmente teremos um melhor embasamento para utilizar com segurança o omalizumabe nessa situação especial. Referências Bibliográficas: 1. Global Initiative for Asthma – GINA [homepage on the Internet]. Bethesda: Global Initiative for Asthma. [cited 2011 Apr 1] Global Strategy for Asthma Management and Prevention, 2010. 2. GINA report, global strategy for asthma management and prevention http://www.ginasthma.com, 2010. Accessed June 2012. 3. British guideline on the management of asthma. British Thoracic Society Scottish Intercollegiate Guidelines Network. Thorax. 2008;63:iv1–121. 4. National Heart, Lung and Blood Institute. National Asthma Education and Prevention ProgramExpert Panel Report 3Guidelines for Diagnosis and Management of Asthma . J Allergy Clin. Immunol. 2007;120(5 Suppl 1):S94–138. 5. The ENFUMOSA Study Group. The ENFUMOSA cross-sectional European multicentre study of the clinical phenotype of chronic severe asthma. Eur Respir J. 2003;22(3):470–7. 6. Pollart SM, Chapman MD, Fiocco GP, Rose G, Platts-Mills TAE. Epidemiology of acute asthma: IgE antibodies to common inhalant allergens as a risk factor for emergency room visits. J Allergy Clin Immunol. 1989; 83(5):875–82. 7. Platts-Mills T. The role of immunoglobulin E in allergy and asthma. Am J Respir Crit Care Med. 2001;164(8 Pt 2):S1–5. 8. MS 01.08.07 + MS 30.07.08 + BPI 30.10.09 + PUB 16.11.09 + BPI 26.04.10 + RDC 71. Bula do produto 9. Tough SC , Hessel PA , Ruff M , Green FH , Mitchell I , Butt JC . Features that distinguish those who die from asthma from community controls with asthma . J Asthma . 1998 ; 35 ( 8 ):657 - 665 . 10. Turner MO , Noertjojo K , Vedal S , Bai T , Crump S , Fitzgerald JM . Risk factors for near-fatal asthma. A case-control study in hospitalized patients with asthma. Am J Respir Crit Care Med . 1998 ; 157 ( 6 Pt 1 ): 1804 - 1809 . 11. Rodrigo GJ, Neffen H,Rodriguez JAC. Omalizumab vs Placebo as Add-on Therapy to Corticosteroids for Children and Adults wiith Asthma : A Systematic Review. Chest 2011;139;28-35 12. Tan RA, Corren J. Safety of omalizumab in asthma. Expert Opin. Drug Saf. (2011) 10(3):463-471 13. Thompson NC and Chaudhuri R. Omalizumab: Clinical Use for the Management of Asthma. Review. Clinical Medicine Insights: Circulatory, Respiratory and Pulmonary Medicine 2012:6 27–40. 14. American Thoracic Society . 104th International Conference. San Diego, CA. 2009 . Abstracts. Publication page: A613. http://www.abstracts2view.com/ats08/view.php?nu 5 ATS08L_ 15. Omalizumab: cardiac adverse effects. Prescrire Int 2010;19(106):75 16. Corren J, Casale TB, Lanier B, et al. Safety and tolerability of omalizumab. Clin Exp Allergy 2009;39(6):788-97 Perguntas e Respostas: 1. Qual é a correlação da IgE com a gravidade da asma? a) Quanto maiores os níveis de IgE sérica, maior é a hiperresponsividade das vias aéreas b) Quanto mais IgE livre circulante maior é a quantidade de receptores de alta afinidade expostos nos mastócitos c) Nas crianças quanto mais altos os níveis de IgE maior é a gravidade d) Todas as anteriores Resposta: Em adultos: Probabilidade de hiperresponsividade brônquica 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 < 50 50-99 100-199 200-359 > 350 IgE total (UI/ml) Referencia: Borish L e cols. Ann Allergy Asthma Immunol 2005,95: 247- 53 Sherrill DL e cols. J Allergy Clin Immunol 1999, 104:28- 36 Em crianças: Média de IgE sérica total UI/mL 700 623 600 556 501 500 400 446 325 300 200 100 0 None Intermittent Leve Moderada Grave Referencia: Carroll WD, et al. Arch Dis Child 2006 2. Na asma de difícil controle (ADC) temos que observar somente no tratamento medicamentoso e não medicamentoso do paciente para se obter o controle ( ) verdadeiro ( ) falso Resposta: Na ADC além do tratamento medicamentoso e não medicamentoso, os fatores desencadeantes e exacerbadores devem ser sempre investigados, tratados e controlados: Rinossinusite (em 75% a 80% dos pacientes asmáticos) Pólipos nasais (em 7% a 15% dos pacientes asmáticos) Refluxo gastroesofágico (em 15% a 72% dos pacientes, dependendo do método diagnóstico) Apnéia obstrutiva durante o sono Obesidade Tabagismo Medicamentos: AINEs, estrógenos, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) e beta bloqueadores (lembrar colírios) Uso de drogas ilícitas Ambiente psicossocial Menstruação Transtornos psiquiátricos Referencias: Consenso Latino-Americano sobre a Asma de Difícil Controle. Drugs of Today 2008, vol. 44, Suppl 3 IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2006; 32(Supl 7):S 447-S 474 3. Como se prescreve omalizumabe? Referencias: Bula da medicação Xolair