Constituição: noções iniciais, objeto e evolução Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino Teoria do Estado e da Constituição Prof. Dr. João Miguel da Luz Rivero [email protected] (19) 8139-5005 Constituição: noções iniciais, objeto e evolução A constituição, objeto de estudo do Direito Constitucional, deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que rege a sua organização político-jurídica. As normas de uma Constituição devem dispor acerca da forma do Estado, dos órgãos que integram a sua estrutura, das competências desses órgãos, da aquisição do poder e de seu exercício. Além disso, devem estabelecer as limitações ao poder do Estado, especialmente mediante a separação dos poderes (sistema de freios e contrapesos) e a enumeração de direitos e garantias fundamentais. No Estado moderno, de cunho marcadamente social, a doutrina constitucionalista aponta o fenômeno da expansão do objeto das Constituições, que têm passada a tratar de temas cada vez mais amplos, estabelecendo, por exemplo, finalidades para a ação estatal. Isso explica a tendência contemporânea de elaboração de Constituições de conteúdo extenso (Constituições analíticas ou prolixas) e preocupadas com os fins estatais, com o estabelecimento de programas e linhas de direção para o futuro (Constituições dirigentes ou programáticas). Constituição em sentido político – decisão política fundamental (Carl Schmitt) É o documento formal e solene, conjunto de normas jurídicas, que dispõem sobre a organização fundamental do Estado e orienta seu funcionamento, além de estabelecer garantias aos direitos individuais e coletivos. Schmitt estabeleceu uma distinção entre Constituição e leis constitucionais: a Constituição disporia somente sobre as matérias de grande relevância jurídica, sobre as decisões políticas fundamentais (...); as demais normas integrantes do texto da Constituição seriam, tão-somente, leis constitucionais. Em sentido sociológico (Ferdinand Lassalle) É soma dos fatores reais de poder que existem em determinado país, consistindo a lei escrita meramente em uma formalização desses poderes. Dentre essas forças, ele destacava a monarquia, a aristocracia, a grande burguesia, os banqueiros e, com específicas conotações, a pequena burguesia e a classe operária. Para Karl Marx, a Constituição, norma fundamental da organização estatal, seria um mero instrumento nas mãos da classe dominante, com o fim de assegurar a manutenção de seus interesses, dentro de um dado tipo de relações de produção. Constituição em sentido puramente jurídico (Hans Kelsen) É a norma fundamental hipotética, que serve de fundamento lógico de validade da norma positiva suprema, dentro de um ordenamento jurídico, que regula a criação de outras normas. Essência da Teoria Pura do Direito: desvincular a ciência jurídica de valores morais, políticos, sociais ou filosóficos. Kelsen desenvolveu dois sentidos para a palavra Constituição: a) sentido lógico-jurídico; b) sentido jurídico-positivo. Sentido lógico-jurídico Constituição significa a norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da Constituição em sentido jurídicopositivo. Para Kelsen, a norma jurídica não deriva da realidade social, política ou filosófica. O fundamento de validade não está na realidade social do Estado, mas sim na relação de hierarquia existente entre elas. Uma norma inferior tem fundamento na norma superior, e esta tem fundamento na Constituição positiva. Esta, por sua vez, se apóia na norma fundamental hipotética, que não é uma norma positiva (posta), mas uma norma imaginada, pressuposta, pensada. Sentido jurídico-positivo Constituição corresponde à norma positiva suprema, conjunto de normas que regulam a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau. Ou, ainda, corresponde a certo documento solene que contém um conjunto de normas jurídicas que somente podem ser alteradas observando-se certas prescrições especiais. Dessas concepções de Constituição, a relevante para o Direito moderno é a jurídico-positiva, a partir da qual a Constituição é vista como norma fundamental, criadora da estrutura básica do Estado e parâmetro de validade de todas as demais normas. Constituição em sentido material (ou substancial) É o conjunto de normas cujo conteúdo seja considerado propriamente constitucional, isto é, essencial à estruturação do Estado, à regulação do exercício do poder e ao reconhecimento de direitos fundamentais aos indivíduos. Consoante ensina Paulo Bonavides, “do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”. Constituição em sentido formal O conceito formal de Constituição diz respeito à existência, em um determinado Estado, de um documento único, escrito por um órgão soberano instituído com essa específica finalidade, que contém, entre outras, as normas de organização política da comunidade e, sobretudo, que só pode ser alterado mediante um procedimento legislativo mais árduo, e com muito maiores restrições, do que o necessário à aprovação das normas não constitucionais pelos órgãos legislativos constituídos. Nesse documento poderá haver normas de qualquer conteúdo. É evidente que as normas fundamentais concernentes à estruturação e ao funcionamento dos poderes estatais, bem como os direitos fundamentais dos cidadãos, deverão constar dessa Constituição escrita. Entretanto, inúmeras outras disposições, tratando virtualmente de qualquer matéria que o constituinte entenda por bem alçar ao status constitucional, poderão figurar no texto da Constituição formal.