I.A Morgan Stanley Capital International (MSCI) Indices acaba de anunciar a transição do segmento do mercado bolsista de Portugal para o universo dos índices representativos dos mercados de maior nível de desenvolvimento a partir do próximo dia 2 de Dezembro. Portugal abandonará, assim, o âmbito dos índices relativos aos mercados emergentes, onde tem actualmente a companhia de países como a Grécia, a Turquia, o Brasil, a Argentina ou o México. Passará a fazer parte dos índices europeus e mundiais onde se incluem, entre outros, a Alemanha, o Reino Unido e os Estados Unidos da América. Este acto – praticado por uma entidade independente e de grande dimensão e credibilidade internacional – encerra em si um grande significado. Em primeiro lugar, marca o reconhecimento de que Portugal tem um nível de desenvolvimento económico e social que — sem ser ainda o que todos desejamos — já nos posiciona claramente mais próximos dos países mais industrializados do que dos países de desenvolvimento ainda emergente e periférico. Importa a este propósito recordar que o PIB per capita português ultrapassa claramente o patamar definido pelo Banco Mundial para separar os países de elevados rendimentos dos demais. Em segundo lugar, aquele evento significa também o reconhecimento internacional da sustentabilidade do processo de desenvolvimento nacional e da adequação estruturante das políticas macro-económica e financeira que têm vindo a ser prosseguidas. Com este acto, a Morgan Stanley reconheceu que Portugal tem vindo a seguir políticas claras – tanto ao nível da convergência nominal como no âmbito da convergência real – que permitem antever um crescimento económico sustentável e que nos posicionam no primeiro grupo de países que aderirão ao EURO. Tratou-se também do reconhecimento de que estas políticas têm suporte em reformas estruturais que estimulam a competitividade doméstica e internacional do nosso aparelho produtivo. Em terceiro lugar, mas não menos importante, a inclusão de Portugal nos índices próprios dos mercados mais desenvolvidos, é também o reconhecimento internacional de que o nosso mercado de capitais apresenta na actualidade características próximas e similares daquelas que se encontram reunidas nos mercados de maior maturidade, seja na Europa, seja no mundo inteiro. Também eu estou plenamente convencido de que o nosso mercado de capitais é – nos dias de hoje – um mercado moderno, fiável, transparente e eficaz. Não significa isto que esse mercado não possa e não deva sofrer transformações que induzam a uma maior eficiência e a uma maior competitividade internacional. Por outra parte, a inclusão de Portugal no âmbito dos índices relativos aos mercados desenvolvidos induz vantagens directas e indirectas para o nosso mercado de capitais e para o nosso país. Como é sabido, os índices da Morgan Stanley são uma referência importante para os critérios de decisão de investimento de muitos investidores institucionais internacionais. Portugal passará, portanto, a estar mais intensamente, e de forma definitiva, no horizonte das suas decisões de investimento. Estamos, por isso, perante uma boa notícia. II. Hoje em dia vivemos num mundo quase sem fronteiras para transacção de mercadorias, pessoas e tecnologia e de total franquia ao nível da circulação de informação e de capitais. A gestão de fundos de investimento, fundos de pensões, companhias de seguros e de gestão de patrimónios procede-se cada vez mais numa lógica global em busca da melhor alternativa em termos de rendibilidade e risco e sem qualquer preconceito de natureza geográfica. A redistribuição de capitais obedece pois, crescentemente, a uma lógica planetária. Os Senhores Presidentes da Cimpor e da Portugal Telecom, aqui presentes, sabem muito bem por experiência própria o que significa ter accionistas em Londres, Frankfurt, Basileia, Nova Iorque ou Chicago. O Senhor Presidente da EDP, também aqui presente, saberá igualmente em muito breve prazo o que isto quer dizer. De outra parte, dentro de algum tempo teremos a nível europeu uma moeda única com circulação num espaço alargado do qual Portugal fará parte desde a primeira hora – estou disso fortemente convicto. Convicção que aliás é cada vez mais partilhada por muitas instituições financeiras internacionais que vão manifestando esse mesmo pensamento em relatórios que periodicamente publicam. Ora, a grande missão que se depara ao Governo, às entidades de supervisão, às empresas, às bolsas, aos investidores, aos diferentes intermediários financeiros e a vocês – analistas financeiros – assim como a outros grupos profissionais – incluindo os órgãos de comunicação social – que actuam no centro ou na órbita do mercado de capitais português é assegurar o seu crescimento e o seu desenvolvimento sustentado. O mercado de valores mobiliários em Portugal – como todo o sistema financeiro português – poderá e deverá não só ser capaz de disponibilizar os meios competentes e eficazes para que as empresas captem recursos e os investidores possam aplicar as suas poupanças no mercado de modo eficiente, como também deverá ser um sector gerador de emprego qualificado, indutor do acréscimo do nível de vida do nosso país, num crescendo de aproximação aos padrões mais elevados da União Europeia. Devemos, portanto, todos, desejar um mercado que seja ele próprio um centro de criação de riqueza e não meramente um pólo insignificante ao nível da circulação mundial de capitais. É com ambição consciente e não com medo ignorante que se moldará o papel do mercado de capitais português no futuro. III. Para tanto, é preciso estar ciente do papel de âncora que tem de ser desenvolvido por um mercado à vista com dimensão e massa crítica adequada. Um tal mercado é “matéria-prima” indispensável a outras áreas da actividade financeira, como os derivados. Diga-se a propósito que o mercado gerido pela Bolsa de Derivados do Porto tem confirmado os méritos que eram atribuídos à sua criação e tem registado um nível de crescimento significativo ao longo do seu primeiro ano de actividade ainda incompleto. O mercado de bolsa tem – repito – um papel de âncora importantíssimo para todo o sistema financeiro nacional. É preciso é evitar que as transacções de acções das grandes empresas portuguesas se façam fora de Portugal; sem a intervenção de intermediários financeiros nacionais; sem a opinião de analistas financeiros portugueses; sem a utilização dos mecanismos de liquidação e compensação aqui existentes; sem a intervenção supervisora das autoridades nacionais; sem a possibilidade de participação dos investidores nacionais. Só assim será possível ter um mercado de capitais que seja fonte de financiamento directo e de obtenção de capitais próprios para as empresas nacionais e constitua um estímulo forte ao desenvolvimento económico e ao progresso social, enquanto sistema organizado e estruturado de recolha e canalização directa da poupança para o investimento produtivo ou de redistribuição do risco. As privatizações têm tido e terão neste contexto um papel importantíssimo. Com efeito, o nosso mercado à vista, apesar de ainda algo exíguo em termos de dimensão, tem vindo a sofrer e continuará a sofrer de um crescimento rápido por força da política de privatizações. Esta é uma verdadeira revolução estruturante. Ao nível das transacções, por exemplo, o volume de transacções de acções em mercado secundário na Bolsa de Lisboa cresceu cerca de 74 por cento – repito 74 por cento – em 1996. Segundo as estatísticas da European Stock Exchange Statistics em nenhuma outra Bolsa europeia se contabilizou idêntico registo. A capitalização bolsista, pela primeira vez se atingiu e ultrapassou os dez mil milhões de contos – em concreto, 10647 milhões de contos no final de 1996 – atingindo por isso cerca de 64 por cento do PIB quando em 1994 essa percentagem não ultrapassava os 52 por cento. Também ao nível da liquidez todos os indicadores denotam um incremento generalizado dos níveis de liquidez, ainda que se continue a notar uma excessiva concentração das transacções em torno das 20 acções mais transaccionadas, as quais representaram 82 por cento do volume de transacções concretizado no mercado de cotações oficiais em 1996. Os índices de cotações têm vindo a registar uma apreciação considerável, a par de uma crescente sintonia com a evolução dos padrões internacionais. Temos, portanto, um mercado subjacente que tem vindo a concretizar um potencial de crescimento sustentado para o qual muito tem contribuído – repito – a admissão à cotação de acções privatizadas. São empresas como a Portugal Telecom, a Cimpor e, em breve, a EDP, que permitirão dar consistência, profundidade e regularidade ao mercado de bolsa nacional. A aplicação preferencial das receitas das privatizações na redução do peso da dívida pública no PIB contribui também para o incremento do peso do sector accionista comparativamente ao segmento obrigacionista e, por conseguinte, para a redução do peso do Estado nos mercados financeiros. A privatização de empresas não financeiras induz também um ajustamento desejável da estrutura da capitalização bolsista, até agora excessivamente influenciada por empresas financeiras. Deste modo, o mercado de bolsa passará a espelhar melhor a economia real. IV.Não fique, porém, na consciência de algum dos presentes a ideia de que o contributo das privatizações é apenas quantitativo. As privatizações não significam somente “capitalização bolsista” e “transacções em bolsa”. Há também um domínio qualitativo no papel que as privatizações têm e podem continuar a ter no quadro do desenvolvimento do mercado de capitais português. Desde logo, as operações de privatização são uma oportunidade única para que o mercado de capitais e as empresas portuguesas objecto de privatização sejam apresentadas nas principais praças internacionais dando-lhes notoriedade internacional que beneficiará toda a economia nacional. As operações de privatização são o veículo para a internacionalização de algumas principais empresas nacionais não só ao nível operacional e comercial, mas também ao nível financeiro. Por outro lado, a existência de um programa de privatizações definido atempadamente, com objectivos claros e com execução rigorosa induz a um ganho de credibilidade de todo o mercado de capitais nacional e de toda a economia nacional no contexto internacional. As privatizações permitem ainda aos intermediários financeiros nacionais – e designadamente aos bancos de investimento – a apropriação de conhecimento, de experiência e de contactos que de outro modo lhes estariam vedados. Por exemplo, o Governo tem vindo a impor a participação de bancos de investimento nacionais nos sindicatos de colocação internacional de modo a permitir que os mesmos ganhem visibilidade e experiência. As privatizações têm permitido o alargamento da base accionista nacional e o aprofundamento e diversificação dos conhecimentos da população em geral relativamente aos mercados de capitais, pois constituem o veículo pelo qual muitos investidores tomam um contacto inicial com o investimento em acções. As privatizações têm sido fonte de inovação ao nível da própria arquitectura das operações de mercado de capitais. O “bookbuilding”, o “pré-registo”, o “greenshoe”, as “operações de dispersão internacional”, o “clawback” e o “clawforward” seriam possivelmente conceitos desconhecidos nas ofertas públicas nacionais se não tivessem tido demonstração prática em operações de privatização. Entretanto alguns desses conceitos têm sido aplicados em ofertas concretizadas por agentes económicos privados. O efeito de demonstração do Estado tem também neste domínio uma grande importância. Em suma, as privatizações têm dado um contributo quantitativo e qualitativo importante para a remoção de algumas das deficiências estruturais do mercado de valores mobiliários. São indiscutivelmente a oportunidade – provavelmente única – de criação de um mercado bolsista português com dimensão e profundidade que seja o pólo em torno do qual gravitem muitas das actividades de intervenção financeira actualmente existentes ou que o engenho da inovação venha a criar.§